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Da obrigatoriedade no fornecimento de laudo médico ou de prontuário médico ao paciente.

Da obrigatoriedade no fornecimento de laudo médico ou de prontuário médico ao paciente.

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Trata-se de consulta formulada por servidora pública, com o fim de requerer laudo médico neurológico, ou cópia de prontuário médico, que ateste a moléstia de sua genitora, bem como a necessidade de cuidados permanentes por parte dela.

Requerente: L. G. S. L.

Ementa: REQUERIMENTO DE HORÁRIO ESPECIAL. DIREITO À SAÚDE. CONSTITUIÇÃO. LEI 13.70/2016. LAUDO MÉDICO. PRONTUÁRIO MÉDICO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.  

DA CONSULTA 

Trata-se de consulta formulada pela Senhora L. G. S. L. servidora pública; com objetivo de expor os Direitos e, consequentemente,  requerer laudo médico neurológico ou cópia de prontuário médico, junto à Dra. P.M.G, que ateste o acompanhamento médico, com a data de início da incapacidade laborativa, e ateste, também, a necessidade dos cuidados da requerente, em função da doença da sua genitora a Senhora M.G.S.

Pelas razões de fato e de Direito a seguir expostas.


DOS FATOS

A Senhora M.G.S tem necessitado, constantemente, de cuidados especiais de uma terceira pessoa, em função do AVC que sofreu, tendo como consequência a paralização (parcial) do lado esquerdo e a presença de sintomas do Mal de Alzheimer, situação que a tem impedido de continuar com a sua rotina de vida, caracterizando-a, segundo a LEI Nº 13.146, DE 6 DE JULHO DE 2015,  como Pessoa Com Deficiência (PCD):

O Art. 2º da lei acima,  atribui o conceito de pessoa com deficiência àquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, a qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

A Senhora acima mencionada possui apenas três filhos (Duas mulheres e um homem): O filho homem é casado e reside na mesma cidade da Senhora L. G. S. L., no entanto, trabalha como vendedor e viaja frequentemente, não tendo uma rotina fixa de trabalho, não podendo, portanto, se comprometer a cuidar da saúde da sua mãe. A filha mais velha reside e trabalha em outro município, impossibilitando-a, também, de cuidar da sua genitora.

Nesse diapasão, a alternativa mais viável é a sua filha mais nova, a senhora L. G. S. L., quer seja por questões habitacionais, pois a mesma mora com a sua mãe há bastante tempo; quer seja por questões emocionais, já que sua mãe se mostra extremamente apegada a sua filha mais nova.

Nos últimos meses, a Senhora L. G. S. L., tem se desdobrado entre os suas funções no ambiente de trabalho, pois possui dois vínculos efetivo de servidora pública, com uma carga horária de 12 horas por dia! E se desdobrado, também, com os cuidados especiais que sua mãe vem necessitando em razão das suas deficiências físicas e mentais.

Essa rotina, muitas vezes exaustiva e degradante, tem repercutido em seu desempenho profissional. Ocasionando situações desconfortáveis junto aos seus colegas de trabalho (por questões de cumprimento de horário) e com os seus próprios irmãos.

Por vezes, a requerente tentou contratar pessoa para cuidar da sua mãe, a fim de dar prosseguimento a sua rotina de trabalho e de vida; contudo, essa tentativa se mostrou ineficaz, pois a sua mãe, por ser muito próxima da requerente, e está fragilizada com toda a situação, não se adequou à pessoa contratada.

Diante da necessidade de estar zelando pela  integridade física, mental e emocional da sua genitora, a requerente, muitas vezes, tem passado por situações vexatórios onde desempenha suas funções de trabalho.  

Por todo o exposto, a requerente demanda horário mais flexível e reduzido, onde possa desempenhar suas funções de trabalho compatível com os cuidados atribuídos a sua mãe. Para tanto, requer desta profissional laudo médico neurológico ou prontuário médico, que ateste a incapacidade e a necessidade dos cuidados a sua genitora.

É o relatório. Passo a opinar.


DA FUNDAMENTAÇÃO

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 229 e 230, dispõe sobre a responsabilidade civil e parental dos filhos para com os pais e da sociedade para com os idosos, sobretudo em situações de fragilidade física ou emocional. Estabelecendo, assim, os deveres e os cuidados que precisam ser observados:

Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.

Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida. (BRASIL, 1988). (Grifos nossos).

De acordo com a segunda parte do Art. 229 da CF/88, os filhos maiores devem prestar assistência aos pais na velhice, como forma de retribuir-lhes os cuidados que tiveram na infância ou enquanto menores incapazes. Assim, a omissão nos cuidados que os pais demandam em idade avançada, configura-se como um ato antiético, egoísta e criminoso, pois, conforme Legislação moderna e entendimento jurisprudencial, o abandono de incapaz se configura como crime.

Nesse sentido, os pais, conforme a idade e as peculiaridades que os acompanham ao longo da vida, podem exigir dos seus filhos os cuidados especiais dos quais necessitam. Como estabelece, também, o art. 1634, senão vejamos:

Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos: (...)

IX - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição. (Incluído pela Lei nº 13.058, de 2014).

Nesse mesma perspectiva, de cuidado dos filhos para com os pais e da prioridade em assegurar à pessoa idoso o direito à saúde; o Estatuto do Idoso, regido pela  LEI No 10.741, DE 1º DE OUTUBRO DE 2003, estabelece que:

Art. 3º É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

Assim, o abandono afetivo do idoso pode gerar danos irreparáveis tanto mentais, quando emocionais. É saliente, lembrar que o abando afetivo inverso não possui o escopo de obrigar aos filhos a amarem seus pais idosos, mas possui como verdadeiro fim a proteção dos indivíduos acobertados por maior vulnerabilidade, como os menores e os próprios idosos. Frisa-se que tal instituto encontra respaldo no princípio de que a ninguém é dado o direito de ocasionar prejuízos a outrem, materializado pelo art. 186 do Código Civil e base fundadora da Responsabilidade Civil, e se assim o fizer deverá compensar o dano causado. (MARCHIORO, 2014, p. 28).

Conforme Desembargador Jones Figueirêdo, sobre o significado do abandono efetivo inverso: Abandono afetivo inverso é a inação de afeto, ou mais precisamente, a não permanência do cuidar, dos filhos para com os genitores, de regra idosos, quando o cuidado tem o seu valor jurídico imaterial servindo de base fundante para o estabelecimento da solidariedade familiar e da segurança afetiva da família. (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, Recurso Especial 1159242).

Sob a ótica do caso em tela, a requerente tem a honradez de cuidar da sua mãe, enquanto pessoa idosa, com deficiências e incapaz de realizar suas atividades diárias. No entanto, conforme exposto acima, os horários e a rotina de trabalho tem lhe sobrecarregado e a impedido de fazer tal coisa.  

De acordo com a Lei 13.370/2016, o servidor que tenha CÔNJUGE, FILHO ou DEPENDENTE com DEFICIÊNCIA possui direito a horário especial, sem necessidade de fazer compensação.

Assim, passemos agora a analisar o que diz a legislação acerca dos servidores públicos que possuem dependentes com deficiência e que necessitam de cuidados por parte do servidor:

 Art. 98.  Será concedido horário especial ao servidor estudante, quando comprovada a incompatibilidade entre o horário escolar e o da repartição, sem prejuízo do exercício do cargo.

 § 2o  Também será concedido horário especial ao servidor portador de deficiência, quando comprovada a necessidade por junta médica oficial, independentemente de compensação de horário.                     (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

 § 3o  As disposições constantes do § 2o são extensivas ao servidor que tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência.                         (Redação dada pela Lei nº 13.370, de 2016) (grifos nossos).

 Ao servidor que tenha cônjuge, filho ou dependente portador de deficiência física, quando comprovada a necessidade por junta médica oficial, será concedido horário especial, independentemente de compensação de horário (com fundamento na Lei nº. 13.370/2016). Nota-se que esse Direito Constitucional deve ser garantido pelos profissionais da saúde com relação aos seus pacientes:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[]

XIV é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;  (BRASIL, 1988).

Explica-se.

O prontuário médico é um documento elaborado pelo profissional e é uma ferramenta fundamental para seu trabalho. Nele constam, de forma organizada e concisa, todos os dados relativos ao paciente, como seu histórico familiar, anamnese, descrição e evolução de sintomas e exames, além das indicações de tratamentos e prescrições. Feito no consultório ou hospital, o prontuário é composto de informações valiosas, tanto para o paciente, como para o próprio médico. Seu principal objetivo é facilitar assistência ao paciente.

Apesar do termo prontuário médico, este documento é de propriedade do paciente, que tem total direito de acesso e pode solicitar cópia. Ao médico e ao estabelecimento de saúde cabe sua a elaboração e a guarda. (Conselho Federal de Medicina).

Ainda nesse sentido, o Conselho de Ética Médica, em seu Capítulo X, dispõe:

É vedado ao médico:

Art. 86. Deixar de fornecer laudo médico ao paciente ou a seu representante legal quando aquele for encaminhado ou transferido para continuação do tratamento ou em caso de solicitação de alta.

[]

Art. 88. Negar, ao paciente, acesso a seu prontuário, deixar de lhe fornecer cópia quando solicitada, bem como deixar de lhe dar explicações necessárias à sua compreensão, salvo quando ocasionarem riscos ao próprio paciente ou a terceiros. (Código de Ética da Medicina).

Por fim, à requerente é assegurado o direito de obter um laudo médico neurológico ou prontuário médico, capaz de comprovar a necessidade dos cuidados especiais da sua mãe, com fulcro de obter horário especial junto ao órgão a que é vinculada, no departamento responsável por essa concessão. Para tanto, a requerente, deve estar munida de laudo médico que ateste esse pedido.


CONCLUSÃO 

Pelo exposto, respondendo ao questionamento formulado na consulta, entende-se que a requerente possui o direito ao horário especial, por ter como dependente sua genitora com limitações físicas e metais, conforme o Artigo 98 § 3º da Lei 13.370/16.

Interpreta-se, também, que a requerente tem o direito de obter, desta Instituição de Saúde, laudo médico neurológico ou o prontuário médico, conforme artigo 5º da CF/88 e artigo 86 do Conselho de Ética Médica.

É o parecer.

Petrolina, 07 de novembro de 2021.

DIALLES NOGUEIRA BARROS

OAB/PE nº 45.778


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