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Preservação de territórios sagrados para as religiões de matriz africana

Preservação de territórios sagrados para as religiões de matriz africana

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No presente trabalho, encontram-se pioneiras linhas acerca da preservação de bens culturais de matriz africana, para o exercício do direito constitucional à liberdade religiosa, e para a garantia da preservação do patrimônio cultural brasileiro.

Resumo: No presente trabalho, encontram-se pioneiras linhas acerca da preservação de bens culturais de matriz africana, a partir do estudo do regramento constitucional atinente ao tema, das condições materiais e simbólicas necessárias para o exercício do direito constitucional à liberdade religiosa, e para a garantia da preservação do patrimônio cultural brasileiro. As dificuldades para o enfrentamento da tarefa, a exemplo do Racismo Ambiental, e algumas possibilidades de superação dos desafios são acostadas antes da derradeira parte, uma conclusão propositiva.

Sumário: 1. Introdução, 2. Preservação de bens culturais de matriz africana, 3. Tutela constitucional da cultura e das religiões de matriz africana, 4. Condições materiais e simbólicas, a-espaços rituais públicos, b-espaços rituais privados, 5. Racismo ambiental e liberdade religiosa, 6. Possibilidades: anti property rights (apr’s), advocacy planning, tombamento, 7. Considerações finais, 8. Referências.


1. Introdução

No presente artigo pretendemos discutir possibilidades de preservação e usos sustentáveis de territórios sagrados para as religiões de matriz africana mediante a análise de institutos expressamente previstos no ordenamento jurídico brasileiro, a exemplo do Tombamento, assim como de outros institutos autorizados pela rubrica geral "outras formas de acautelamento e preservação" trazida pelo texto constitucional, tais como o Advocacy Planning e do Anti-Property Rights (APR’s). Adotamos a noção de bem cultural fundada numa das mais elementares manifestações da cultura humana, a religiosidade, e, por conseguinte, nas condições materiais e simbólicas necessárias à reprodução litúrgica material e social, destacadamente os territórios sagrados, os espaços físicos marcados pela utilização litúrgica de ancestralidade africana, sejam os mesmos públicos ou privados.

Tal iniciativa justifica-se, por um lado, pelo recrudescimento das reivindicações dos movimentos negros organizados e, por outro lado, pela escassez de trabalhos jurídicos orientados ao estudo relacionado aos aludidos pleitos, em que pese o fértil terreno de possibilidades, o qual tem sido explorada pelos setores turísticos, publicitários, partidários, em outras palavras, a introdução de novos itens em uma agenda sócio-política e econômica nacional requer investigações jurídicas que apontem seus limites e possibilidades dentro de marcos zetéticos e dogmáticos, orientando-se por uma compreensão que abarque as soluções de várias experiências jurídicas nacionais e estrangeiras.

O trabalho encontra-se estruturado do seguinte modo: primeiro, esta introdução encarregada de apresentar o objetivo e a justificativa do trabalho, segundo, a descrição de forma sucinta das demais partes do trabalho, quais sejam, colocação de desafios enfrentados pelas políticas de preservação de bens culturais de matriz africana, fundamentos constitucionais para a proteção de bens necessários para as liturgias de matriz africana, delineamento de dimensões da religiosidade africana reelaboradas no Brasil fundamentais para o entendimento do trabalho, obstáculos trazidos por formas de Racismo Ambiental ao livre exercício do direito constitucional à liberdade religiosa, e por fim, a oferta de propostas para o tratamento das questões levantadas.


2. Preservação de bens culturais de matriz africana

Preservação pode compreender toda e qualquer ação do Estado que vise conservar a memória de fatos ou valores culturais de uma Nação (Castro: 1991), materializados em seus bens de natureza material e/ou imaterial. As políticas de preservação no país, durante muito tempo, foram marcadas pela valorização de edificações históricas, os sítios de pedra e cal, o que valeu aos órgãos de patrimônio inúmeras alusões ao caráter elitista das escolhas em processos de tombamento. Podemos falar em um novo período de reconhecimento de identidades e novas possibilidades de exercício de direitos.

Entretanto, nos últimos anos, as políticas de preservação do legado cultural do povo brasileiro têm sido orientadas à valorização de manifestações que expressam imaterialmente a alma do povo brasileiro não representado historicamente pelas decisões de preservação por parte do Estado.1 Desse modo, a herança cultural legada pelos africanos em toda a diáspora negra, constituinte de um dos aspectos mais significativos nos processos de construção de identidades e referenciais, tem tido expectativas referentes a sua valorização como um indicador do deslocamento da política oficial brasileira.

A cultura, principal característica humana, foi definida em termos de uma operação pela qual temos condicionada a nossa visão de mundo, a realização de apreciações de ordem moral e valorativa, e o estabelecimento de diferentes posturas corporais e comportamentos sociais estabelecidos, tendo como ponto de referência um grupo, e não a humanidade. (Laraia: 2001)

A incipiente consolidação de uma política cultural democrática em um país multiétnico como o Brasil exigiu a ampliação do universo de atuação dos órgãos afetos a garantir a preservação do patrimônio cultural. A insuficiência das políticas de preservação outrora praticadas no Brasil, as quais vão lentamente cedendo espaço a novas atitudes, reside exatamente na impossibilidade de reconhecer e valorizar os aspectos da produção cultural das comunidades negras e de outros grupos em desvantagem.

Há uma bifurcação na relação jurídica quanto ao objeto da preservação, uma enquanto coisa apropriável, objeto do direito de propriedade, outra, como bem não econômico que, a partir do reconhecimento de seu valor cultural deve ser protegido. Conforme veremos adiante, tal reconhecimento pode ser feito pelo Poder Executivo, pelo Poder Legislativo, ou mesmo pelo Poder Judiciário, através dos meios capazes de definir se há interesse jurídico no bem, tornando-o de interesse geral.

Os terreiros2, territórios sagrados para os povos de religiões de matriz africana, por exemplo, se traduzem em um bem cultural digno de receber proteção por preencher os requisitos acima aventados, bem como pelo fato de desempenhar função primordial na transmissão de valores culturais de comunidades descendentes de africanos3. A despeito disso, em todo o território nacional, existem apenas seis terreiros de candomblé tombados pelo IPHAN. Órgãos patrimoniais estaduais também têm realizado tombamentos de terreiros de candomblé, assim como municípios por via legislativa4.

Nesses espaços encontram-se representadas partes da história da cultura negra no Brasil, e o tombamento dos mesmos revelam o alargamento da política de preservação brasileira, na qual se vê um progressivo aumento da valorização de manifestações culturais de matriz africana enquanto referências civilizatórias relevantes para todos os brasileiros. (Amaral: 2005)

Cumpre ressaltar o fato de que não estamos defendendo uma política de banalização do tombamento desses espaços, sobretudo, por sabermos dos meandros das decisões de tombamentos, nas quais valem mais a notoriedade e o poder de influenciar decisões dos interessados do que o valor do bem propriamente dito. Dito de outro modo, um terreiro que não conte com membros de notoriedade nos espaços de poder pode ter menos chances de ser notabilizado, de ver declarada sua excepcionalidade, do que um terreiro desprovido das virtudes do primeiro, mas que tenha capacidade de notabilizar-se pela presença de filhos e filhas ilustres, ou ainda porque há comunidades de terreiros que rechaçam a idéia delas mesmo serem tombadas.

O Estado brasileiro através de suas instituições responsáveis, perde a oportunidade de cumprir seu dever legal, promovendo a salvaguarda de um conjunto de manifestações, valores e símbolos da memória de todo um grupo étnico componente do povo brasileiro. Desse modo, pratica-se o Racismo Institucional, e o fato é que, até o presente momento, a possibilidade de realizar tombamentos de terreiros aptos e interessados5 não foi concretizada.

Enquanto Glass Ceiling refere-se a obstáculos não palpáveis que condicionam o acesso de negros e mulheres qualificados a espaços de prestígio e poder, o conceito de Racismo Institucional refere-se a políticas institucionais que, sem o suporte da teoria racista de intenção, produz conseqüências desiguais para os membros das diferentes categorias raciais. (Rex: 1987).

Apoiado nesse entendimento, podemos afirmar que os sistemas de crenças, os quais sugerem que uma categoria de indivíduos é, por qualquer razão determinista, incapaz de se mover de uma posição social para a outra (Racismo) e as políticas destinadas a impedir este movimento (Racialismo) são dois conceitos que nos ajudarão a compreender o tema. Até porque, o Racismo Institucional, neste sentido, se traduz numa espécie de Racialismo inconsciente.

O Racismo Institucional conta com um fator objetivo, qual seja, a consciência da prática do comportamento discriminatório não é elemento necessário para a caracterização da prática, em outras palavras, aquele que produz efeitos desiguais para grupos étnicos diferentes, sem motivação justa, está sendo racista ainda que não queira produzir o resultado deliberadamente.

Os papéis, no diálogo a ser estabelecido pra concretização de situação reversa, devem levar em consideração a imperativa ação concorrente dos entes federados e da população enquanto protagonista dessas ações, verdadeiros agentes na definição das políticas de um Estado que busca ser participativo como o Brasil. A exclusão das comunidades negras não combina, pois, com aspirações de estabelecimento de diálogos preservacionistas democráticos. Igualmente, práticas involuntárias e/ou voluntárias de eliminação física dessas comunidades6 não se harmonizam com valores positivados em nossa Carta Maior7.


3. Tutela constitucional da cultura e das religiões de matriz africana

A tutela de um bem componente do patrimônio cultural brasileiro pode ocorrer nos planos nacional, estadual e municipal. Tal estrutura respeita o sistema federativo brasileiro e sua divisão constitucional de competências sobre a matéria. Historicamente, podemos situar na constituição brasileira de 1934, o lugar em cujo foi consagrada, pela primeira vez, a preservação do patrimônio cultural nacional. A Constituição brasileira de 1937 inovou, ampliando também a competência para preservação aos municípios. Alguns avanços e retrocessos nas constituições seguintes, o termo monumento foi substituído por patrimônio, e partes das redações anteriores foram repetidas pelas constituições subseqüentes, em alguns casos, com algumas alterações supressivas. (Reisewitz: 2004)

Na constituição vigente, o sistema de competências a que estão submetidos os bens ambientais culturais encontra-se radicado nos artigos 23 e seguintes, os quais dispõem que a competência material é comum à União, Estados, Distrito Federal e Municípios, o que respeita o critério da indivisibilidade do bem, portanto do interesse difuso que sobre ele recai. Quanto à competência legislativa, os dispositivos constitucionais informam o caráter concorrente (art. 24), suplementar (art. 25), e ainda reservam ao Distrito Federal as mesmas competências legislativas atribuídas aos Estados e Municípios, no que diz respeito a preservação de bens consoante a relevância regional e/ou nacional. Quanto à competência jurisdicional, a Justiça Estadual tem competência residual, ou seja, examinará todas as questões que não se enquadrarem no rol de competências da Justiça Federal enumerado pelo artigo 109 da Constituição.

Conforme podemos notar, a pedra de toque para a repartição das competências relativas a tutela jurídica do meio ambiente cultural na Constituição Federal de 1988 é a predominância do interesse, cabendo à União os assuntos de interesse nacional, aos Estados-membros aqueles de interesse regional, e aos Municípios os de interesse local. (Reisewitz: 2004)

O dever do Estado de proteger o patrimônio cultural gera a obrigação do exercício do poder de polícia cultural, assim como da adoção de várias formas de acautelamento e preservação do patrimônio cultural, das quais a mais celébre é o tombamento. Importante questão que se coloca são as múltiplas maneiras pelas quais o legislador constituinte se referiu ao Patrimônio Cultural8, sendo que todas têm a mesma conotação, a de patrimônio cultural enquanto valores, símbolos e manifestações de um povo.

A Constituição do Estado da Bahia em seus capítulos XXIII, Do Negro, e XV, Da Cultura traz avançadas disposições atinentes a preservação do patrimônio cultural de referência africana. Um ano depois da promulgação da Constituição Federal, portanto, o ordenamento jurídico baiano já previa normas de eficácia imediata com o condão de produzir efeitos semelhantes ao de festejadas leis posteriores.9

A tutela constitucional da cultura de matriz africana encontra-se inscrita no quadro geral de proteção de bens culturais exposto acima. O diferencial reclamado no atual momento, em que decisões orientadas a preservar tal patrimônio começam a ser adotadas, diz respeito à inovação de procedimentos e adoção de novos olhares, isto porque executar planos de salvaguarda de um modo de fazer negro, ou realizar o tombamento de um terreiro não encontra paralelo procedimental, nem deve gerar iguais efeitos ao de uma ação de salvaguarda de uma igreja, ou de uma pinacoteca.

Quanto às religiões, enquanto diferentes relações existentes entre a pessoa humana e o chamado poder sobre-humano no qual ela acredita ou do qual se sente dependente, brotam do âmago das questões existenciais surgidas em diferentes culturas e encontram-se absolutamente vinculadas aos modos de viver dos diferentes grupos civilizatórios formadores da politeísta sociedade brasileira. (Fiorillo: 2003)

Sucede que o artigo 5°, inciso VI, da Constituição Federal, resguardou a inviolabilidade da liberdade de consciência e crença, e assegurou o livre exercício dos cultos religiosos, além de garantir a proteção aos locais de culto e a suas liturgias. Ao fazer referência a proteção religiosa, o constitucionalista não excluiu, e nem poderia face ao princípio da igualdade, nenhuma das religiões praticadas no território nacional, visto que se traduzem em bens de natureza imaterial portadores de referência à identidade, à ação, à memória de grupos formadores da sociedade brasileira.

Neste trabalho, consideram-se religiões de matriz africana como sendo todas aquelas manifestações religiosas em que seus principais portadores trazidos da África, e seus descendentes lançam mão de expedientes ritualísticos orientados a reconhecer e adorar seus Ancestrais e Antepassados, bem como de ritos de preservação do estoque cultural africano reelaborado no Brasil, línguas, mitos, tradições.

As religiões de matriz africana, assim como as demais, apresentam certas peculiaridades que reclamam proteções diferenciadas das tradicionalmente oferecidas às demais religiões. Isto porque as exigências de manejo de espécies da fauna e da flora, bem como o acesso a recursos hídricos é parte fundamental da liturgia de louvor aos orixás, voduns, inquices, caboclos e encantados. O respeito à liberdade religiosa e a preservação dos bens culturais fundados na mesma requer a garantia da manutenção de seus condicionantes materiais e simbólicos.


4. Condições materiais e simbólicas

As religiões de matriz africana, como alhures mencionado, ostentam um bloco material mínimo de condições materiais e simbólicas necessárias ao livre exercício do direito constitucional à liberdade religiosa. Conforme a pesquisadora Maria de Lourdes Siqueira, existem quatro rituais básicos em religiões de tal denominação, a considerar, Oferenda, ato ritual por excelência; Bori, preparação individual; Xirê, festa pública; e Padê, ritual em homenagem a Exu. (Siqueira: 2004) Cada um deles mantêm profunda relação com a própria sobrevivência das religiões, e exigem diferenciados elementos para o seu livre desenvolvimento.

Afora os elementos de acesso exclusivo aos praticantes, podemos enumerar algumas dimensões afetas ao conhecimento do profissional do Direito como condição sine qua non para a definição do conteúdo e do alcance do direito em tela. Podemos mencionar dois conceitos jurídicos essenciais para a realização do direito à preservação desse patrimônio cultural brasileiro, a propriedade e os bens de uso comum do povo. Ambos por oportunizarem o desenvolvimento de relações de reprodução litúrgica, sejam em ambientes privados ou públicos.

O espaço mítico, ritual, místico, religioso, social, onde as comunidades praticantes se reúnem, convivem, trabalham, sob o poder central das entidades sobrenaturais, que realizam a intermediação entre o Ser Supremo e os seres humanos foram construídos a partir de processos de construção de identidades e de referenciais na dinâmica da formação da Cultura e Sociedade brasileira. (Siqueira: 2004) Tais espaços interpõem-se como verdadeiros corações de retroalimentação cultural para esses grupos.

4.1. Espaços públicos

Nas cidades de maior afluxo de adeptos de práticas da religiosidade de matriz africana, podemos observar cotidianamente o instrumental necessário às práticas nas vias públicas em que realizamos atividades cotidianas, mais ainda se nos dirigirmos a espaços tradicionalmente utilizados como santuários para os adeptos10. Ademais, a demarcação simbólica dos terreiros de candomblé nos autoriza a falar neles enquanto territórios, a partir da identificação de elementos como áreas verdes, composição específica da fauna e da flora11, significado simbólico da fauna, flora e disposição de objetos sagrados. (Dias: 2003)

Acontece que os territórios públicos, sagrados pela atribuição ritual que lhes é dada pelas comunidades religiosas, são indispensáveis para a reprodução social e material do grupo. Rituais de oferenda não podem ser realizados sem o acesso a cachoeiras, rios, mar, fontes e pontos de água doce ou salgada em geral, é igualmente impossível tal prática, sem o manejo de espécies da fauna e da flora.

A degradação ambiental, o crescimento de zonas de violência, os diversos usos irregulares de espaços públicos concorrem com a repartição concorrente de competências em matéria ambiental, e com negligência por parte do Poder Público para ameaçar bens culturais preservados pelos praticantes de religiões de matriz africana, e igualmente necessários para o livre desenvolvimento de suas relações culturais historicamente travadas. Ademais, tais relações guardam íntima relação com o processo de formação histórica nacional por meio de vários expedientes conformadores da cultura das comunidades negras brasileiras, portanto, merecedores de proteção conforme disposição constitucional.

4.2. Espaços privados

Quanto aos espaços privados despontam outros desafios para a preservação do patrimônio cultural e garantia do direito em tela, basicamente, deve-se assegurar meios de permanência dos terreiros nos seus locais em que se encontram e/ou de origem através de projetos de regularização fundiária, assim como garantir a não perturbação da ambiência do patrimônio a ser preservado. Exemplificativamente, a facilitação das condições de acesso aos títulos de propriedade e a prevenção de invasões por parte de extremistas religiosos de outras denominações podem se traduzir em excelentes meios de acautelamento.

O acesso aos títulos de propriedade contribuiria para a resolução de grande parte dos problemas com terceiros de má-fé, facilitaria o exercício do direito constitucional da imunidade tributária, além de oferecer tranqüilidade aos usuários do imóvel destinado para fim da mais elevada nobreza. Isto porque as religiões de matriz africana caracterizam-se pela reinvenção e recomposição de territórios dos negros de várias nações africanas submetidos ao processo de escravidão, na medida em que permitiu a preservação de elementos essenciais e sua identidade cultural, recriada a partir de um mosaico de etnias africanas pré-existentes, por africanos e seus descendentes, no contexto de amplos contatos interétnicos. (Dias: 2003)

A distribuição espacial dos imóveis num terreiro carrega profundo significado simbólico, ademais os elementos naturais situados ao redor do terreiro, via de regra, são considerados sagrados e dotados de grande função ritual. Tais associações faz com que muitos infiram a maior qualidade de processos de planejamento referenciados numa perspectiva negra, uma vez que, em tese, haveria uma maior presença de espaços verdes e destinados a sociabilidade do que os projetos implantados na maior parte das grandes cidades brasileiras.

Outro fator a ser apontado é o cuidado espacial que deve ser dado em iniciativas de acautelamento e preservação que aspire realizar alguma alteração física no espaço. A dicotomia estabelecida entre preservação e desaparecimento nos alerta da eventual cristalização provocada pelos processos de preservação, dentre eles o tombamento, nos quais deparamo-nos com uma exigência de imutabilidade dos edifícios votivos e demais conjunto arquitetônico e paisagístico acompanhado de uma exigência de ordem prática verificada historicamente, a saber, a adaptação e reelaboração simbólica e material das práticas da religiosidade negra africana. (Amaral: 2005)

Resta observar que na proteção do patrimônio cultural, o bem jurídico objeto da proteção embora se materialize na coisa, não é ela em si, mas sim seu significado simbólico, traduzido pelo valor cultural que ela representa, que por sua vez merece proteção em nome da presente e das futuras gerações. Devido às peculiaridades que cada bem apresenta, forçoso se faz que os órgãos do patrimônio disponham de condições de compreender os valores que determinam a derrubada ou a construção de um novo edifício votivo, não oferecendo qualquer resistência para a realização de tal empreitada, levando-se em conta o caráter dinâmico da cultura.12


5. Racismo Ambiental e Liberdade Religiosa

As desigualdades raciais que marcam a sociedade brasileira, e em particular a baiana, reclamam a especificação das manifestações do Racismo como pressuposto para a oferta de respostas competentes e orientadas a superação do quadro de desigualdade no acesso a direitos. Oportuno lembrar o caráter multifacetário das violações, conquanto a violação a um direito fundamental pode servir de porta para a violação de vários outros direitos.

No caso das religiões de matriz africana e da preservação de seus territórios sagrados, a indissociabilidade entre direitos fundamentais alcança contornos dramáticos. Isto porque, praticantes de religiões de matriz africana devem ter acesso a um meio ambiente sadio (recursos hídricos: mananciais de água doce, mares, etc, e espécies da fauna e da flora) como condição necessária ao exercício do direito fundamental à liberdade religiosa, que por sua vez oferece proteção jurídica não somente aos espaços privados de culto, mas também a todas as dimensões imprescindíveis à continuidade das liturgias, e, por conseguinte, das religiões.

O conceito Racismo Ambiental refere-se a práticas que voluntária ou involuntariamente definem a qualidade de vida e do ambiente em que as pessoas viverão, trabalharão, se deslocarão, e desenvolverão as demais atividades fundamentais à vida humana, a exemplo das práticas religiosas. Desse modo, a degradação ambiental pode servir como caminho para violação de outros direitos.

Com maior autoridade, "The problem of polluted black communities is not a new phenomenon. Historically, toxic dumping and location of locally unwanted land uses (LULUs) have followed the "path of least resistance", meaning black and poor communities have been disproportionately burdened with these types of externalities. However, organized black resistance to toxic dumping, municipal waste facility sitting, and discriminatory environmental and land-use decisions is a relatively recent phenomenon." (Bullard: 2000)

A preservação de territórios sacros se coloca como uma alternativa para a concretização e efetivação de direitos fundamentais, mediante a preservação de bens culturais de natureza material e imaterial. Dito de outro modo, a proteção do patrimônio cultural material e imaterial pode ser efetivada através da preservação de Territórios Sagrados para as religiões de matriz africana, através da gestão adequada destes espaços.

Uma proposta de gestão de espaços públicos utilizados para a realização de liturgias de religiões de matriz africana deve levar em consideração os diversos usos a que são afetos tais espaços, as práticas de Racismo Ambiental encontradas no interior desses espaços, as relações históricas mantidas pelas coletividades que se relacionam com tais espaços regular ou irregularmente.

Em suma, ferramentas de planejamento do Uso do Solo em Territórios Sagrados que tenham o condão de superar as barreiras ao exercício do direito constitucional à liberdade religiosa por parte dos praticantes de religiões de matriz africana devem passar pela análise das condições materiais e simbólicas necessárias ao livre exercício do direito constitucional à liberdade religiosa por parte do povo de santo, assim como pela análise dos critérios das práticas de planejamentos urbanos fundados em critérios racionais técnicos. Uma gestão garantista contém alternativas institucionais de soluções de eventuais, potenciais e presentes incompatibilidades entre as liturgias de matriz africana e as regulamentações do uso do solo mediante o comprometimento público e privado com a integridade dos espaços públicos de culto.


6. Possibilidades

A política de preservação mais consagrada ao longo do último século foi o tombamento. As motivações vão desde a pormenorização feita em nível infraconstitucional, passando pela longínqua data em que a lei do Tombamento foi promulgada, ainda na década de trinta do século passado, e também, pela forma participativa de elaboração do aludido decreto, pois, em que pese ter sido promulgado em período de regime de exceção, existiu ampla participação na sua elaboração, o que não permitiu que o ato fosse inquinado de qualquer vício de ilegitimidade. (Fiorillo: 2005)

A despeito desse largo uso do instituto do tombamento, o texto constitucional autoriza e fomenta a adoção de formas de preservação direta e indireta13 de bens culturais, são casos expressamente previstos, o uso de registros, inventários, vigilância, instrumentos legais de planejamento urbano14, todos estes dentro de um rol meramente exemplificativo, algumas operam ex-vi legis, outras requerem processo e ato administrativos. O termo preservação trata-se de um conceito genérico contemplado constitucionalmente na redação do parágrafo 1°, do artigo 216 do texto constitucional.

Antes de analisar o tão festejado instituto do tombamento, "outras formas de acautelamento e preservação" serão objeto de nossa atenção. Convém ressaltar, preliminarmente, que mecanismos que afetam as faculdades do domínio e o próprio direito de propriedade, consoante a disposição dos artigos 216 e 186, ambos da Constituição Federal, são de uso expressamente autorizados. Desde o Direito Romano, fonte remota do Direito Civil brasileiro, a propriedade privada era obrigada a suportar inúmeras restrições orientadas a conforma-las a outros interesses privados ou da sociedade.

No caso da proteção do patrimônio cultural de matriz africana mediante a preservação de territórios sagrados para as religiões de matriz africana temos dois dados, pelo menos, da mais alta relevância no que toca a sua natureza de meio ambiente cultural urbano. Primeiro, a distribuição espacial desses territórios dentro de uma intrincada rede de relações e interesses da cidade, e, segundo, a possibilidade de tomada de decisões democráticas que orientarão políticas de preservação desses territórios.

As nossas manifestações culturais denunciam a tríplice origem das raízes brasileiras, Indígenas, Africanos e Europeus formam a Sociedade Nacional Brasileira. Contudo, o nosso processo de formação produziu um sistema que privilegia o grupo branco europeu. As exclusões e anulações de direitos experimentadas no interior do país pelas comunidades negras geraram um quadro de desigualdades, exaustivamente demonstrado estatisticamente, e em processo contínuo de atualização.

As manifestações religiosas de matriz africana, parte integrante da coletividade de bens que se referem à cultura e ação nacionais, requerem para a sua preservação e expressão territórios físicos que dêem vazão às suas necessidades. Expressões de resistência a tentativas de eliminação física e cultural de caráter voluntário e/ou institucional, os Terreiros são espaços sociais, culturais, míticos, religiosos, cujo objetivo principal é a vivência religiosa da espiritualidade africana aqui reelaborada (Siqueira: 2004). Ao lado dos terreiros, espaços privados, outros territórios são utilizados tradicionalmente pelos praticantes para prestar culto às suas divindades.

O grande desafio que se lança para os profissionais do Direito interessados em oferecer respostas para a preservação desses espaços, e por conseguinte para garantir a continuidade histórica dessas manifestações culturais, encontra-se na compatibilização dos diversos usos de espaços públicos, e na proteção dos espaços privados. Vejamos em seguida algumas propostas para a superação desses desafios.

6.1. Anti-Property Rights

Anti-Property Rights são mecanismos privados de conservação que permitem somente o desenvolvimento desejável da propriedade, mediante o uso de direitos de veto. Com o uso desse instituto, espera-se criar uma dinâmica de resistência coletiva, a qual evitaria riscos indesejados nos espaços em que a preservação fosse almejada. (Bell e Parchomovsky: 200?).

Embora não previsto em nosso Ordenamento Jurídico, a rubrica geral "outras formas de..." autoriza o uso do mesmo conforme alhures explicamos. Aos APR’s deve-se associar as Operações Urbanas Consorciadas (OUC) previstas no Estatuto da Cidade. A curiosa premissa vai de encontro às clássicas idéias de Coase, ao defender que a introdução de novos custos de transação pode levar a usos mais adequados dos bens, visto que evitará ameaças aos bens, seja de agentes públicos, seja dos privados.

Ademais, encontra-se a idéia subjacente da possibilidade de alcance de bons resultados de conservação por meio das parcerias entre agentes privados (financiando), agentes públicos (proprietários dos bens) e sociedade civil (gerindo). Os conhecidos abandono estatal e superexploração dos espaços por particulares seriam evitados com os APR’s. Isto porque a concepção de propriedade, suporte físico dos bens culturais a serem protegidos, combateria a idéia de uso comum, ao passo em que promoveria o uso coletivo do bem.

No primeiro caso, agentes exercem vários usos regular ou irregularmente, todos destinam o uso que lhes parecer conveniente, e no tempo que lhes parecer adequado. No segundo caso, a promoção do uso coletivo, os agentes que mantem algum tipo de relação com a propriedade passariam a se responsabilizar pelo bem, inclusive, definindo a exclusividade ou o compartilhamento do uso da propriedade.

As cidades brasileiras gozam de uma importante ferramenta de planejamento urbano, prevista num dispositivo constitucional e regulada pela Lei 10.257, o Estatuto da Cidade, que por sua vez se apresenta como uma possibilidade de gestão participativa dos espaços urbanos. Através da realização de uma Operação Urbana Consorciada15 seria possível realizar um fracionamento ideal da propriedade dos espaços públicos sagrados, acompanhado da distribuição de frações ideais entre os praticantes de religiões de matriz africana e os moradores do entorno, duas coletividades diretamente interessadas nos espaços.

Tal atribuição de frações ideais do direito de propriedade ganhou nos Estados Unidos o nome de Anti Property Rights, e cumprirá duas funções: evitar intervenções urbanísticas julgadas indesejáveis pelos titulares das frações ideais, e criar um mercado de venda do direito de exploração considerada desejável pelos titulares do direito. Dentre outros benefícios, podemos destacar a geração de um fundo que deverá ser revertido integralmente em ações de recuperação e conservação dos espaços, e gerido pelos titulares das frações ideais, pelos investidores, e, obrigatoriamente, pelo poder público municipal em razão de previsão legal.

A inscrição dos bens em comento dentro de um rol mundial de preservação justificasse dentro de um contexto de consideração dos movimentos diaspóricos africanos, o qual nos revela o interesse da preservação desses espaços como elemento de interesse não só para o povo brasileiro, mas igualmente para comunidades negras fora e dentro de África, e ao mundo inteiro. Dentro de um quadro maior de fluxos de experiências, vivências e transformações, os Territórios Sagrados podem funcionar como elo de ligação de toda uma rede mundial afro espalhada e reelaborada no mundo afora.

Os territórios elo ainda podem manter estreito diálogo com outros territórios negros, falo dos bairros negros agora alçados a condição de quilombos urbanos, das feiras livres, dos blocos afros e afoxés, das irmandades religiosas. O ponto de convergência da diáspora africana serviria para garantir a reprodução cultural de organizações étnicas, e só seria possível se acompanhada de uma regulamentação da propriedade dos Territórios, e do uso dos símbolos, da regulamentação do Uso do Solo Urbano, das intervenções governamentais e não governamentais como estratégia de integração dos Territórios, e da adoção da lógica do étnico e do sagrado.

6.2. Advocacy Planning

Em Justiça Ambiental nas Ruas – Planejmanento Advocatício como uma Ferramenta para lutar contra o Racismo Ambiental, Stacy Anne Hardwood defende que a noção de Justiça Ambiental deve ser ampliada para incluir a má distribuição de condições ambientais benéficas nas cidades, e ainda propõe que o Advocacy Planning possa ser um efetivo caminho para orientar a alocação de serviços e comodidades (equipamentos) ambientais benéficos. Infraestrutura de bairros e planejamento dos transportes são vitais para segurança e qualidade de vida, inclusive, a oferta de respostas adequadas para essas duas questões pode resolver problemas físicos, até impactos de marginalização e exposição das comunidades a riscos. Através da análise de um processo de planejamento advocatício, o artigo recomenda o uso do mesmo como estratégia de promover Justiça Ambiental, em bairros com problemas, através de melhorias urbanas. (Harwood: 2003)

Tomando emprestada tal perspectiva, podemos afirmar com tranqüilidade que as cidades têm destinado pouca ou nenhuma atenção para o que tem sido feito em zonas sacrificadas, legitimando desse modo, uma verdadeira tentativa de extermínio dos elementos alusivos à memória e ação cultural das religiões de matriz africana. Haja vista que a distribuição espacial desses territórios sagrados, como não poderia ser diferente, concentra-se em locais de profusão de comunidades negras, sejam os territórios sob responsabilidade do Estado, sejam territórios particulares. Isto porque nas áreas mais valorizadas das cidades, as alterações que envolvem os interesses das comunidades de santo são feitas de forma ágil e não participativa 16.

O procedimento aludido, desse modo inviabiliza a densificação dos dispositivos constitucionais concernentes a defesa do patrimônio cultural, e impede categoricamente o exercício de uma parcela dos Direitos Fundamentais inscritos nos artigos alusivos ao Meio Ambiente e ao direito à liberdade religiosa como outrora referido.

Em Salvador, capital da Bahia, os espaços públicos sagrados para o povo de santo, utilizados ancestralmente para prestar reverência aos orixás, voduns e inquices (Parque São Bartolomeu, Dique do Tororó, Parque de Pituaçú, Lagoa do Abaeté, região da Avenida Paralela) têm sido alvo de ações e omissões públicas e privadas (ação policial, situações de violência, urbanização paisagística em detrimento da conservacionista) degradações ambientais que têm inviabilizado o exercício do direito à liberdade religiosa por parte do povo de santo.

Desse modo, é forçoso ressaltar a função do Advocacy Planning para o comprometimento dos gestores públicos envolvidos no processo, dentro dessa perspectiva o gestor agiria como um advogado da causa, deliberadamente lutando pelos interesses de grupos; e a mundialização da cidade do Salvador através do mercado de transação de direitos de propriedade, dentro dessa perspectiva, Salvador funcionaria como eixo mundial do turismo étnico diaspórico, a partir do vínculo com a ancestralidade africana reelaborada nesses espaços públicos sagrados para o povo de santo.

6.3. Tombamento

6.3.1. Conceito

O instituto do tombamento, forma de intervenção do Estado na propriedade, pode ser encarado como uma forma de proteção do patrimônio cultural brasileiro em razão do interesse público. Entretanto, muitas querelas jurídicas pairam em torno do instituto, indagando, principalmente, a sua natureza jurídica e o alcance dos efeitos produzidos pela aplicação do mesmo.

Pode-se definir o tombamento como sendo um ato administrativo pelo qual o Poder Público declara o valor cultural de coisas móveis ou imóveis, inscrevendo-as no respectivo Livro do Tombo, sujeitando-as a um regime especial que impõe limitações ao exercício do direito de propriedade, com a finalidade de preserva-las. Portanto, trata-se de ato ao mesmo tempo declaratório, já que declara um bem de valor cultural, e constitutivo, vez que altera o seu regime jurídico. (Rodrigues: 2002) Ou ainda, é o regime jurídico que, implementando a função social da propriedade, protege e conserva o patrimônio cultural privado ou público brasileiro, através da ação dos poderes públicos e da comunidade, tendo em vista, entre outros, seus aspectos históricos, artísticos, arqueológicos, naturais e paisagísticos, para a fruição das presentes e futuras gerações. (Machado: 2005)

6.3.2. Finalidade

Neste trabalho, o tombamento deve ser encarado como mais uma possibilidade, como mais uma alternativa, como mais um instrumento de preservação do patrimônio cultural presente em espaços sagrados de religiões de matriz africana, e nada mais. Contudo, em alguns momentos específicos, como já se podia esperar, tendo em vista a sua natureza instrumental, o tombamento pode assumir importância capital para o caso. Nesses casos específicos, a exemplo do terreiro da Casa Branca, o tombamento despontou como a melhor alternativa, em que pese outras dificuldades técnico-políticas, o que se traduz num exemplo do necessário multiinstrumental arsenal para o enfrentamento de questões dessa natureza.

6.3.3. Modalidades

O tombamento pode ser de três espécies: via Executivo, via Legislativo e via Judiciário. A maneira mais consagrada é através do Poder Executivo, ocasião na qual, na maioria das vezes, lança-se mão do Decreto – Lei 25/3717. Nesta modalidade, materializa-se para o Poder Executivo, a faculdade de restringir direitos de propriedade e condutas de agentes em geral, mediante o exercício do poder de polícia, para resguardar interesse público geral de preservação de bens de valor cultural que determinadas coisas possam conter.

O Decreto – Lei 25/37 e suas modificações posteriores dispuseram sobre o processo administrativo que culminará com a inscrição do bem móvel ou imóvel identificado como de valor cultural no livro do tombo, assim como dispôs sobre a causa determinante da proteção, do órgão competente para julgar o valor de eventuais indenizações, os efeitos decorrentes da tutela especial. Em suma, os elementos do ato administrativo decorrente do poder de polícia administrativa, o qual restringirá a atuação de terceiros para resguardar interesse público geral de preservação.

Requisitos do tombamento são os dos atos administrativos em geral: competência, finalidade, objeto, motivo e forma. Quanto ao primeiro, ao Conselho Consultivo do Patrimônio, órgão democrático e de ampla composição, cabe reunir-se para determinar o valor simbólico de um bem, e a relevância para a identidade e ação nacionais, inclusive, podendo solicitar procedimentos preparatórios. Estudos técnicos servirão para verificar o motivo do ato administrativo, mencionando a base teórica corrente na qual se pautou para determinar o valor cultural de determinado bem, por meio de critérios objetivos, ainda que subjetivamente escolhidos pelo sujeito competente para determina-los, e variáveis em relação ao espaço-tempo de sua aplicação.18

Quanto ao último, a forma, o processo administrativo descrito pelo Decreto - Lei 25/37 c/c lei 6.292/75, consta de: notificação do proprietário do bem; prazo de quinze dias para anuir, ou não, ao tombamento; envio do processo ao Conselho Consultivo do Patrimônio, em ambos os casos; deliberação do Conselho seguida de homologação ministerial. O objeto material é o Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Quanto ao motivo, ou condição é que a coisa seja um bem de valor cultural. Quanto ao objetivo ou finalidade específica do tombamento de um bem é a sua conservação por interesse público, é a conservação para preservação do patrimônio cultural, a proteção do interesse público através da preservação do bem cultural.

Durante muito tempo, apelos foram endereçados aos tomadores de decisões na seara da preservação de bens culturais para que fosse criado instituto apto a salvaguardar os bens de natureza imaterial, uma vez que o Decreto – Lei 25/37 não se encontra apto a protege-los.19 Até que o então Presidente da República Fernando Henrique Cardoso instituiu, através do decreto 3.551/2000, o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro, além de criar o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial.

O tombamento via Poder Legislativo reveste-se de maior força do que o tombamento via Executivo, visto que para sua revogação será necessária outra lei inovar a ordem jurídica revogando o disposto na anterior que tombara o bem. Assim, relembramos o caráter específico da proteção oferecida pelo tombamento através do decreto-lei 25/37, e as inúmeras outras formas legais de proteção dos bens de valor cultural calcadas no dever de proteção por parte do Estado.

Quanto ao aspecto da generalidade exigido para a lei que define o tombamento, ele estará presente se, de alguma forma, o objeto da preservação estiver inserido em alguma categoria ampla, ou em outras palavras, se o que estiver sendo objeto de preservação, por decorrência direta da lei, não for um bem específico, mas uma categoria de bens de modo a não estabelecer distinção infundada, resguardando a isonomia.

Por fim, temos a hipótese de tombamento ou preservação de bem cultural através de decisão judicial transitada em julgado. A legitimidade ad causam para requerer em juízo medida20 de proteção de um bem, é bom que se diga, é do Poder Público, compreendidos União, Estados, Municípios, Ministério Público, em conjunto com a comunidade. No último caso, o reconhecimento pelo Estado do valor de determinado bem institui um direito público subjetivo do cidadão ver o bem protegido. Ademais, a lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) oferece fundamento legal expresso no inciso III, do artigo 1°, em que as denominações lá contidas são nada mais, nada menos que Patrimônio Cultural.

Note que os bens tombados por via jurisdicional e ainda não inscritos no livro do tombo devem ser respeitados em respeito ao efeito erga omnes da coisa julgada, e não ao efeito do tombamento, conquanto ainda não pode produzir efeitos em razão da não inscrição do bem no respectivo livro do tombo.

6.3.4. Natureza jurídica

Há grandes debates indagando acerca da natureza jurídica do tombamento, alguns afirmam ser o tombamento uma servidão administrativa, outros defendem que se trata de uma limitação administrativa, e ainda há aqueles que acham não ser possível estabelecer uma discussão nestes termos21. O pano de fundo dessa discussão reside na indagação sobre a intensidade da limitação do exercício do direito individual à propriedade em função do interesse público encerrado no tombamento, além disso, se é possível harmonizar limitações administrativas com o desfrute individual do bem.

Para Celso Antônio Bandeira de Mello, o tombamento de bens em favor do Patrimônio Histórico é uma modalidade de servidão administrativa, que por sua vez se trata de um direito real que assujeita um bem a suportar uma utilidade pública, por força da qual ficam afetados parcialmente os poderes do proprietário quanto ao seu uso ou gozo. (Mello: 2005)

Servidões administrativas são aquelas que afastam o proprietário, total ou parcialmente, da titularidade exclusiva do desfrute de um de seus elementos, e se caracterizam pela natureza de direito real, de finalidade pública, sobre coisa alheia, o qual conta com prédio serviente sem que exista o prédio dominante.

Sonia Rabello de Castro defende que o tombamento se trata de uma limitação administrativa, entendida como aquela que não implica desdobramento do direito de propriedade, mas na regulamentação do seu exercício, e se traduz em uma imposição de caráter geral, gratuita, unilateral, de ordem pública, condicionadora de direitos ou atividades particulares ao bem-estar social, que formam o conteúdo do poder de polícia da administração pública. Ao especificar uma limitação administrativa, o Estado não é titular de um direito específico, mas gestor de um interesse público indeclinável. (Castro: 1991)

Tal confusão jurídica se deu, também, em razão da existência de um mito que ignora o caráter público das normas que condicionam o uso e gozo da propriedade, e, portanto mutáveis segundo o interesse coletivo, e que leva ao "sofisma" de que ao ser proprietário de um bem estar-se-ia adquirindo também o direito público da forma de exercita-lo. Contudo, a forma do exercício do direito não se incorpora ao patrimônio do titular do domínio senão quando já realizado, permanecendo, até então, como mera potencialidade. (Castro: 1991)

Tendo em conta que as limitações não devem tirar do proprietário a faculdade do exercício exclusivo de qualquer dos elementos que compõem seu direito, mas faz o mesmo suportar uma utilidade pública, e que pode haver casos de tombamento que afetam parcialmente os poderes de uso e gozo do proprietário do bem tombado, devemos forçosamente concluir que o tombamento não se trata de uma limitação administrativa. Por outro lado, levando em consideração que podem existir tombamentos que não afetem o uso e gozo do proprietário, temos que concluir que o tombamento não se trata de uma servidão administrativa.

O instituto do tombamento se trata de um instituto autônomo, elaborado no Brasil e com características próprias, embora com paralelos em outros ordenamentos. As restrições à propriedade de natureza privada cabem ao Direito Civil, ao passo que as restrições de natureza pública podem caber ao Direito Ambiental, Administrativo. Sucede que ora o tombamento pode se comportar como uma servidão ou como uma desapropriação indireta, ocasião na qual o proprietário do bem tombado deverá ser indenizado, ora pode se comportar como uma limitação administrativa, hipótese na qual não caberá indenização ao proprietário do bem tombado.

O tombamento e as restrições impostas à vizinhança da coisa tombada caracterizam-se como limitações administrativas ao uso e gozo da propriedade em função do interesse público de proteção do patrimônio cultural, acoplado a uma obrigação de fazer – a conservação da coisa, não sendo indenizáveis.

A generalidade dos bens não significa que os mesmos não possam ser determináveis quantitativamente no momento em que a administração impõe a limitação, mas sim que o aspecto da generalidade deve ser compreendida como uma classe de bens, uma universalidade. Tal característica justifica a gratuidade da limitação, mesmo porque os benefícios coletivos igualmente atingirão a todos (Castro: 1991).

6.3.5. Efeitos

O tombamento como ato administrativo visa à proteção do interesse público genérico, que é a cultura nacional, manifesta e materializada em coisas móveis ou imóveis, existentes no território nacional e identificada pelo órgão que a lei atribuiu competência para tal. Através do ato administrativo do tombamento, a administração pública insere o bem identificado na classe dos bens culturais, passando a tutelar o interesse público que a coisa detém, sem detrimento das suas relações de direito concernentes ao domínio, criando as seguintes obrigações gerais:

Tabela 1

Obrigação

Proprietário

Obrigação de fazer e de não fazer, conservar a coisa e não lhe causar dano.

Vizinhos do bem tombado

Obrigação de não fazer, não prejudicar a visibilidade e ambiência do bem tombado.

Cidadãos em geral

Obrigação de não fazer, não causar dano ao bem tombado.

Poder Público

Intervenção no bem tombado através de vistoria, vigilância, fiscalização, etc

Vantagens podem ser obtidas a partir do tombamento, tais como obtenção de recursos financeiros, promoção do bem com interesses turísticos, proteção do bem frente às pressões para sua deterioração. Contudo, o principal efeito jurídico do tombamento é transformar em direito os valores culturais, simbólicos contidos na coisa, e, por conseguinte, enfatizar o dever de conservação de bens culturais pelo Poder Público. A finalidade de conservar implica, depois de determinado o que conservar, determinar de que modo faze-lo. Os efeitos jurídicos do tombamento serão, para o caso de bens tombados, um expediente encontrado para realizar a preservação.

As pessoas políticas gozam do direito de preferência em casos de alienação onerosa dos bens tombados. Ainda quanto à alienação, os bens públicos se sujeitam a restrições, igualmente os particulares sofrem limitações à faculdade de dispor do bem tombado, inclusive, tendo que averbar junto aos registros de imóveis transferências de domínios e registrar o tombamento, e comunicar a transferência de bens ao órgão do patrimônio. Face ao proprietário, os efeitos do tombamento são a criação de obrigação de não causar dano ao bem, traduzidos na vedação da destruição, demolição e mutilação; na obrigação de conservar o bem tombado, realizando para tanto as benfeitorias úteis e necessárias, ou mantendo as condições vitais para bens naturais; e da obrigação de não reparar, pintar ou restaurar sem prévia autorização do órgão do patrimônio. Quanto a terceiros, há o dever de reparar o dano causado, bem como restrições à vizinhança do bem tombado, traduzidas em medidas de proteção à visão, a ambiência do bem tombado.

Alguns falam em tombamento mundial, o qual interessaria a todo o mundo, pois se encontraria na esfera jurídica de algum ente político, um país, por exemplo. Em contraposição ao patrimônio mundial, há quem fale em patrimônio Internacional, que por sua vez, interessaria a todo o planeta, e encontrar-se-ia na esfera jurídica de todas nações do planeta enquanto patrimônio comum das nações do globo. Não apropriar, utilizar racionalmente, gestão internacional, repartição eqüitativa dos benefícios seriam requisitos para a configuração desses bens.


7. Considerações finais

Com a adoção das medidas aqui mencionadas espera-se que, a médio-prazo, essas se convertam em mudanças estruturais provocadoras de uma redistribuição espacial dos benefícios que a cidade pode oferecer e, por conseguinte, de uma realocação de poder tendente a garantir a preservação de territórios sagrados para as religiões de matriz africana, em outras palavras, que a igualdade assuma feições materiais e que a vida de nenhum grupo, em nenhuma dimensão, seja o alvo preferencial das mazelas humanas.

Afinal de contas, uma política adequada de planejamento do uso do solo de espaços públicos sagrados, que deve ser perseguida por um imperativo de Justiça Ambiental, é condição para o desenvolvimento das relações simbólicas insertas nesse âmbito cultural. A preservação do patrimônio cultural brasileiro pode se interpor através da garantia das condições materiais e simbólicas de reprodução das religiões de matriz africana, assegurando, pois, a possibilidade de exercer sem embaraços uma das dimensões mais importantes da vida de todo ser humano: a religiosa.

Na tabela abaixo, tentamos esboçar um quadro síntese para a adoção mais adequada de cada instituto mencionado acima, consoante a natureza jurídica do bem a partir da titularidade do domínio pública ou privada.

Tabela 2

Tombamento

Anti-Property Rights

Advocacy Planning

Público

-

X

X

Privado

X

-

-

Reservamos a indicação do Tombamento aos casos de bens privados, conquanto os efeitos do tombamento e as obrigações criadas pelo mesmo, as quais recairão sobre um bem público tombado, em tese, já fariam parte das esferas de atribuições do órgão público, resultando numa mera sobrecarga para os órgãos de patrimônio. Dito de outro modo, não há, em princípio, medida de preservação por parte do Poder Público que não pudesse ser adotada independentemente de ato de tombamento.

Apenas o caráter de visibilidade simbólico-política é assegurado com esse tipo de iniciativa, contudo, não fica assegurada a preservação efetiva do bem. Sendo assim, a preservação que já seria feita pelo particular fica potencializada pela penosa atividade de busca de parceiros, com apenas mais um trunfo, o aval do Poder Público, nem sempre apto e disposto a estender seu chapéu de esmolas a terceiros interessados em preservar bens ambientais culturais.

O Anti-Property Rights e o Advocacy Planning se traduzem em formas mais efetivas de preservação indicadas para Preservação de Patrimônios de domínio titularizado pelo Poder Púbico, no qual o empurra-empurra oriundo da repartição de competências ambientais e culturais concorrente entre os agentes da Administração faz com que os bens ambientais culturais sejam deixadas à míngua indefinidamente, até que alguém resolva tomar uma atitude séria rumo à preservação.

Outras medidas preservacionistas afora as expressamente registradas nos textos legais, afora as enumeradas aqui, podem e devem ser propostas e implementadas a partir do exercício de possibilidades criativas a fim de se garantir a preservação do Patrimônio Cultural de um povo. Dentro desse rol, a restauração, a conservação, a valorização do Patrimônio Cultural, a inclusão de conteúdos de educação patrimonial nos currículos escolares dos diferentes níveis de ensino podem economizar milhões que seriam gastos para restaurar bens degradados.


8. Referências

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BELL, Abraham; PARCHOMOVSKY, Gideon. Of Property and Anti-Property. Disponível em: <www.biu.ac.il/law/unger/wk-papers.html> Acesso em Setembro de 2005.

CASTRO, Sonia Rabello de. O Estado na preservação de bens culturais: o tombamento. 1991. Rio de Janeiro: Renovar.

DIAS, Jussara. Territórios do candomblé: desterritorialização dos terreiros na região metropolitana de Salvador. Salvador: UFBA. 2003. Dissertação de mestrado. Curso de Pós-Graduação em Geografia.

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 4ª edição ampliada. 2003. São Paulo: Saraiva.

HARWOOD, Stacy Anne. Environmental Justice on the Streets - Advocacy Planning as a Tool to Contest Environmental Racism. 2003. Journal of Planning Education and Research, número 23. páginas: 24 à 38

LARAIA, Roque Barros de. Cultura. Um conceito antropológico. 12ª edição. 2001. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 13ª edição. 2005. São Paulo: Malheiros.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 18ª edição. 2005. São Paulo: Malheiros.

REISEWITZ, Lúcia. Direito Ambiental e Patrimônio Cultural: direito à preservação da memória, ação e identidade do povo brasileiro. 2004. São Paulo: Juarez de Oliveira.

REX, John. Raça e Etnia. 1987. Lisboa: Editorial Estampa, LDA.

RODRIGUES, José Eduardo Ramos. Tombamento: instrumento de defesa do Patrimônio Cultural. Papel da Ação Civil Pública.

SIQUEIRA, Maria de Lourdes. Os fundamentos africanos da religiosidade brasileira. In: MUNANGA, Kabengele (Org.). História do Negro no Brasil, volume 1. O negro na sociedade brasileira: Resistência, participação, contribuição. Brasília: FCP/MinC, 2004".


Notas

01 Ações de salvaguarda de bens culturais imateriais, fazeres (exs.: Paneleiras de Goiabeiras do Espírito Santo, artesanato do Bico de Singeleza das Alagoas) concorrem com o reconhecimento de manifestações (Samba de Roda do Recôncavo Baiano e Círio de Nazaré) como patrimônio cultural imaterial do Brasil para exemplificarem esse fenômeno de inclusão do intangível, do imaterial, das populações e dos seus respectivos saberes no rol dos bens culturais brasileiros.

02 A denominação terreiro, genericamente atribuída ao interior dos espaços simbólicos, míticos, rituais, sociais desses povos, pode ser substituída por Casa, Ilê, Ashé, Tenda, Salão, Roça.

03 Ao lado dos terreiros poderíamos enumerar uma numerosa lista que se encontra no mesmo patamar de dignidade, porém nos limitaremos à capoeira e ao já tombado acarajé.

04 Ver leis do Município de Salvador de numeração 5.773/2000, 3.591/1985, 3.590/1985, 3.515/1985, as quais dispõem sobre tombamento de terreiros, ou criam áreas de preservação cultural que incidem nos territórios que se localizam terreiros de candomblé.

05 Deve-se compreender insertos nessa categoria, todos aqueles terreiros que, interessados em tombamentos, estejam em franco funcionamento, apresentem elo ancestral com a África, organizem-se socialmente com um referencial étnico, que a sua respectiva figura sacerdotal goze de competência e legitimidade reconhecidas publicamente.

06 A população predominantemente negra do município de Santo Amaro da Purificação na Bahia tem sido alvo de contaminação por metais pesados há décadas sem que providências efetivas sejam tomadas pelos Poderes Públicos, neste período, dezenas de centenas de pessoas têm sido contaminadas fatal ou definitivamente, assim como suas respectivas proles. Não há patrimônio cultural de um povo, sem que o mesmo possa continuar existindo.

07 A referência é feita aos valores de cidadania e dignidade da pessoa humana trazidos no artigo 1º da Constituição Federal.

08 Conferir artigos 5, 23, 24 e 30, respectivamente nos seus incisos, LXXIII, IV, VII, IX, e artigo 216.

09 Refiro-me, por exemplo, a Lei 10.639 que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas oficiais e particulares.

10 São exemplos categóricos, o Parque São Bartolomeu, o Dique do Tororó e a Lagoa do Abaeté em Salvador; assim como o Parque da Tijuca no Rio de Janeiro.

11 O conhecimento referente às plantas consiste em um simbolismo territorial marcante, tendo, inclusive, uma terminologia particular com categorias etnobotânicas de classificação inerentes a esta forma cultural de apropriação.

12 O caráter dinâmico da cultura foi levado em consideração pelo Decreto 3.551/2000, em cujo período para a reavaliação da validade do registro de bens imateriais no patrimônio brasileiro foi estipulado em dez anos.

13 Dentre formas previstas em nível infraconstitucional podemos enumerar, sem prejuízo de outras, as seguintes: lei 3.924/61, lei 4.845/65, lei 4.771/65, lei 6.938/81, lei 6.513/77.

14 Excelente caminho pode ser trilhado pelo Estatuto da Cidade, contudo limitações técnicas, políticas, de várias naturezas têm impedido a implementação de instrumento potencialmente saudável à preservação.

15 Operação Urbana Consorciada é um instrumento de política urbana trazido pelo Estatuto da Cidade e destinado à valorização ambiental, transformações urbanísticas estruturais e melhorias sociais.

16 Por exemplo, no espaço aéreo de um terreiro em Salvador, foi construída passarela de pedestres sem que ninguém fosse consultado da (im) possibilidade. Não fosse a atuação de um lobby político nada seria feito para determinar a retirada do equipamento urbano. Aliás, assim tem funcionado, o exercício do direito fundamental, e, portanto auto-aplicável, vem apenas com a atuação de pessoas influentes ligadas aos rituais.

17 Na esfera nacional, contudo alguns Estados possuem legislações específicas, é caso baiano e paulista.

18 Estudos e trabalhos técnicos, com mero caráter instrutório, não são parte do processo de tombamento.

19 O artigo 1° do decreto dispõe sobre. ...bens móveis e imóveis....

20 Exemplificando, ação cautelar orientada a sustar atos, enquanto houver coisa litigiosa envolvendo o bem, que possam descaracterizar um bem de valor cultural ainda não protegido.

21 José Eduardo Ramos Rodrigues defende que a discussão em torno da indenizabilidade do tombamento como nota diferenciadora do instituto, que por sua vez, é fruto direto da distinção entre a afetação da exclusividade das faculdades do domínio, ou não, é absolutamente inócua conquanto faz muito tempo que a doutrina européia já adota a tese da propriedade dividida, na qual se vê a distinção entre coisa (suporte físico) e bem (determinada utilidade da coisa). Nesta, sobre uma determinada coisa é possível se estabelecer uma pluralidade de bens, cada um com um objeto de tutela específica.


Abstract: In the present paper, it can see found pioneering words toward preservation of African origins’ cultural goods, from studying constitutional devices related the subject, of symbolic and material conditions required to exercise the constitutional right to religious freedom, and to guarantee the preservation of the cultural brazilian heritage. The hindrances to fight against problems found in this task, such as Environmental Racism, and some feasibilities to defeat the battle are written in the last part of work, in a conclusion with purposeful approach.



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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Arivaldo Santos de. Preservação de territórios sagrados para as religiões de matriz africana. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1323, 14 fev. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9490. Acesso em: 26 abr. 2024.