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Aspectos jurídicos da busca pessoal

Aspectos jurídicos da busca pessoal

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SUMÁRIO: 1. Posição da busca pessoal no ordenamento jurídico brasileiro 2. Autonomia da busca pessoal em relação a outros institutos processuais 3. Classificações da busca pessoal 4. A restrição de intimidade do revistado 5. Condições para o exercício da busca pessoal 6. O sujeito ativo da busca pessoal e a questão da revista privada. 7. Conclusões


1. POSIÇÃO DA BUSCA PESSOAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

            Duas modalidades de busca foram especificadas no art. 240 do Código de Processo Penal brasileiro: a domiciliar e a pessoal. Por tratar-se de ação que inevitavelmente impõe restrição de direitos individuais em qualquer das duas modalidades, a busca somente deve ser concretizada nas condições estabelecidas na lei processual, em equilíbrio com os direitos e garantias constitucionais. Essencial, portanto, o estudo dos aspectos jurídicos do procedimento que traz conseqüências diretas ao processo, atendendo ao interesse da Justiça ainda que realizado, como na maioria das vezes, por iniciativa policial. Os contornos legais das duas modalidades de busca são diferentes. A domiciliar é procedida quando autorizada por fundadas razões, nos termos do parágrafo 1o do próprio art. 240, para possibilitar alternativa ou cumulativamente oito ações relevantes ao processo (letras "a" a "h"), ao passo que a busca pessoal, que também pode ser denominada revista, é procedida quando há fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nos termos do parágrafo 2o do mesmo dispositivo legal. Observa-se nesse ponto que é possível uma maior flexibilidade na interpretação do vocábulo suspeita, que na interpretação do vocábulo razões.

            Enquanto a busca domiciliar é limitada por critérios objetivos, de fácil percepção, definidos em um único e específico inciso do art. 5o, da Constituição Federal (inciso XI: A casa é o asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial), impõe-se para a realização da busca pessoal a observação de garantias de prescrição genérica, quais sejam: o respeito à intimidade, à vida privada e à integridade física e moral do indivíduo, estabelecidas em pelo menos quatro dos incisos do mesmo artigo (art. 5º), da CF:

            inciso III: ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; inciso X: são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

            inciso XV: é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz...;

            inciso XLIX: é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral.

            Para a tutela da inviolabilidade domiciliar existe, inclusive, um tipo penal próprio, o do art. 150 do Código Penal, que trata da violação de domicílio. Não há, porém, tipo penal específico para a proteção da intimidade (no aspecto físico e pessoal e não domiciliar) e também para a intangibilidade do corpo, que são objetos jurídicos de sentido diverso da liberdade sexual. Utiliza-se, em geral, a descrição de abuso de autoridade, quando a conduta abusiva é praticada por agente público no exercício da função (Lei 4.898/65), ou de constrangimento ilegal (art. 146, do Código Penal), nos demais casos.


2. AUTONOMIA DA BUSCA PESSOAL EM RELAÇÃO A OUTROS INSTITUTOS PROCESSUAIS.

            Curiosamente a busca pessoal não tem sido analisada com profundidade no meio acadêmico. Os manuais de processo penal dedicam-lhe poucas linhas apesar da relevância do tema, desconsiderando os autores o fato de que se procede a busca pessoal com muito mais freqüência que a tão comentada busca domiciliar. Raciocinemos no sentido de que a busca pessoal é sempre realizada no curso de busca domiciliar por conta de que, nessa circunstância, ela (busca pessoal) independe de ordem judicial; ou seja, toda vez que ocorre busca domiciliar normalmente realiza-se a busca pessoal (que não é obrigatória, mas sempre legítima e recomendável nesse caso).

            Por outro lado, nem sempre quando é realizada busca pessoal se faz a domiciliar, uma vez que esta, conforme mencionado, vincula-se a condições objetivas e portanto mais restritas, quais sejam: durante o dia, mediante cumprimento de mandado judicial ou realizada pela própria autoridade; e, à qualquer hora, somente com o consentimento do morador (tecnicamente, o procedimento de busca domiciliar não se confunde com a situação excepcional de entrada em domicílio justificável em razão de flagrante delito, prevista no inciso XI, do art. 5o, da CF).

            A busca pessoal deve ser analisada separadamente de outras eventuais modalidades de busca, em razão de sua gravosa característica de incidência sobre o corpo da pessoa que a ela é submetida, além da verificação dos objetos encontrados sob sua imediata custódia. Mais sensato seria, inclusive, que a lei processual penal brasileira regulasse a busca pessoal em capítulo próprio, considerando-se a particular restrição de direitos individuais imposta, especialmente quanto a intimidade do revistado. Ao contrário, hoje o que se verifica é um tratamento secundário no Código de Processo Penal, que aproveita parte dos dispositivos relacionados à busca domiciliar para descrever a busca pessoal.

            Além da separação das modalidades de busca, deve ser estabelecida uma completa desvinculação entre o procedimento da busca e o da apreensão - que se trata de instituto diverso - como já observado por exemplo no Código de Processo Penal Militar brasileiro, de 1969, no Código de Processo Penal português, de 1987 e no Código de Processo Penal italiano, de 1988. Ocorre que, na tradição da lei processual penal comum brasileira, a busca pessoal ou domiciliar vem sendo associada à apreensão, como se esta fosse sempre a sua conseqüência ou mesmo o seu único propósito e não concordamos com essa linha de interpretação. Há apreensão sem busca, por exemplo, no caso de objeto voluntariamente entregue ou ocasionalmente encontrado e, com maior freqüência, há busca sem apreensão.

            Destacamos a importância do reconhecimento da autonomia da busca pessoal em relação a outros institutos processuais, em razão de suas características próprias, justificando-se análise específica sobre o tema. Na verdade, a busca pessoal é simplesmente "procura" por algo relevante ao processo penal - com efeito preventivo extraordinário -, no corpo do revistado, nas vestes e pertences com ele encontrados, inclusive no interior de seu veículo desde que este não lhe sirva de moradia.


3. CLASSIFICAÇÕES DA BUSCA PESSOAL

            A busca pessoal deixa o plano teórico para materializar-se durante o ciclo completo de polícia, antes e durante o ciclo da persecução criminal, este abrangendo desde a repressão imediata da infração da norma até o efetivo cumprimento da pena imposta ao infrator. Não é exagerada essa afirmação vez que se verifica, por exemplo, até mesmo na fase de execução da pena a particular situação de revista realizada em presos ou em pessoas interessadas em visitá-los, ainda que seja considerada tal busca, no caso específico, atividade policial de apoio ao Poder Judiciário.

            A busca pessoal é desenvolvida por agentes do Estado designados para o cumprimento de ordem judicial, ou investidos de necessária autoridade policial. Possui, portanto, natureza processual, enquanto meio de obtenção da prova, para atender ao interesse do processo e tem natureza preventiva quando realizada por iniciativa policial na atividade de preservação da ordem pública, como ato de polícia que, não obstante, pode ensejar conseqüências no âmbito do processo penal.

            Distinguem-se, assim, duas espécies de busca pessoal: a processual e a preventiva, de acordo com o momento em que é realizada, bem como de acordo com a sua finalidade. Antes da efetiva constatação da prática delituosa, ela é procedida por iniciativa de autoridade policial e constitui ato legitimado pelo exercício do poder de polícia, na esfera de atuação da Administração Pública, com finalidade preventiva. Realizada após a prática, ou em seguida à constatação da prática criminosa, ainda que em seqüência de busca preventiva, tenciona atender ao interesse processual, para a obtenção de objetos necessários ou relevantes à prova de infração, ou à defesa do réu (alínea "e", do § 1º, do art. 240 do CPP).

            A busca pessoal é realizada de dois modos: preliminar ou minucioso. O grau de rigor dispensado ao ato da revista, com a imposição de maior ou menor restrição de direitos individuais, é o fator de distinção entre essas duas espécies de busca pessoal, configurando-se preliminar (superficial) ou minuciosa (íntima), conforme o caso.

            A busca pessoal preliminar normalmente antecede à eventual busca minuciosa, particularmente quando de caráter preventivo, ou seja, a busca mais rigorosa poderá ser conseqüência de uma superficial, dependendo do seu resultado; por esse motivo é denominada preliminar. De outro lado, o que caracteriza a busca minuciosa é a verificação detalhada do corpo do revistado, mediante a retirada de suas roupas e sapatos (por isso também é conhecida como "revista íntima"), além da verificação cuidadosa de todos os objetos e pertences por ele portados. A busca pessoal minuciosa é realizada em local isolado do público, sempre que possível na presença de testemunha, em vista do elevado nível de restrição de direitos individuais imposta ao revistado, especialmente quanto à sua intimidade.

            Nos limites da busca pessoal preventiva, ocorre a denominada busca pessoal coletiva (que contrasta com a convencional busca pessoal individual). Na condição de medida excepcional, é tolerável em benefício do bem comum, a exemplo da busca pessoal preliminar procedida por policiais militares em todos que pretendem entrar em um estádio de futebol. Essa espécie de busca é realizada em entrada de eventos públicos ou em situações específicas (por exemplo, em todos os réus presos antes de serem escoltados).

            Indiscutivelmente, porém, a busca pessoal individual constitui regra, tanto para a espécie de busca pessoal preventiva quanto para a processual. Aliás, inconcebível a busca processual, mediante mandado, sem a individualização de quem será a ela submetido, requisito obrigatório da ordem, nos termos do inciso I, do art. 243, do CPP.

            Quanto à existência ou não de contato físico entre o agente e o revistado (tangibilidade corporal) a busca pessoal será classificada como direta ou indireta.

            De fato, nem sempre é necessária a tangibilidade corporal. Uma busca superficial pode ser realizada indiretamente, por exemplo, por meio de dispositivos eletro-magnéticos fixos (portais) ou portáteis (detectores manuais), em que o revistado não é tocado, razão pela qual adotamos a denominação busca pessoal indireta para esse procedimento (no contexto da busca pessoal preliminar).

            A tecnologia tem trazido, inclusive, várias inovações nesse setor, aperfeiçoando o sistema de detecção para muito além do simples uso do recurso eletromagnético. Já existem túneis que disparam jatos de ar comprimido para coleta e análise imediata de micro-partículas e também complexos mecanismos de "raio-X", além de outros equipamentos em operação especialmente nos Estados Unidos após a tragédia que ficou conhecida como o "11 de setembro".

            Trata-se da mais discreta, e hoje comum, revista praticada na entrada de ambientes públicos, em que o interesse comum impõe maior garantia de segurança aos seus freqüentadores, a exemplo daquela realizada na entrada de estabelecimentos prisionais, na entrada de Fóruns (pelo exercício do poder de polícia do Juiz Diretor do Fórum ou de autoridade policial-militar em atividade de policiamento preventivo), sob responsabilidade de autoridades e na área de embarque de aeroportos (por iniciativa da Polícia Federal).

            A propósito da busca pessoal indireta, a lei federal nº 10.792, de 1o de dezembro de 2003, que alterou dispositivos do Código de Processo Penal e da Lei de Execução Penal, consignou em seu artigo 3o que os estabelecimentos penitenciários disporão de aparelho detector de metais, aos quais devem se submeter todos que queiram ter acesso ao referido estabelecimento, ainda que exerçam qualquer cargo ou função pública. Nesse caso, além de garantir maior segurança aos próprios custodiados, funcionários e visitantes do estabelecimento, o procedimento imposto evita a entrada de objetos que possam facilitar eventuais tentativas de fugas ou resgates de presos.

            Portanto, em resumo, a classificação apresentada é a seguinte:

            a. quanto à natureza jurídica do procedimento, distinguem-se a busca pessoal preventiva e a busca pessoal processual;

            b. quanto ao nível de restrição de direitos individuais imposto verificam-se a busca pessoal preliminar e a busca pessoal minuciosa;

            c. quanto ao sujeito passivo da medida, a busca pessoal individual e a busca pessoal coletiva;

            d. quanto à tangibilidade corporal, a busca pessoal direta e a busca pessoal indireta.


4. A RESTRIÇÃO DE INTIMIDADE DO REVISTADO

            A questão da preservação da intimidade e da integridade física e moral do indivíduo projetadas na extensão do seu corpo, vestes e objetos pessoais, também deve ser objeto de estudo no contexto da busca pessoal.

            Ao tratarmos do assunto, lembramos automaticamente das buscas pessoais minuciosas procedidas, por exemplo, em pessoas envolvidas em tráfico de entorpecentes (buscas baseadas em fundada suspeita ou em caso de flagrante), que são realizadas com cuidadosa observação inclusive das cavidades corporais do revistado. Constatamos a utilidade, a necessidade e a adequação do procedimento, vez que usualmente são ocultadas substâncias entorpecentes em espaços do corpo, impondo-se a sujeição do revistado a uma condição de total exposição física, imprescindível em tal circunstância. Já outras situações podem ensejar uma busca pessoal superficial para rápida verificação, por exemplo, de porte de arma.

            Significa dizer que existem diversos níveis de busca pessoal, verificados de modo proporcional ao fator de sua motivação em cada caso particular, decorrendo, obviamente, maior ou menor nível de restrição de direitos individuais. Essa percepção está estritamente vinculada ao momento da realização da busca pessoal, bem como a sua finalidade e ao grau de suspeita, verificadas as circunstâncias do caso concreto.

            A tangibilidade corporal é aspecto importante em razão do compreensível - e inevitável - desconforto na situação de submissão do revistado a toque de pessoas estranhas, se realizada de modo direto. Na busca pessoal preliminar convencional, o agente utiliza muito mais o tato que a visão; impõe-se o tateamento superficial sobre o corpo do revistado, ou seja, por cima de suas roupas, em movimentos rápidos que devem ser treinados para essa finalidade. Na busca minuciosa, ao contrário, quando a exposição corporal daquele que é submetido à revista é maior em razão de estar sem roupa, a tangibilidade corporal tende a ser menor e utiliza-se muito mais o sentido da visão.

            Ainda quanto à questão do contato corporal, ocorre com a busca pessoal o fenômeno da aceitação do procedimento por convenção social, observando-se, todavia, algumas restrições. São intoleráveis condutas de desrespeito à intangibilidade corporal, como por exemplo: a realização da busca pessoal em razão da simples vontade do agente em realizá-la e tatear o corpo alheio; o excessivo e insistente tateamento em partes determinadas do corpo da pessoa revistada; e a conduta de policial masculino que procede à busca pessoal em mulher, havendo policial feminina disponível para tal finalidade e o contrário também, em vista de que, pelo tratamento igualitário, mulher não deve revistar homem na disponibilidade de policial masculino.


5. CONDIÇÕES PARA O EXERCÍCIO DA BUSCA PESSOAL

            De fato, é mais fácil reconhecer e colocar em prática as limitações objetivas da busca domiciliar, aplicáveis em vista do espaço físico que abriga o lar, como regras claras e assecuratórias da denominada "inviolabilidade domiciliar", do que compreender e observar as limitações não objetivas aplicáveis em vista do próprio corpo daquele em quem se realiza a busca, num amplo espectro de situações. Esse corpo, aliás, que é o verdadeiro sacrário da dignidade humana, onde ela se expõe e a partir de onde ela se projeta. Seguindo esse raciocínio, avançaremos para um novo conceito: o da "inviolabilidade pessoal", concluindo que ela não é absoluta, tal como a domiciliar e como quaisquer outros direitos ou garantias individuais.

            O tema é capaz de provocar calorosas discussões, eis que a busca pessoal independe de ordem judicial nas três situações previstas no art. 244 do Código de Processo Penal, quais sejam: 1. no caso de prisão; 2. quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito; e 3. no curso de regular busca domiciliar (pressupondo-se, nesse caso, ordem judicial para a busca em domicílio). E ainda podemos a elas somar mais duas circunstâncias que tornam prescindível o mandado judicial, sendo elas: 4. quando houver consentimento daquele a quem se pretende revistar e, por uma questão de lógica, 5. quando a busca for realizada pela própria autoridade judiciária. Casos de ordem judicial específica para busca pessoal são raros, exatamente por ela não ser necessária nas hipóteses ora relacionadas.

            A caracterização ou não da segunda circunstância eximente de mandado judicial, a fundada suspeita, resulta da particular análise do responsável pela busca pessoal, ao contrário das outras circunstâncias, que já são claramente definidas. No caso da busca pessoal preventiva, motivada pela fundada suspeita, sua realização baseia-se na experiência profissional, no exercício do poder discricionário, por uma capacidade de percepção diferenciada adquirida durante o desenvolvimento constante da atividade policial, que possibilita a identificação de condutas suspeitas e situações que justificam a abordagem e a revista, mediante avaliação de probabilidade de prática ou iminência de prática delituosa. A competência do agente, os fins, o procedimento (sua forma) e também os motivos e o objeto constituem exatamente os limites impostos ao ato de polícia, ainda que a Administração disponha de certa dose de discricionariedade no seu exercício. Tratando-se de busca preventiva, a partir do momento da localização de objeto que identifique a prática ou iminência de prática de delito, passa o procedimento a ter interesse processual e, consequentemente, a ser regulado, junto às outras diligências necessárias, objetivamente pelas disposições da norma processual penal. A busca pessoal, nesse sentido, constitui ponto de convergência entre o Direito Administrativo e o Direito Processual Penal, observando-se que, ao iniciar a revista - em princípio de caráter preventivo -, o policial não sabe se encontrará ou não objeto relacionado a prática delituosa, ainda que impulsionado por avaliação de probabilidade, no caso da fundada suspeita.

            Qualquer que seja a espécie de busca pessoal, forma e meio empregado, resultará restrição de direitos individuais, em nível variável conforme as circunstâncias em que é realizada, impondo-se como dever público, por outro lado, o respeito à dignidade do ser humano. Portanto, a busca pessoal deverá sempre ser orientada pela análise da estrita necessidade do seu emprego, pela proporcionalidade exigida na relação entre a limitação do direito individual e o esforço estatal para a realização do bem comum e, finalmente, pela eficácia da medida, que deve ser adequada para impedir prejuízo ao interesse público.


6. O SUJEITO ATIVO DA BUSCA PESSOAL E A QUESTÃO DA REVISTA PRIVADA

            O sujeito ativo da busca pessoal (o agente), também denominado buscador, é aquele que procede a revista, ou detém o seu controle mediante uso de dispositivos eletrônicos, mecânicos, ou de animais, ou por qualquer outro meio imaginável. A busca pessoal somente poderá ser realizada por agentes públicos em cumprimento a específica ordem judicial ou, então, sem ordem judicial, desde que possuam atribuição de prevenção ou investigação criminal, qualificados pelo exercício do poder de polícia. Em razão de sua fórmula procedimental, a diligência constitui atividade de caráter tipicamente policial, mesmo que destinada exclusivamente à colheita de provas para a instrução do processo.

            Somente os agentes públicos que possuem a função constitucional de garantir a segurança pública, bem como de investigar ou impedir a prática de crime são autorizados a realizar busca pessoal independente de mandado judicial nas condições estabelecidas pelo art. 244 do Código de Processo Penal (nos casos de prisão, de fundada suspeita ou no curso de regular busca domiciliar). Portanto, os integrantes das guardas municipais que mantêm vigilância nas instalações e logradouros municipais (parques e espaços públicos municipais), exercendo tão-somente a guarda patrimonial, nos termos do par. 8o, do art. 144, da Constituição Federal, não podem realizar busca pessoal ou qualquer outra atividade própria de polícia, por falta de competência legal. Indiscutível, todavia, que na ocorrência de flagrante podem prender e apreender pessoa e coisa objeto de crime, tanto quanto qualquer do povo pode, conforme art. 301 do CPP, em situação extraordinária e, portanto excepcional à regra, no caso de prisão.

            Da análise do sujeito ativo surge um tema polêmico: a questão da legalidade da denominada "revista privada" (de forma direta ou indireta) imposta como condição de acesso a estabelecimentos particulares, especialmente em entradas de casas de espetáculos, boates e similares. Trata-se de procedimento superficial realizado por agentes particulares de segurança, objetivando coibir a entrada de armas ou de objetos que possam causar perigo aos usuários desses espaços. Tal ato nunca poderá ser chamado busca pessoal ou simplesmente revista (que é sinônimo de busca pessoal, como já visto), eis que realizado por quem não está cumprindo ordem judicial ou exercendo atividade policial. Por isso escolhemos a expressão revista privada para a sua denominação.

            Tem sido tolerado o procedimento de iniciativa particular, na ausência de regulamentação específica sobre a matéria. O interessado em acessar o ambiente restrito sabe que, além de pagar o valor do ingresso, deverá submeter-se a uma verificação pessoal incidente no seu próprio corpo e objetos por ele portados. Se por um lado pondera-se que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude da lei, por outro lado se aceita que, no caso em análise, está configurado um contrato entre particulares, representado por um acordo de vontades razoável em face da realidade da vida moderna em grandes cidades.

            Notório que o novo modo de vida em sociedade, de acentuada concentração urbana, tem provocado medidas de iniciativa particular na área de segurança, cada dia mais freqüentes e que trazem certo desconforto, como por exemplo, câmaras filmadoras espalhadas em ambientes abertos ou fechados e portas giratórias e detectores fixos em bancos e outros estabelecimentos privados, toleradas em razão de sua reconhecida utilidade.

            No entanto, sem desconsiderar a dinâmica própria da sociedade que impõe novas fórmulas de convivência, para que não seja configurado o constrangimento ilegal na revista privada de forma direta (com tangibilidade corporal), há dois aspectos que devem ser rigorosamente observados: a superficialidade e a não-seletividade, ou seja, o tratamento dispensado a todos deve ser igualitário e o procedimento apenas superficial, com a anuência do revistado, o que pressupõe seu prévio conhecimento quanto à imposição do ato e sua forma.


7. CONCLUSÕES

            A busca pessoal é caracterizada pela procura por algo relevante ao processo penal - além do seu particular aspecto de prevenção criminal -, no corpo do revistado, nas vestes e pertences com ele encontrados, inclusive no interior de veículo, considerando-se a busca veicular como extensão da revista. Em face da inevitável restrição de direitos individuais, somente é desenvolvida em cumprimento a ordem judicial ou por iniciativa de agentes públicos investidos de necessária autoridade policial.

            Possui natureza processual enquanto meio de obtenção do que for relevante à prova de infração penal, ou à defesa do réu; e tem natureza preventiva, quando realizada por iniciativa policial para a preservação da ordem pública, podendo nesse caso igualmente ensejar reflexos no processo. Portanto, são identificadas duas espécies de busca pessoal: a processual e a preventiva, conforme o momento em que é realizado o procedimento e conforme a sua finalidade. Antes da constatação do delito, constitui ato legitimado pelo poder de polícia, na esfera de atuação preventiva da Administração Pública; após, objetiva atender ao interesse processual.

            São dois os modos de realização: preliminar (revista superficial) ou minucioso (revista íntima), considerado o grau de rigor dispensado. A busca preliminar pode ser realizada sem contato corporal; trata-se da busca pessoal indireta, ou seja, com auxílio do faro de animais, equipamentos eletro-magnéticos ou outros meios. A tangibilidade corporal, todavia, é recurso normalmente utilizado e aceito, observadas as limitações impostas pelos critérios de necessidade e razoabilidade da medida.

            É inadmissível busca pessoal mediante mandado sem a individualização do sujeito passivo, concluindo-se que a busca pessoal individual constitui regra. Na esfera preventiva, porém, pode ocorrer a denominada busca pessoal coletiva, como medida excepcional necessária ao bem comum, na entrada de eventos públicos, ou em situações específicas como a revista realizada em todos os réus presos antes de serem escoltados. Essa busca pessoal coletiva não se confunde com o procedimento particular imposto como condição de acesso a estabelecimentos privados, ora denominado revista privada, consentido por acordo de vontades e aceitável desde que caracterizado pela superficialidade e não-seletividade.

            A busca pessoal, como ato legítimo de competente autoridade, deve ser orientada pela análise da estrita necessidade do ato, pela proporcionalidade exigida na relação entre a limitação do direito individual e o esforço estatal para a realização do bem comum e, também, pela eficácia da medida, que deve ser adequada ao seu propósito, para atender ao interesse público.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NASSARO, Adilson Luís Franco. Aspectos jurídicos da busca pessoal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1322, 13 fev. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9491. Acesso em: 28 mar. 2024.