Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/9524
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

A responsabilidade patrimonial do Estado por conduta comissiva e o direito de regresso

A responsabilidade patrimonial do Estado por conduta comissiva e o direito de regresso

Publicado em . Elaborado em .

O estudo analisa a responsabilidade estatal por condutas comissivas de seus agentes, nessa qualidade, juntamente com o direito de regresso, entremostrando o cabimento da denunciação da lide.

RESUMO

           Uma análise acerca da responsabilidade patrimonial do Estado por conduta comissiva e o direito de regresso. É um assunto que denota muita riqueza de conteúdo, eis que estuda a reparação de danos sofridos pelos administrados, ante as diversas condutas dos agentes estatais; ademais, se destaca quando se fala sobre o direito de regresso, que tem forte ligação com a denunciação da lide. Destarte, o presente estudo objetivou analisar a responsabilidade estatal por condutas comissivas de seus agentes, nessa qualidade, juntamente com o direito de regresso, entremostrando o cabimento da denunciação da lide. A pesquisa utilizada foi, basicamente, bibliográfica e documental, como forma de aprimorar os conhecimentos e encontrar a melhor solução para a presente problemática. Desse modo, buscou-se, através da análise da evolução da responsabilidade do Poder Público, a destacar a importância da responsabilidade objetiva do Estado, que é um direito dos administrados. Com efeito, concluiu-se que a denunciação da lide não deve ser cabível em sede de responsabilidade sem culpa do ente estatal, em que pesem os entendimentos contrários, porquanto acarreta uma série de prejuízos aos administrados.

           Palavras-chave: Responsabilidade objetiva. Estado. Direito de Regresso. Denunciação da Lide


           SUMÁRIO: Introdução, 1 Responsabilidade patrimonial do estado; 1.1 Responsabilidade patrimonial no Direito Privado; 1.2 Responsabilidade patrimonial do Poder Público; 1.3 Evolução da Responsabilidade patrimonial do Estado; 1.3.1 Teoria da irresponsabilidade; 1.3.2 Teoria da responsabilidade com culpa; 1.3.3 Teoria da responsabilidade pública; 1.3.3.1 Teoria da culpa administrativa; 1.3.3.2 Teoria do risco administrativo; 1.3.3.3 Teoria do risco integral; 1.4 Escorço histórico da responsabilidade patrimonial do Estado no Brasil; 1.4.1 Período colonial; 1.4.2 Período imperial; 1.4.1 Período republicano; 2 Responsabilidade do estado por conduta comissiva; 2.1 Fundamentos responsabilidade objetiva; 2.2 Pressupostos da responsabilidade objetiva; 2.3 Excludentes de responsabilidade; 2.4 Direito positivo brasileiro; 2.4.1 Constituição Federal; 2.4.2 Código Civil; 2.5 O caso Vôo Gol 1907; 3 Reparação do dano; 3.1 Prescrição; 3.2 Procedimentos ; 3.2.1 Procedimento administrativo; 3.2.2 Procedimento judicial; 4 Direito de regresso; 4.1 Noções sobre o direito de regresso; 4.2 Ação regressiva da União contra seus agentes; 4.3 Denunciação da lide; 4.3.1 Considerações sobre a denunciação da lide; 4.3.2 Procedimento da denunciação da lide formulado pelo réu; 4.3.3 Denunciação da lide pelo Estado; 4.3.3.1 Favorável; 4.3.3.2 Relativa; 4.3.3.3 Negativista; Conclusão


INTRODUÇÃO

           O assunto "A Responsabilidade Patrimonial do Estado" denota muita riqueza de conteúdo, eis que estuda a reparação de danos sofridos pelos administrados, na medida em que têm suas garantias e liberdades desrespeitadas, tendo em vista as diversas condutas dos agentes estatais. Esse assunto se destaca, porquanto envolve conhecimentos históricos, bem como conhecimentos da legislação, da doutrina e da jurisprudência.

           A evolução histórica da responsabilidade do Estado demonstra que, hoje, há uma maior proteção dos direitos dos administrados. Em tempos remotos, o Estado era irresponsável, juridicamente, já que não reparava os danos causados nos particulares. A irresponsabilidade estatal evoluiu para a responsabilidade sem culpa, baseada na teoria do risco administrativo, em que vige a responsabilidade objetiva.

           A Constituição de 1988 responsabiliza, objetivamente, todas as pessoas jurídicas de direito público, bem como as de direito privado prestadoras de serviço público, na hipótese de seus agentes, mediante condutas comissivas, causarem danos (morais e/ou materiais) aos administrados. Ademais, prevê a Constituição da República o direito de regresso, que significa o dever de o Estado promover a ação regressiva contra o agente público, cobrando o valor já despendido com o administrado, caso aquele tenha agido com dolo ou culpa no evento danoso.

           O problema surge quando se ventila acerca da aplicação do instituto processual da denunciação da lide, que tem forte ligação com o direito de regresso. É possível seu cabimento em sede de responsabilidade do Estado por conduta comissiva (responsabilidade objetiva), efetivando a ação regressiva dentro da própria ação proposta pelo administrado contra o Estado? É controverso seu cabimento; grande parte da jurisprudência anui com o cabimento.

           Destarte, são fundamentais o estudo e a pesquisa da responsabilidade do Estado, tendo em vista comportamentos de seus agentes que desrespeitam as garantias e liberdades dos particulares, haja vista que é direito uma boa qualidade de serviços e a reparação de danos individuais e coletivos, que, na execução de uma atividade lícita ou ilícita, o agente possa causar. Assim sendo, mister se faz seu estudo, a fim de esclarecer alguns pontos relevantes sobre o assunto em pesquisa.

           A presente monografia tem como fonte o ordenamento jurídico, a doutrina e a jurisprudência. No ordenamento jurídico, extraem-se várias legislações sobre a responsabilidade patrimonial do Estado, como, por exemplo, todas as Constituições (desde a de 1824 (Imperial) até a vigente (1988)). Na doutrina, busca-se o entendimento de diversos doutrinadores: administrativistas, quando o assunto envolve a responsabilidade estatal; e processualistas, quando o assunto diz respeito à denunciação da lide. A jurisprudência colacionada nos momentos oportunos, de acordo com a relevância do assunto em exposição, examina o pensamento dos juízes, os quais, às vezes, dão suporte à doutrina.

           No presente trabalho monográfico, objetiva-se analisar e dar ênfase à responsabilidade do Estado por conduta comissiva, bem como analisar o direito de regresso, especialmente por ter forte influência com a denunciação da lide. Outrossim, objetiva-se caracterizar, historicamente, a evolução da responsabilidade do Estado por conduta comissiva, demonstrando a importância da responsabilidade objetiva; averiguar o direito de regresso e a denunciação da lide, observando se é lídimo o seu cabimento em sede de responsabilidade objetiva do Estado.

           O título desta monografia delimita bem o assunto em estudo. É patrimonial a responsabilidade porque estuda apenas a responsabilidade civil, não se analisando as responsabilidades administrativa e penal. É por conduta comissiva porque não se abordam as condutas omissivas. É do Estado a responsabilidade porque estuda a reparação patrimonial de danos provocados por seus agentes, nessa qualidade, não se atendo à reparação de danos entre particulares, a menos que seja pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público. Por fim, estuda-se o direito de regresso, instituto que, conforme afirmado acima, relaciona-se com a denunciação da lide.

           A tipologia da pesquisa, segundo a utilização dos resultados, é pura, tendo por finalidade aumentar o conhecimento do pesquisador para uma nova tomada de posição; segundo a abordagem, é qualitativa, na medida em que se aprofundará na compreensão das ações e relações humanas e nas condições e freqüências de determinadas situações sociais. Quanto aos objetivos, a pesquisa é exploratória, procurando aprimorar idéias, buscando maiores informações sobre o tema em foco.

           Esta monografia dispõe-se de quatro capítulos. O primeiro trata da responsabilidade patrimonial do Estado; o segundo, da responsabilidade do Estado por conduta comissiva; o terceiro, da reparação do dano sofrido pelo administrado, verificando os procedimentos administrativo e judicial cabíveis; e o quarto, por fim, trata do direito de regresso, oportunidade em que se estudam as controvérsias oriundas da aplicação da denunciação da lide.

          


           1 RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL DO ESTADO(1)

           Neste capítulo, estudam-se noções da responsabilidade patrimonial regulamentada no Direito Privado; após, a responsabilidade patrimonial envolvendo o Estado; em seguida, analisa-se a evolução histórica da responsabilidade do Poder Público, no mundo e no Brasil.

           1.1 Responsabilidade patrimonial no Direito Privado

           Responsabilidade patrimonial significa a obrigação de reparar os danos ou prejuízos de natureza patrimonial (e, às vezes, moral) que uma pessoa causa a outrem. No dano material, afeta-se o patrimônio da vítima, os bens materiais economicamente avaliáveis; no moral, atingem-se os bens imateriais (bens da personalidade).

           No Direito brasileiro, o Código Civil revogado, de 1916, previa a responsabilidade civil no art. 159: "Todo aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano". No Código Civil vigente, há menção acerca dessa responsabilidade nos arts.186, 187 e 927. In verbis:

           Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

           Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

           Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

           Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

           Observando os dispositivos acima, percebe-se que a legislação substantiva civil diz que a violação ao direito, causando dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, é ato ilícito, ficando-se obrigado a repará-lo. Esse ato ilícito, segundo Maria Helena Diniz (2004, p. 196), "é praticado em desacordo com a ordem jurídica, violando direito subjetivo individual. Causa dano patrimonial ou moral a outrem, criando o dever de repará-lo (CC, art. 927)". (Destaque do original)

           Entretanto, quanto aos atos lícitos, mesmo que causadores de danos, diz o Código Civil que não há reparação patrimonial, conforme disposição legal do art. 188, que prevê situações (atos lícitos) causadoras de danos que dispensam a responsabilidade civil, quais sejam, a legítima defesa, o exercício regular de direito e o estado de necessidade. Nesse sentido são as ilações de Maria Helena Diniz (2004, p. 199): "[...] o procedimento lesivo do agente, por motivo legítimo estabelecido em lei, não acarreta o dever de indenizar, porque a própria norma jurídica lhe retira a qualificação de ilícito. [...]". (Grifos do autor)

           O Código Civil positiva as responsabilidades subjetiva e objetiva. Naquela, o sujeito lesionado, além dos demais requisitos necessários à caracterização da responsabilidade civil, tem o ônus de comprovar a culpa ou o dolo do indivíduo responsável pelo evento danoso. A culpa diz respeito à omissão, negligência e imperícia; e o dolo significa a intenção de causar o dano.

           Na responsabilidade objetiva, o ônus da prova da culpa (ou dolo) é dispensado, de modo que o interessado deverá comprovar apenas os demais requisitos da responsabilidade subjetiva, quais sejam, a conduta, o dano e o nexo causal. Deveras, essa responsabilidade ocorre apenas em alguns casos, conforme vaticina o art. 927, parágrafo único, do Código Civil: "haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem".

           Feitas essas considerações, impende adentrar no subtítulo seguinte, que trata da responsabilidade patrimonial do Estado.

           1.2 Responsabilidade patrimonial do Poder Público

           A responsabilidade patrimonial do Estado diz respeito aos prejuízos – materiais e morais – causados aos administrados por seus agentes, devendo o Poder Público ressarci-los. Tal responsabilidade diverge e é independente das responsabilidades administrativa e penal, conforme preceitua o Código Civil, no art. 935: "A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal".

           Entrementes, a responsabilidade patrimonial (civil) do Estado não é idêntica à responsabilidade civil no âmbito do Direito Privado, porquanto, neste ramo, somente há reparação de danos em caso de ato ilícito, ao passo que, na responsabilidade estatal, há reparação patrimonial de danos acarretados tanto por ato lícito quanto por ato ilícito.

           A responsabilidade estatal caracterizada por atos ilícitos é fundamentada no princípio da legalidade; e, por atos lícitos, no princípio da igualdade. Nesse sentido, discorre Diógenes Gasparini (2005, p. 896):

           O fundamento da responsabilidade patrimonial do Estado é bipartido, conforme seja ela decorrente de atos lícitos ou ilícitos. No caso dos atos lícitos (construção de um calçadão que interessa à coletividade, não obstante impeça a utilização de um prédio, construído e regularmente utilizado como garagem), o fundamento é o princípio da distribuição igualitária dos ônus e encargo a que estão sujeitos os administrados, como, entre nós, já decretou o STF (RDA, 190: 194). Destarte, se o serviço ou a obra é de interesse público, mas, mesmo assim, causa dano a alguém, toda a comunidade deve responder por ele, e isso se consegue através da indenização. Para tanto, todos concorrem, inclusive o prejudicado, já que este, como os demais administrados, também paga tributos. Tratando-se de atos ilícitos (descumprimento da lei), o fundamento é a própria violação da legalidade, como ocorre quando o Estado interdita indústria poluente e ao depois verifica que, em absoluto, era ela poluente. Nesse exemplo, o Estado cometeu uma ilegalidade e, por ter praticado ato ilícito do qual decorreu o dano, vê-se na contingência de ressarcir a vítima, no caso a sociedade industrial. [...] (Destaques do original)

           Lúcia Valle Figueiredo (1995, p. 179), também dizendo que os atos lícitos têm que ver com o princípio da igualdade, e que os atos ilícitos se originam do princípio da legalidade, diz o seguinte:

           [...] Já averbamos – e agora reafirmamos – caber responsabilidade quer por atos lícitos ou ilícitos. A responsabilidade estatal decorrente de atos ilícitos funda-se, facilmente, no princípio da legalidade.

           [...] Doutra parte, se a Administração, ao dar cumprimento a suas funções, ao exercer, de conseguinte, suas competências-deveres, lesar o administrado, também responderá por ato lícito sob fundamento do princípio da igualdade (se todos são iguais perante a lei, também o devem ser no tocante às cargas públicas). (Destaque do original)

           Celso Antonio Bandeira de Mello (2005, p. 942) dá exemplos dos referidos atos:

         a) Por comportamentos lícitos:

           a.1) Atos jurídicos – como, por exemplo, a determinação de fechamento legítimo e definitivo do perímetro central da cidade a veículos automotores, por razão de tranqüilidade, salubridade públicas e desimpedimento do trânsito, que acarreta para os proprietários de edifícios-garagem, devidamente licenciados, indiscutível dano patrimonial anormal.

           a.2) Atos materiais – como, por exemplo, o nivelamento de uma rua, procedido com todas as cautelas e recursos técnicos, que, entretanto, pelas características físicas ambientais, implica ficarem algumas casas em nível mais elevado ou rebaixado em relação ao leito da rua, causando séria desvalorização daqueles imóveis.

           b) Por comportamentos ilícitos:

           b.1) Atos jurídicos – como, verbi gratia, a decisão de apreender, fora do procedimento ou hipóteses legais, a edição de jornal ou revista.

           b.2) Atos materiais – o espancamento de um prisioneiro, causando-lhe lesões definitivas. (Destaques do original)

           Acerca da responsabilidade patrimonial do Estado, vejam-se as lições de Maria Silvia Zanella Di Pietro (2006, p. 618):

           Pode-se, portanto, dizer que a responsabilidade extracontratual do Estado corresponde à obrigação de reparar danos causados a terceiros em decorrência de comportamentos comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos ou ilícitos, imputáveis aos agentes públicos. (Grifos do original)

           Importantes, também, são as palavras de Hely Lopes Meirelles (2006, p. 647), que define a responsabilidade em comento:

           Responsabilidade civil da Administração Pública é, pois, a que impõe à Fazenda Pública a obrigação de compor o dano causado a terceiros por agentes públicos, no desempenho de suas atribuições ou a pretexto de exercê-las. É distinta da responsabilidade contratual e da legal.

           A responsabilidade extracontratual do Estado é distinta da contratual, a qual é tratada em legislação específica, como, por exemplo, a Lei n° 8.666/93,(2) legislação essa que dispõe acerca das condutas reprováveis e das suas sanções. Já a responsabilidade extracontratual, diz respeito a qualquer responsabilidade patrimonial, com exceção da oriunda da relação contratual. Comentando a responsabilidade extracontratual, diz Celso Antonio Bandeira de Mello (2005, p. 923):

           1. Entende-se por responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado a obrigação que lhe incumbe de reparar economicamente os danos lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos.

           A responsabilidade estatal pode ocorrer, de acordo com Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2006, p. 617), "[...] de atos jurídicos, de atos ilícitos, de comportamentos materiais ou de omissão do Poder Público. O essencial é que haja um dano causado a terceiro por comportamento omissivo ou comissivo de agente do Estado".

           Importante também é trazer à baila exemplos de condutas estatais que geram a responsabilidade extracontratual. Vejam-se os exemplos fornecidos por Diogenes Gasparini (2005, p. 914):

           No Brasil já se condenou o Estado, tomada essa expressão em sentido amplo, por dano decorrente de: apropriação indébita praticada por serventuário de cartório (RJTJSP, 72:97); despesa realizada para obtenção de fiança bancária a fim de pagar multa indevida (Ajuris, 29:145); queda de árvore sobre automóvel estacionado em via pública (RT, 551:110); elevação do nível da rua (RT, 455:81); queda de veículo em valeta aberta em via pública, sinalizada precariamente (RT, 558:103); acidente de trânsito em razão da má conservação da pista (JTAAP, 83:191); acidente em ponte em precárias condições de uso (RT, 573:253); má conservação de córrego (RT, 550:106); inundação (RT, 445:100); semáforo defeituoso (JTACSP, 79:92); depredação praticada por multidão (RT, 275:833); invasão de piquete grevista (RT, 297:301); assassinato de menor recolhido a abrigo de menores (RT, 464:98); prisão ilegal e tortura (RT, 470:188); ferimento causado a alunos da PUCSP, em razão de invasão policial de suas dependências (RT, 553:89). (Destaques do original)

           Nos subtítulos abaixo, estuda-se a evolução da responsabilidade patrimonial do ente estatal.

           1.3 Evolução da responsabilidade patrimonial do Estado

           Dependendo do momento histórico e do espaço territorial, encontra-se o Estado, juridicamente, como irresponsável ou como responsável ante os danos causados aos administrados pelos seus agentes.

           Várias teorias têm sido produzidas, sem uniformidade, visando a justificar a responsabilidade civil do Estado. No sistema anglo-saxão, a responsabilidade civil do Estado tem por base o direito privado; em outros sistemas, como o europeu-continental, que é estudado nesta monografia, adota-se o regime publístico, baseado no Direito Público.

           1.3.1 Teoria da irresponsabilidade

           No início de todo Estado, vigorou a irresponsabilidade jurídica. Todavia, foi no período absolutista que essa irresponsabilidade se destacou, eis que o Estado se apoiava na idéia de soberania, no sentido de que reparar o patrimônio de um administrado seria nivelá-lo ao Poder Público, seria desrespeitar a soberania estatal.

           Fundamentavam a irresponsabilidade do Estado no princípio de que o rei não poderia errar (the king can do no wrong – regra inglesa da infalibilidade real; e le roi ne peut mal faire – regra francesa) e no princípio de que aquilo que agradava ao príncipe tinha força de lei (quod principi placuit legis habet vigorem).

           Entrementes, há que se frisar que a idéia de irresponsabilidade estatal não era completa, eis que havia exceções, conforme noticia Celso Antonio Bandeira de Mello (2005, p. 931):

           25. Estas assertivas, contudo, não representavam completa desproteção dos administrados perante comportamentos unilaterais do Estado. Isto porque, de um lado, admitia-se responsabilização quando leis específicas a previssem explicitamente (caso, na França, de danos oriundos de obras públicas, por disposição da Lei 28 pluvioso do Ano VIII); de outro lado, também se admitia responsabilidade por danos resultantes da gestão do domínio privado do Estado, bem como os causados pelas coletividades públicas locais. (Destaque do original)

           Ademais, admitia-se a responsabilidade do agente público quando o ato lesivo pudesse ser atribuído diretamente a ele, na hipótese de comportamento pessoal. Entretanto, essa responsabilidade era difícil de ser caracterizada, pois as ações promovidas contra os agentes dependiam de autorização do Conselho de Estado francês, o qual, dificilmente, concedia. Nesse sentido são as lições de Celso Antonio Bandeira de Mello (2005, p. 931 e 932):

           [...] É bem verdade, todavia, que a operatividade da solução, sobre se revelar insuficiente pela pequena expressão do patrimônio que deveria responder, era gravemente comprometida em sua eficácia pela existência de uma ‘garantia administrativa dos funcionários’. Instituída pelo art. 75 da Constituição do ano VIII (de 13 de dezembro de 1799), estabelecia que as ações contra estes perante os Tribunais Civis dependiam de prévia autorização do Conselho de Estado francês, o qual raramente a concedia. Disposições análogas existiam na Alemanha, nas legislações da Prússia, da Baviera e de Baden e Hesse, consoante noticia Forsthoff (ob. cit., p. 415) (Destaque do original)

           Por revelar elevada injustiça a idéia de irresponsabilidade do Estado, aos poucos foi surgindo a noção de responsabilidade. Ora, tal injustiça tem razão de ser, porquanto é impossível viver em um Estado que, caso se exceda nos seus atos, ferindo o Direito, não arca com os prejuízos acarretados a terceiros.

           Antes de ser estudado o início da responsabilidade do Estado, há que se ressaltar que, hodiernamente, não há Estado que reze a irresponsabilidade jurídica; os últimos a abandoná-la foram os Estados Unidos (Federal Tort Claim Act, em 1946) e a Inglaterra (Crown Proceeding Act, em 1947).

           1.3.2 Teoria da responsabilidade com culpa

           No século XIX, caiu por terra a teoria da irresponsabilidade jurídica estatal, eis que surgiu o liberalismo, pregando, entre outras idéias, a igualdade entre o Estado e o particular.

           A responsabilidade civil, inicialmente aplicada ao Estado, tinha como base o Direito Privado, vigorando a responsabilidade subjetiva, em que a comprovação da culpa ou do dolo do agente responsável pela lesão era um dos pressupostos dessa responsabilidade.

           Entrementes, há que se ressaltar que o Estado somente respondia pelos atos de gestão, e não pelos atos de império. Os atos de gestão eram os praticados em situação de igualdade, como a conservação do patrimônio público e a gestão dos serviços públicos; e os de império eram os em que a Administração Pública agia com todas as prerrogativas e privilégios de autoridade, impostos unilateralmente.

           Em suma, a responsabilização com culpa do Estado foi um avanço, derrotando a malfadada teoria da irresponsabilidade jurídica do Estado. Porém, ainda não satisfazia a solução civilista aos interesses de justiça, uma vez que o administrado lesado deveria comprovar a culpa (ou dolo) do agente estatal, ônus esse de elevada dificuldade, uma vez que o terceiro lesado dispunha de recursos insuficientes, ficando em séria desvantagem perante o Estado.

           1.3.3 Teoria da responsabilidade pública

           Solucionando o problema da responsabilidade com culpa, surgiu a concepção de que as normas regedoras da responsabilização estatal deveriam ter como base o Direito Público, e não mais o Direito Privado. A responsabilidade com base no Direito Público surgiu com o famoso caso Blanco, conforme registro de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2006, p. 620):

           O primeiro passo no sentido da elaboração de teorias de responsabilidade do Estado segundo princípios do direito público foi dado pela jurisprudência francesa, com o famoso caso Blanco, ocorrido em 1873: a menina Agnes Blanco, ao atravessar uma rua da cidade de Bordeaux, foi colhida por uma vagonete da Cia. Nacional de Manufatura do Fumo; seu pai promoveu ação civil de indenização, com base no princípio de que o Estado é civilmente responsável por prejuízos causados a terceiros, em decorrência de ação danosa de seus agentes. Suscitado conflito de atribuições entre a jurisdição comum e o contencioso administrativo, o Tribunal de Conflitos decidiu que a controvérsia deveria ser solucionada pelo tribunal administrativo, porque se tratava de apreciar a responsabilidade decorrente de funcionamento do serviço público. Entendeu-se que a responsabilidade do Estado não pode reger-se pelos princípios do Código Civil, porque se sujeita a regras especiais que variam conforme as necessidades do serviço e a imposição de conciliar os direitos do Estado com os direitos privados. (Grifos do autor)

           A doutrina do Direito Público se propôs a fixar princípios objetivos, sem a exclusão total das regras do Direito Privado. Destarte, surgiu a tese da responsabilidade pública, a qual é subdividida pelas seguintes teorias: da culpa administrativa, do risco administrativo e do risco integral.

           1.3.3.1 Teoria da culpa administrativa

           A teoria da culpa administrativa, também chamada de culpa do serviço, culpa anônima ou teoria do acidente administrativo, surgida com fulcro no Direito Público, teve como fito primordial o desligamento da idéia de responsabilidade do Estado somente por conduta culposa de seu agente, visando a responsabilizar o Estado em outras situações.

           A responsabilidade estatal em tela responsabiliza o Estado pela culpa do serviço público, ocorrendo quando o serviço não funcionava (omissão), funcionou atrasado ou funciona mal. Diogenes Gasparini (2005, p. 900) explica essas hipóteses:

           Assim, havia a culpa do serviço e, portanto, a obrigação de o Estado indenizar o dano causado se: a) devesse existir um serviço de prevenção e combate a incêndio em prédios altos e não houvesse (o serviço não funcionava, não existia); b) o serviço de prevenção e combate a incêndio existisse, mas ao ser demandado ocorresse uma falha, a exemplo da falta d’água ou do emperramento de certos equipamentos (o serviço funcionava mal); c) o serviço de prevenção e combate a incêndio existisse, mas chegasse ao local do sinistro depois que o fogo consumira tudo (o serviço funcionou atrasado). O mesmo poderia ser exemplificado com o serviço de desobstrução e limpeza de bocas-de-lobo e galerias de águas pluviais ou com o serviço de desassoreamento de rios e córregos e tantos outros. (Destaques do original)

           Deve-se destacar que a culpa administrativa, mesmo não necessitando de comprovação de culpa do agente estatal, ainda não era responsabilidade objetiva, uma vez que necessitava da comprovação de culpa do serviço. É o que diz Celso Antonio Bandeira de Mello (2005, p. 934):

           O argumento de que a falta de serviço (faute du service) é um fato objetivo, por corresponder a um comportamento objetivamente inferior aos padrões normais devidos pelo serviço, também não socorre os que pretendem caracterizá-la como hipótese de responsabilidade objetiva. Com efeito, a ser assim, também a responsabilidade por culpa seria responsabilidade objetiva (!), pois é culposa (por negligência, imprudência, ou imperícia) a conduta objetivamente inferior aos padrões normais de diligência, prudência ou perícia devidos por seu autor.

           O que cumpre distinguir é a objetividade de dada conduta, à qual se atribui o dano, e a objetividade da responsabilidade. A primeira é sempre objetiva, pois o Direito só se ocupa de situações tomadas em sua objetividade, isto é, como um dado objetivo. A segunda sê-lo-á ou não. (Destaques do original)

           Diogenes Gasparini (2005, p. 900), esclarecendo a teoria da culpa administrativa, atestando a dificuldade de a vítima se ver ressarcida, averba:

           O êxito do pedido de indenização ficava, dessa forma, condicionado à demonstração, por parte da vítima, de que o serviço se houvera com culpa. Assim, cabia-lhe demonstrar, além do dano, que este lhe fora causado pelo Estado e a culpa do serviço, e isso ainda era muito à vista dos anseios de justiça. Procurou-se, destarte, novos critérios que, de forma objetiva, tornassem o Estado responsável patrimonialmente pelos danos que seus servidores, nessa qualidade, pudessem causar aos administrados.

           Com efeito, mesmo sendo de grande vantagem a culpa administrativa, em comparação com a responsabilidade com culpa, a tese da culpa do serviço ainda não satisfazia a aspiração da justiça, pois ainda exigia muito da vítima, porquanto deveria comprovar a falta do serviço público.

           1.3.3.2 Teoria do risco administrativo

           Sob a inspiração das decisões do Conselho de Estado francês, ampliando a proteção do administrado, surgiu a teoria do risco administrativo, a qual, de forma objetiva, tornou o Estado responsável, patrimonialmente, pelos danos que seus servidores, nessa qualidade, causassem aos administrados.

           Ademais, tem que ver essa teoria com a decorrência do risco que a atividade pública gera para os administrados, baseando-se no princípio da igualdade dos ônus e encargos sociais, senão vejam-se as lições de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2006, p. 621):

           Essa doutrina [da teoria do risco administrativo] baseia-se no princípio da igualdade dos ônus e encargos sociais: assim como os beneficiários decorrentes da atuação estatal repartem-se por todos, também os prejuízos sofridos por alguns membros da sociedade devem ser repartidos. Quando uma pessoa sofre um ônus maior do que o suportado pelas demais, rompe-se o equilíbrio que necessariamente deve haver entre os encargos sociais; para restabelecer esse equilíbrio, o Estado deve indenizar o prejudicado, utilizando recursos do erário público.

           Na teoria do risco administrativo, vigora a responsabilidade objetiva, a qual dispensa o ônus da comprovação da culpa (ou dolo) do agente estatal.

           Deveras, o rigor da teoria do risco administrativo é amenizado na medida em que permite que o Estado demonstre sua ausência de culpa, nas hipóteses de culpa exclusiva da vítima ou de terceiro. Em momento oportuno, serão melhor estudadas as excludentes de responsabilidade do Poder Público.

           1.3.3.3 Teoria do risco integral

           Parte da doutrina não faz distinção entre a teoria do risco integral e a teoria do risco administrativo. No entanto, esse não é o entendimento de Hely Lopes Meirelles (2006), para quem aquela teoria diverge desta, uma vez que a teoria do risco integral não admite excludente de responsabilidade do Estado, ao passo que aquela admite.

           Inacio de Carvalho Neto (2000, p. 117), também diferenciando a teoria do risco integral da do risco administrativo, diz o seguinte:

           O que distingue ambas as teorias é justamente que, na do risco integral, o Estado é obrigado a indenizar, ainda que a vítima tenha agido com culpa exclusiva. Ou seja, a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro não afasta o nexo de causalidade entre a ação ou omissão do agente e o resultado, não dispensando o Estado de indenizar a vítima. Para a teoria do risco integral, nem mesmo o caso fortuito e a força maior excluem a obrigação do Estado de indenizar. [...]

           Já na teoria do risco administrativo, que foi concebida por Leon Duguit sobre a idéia de um seguro social suportado pela caixa coletiva, em proveito de quem sofre um prejuízo causado pelo funcionamento do serviço público, a relação de causalidade é afastada pela culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, pelo caso fortuito ou pela força maior.

           Com efeito, na teoria do risco integral, não se discute se a vítima teve ou não culpa, porquanto o que importa é o dano por ela sofrido. Diogenes Gasparini (2005, p. 901) define a teoria em comento:

           Por teoria do risco integral entende-se a que obriga o Estado a indenizar todo e qualquer dano, desde que envolvido no respectivo evento. Não se indaga, portanto, a respeito da culpa da vítima na produção do evento danoso, nem se permite qualquer prova visando elidir essa responsabilidade. Basta, para caracterizar a obrigação de indenizar, o simples envolvimento do Estado no evento. [...] (Destaques do original)

           Sobre a teoria em abordagem, importante é a decisão abaixo epigrafada, denotando o pensamento da jurisprudência brasileira:

           - A RESPONSABILIDADE OBJETIVA DE PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO, PREVISTA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, NÃO SIGNIFICA SEJA O ESTADO RESPONSÁVEL, SEMPRE, POR DANO CAUSADO A TERCEIRO POR SEUS ÓRGÃOS REPRESENTATIVOS. NÃO SE ADOTOU, NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO, EM TEMA DE RESPONSABILIDADE CIVIL, A TEORIA DO RISCO INTEGRAL. - SE O ACTO JURÍDICO ILICITO DO POLICIAL FORA PRATICADO EM LEGITIMA DEFESA, NÃO PERTENCEM AO ESTADO O DEVER E A OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR A VÍTIMA. - RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO. (STF, RE 78569, UF: PR – PARANÁ, DJ 02-10-1981. Rel. Firmino Paz) (Grifos do original).

           Da decisão acima, deflui-se que a teoria do risco integral nunca existiu, nem em outros Estados nem no Brasil.

           1.4 Escorço histórico da responsabilidade patrimonial do Estado no Brasil

           No Brasil, a responsabilidade estatal também sofreu mudanças, desde a era colonial até a atual.

           1.4.1 Período colonial

           A responsabilidade patrimonial do Estado no Brasil, no período colonial, segundo alguns doutrinadores, sempre existiu. Entrementes, há quem assegure a irresponsabilidade do Estado, nesse período, tendo como base o fato de que vigiam as normas absolutistas oriundas de Portugal. Já os que anuem com a presença de responsabilidade, argumentam que, naquela época, aplicavam-se as regras do Direito Privado, baseadas na culpa.

           Diogenes Gasparini (2005, p. 911), encampando a tese da irresponsabilidade do Estado no Brasil, aduz que:

           Nesse período [colonial] vigoravam, em nosso território, as leis portuguesas, e estas aceitavam os postulados da teoria da irresponsabilidade patrimonial do Estado, a única compatível com o governo monárquico português da época. Destarte, os colonos não tinham, pelo menos em princípio, qualquer direito de indenização por danos causados por agentes da Coroa portuguesa.

           Em entendimento contrário, Celso Antonio Bandeira de Mello (2005, p. 957) não admite a irresponsabilidade jurídica do Brasil no período colonial, frisando o seguinte:

           O certo é que jamais se pôs em dúvida, entre nós, a tese da responsabilidade do Estado, sempre aceita como princípio amplo, mesmo à falta de disposição específica. Resta ver em que termos o foi e qual sua evolução.

           Inicialmente, prevaleceu, como, de resto, sucedia no Exterior, a tese da culpa civil. É dizer: o Estado respondia quando funcionário seu, atuando no exercício da função, procedia de modo culposo, por negligência, imprudência ou imperícia. Evoluiu, ao depois, para a noção de falta de serviço, para finalmente aceitar, assaz de vezes, a responsabilidade objetiva. Esta progressão caminhou, a cotio, à frente da legislação. A doutrina, sobretudo, e parte dos juízes sustentaram teses avançadas em relação aos termos do Direito Positivo, procurando extrair, mediante interpretação sistemática da ordenação jurídica, posições bastante evoluídas.

           No mesmo sentido de Celso Antonio Bandeira de Mello (2006) é o entendimento de Lúcia Valle Figueiredo (1995) e de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2006). Parece assistir razão a essa posição, uma vez que, de fato, antes da existência das normas publicistas, responsabilizando o ente estatal com fundamento nas regras do Direito Público, o Estado era responsável, tendo em vista as normas do Direito Privado, conforme visto acima.

           1.4.2 Período imperial

           Anteriormente à Constituição Imperial, de 1824, não havia regulamentação geral sobre a responsabilidade patrimonial do Estado, embora essa responsabilidade fosse ventilada em alguns dispositivos de leis e decretos, senão veja-se o que diz Diogenes Gasparini (2005, p. 911):

           Não havia qualquer disposição geral nessa fase [período imperial] acolhendo a responsabilidade patrimonial do Estado, embora esta fosse adotada em leis e decretos específicos, conforme noticia Amaro Cavalcanti. São desse período, entre outros, os Decretos de 8 de janeiro de 1835, de 1° de dezembro de 1845, de 22 de janeiro de 1847, que responsabilizavam o Tesouro Público pelo extravio, por culpa ou fraude do respectivo funcionário público, de objetos recolhidos às suas caixas e cofres, e o Decreto n. 1.930, de 26 de abril de 1857, que obrigava a Fazenda Pública a ressarcir os danos causados por servidor de estrada de ferro.

           Na Constituição de 1824, no art. 179, XXIX, responsabilizou-se, pessoalmente, o agente público. In verbis: "Os Empregados Publicos são strictamente responsaveis pelos abusos, e omissões praticadas no exercicio das suas funcções, e por não fazerem effectivamente responsaveis aos seus subalternos". Vale destacar que o Imperador não era responsável pelos atos que causassem danos aos administrados, conforme se decalca do art. 99 dessa Constituição: "A Pessoa do Imperador é inviolavel, e Sagrada: Elle não está sujeito a responsabilidade alguma".

           Portanto, nesse período, vigorou a responsabilidade pessoal do agente público, que era chamado, genericamente, de empregado público. Quanto ao Imperador, esse era irresponsável, juridicamente.

           1.4.3 Período republicano

           A Constituição de 1891 tinha o mesmo teor da Constituição Imperial, divergindo desta apenas para acrescentar que o funcionário era obrigado, por compromisso formal, no ato da posse, a cumprir os deveres legais. Veja-se o que dispunha o art. 82 dessa Constituição:

           Art. 82. Os funcionários públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões em que incorrerem no exercício de seus cargos, assim como pela indulgência ou negligência em não responsabilizarem efetivamente os seus subalternos.

           Parágrafo único - O funcionário público obrigar-se-á por compromisso formal, no ato da posse, ao desempenho dos seus deveres legais.

           Comentando o preceptivo em causa, ensejando o início da responsabilidade estatal, Diogenes Gasparini (2005, p. 912) obtempera: "[...] não vedava a solidariedade do Estado na indenização do dano, conforme ensinavam os autores da época". Dessa feita, percebe-se que o Estado poderia ser responsabilizado juntamente com o agente público, ou seja, este não respondia, necessariamente, sem a presença do Estado, como na Constituição anterior. Assim, caía por terra o entendimento da Constituição Imperial, que dizia ser o Imperador não responsável para com os administrados.

           Lúcia Valle Figueiredo (1995, p. 175), noticiando legislação editada após a Constituição de 1891, deixando subentendida a responsabilidade do Estado, pontifica que: "[...] a Lei Federal n. 221, de 1894, admitia, implicitamente, a obrigação de o Estado indenizar os prejuízos causados por atos de seus agentes". Celso Antonio Bandeira de Mello (2005, p. 956), comentando sobre essa mesma lei federal, leciona:

           Seabra Fagundes anota que João Luiz dá notícia, mesmo antes do Código Civil, da existência do princípio da responsabilidade do Estado e faz a aguda observação de que a Lei federal 221, de 20.11.1894, ao tratar da competência do Judiciário para julgamento das questões oriundas de compensações, reivindicações, indenização de prejuízos ou quaisquer outras propostas pela União contra particulares e vice-versa, admitia implicitamente a obrigação estatal de indenizar prejuízos causados aos administrados.

           Com efeito, as normas acima ventiladas não eram explícitas na responsabilização do Estado, deixando margens de dúvidas. Deveras, tais dúvidas deixaram de existir em 1916, a partir da vigência do Código Civil, que responsabilizou as pessoas jurídicas de direito público pelos danos provocados por seus representantes, conforme se deflui do seu art. 15. In verbis:

           As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos dos seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano.

           Pretendendo restringir a responsabilidade estatal, foi editado o Decreto 24.216, de 09.05.1934, conforme lembra Celso Antonio Bandeira de Mello (2005, p. 958):

           Em 1934, o Decreto 24.216 pretendeu restringir a responsabilidade do Estado, excluindo-a nos casos em que o ato do agente administrativo tivesse caráter criminoso, salvo se o Poder Público competente o mantivesse no cargo após a verificação do fato. (Destaque do original).

           Deveras, o Decreto n° 24.216 teve duração passageira, tendo em vista a Constituição de 1934, conforme assevera Celso Antonio Bandeira de Mello (2005, p. 958):

           A norma em apreço [decreto n° 24.216/1934], todavia, teve duração efêmera, pois a Constituição de 1934, promulgada um mês depois, aos 16 de julho de 1934, a fulminou ao estatuir, no art. 171, que: ‘Os funcionários públicos são responsáveis solidariamente com a Fazenda Nacional, Estadual ou Municipal, por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício dos seus cargos’. (Destaque do original)

           Ao lume da citação acima transcrita, no que pertine ao epigrafado art. 171 da Constituição de 1934, verifica-se que o princípio da responsabilidade solidária do Estado com o funcionário foi expressamente amparado. Diferente não foi a Constituição de 1937, conforme preconiza Lúcia Valle Figueiredo (1995, p. 175): "[...] Todavia, a Constituição de 1934, em seu art. 171, atribuiu responsabilidade solidária ao Estado e ao funcionário; o mesmo dispõe a de 1937". (Grifos do autor)

           A Constituição de 1946, por sua vez, atendendo aos anseios dos juristas, inovou na legislação, instituindo a responsabilidade objetiva do Estado, bem como disciplinando a ação regressiva. Veja-se que, nesse momento, surge, no Brasil, pela primeira vez, a positivação da responsabilidade objetiva. Conforme o art. 194 e parágrafo único, dessa Constituição:

           Art 194 - As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros.

           Parágrafo único - Caber-lhes-á ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando tiver havido culpa destes.

           Semelhantemente à Constituição de 1946, a de 1967 e a Emenda n° 1, de 1969, trataram da responsabilidade objetiva do Estado. Comentando o preceptivo em causa e transcrevendo os dispositivos constitucionais da Carta Política anterior, além de estabelecer a diferença entre esses dispositivos com o da Constituição de 1946, vejam-se as palavras de Celso Antonio Bandeira de Mello (2005, p. 959):

           Equivalentes disposições e com redação semelhante foram consagradas na Carta de 1967 e na Emenda n. 1, de 1969.

           O art. 105 do Diploma de 1967 estatuiu:

           ‘As pessoas jurídicas de Direito Público respondem pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros.

           Parágrafo único. Caberá ação regressiva contra o funcionário responsável, nos casos de culpa ou dolo’.

           À diferença da Constituição de 1946, expressamente referiu-se ao cabimento de ação regressiva também nos casos de dolo do funcionário, no que, de resto, conformava a interpretação que sempre se dera ao art. 194 da Lei Magna de 1946.

           A Carta de 17 de outubro de 1969 (Emenda 1 à Constituição de 1967) reproduz, no art. 107, o mesmo dispositivo consagrador da possibilidade de responsabilidade objetiva do Estado e a ação regressiva contra o funcionário nos casos de culpa ou dolo, conforme estatui o parágrafo único. São os seguintes seus termos:

           ‘Art. 107. As pessoas jurídicas de Direito Público responderão pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causarem a terceiros.

           Parágrafo único. Caberá ação regressiva contra o funcionário responsável, nos casos de culpa ou dolo’. (Destaques do original)

           A Constituição de 1988, no art. 37, § 6º, ratificou a tese da responsabilidade objetiva do Estado. O Código Civil atual, diferentemente do de 1916, que adotava a tese da responsabilidade subjetiva do Poder Público, também positivou a tese dessa responsabilidade.

          


           2 RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR CONDUTA COMISSIVA

           Condutas comissivas são comportamentos que denotam uma ação, divergindo, portanto, das condutas omissivas, que ensejam uma inação. Como exemplo de um procedimento comissivo, ensejando responsabilidade estatal, cita-se o caso do agente da polícia que, visando a efetuar a prisão de um indivíduo, agride-o, fisicamente, sem nenhuma necessidade, causando-lhe lesões corporais.

           Com efeito, diante de condutas comissivas ou omissivas dos agentes públicos, pode o Poder Público ser responsabilizado. Ocorre que, quanto às condutas omissivas, há controvérsias, posto que doutrinadores há que dizem ser a responsabilidade subjetiva, enquanto há outros que pregam que há responsabilidade objetiva.

           No sentido de que a responsabilidade do Poder Público, em decorrência de danos causados por conduta omissiva, é subjetiva, há quem diga que o texto constitucional, que positiva a responsabilidade objetiva, dispõe de núcleo que denota apenas um procedimento comissivo, não rezando sobre conduta omissiva. Assim, para esse entendimento, a conduta omissiva caracteriza a responsabilidade subjetiva. Nesse sentido é o entendimento de Diogenes Gasparini (2005, p. 913):

           O texto constitucional em apreço [art. 37, § 6º, da Constituição Federal](3) exige para a configuração da responsabilidade objetiva do Estado uma ação do agente público, haja vista a utilização do verbo ‘causar’ (causarem). Isso significa que se há de ter por pressuposto uma atuação do agente público e que não haverá responsabilidade objetiva por atos omissivos. (Destaques do original)

           Celso Antonio Bandeira de Mello (2005, p. 935), comentando a responsabilidade objetiva do Estado, diferenciando-a da responsabilidade subjetiva, ensina o seguinte:

           Há responsabilidade objetiva quando basta para caracterizá-la a simples relação causal entre um acontecimento e o efeito que produz. Há responsabilidade subjetiva quando para caracterizá-la é necessário que a conduta geradora de dano revele deliberação na prática do comportamento proibido ou desatendimento indesejado dos padrões de empenho, atenção ou habilidade normais (culpa) legalmente exigíveis, de tal sorte que o direito em uma ou outra hipótese resulta transgredido. Por isso é sempre responsabilidade por comportamento ilícito quando o Estado, devendo atuar, e de acordo com certos padrões, não atua ou atua insuficientemente para deter o evento lesivo. (Destaques do original)

           Deveras, como o presente trabalho monográfico tem a finalidade de caracterizar a responsabilidade objetiva do Poder Público, as condutas estatais aqui estudadas são apenas as comissivas, já que é pacífico o entendimento de que caracterizam a responsabilidade sem culpa.

           2.1 Fundamentos da responsabilidade objetiva

           Os fundamentos da responsabilidade objetiva do Estado estão diretamente relacionados com a história da responsabilidade do Estado. Com o passar dos tempos, o Estado se tornou responsável para com seus administrados; atualmente, existe a responsabilidade objetiva do Poder Público. Explicitando os fundamentos da responsabilidade objetiva, invocando a teoria do risco administrativo, dentre outros relevantes argumentos, ensina José dos Santos Carvalho Filho (2002, p. 430):

           Foi com lastro em fundamentos de ordem política e jurídica que os Estados modernos passaram a adotar a teoria da responsabilidade objetiva no direito público.

           Esses fundamentos vieram à tona na medida em que se tornou plenamente perceptível que o Estado tem maior poder e mais sensíveis prerrogativas do que o administrado. É realmente o sujeito jurídica, política e economicamente mais poderoso. O indivíduo, ao contrário, tem posição de subordinação, mesmo que protegido por inúmeras normas do ordenamento jurídico. Sendo assim, não seria justo que, diante de prejuízos oriundos da atividade estatal, tivesse ele que se empenhar demasiadamente para conquistar o direito à reparação dos danos.

           Diante disso, passou-se a considerar que, por ser mais poderoso, o Estado teria que arcar com um risco natural decorrente de suas numerosas atividades: à maior quantidade de poderes haveria de corresponder um risco maior. Surge, então, a teoria do risco administrativo, como fundamento da responsabilidade objetiva do Estado. (Grifos do original)

           A necessidade da responsabilidade objetiva tornou desnecessário o ônus da comprovação da culpa do agente responsável pela lesão. Se assim não fosse, dificilmente seria o responsabilizado o Poder Público, eis que há uma desigualdade jurídica entre os administrados e o Poder Público, porquanto este dispõe de prerrogativas de direito público, que visam à tutela do interesse da coletividade, assegurando a prevalência jurídica destes interesses ante o particular.

           Destarte, os fundamentos da responsabilidade objetiva do Estado dizem respeito aos motivos que originaram essa responsabilidade, como se depreende do entendimento da teoria do risco administrativo, que tornou desnecessário o ônus da comprovação de culpa ou de dolo do agente estatal responsável pela lesão, posto ser o administrado a parte hipossuficiente da relação jurídico-processual.

           2.2 Pressupostos da responsabilidade objetiva

           Para caracterizar a responsabilidade objetiva do Estado, deve o terceiro lesado comprovar o fato administrativo, o resultado (dano) e o nexo causal. A jurisprudência é assente com esses pressupostos, senão veja-se a seguinte decisão:

           CONSTITUCIONAL. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. C.F., 1967, art. 107. C.F./88, art. 37, par-6. I. A responsabilidade civil do Estado, responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, que admite pesquisa em torno da culpa do particular, para o fim de abrandar ou mesmo excluir a responsabilidade estatal, ocorre, em síntese, diante dos seguintes requisitos: a) do dano; b) da ação administrativa; c) e desde que haja nexo causal entre o dano e a ação administrativa. A consideração no sentido da licitude da ação administrativa e (sic) irrelevante, pois o que interessa, e (sic) isto: sofrendo o particular um prejuízo, em razão da atuação estatal, regular ou irregular, no interesse da coletividade, e devida a indenização, que se assenta no princípio da igualdade dos onus (sic) e encargos sociais. II. Ação de indenização movida por particular contra o Município, em virtude dos prejuizos (sic) decorrentes da construção de viaduto. Procedencia (sic) da ação. III. R.E. conhecido e provido. (STF, RE 113587, UF: SP, DJ 03-04-1992, Rel. Carlos Velloso)

           Com a devida vênia, colacionam-se, também, as lições de José dos Santos Carvalho Filho (2002, p. 436 - 437), explicitando os pressupostos da responsabilidade objetiva do Estado, citando o fato administrativo, o dano e o nexo causal:

           Para configurar-se esse tipo de responsabilidade, bastam três pressupostos. O primeiro deles é a ocorrência do fato administrativo, assim considerado como qualquer forma de conduta, comissiva ou omissiva, legítima ou ilegítima, singular ou coletiva, atribuída ao Poder Público. Ainda que o agente estatal atue fora de suas funções, mas a pretexto de exercê-las, o fato é tido como administrativo, no mínimo pela má escolha do agente (culpa in elegendo) ou pela má fiscalização de sua conduta (culpa in vigilando).

           O segundo pressuposto é o dano. Já vimos que não há falar em responsabilidade civil sem que a conduta haja provocado um dano. Não importa a natureza do dano; tanto é indenizável o dano patrimonial como o dano moral. Logicamente, se o dito lesado não prova que a conduta estatal lhe causou prejuízo, nenhuma reparação terá a postular.

           O último pressuposto é o nexo causal (ou relação de causalidade) entre o fato administrativo e o dano. Significa dizer que ao lesado cabe apenas demonstrar que o prejuízo sofrido se originou da conduta estatal, sem qualquer consideração sobre o dolo ou a culpa. Se o dano decorre de fato que, de modo algum, pode ser imputado à Administração, não se poderá imputar responsabilidade civil a esta; inexistindo o fato administrativo, não haverá, por conseqüência, o nexo causal. Essa é a razão por que não se pode responsabilizar o Estado por todos os danos sofridos pelos indivíduos, principalmente quando decorrem de fato de terceiro ou de ação da própria vítima. (Destaques do original)

           Na decisão exarada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), abaixo epigrafada, há exemplo de conduta danosa de agentes públicos, bem como dos danos sofridos pelos particulares:

           RECURSO ESPECIAL - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS – MORTE DO MARIDO E PAI DOS AUTORES - DISPAROS EFETUADOS POR POLICIAIS MILITARES - RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO - ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC - NÃO OCORRÊNCIA - PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS - SÚMULA N. 07/STJ - JUROS MORATÓRIOS A PARTIR DO EVENTO DANOSO - SÚMULA N. 54/STJ - CUMULAÇÃO DE DANOS MORAIS E MATERIAIS - SÚMULA N.

           37/STJ - AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DO ARTIGO 20, § 4º, DO CPC. No tocante à alegada violação ao artigo 535, II, do Código de Processo Civil, o recurso não logra perspectiva de êxito, uma vez que não há nos autos qualquer omissão, pois o egrégio Tribunal a quo apreciou toda a matéria recursal devolvida. Nesse eito, salientou a Corte de origem que ‘os embargos declaratórios interpostos pela Fazenda ostentam nítida pretensão de reexame de matéria já decidida, o que não se admite’. A questão relativa ao cabimento da prestação de alimentos escapa do âmbito de cognição do recurso especial, pois necessário seria o reexame do conjunto probatório para verificar se a vítima efetivamente provia os meios de subsistência dos autores, o que encontra óbice no enunciado da Súmula n. 07 deste Sodalício. ‘No campo da responsabilidade extracontratual, mesmo sendo objetiva a responsabilidade, como na hipótese, os juros moratórios fluem a partir do evento danoso’ (Corte Especial - EREsp n. 63.608/RJ, Rel. p/acórdão Min. Cesar Asfor Rocha, DJ de 04.08.2003). ‘São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundas do mesmo fato’ (Súmula n. 37/STJ). Ausência de prequestionamento do artigo 20, § 4º, do Código de Processo Civil. Recurso especial não conhecido. (STJ, RESP 403126, Processo: 200200012510, UF: SP, OJ: SEGUNDA TURMA, Data da decisão: 21/08/2003, DJ DATA:25/02/2004, Rel. Franciulli Netto) (Destaques do original)

           Com efeito, o fato administrativo diz respeito à conduta do agente estatal, nessa qualidade; o resultado diz respeito ao dano sofrido pelo administrado; e o nexo causal diz respeito ao fato de que o dano decorreu da conduta dos seus agentes.

           Os danos sofridos pelos administrados podem ser materiais e morais, isolada ou cumulativamente. Tais danos, notadamente os morais, estão consagrados na Constituição de 1988, no art. 5°, V e X. In verbis:

           Art. 5° [...] V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; [...] X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; [...].

           A acumulação de danos materiais e morais foi pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), senão veja-se a Súmula nº 37: "são cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato".

           No dano material, o patrimônio da vítima é atingido, perdendo ou deteriorando, total ou parcialmente, os bens materiais economicamente avaliáveis; abrange os danos emergentes (os que a vítima, realmente, perdeu) e os lucros cessantes (o que a vítima, razoavelmente, deixou de ganhar). Já o dano moral corresponde à lesão de bens imateriais, denominados bens da personalidade, como, por exemplo, a honra e a imagem.

           2.3 Excludentes de responsabilidade

           A teoria do risco administrativo permite que o Estado comprove fatos que excluem sua responsabilidade, como a culpa exclusiva da vítima, a culpa de terceiro, o caso fortuito e a força maior. Tais fatos descaracterizam os pressupostos da responsabilidade objetiva do Estado, já que não é a conduta do Poder Público que causa o evento danoso.

           A culpa exclusiva da vítima, como o próprio nome diz, denota apenas a culpa do administrado, e não a do Estado. Como exemplo, cita-se o particular que se arroja em um veículo automotor do Estado, o qual vinha trafegando dentro dos padrões permitidos; nesse caso, não será responsabilizado o Poder Público, porquanto não há nexo causal, posto que a culpa foi do administrado, não decorreu da conduta do agente público.

           Celso Antonio Bandeira de Mello (2005, p. 954) explica a ausência de responsabilidade do Estado pela culpa exclusiva da vítima, asseverando não haver nexo causal:

           78. A culpa do lesado – frequentemente invocada para elidi-la – não é, em si mesma, causa excludente. Quando, em casos de acidente de automóveis, demonstra-se que a culpa não foi do Estado, mas do motorista do veículo particular que conduzia imprudentemente, parece que se traz à tona demonstrativo convincente de que a culpa da vítima deve ser causa bastante para elidir a responsabilidade estatal. Trata-se de um equívoco. Deveras, o que se haverá demonstrado, neste hipótese, é que o causador do dano foi a suposta vítima, e não o Estado. Então, o que haverá faltado para instaurar-se a responsabilidade é o nexo causal. Isto aparece com nitidez se nos servirmos de um exemplo extremo. Figure-se que um veículo militar esteja estacionado e sobre ele se precipite um automóvel particular, sofrendo avarias unicamente este último. Sem os dois veículos não haveria a colisão e os danos não se teriam produzido. Conduto, é de evidência solar que o veículo do Estado não causou o dano. Não se deveu a ele a produção do evento lesivo. Ou seja: inexistiu a relação causal que ensejaria responsabilidade do Estado. (Grifos do original)

           Ainda sobre a culpa da vítima, vale destacar que, caso haja, também, culpa do Estado, a responsabilidade do Poder Público existe, só que de forma branda, de acordo com o calibre da culpa do terceiro. É a chamada culpa concorrente: culpa da vítima e do Estado. Sobre isso, veja-se o que expõe Celso Antonio Bandeira de Mello (2005, p. 954):

           80. O que se vem de dizer não interfere com o problema das concausas. Com efeito, pode ocorrer que o dano resulte de dupla causação. Hipóteses haverá em que o evento lesivo seja fruto de ação conjunta do Estado e do lesado, concorrendo ambos para a geração do resultado danoso. Ainda aqui não haverá falar em excludente da responsabilidade estatal. Haverá, sim, atenuação do quantum indenizatório, a ser decidido na proporção em que cada qual haja participado para a produção do evento. (Destaques do original)

           A culpa de terceiro é a causada ao administrado por outrem, por um terceiro, e não pelo Estado. Diante dessa hipótese, deve o Poder Público expender esforços no sentido de comprovar a culpa do terceiro, sob pena de ter que indenizar o particular lesionado.

           Quanto à força maior, ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2006, p. 624) que: "[...] é acontecimento imprevisível, inevitável e estranho à vontade das partes, como uma tempestade, um terremoto, um raio. [...]". Deflui-se, portanto, que a ocorrência de força maior, causadora de dano ao administrado, exclui o nexo causal, ou seja, exclui a responsabilidade estatal. Vale ressaltar que a força maior, em alguns casos – omissão no serviço público - pode responsabilizar o Estado, conforme ainda esclarece Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2006, p. 625):

           [...] quando as chuvas provocam enchentes na cidade, inundando casas e destruindo objetos, o Estado responderá se ficar demonstrado que a realização de determinados serviços de limpeza de rios ou dos bueiros e galerias de águas pluviais teria sido suficiente para impedir a enchente.

           Já o caso fortuito, é o acontecimento gerado por conduta humana, vale dizer, por conduta da Administração. Assim sendo, diante dessa hipótese, pode o Estado se eximir da responsabilidade. Entrementes, há controvérsia, posto que há autores que não a admitem como excludente, como, por exemplo, Celso Antonio Bandeira de Mello (2005) e Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2006, p. 625):

           Já a hipótese de caso fortuito, em que o dano seja decorrente de ato humano, de falha da Administração, não ocorre a mesma exclusão; quando se rompe, por exemplo, uma adutora ou um cabo elétrico, causando dano a terceiros, não se pode falar em força maior. (Grifos do original)

           Já Diogenes Gasparini (2005, p. 902 - 903), admite o caso fortuito e a força maior como excludentes de responsabilidade do Estado:

           [...] Em suma, diz-se que não cabe responsabilidade do Estado quando não se lhe pode atribuir a autoria do ato danoso. Afirma-se, assim, que em duas hipóteses o Estado não tem de indenizar.

           A primeira diz respeito a acontecimento, imprevisível e irresistível, causado por força externa ao Estado, do tipo do tufão e da nevasca (caso fortuito) ou da greve e da grave perturbação da ordem (força maior). Destarte, demonstrado que o dano é uma decorrência de acontecimentos dessa ordem, não há o Estado que indenizar, dado não ter sido ele causador do dano, conforme decisões de nossos Tribunais, a exemplo do STF (RDA, 128:554) e do Tribunal de Justiça de São Paulo (RT, 509:141). (Destaques do original)

           Veja-se que a definição de caso fortuito dada por Diogenes Gasparini (2005) é a mesma definição de força maior dada por Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2006), e a de força maior dada por aquele é a mesma de caso fortuito dada por esta autora. O fato é que aquele autor (2005) admite os acontecimentos gerados por conduta humana – seja denominado de caso fortuito ou de força maior – causadores de danos aos administrados como excludentes de responsabilidade do Estado.

           Parece assistir razão à Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2006), no que tange aos conceitos de caso fortuito e de força maior, bem como na inadmissão de o caso fortuito (acontecimentos gerados por conduta humana) ser excludente de responsabilidade do Estado, porquanto há, realmente, uma conduta praticada pelo Poder Público. Sem embargo desse entendimento, a presente monografia tem tratado (e continuará tratando) o caso fortuito como excludente de responsabilidade do Estado.

           2.4 Direito positivo brasileiro

           No Direito brasileiro, a responsabilidade objetiva do Estado é regulamentada pela Constituição da República e pelo Código Civil. Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2005, p. 236 - 237), comentando a responsabilidade objetiva do Estado na atual Constituição, ventilando acerca do intento do constituinte, diz o seguinte:

           Preocupou-se ainda a Constituição vigente com o problema da responsabilidade do funcionário pelos danos que cause a terceiro no exercício de suas tarefas. Adotou a esse propósito o princípio da responsabilidade objetiva do Estado e das pessoas jurídicas de Direito Privado prestadoras de serviço público, atribuindo-lhes a obrigação de ressarcir os danos sem indagar da culpa ou dolo do agente. Todavia, o Estado e as demais pessoas mencionadas recuperarão o que pagarem se o funcionário se houve com dolo ou culpa.

           Veja-se que esse autor (2005) denominou a responsabilidade em estudo de princípio.

           2.4.1 Constituição Federal

           Desde a Constituição da República de 1946, adotou o Brasil a teoria do risco administrativo (responsabilidade objetiva). A Constituição Federal de 1988, no § 6º, do art. 37, expressando a adoção dessa responsabilidade, vaticina o seguinte:

           Art. 37 [...]

           § 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

           [...]

           Comentando o texto constitucional, destacando-o em face às Constituições anteriores, diz José Afonso da Silva (2005, p. 675):

           [...] a Constituição foi mais técnica desta vez, primeiro por incluir no campo da responsabilidade objetiva todas as pessoas que operam serviços públicos, segundo por ter abandonado o termo ‘funcionário’, que não exprimia adequadamente o sentido da norma, substituído pelo termo ‘agente’. (Destaques do original)

           A Lei Maior é bastante eloqüente, falando não somente das pessoas jurídicas de direito público, mas também das de direito privado prestadoras de serviços públicos. Assim não era na Constituição anterior, que adotava, expressamente, a responsabilidade objetiva apenas para as pessoas jurídicas de direito público, não mencionando as privadas prestadoras de serviço público, conforme lembra Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2006, p. 450):

           A responsabilidade é objetiva e alcança todas as pessoas públicas ou privadas que prestem serviços públicos. Houve uma ampliação em relação à Constituição anterior (art. 107), que somente fazia referência às pessoas jurídicas de direito público. [...] (Grifo do original)

           As pessoas jurídicas de direito público são as integrantes da Administração Pública Direta (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) e as da Administração Pública Indireta (autarquias e fundações públicas). As pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público são: as sociedades de economia mista e as empresas públicas, que integram a Administração Indireta; e as pessoas jurídicas não pertencentes à Administração Indireta, que prestam serviço público mediante delegação, quais sejam, as concessionárias, as permissionárias e as autorizatárias de serviço público.

           No sentido de que as permissionárias são pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, é o seguinte excerto: "Entre as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público a que alude o § 6º do artigo 37 da Constituição Federal se incluem as permissionárias de serviços públicos". (STJ, RE 206.711, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 25/06/99)

           Vale ressaltar que, no que pertine às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, o Estado responde subsidiariamente, conforme pontifica Diogenes Gasparini (2005, p. 915): "O Estado, em tais casos [responsabilidade das pessoas privadas prestadoras de serviço público], somente respondem subsidiariamente, [...]".

           Quanto ao termo "prestadoras de serviço público", deflui-se, notoriamente, que estão excluídas da responsabilidade objetiva as pessoas jurídicas que não prestam serviço público. Assim, estão excluídas as empresas públicas e as sociedades de economia mista que exploram atividade econômica, conforme se depreende dos arts. 173, § 1º e 37, § 6º, ambos da Constituição Federal. Veja-se o que dispõe o art. 173, § 1º, da Constituição Federal:

           Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

           § 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

           De importância fundamental, também, no texto constitucional, é a expressão "seus agentes, nessa qualidade". Destarte, indaga-se quem são esses agentes. A resposta está com Lúcia Valle Figueiredo (1995, p. 177):

           Verifica-se, de conseguinte, que o conceito de agente público é bem mais amplo do que o de funcionário, pois incluem-se os agentes políticos, os particulares em colaboração com a Administração Pública, bem como os contratados temporariamente. (Grifos do autor)

           Assim, se um agente público causa, indevidamente, mediante conduta comissiva, dano a terceiro, a Constituição garante a este a propositura de ação cível de indenização contra o Estado, o qual terá que ressarci-lo objetivamente.

           Caso o agente público responsável pelo dano seja um magistrado, ou um membro do Congresso Nacional, há controvérsias, sendo que há quem diga que podem causar danos patrimoniais os Poderes Judiciário e Legislativo, e há os que entendem não causarem esses Poderes responsabilidade civil. Sem embargo dessa discussão, a fim de não ser desviado o objeto do presente trabalho monográfico, omitir-se-á quanto às referidas controvérsias. Até porque, conforme dito no início do capítulo anterior, a responsabilidade patrimonial aqui estudada não trata das condutas dos agentes do Poder Legislativo nem do Poder Judiciário, senão haveria menção expressa no título desta monografia.

           O texto constitucional trata ainda do direito de regresso, instituto que será tratado no último título deste trabalho.

           2.4.2 Código Civil

           O Código Civil de 1916 (art. 15) previa a responsabilidade civil subjetiva da pessoa jurídica de direito público. Com a construção da responsabilidade estatal com base no Direito Público (teoria do risco administrativo), questionaram esse dispositivo os administrativistas da época, frisando que a responsabilidade do Estado deveria ser objetiva, tendo em vista a desigualdade jurídica entre o Estado e o particular. Com a vigência da Constituição de 1946, positivando a responsabilidade objetiva, todas as dúvidas foram espancadas, restando inaplicável o malfadado art. 15 do Código Civil de 1916.

           O Código Civil vigente, já em consonância com a Constituição de 1988, previu a responsabilidade objetiva do Poder Público, conforme se vê na redação do art. 43. In verbis: "As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo".

           Ocorre que o Código Civil vigente não menciona as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público. Nesse caso, dúvidas poderiam surgir no sentido de aplicar ou não a responsabilidade objetiva diante tais pessoas jurídicas. Entrementes, tendo em vista a existência de previsão constitucional, respondem, objetivamente, as pessoas jurídicas em comento, sob pena de a legislação substantiva civil ferir a Constituição da República.

           2.5 O caso Vôo Gol 1907

           O vôo 1907 da Gol, que levava 155 pessoas (149 passageiros e seis tripulantes), saiu de Manaus (AM) com destino ao Rio de Janeiro, com escala prevista em Brasília. Durante o percurso, colidiu com um jato Legacy, da Embraer, o Boeing 737-800, resultando na sua queda, na tarde da sexta-feira (29.09.2006), no norte do Mato Grosso, a 30 km do município de Peixoto de Azevedo (MT), não deixando nenhum sobrevivente. Não é demais frisar que tal acidente relembra a tragédia de 31 de outubro de 1996, quando um Focker 100 da TAM caiu em São Paulo, logo após sua decolagem, deixando 99 pessoas mortas, a maioria carbonizada.

           Na ocasião, a Gol Linhas Aéreas afirmou que reconhecia a sua responsabilidade objetiva quanto às indenizações devidas às famílias das vítimas do acidente com o vôo 1907, informou também iria providenciar o traslado dos corpos até o local de sepultamento, além de tomar medidas para os procedimentos legais e burocráticos para a obtenção dos atestados de óbitos.

           Deveras, a responsabilidade da Gol Linhas Aéreas é objetiva, pois se aplica, no caso em comento, o art. 37, § 6º, da Constituição Federal, porquanto essa empresa é uma pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público. O art. 21, XII, "c", da Constituição da República, afirma que compete à União conceder os serviços de navegação aérea. Portanto, em que pese a contratação da companhia que executa o serviço se dê por meio de um negócio jurídico de direito privado, a atividade que é prestada pela empresa de aviação se caracteriza como serviço público. O contratante, pois, é usuário desses serviços.

           Com efeito, têm as famílias das vítimas direito a uma reparação patrimonial, tendo em vista a ocorrência de danos materiais e morais. Assim, podem ajuizar ação cível contra a empresa Gol, sem a necessidade de comprovar a existência de culpa ou de dolo de seus agentes, na prestação do serviço.

           Quanto à possibilidade de existência de culpa (imprudência) de terceiro (jato Legacy, da Embraer, o Boeing 737-800), que caracteriza a excludente de responsabilidade estatal, impende à empresa Gol comprová-la, sob pena de arcar com os prejuízos sofridos pelas famílias das vítimas.

          


           3 REPARAÇÃO DO DANO

           Diante de condutas danosas dos agentes públicos, nessa qualidade, os administrados devem se valer de meios legais para obrigar o Estado a ressarci-los, que são os procedimentos administrativos e judiciais. Ocorre que esses procedimentos não estão disponíveis eternamente, pois se deve respeitar o prazo prescricional.

           3.1 Prescrição

           A prescrição diz respeito ao lapso temporal em que o interessado deve ajuizar a ação cabível perante o Judiciário, ou petição na esfera administrativa. No entanto, vale advertir que não significa a perda do direito, mas sim a perda da pretensão da ação.

           Sílvio de Salvo Venosa (2004, p. 633), citando Câmara Leal (1978, p. 8), explica a prescrição, asseverando que a perda da ação não implica na perda do direito:

           Como aduz Câmara Leal (1978:8), historicamente a prescrição foi introduzida como forma de tolher a ação. O direito podia sobreviver à ação. A inércia é causa eficiente da prescrição; ela não pode, portanto, ter por objeto imediato o direito. O direito incorpora-se ao patrimônio do indivíduo. Com a prescrição o que perece é o exercício desse direito. É, portanto, contra a inércia da ação que age a prescrição, a fim de restabelecer estabilidade do direito, eliminando um estado de incerteza, perturbador das relações sociais. Por isso, a prescrição só é possível quando existe ação a ser exercida. O direito é atingido pela prescrição por via de conseqüência, porque, uma vez tornada a ação não exercitável, o direito torna-se inoperante. Tanto isso é válido que a lei admite como bom o pagamento de dívida prescrita, não admitindo ação para repeti-lo. [...]

           O Código Civil de 1916, segundo o art. 177, determinava a prescrição em 20 (vinte) anos para as ações pessoais, ordinariamente. Já o Código Civil vigente, conforme o art. 206, § 3°, V, prescreve em 03 (três) anos a pretensão de reparação civil. Ocorre que, em se tratando de responsabilidade civil do Estado, não se aplica o prazo prescricional do Código Civil, e sim o do Decreto n° 20.910/32 (Regula a Prescrição Qüinqüenal), que vaticina ser de 05 (cinco) anos o prazo prescricional, contados da data do evento danoso, consoante o art. 1°:

           As Dividas Passivas Da União, Dos Estados E Dos Municípios, Bem Assim Todo E Qualquer Direito Ou Ação Contra A Fazenda Federal, Estadual Ou Municipal, Seja Qual For A Sua Natureza, Prescrevem Em Cinco Anos Contados Da Data Do Ato Ou Fato Do Qual Se Originarem.

           Veja-se que esse decreto abrangia apenas algumas pessoas jurídicas de direito público. Ampliando esse rol, incluindo as autarquias, foi editado o Decreto n° 4.597, de 19 de agosto de 1942, conforme o art. 2°:

           O Decreto nº 20.910, de 6 de janeiro de 1932, que regula a prescrição qüinqüenal, abrange as dívidas passivas das autarquias, ou entidades e órgãos paraestatais, criados por lei e mantidos mediante impostos, taxas ou quaisquer contribuições, exigidas em virtude de lei federal, estadual ou municipal, bem como a todo e qualquer direito e ação contra os mesmos.

           Entrementes, mesmo com a inclusão das autarquias no rol em comento, ainda assim faltavam outras pessoas jurídicas, como as de direito privado prestadoras de serviço público. Sanando essa omissão, o legislador editou a Lei n° 9.494/97 (Disciplina a aplicação da tutela antecipada contra a Fazenda Pública, altera a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, e dá outras providências), que incluiu no rol as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, conforme se vê no art. 1°-C:

           Art. 1o-C. Prescreverá em cinco anos o direito de obter indenização dos danos causados por agentes de pessoas jurídicas de direito público e de pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos. (NR) (Artigo incluído pela Medida Provisória nº 2.180-35, de 24.8.2001)

           Destarte, as empresas públicas, as concessionárias, permissionárias e autorizatárias têm o prazo prescricional de 05 (cinco) anos para responderem objetivamente. Entrementes, quanto às sociedades de economia mista, é diverso o prazo prescricional, sendo de 20 (vinte) anos, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), senão veja-se a seguinte decisão:

           Agravo regimental. Recurso especial. Processo Civil. Financiamento. Instalação de rede de energia elétrica. Legitimidade. Devolução de valores. Prescrição. 1. O entendimento da Corte firmou-se no sentido de que aplicável o prazo prescricional vintenário às ações movidas contra sociedade de economia mista concessionária de serviço público. 2. Esta Corte tem firmado posicionamento no sentido de ser ilegal a cláusula que prevê a restituição, sem correção monetária, do valor financiado para construção de rede elétrica. 3. Agravo regimental desprovido. (STJ, AGRESP 573816, Processo: 200301338713, UF: RS, Órgão Julgador: TERCEIRA TURMA, Data da decisão: 08/03/2005, DJ: 23/05/2005, Rel. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO). (Grifos do autor)

           A decisão acima colacionada não é isolada, ou melhor, não foi proferida em casos raros, posto que a prescrição vintenária das sociedades de economia mista já é matéria sumulada, senão veja-se a Súmula n° 39, do Superior Tribunal de Justiça: "Prescreve em vinte anos a ação para haver indenização, por responsabilidade civil, de sociedade de economia mista".

           Portanto, caso agentes do Estado, ou de pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, causem, indevidamente, danos aos particulares, estes têm o prazo prescricional de 05 (cinco) anos para, judicial ou administrativamente, tentar obter do ente estatal a indenização devida.

           3.2 Procedimentos

           Os meios legais de responsabilização do Estado são os procedimentos administrativos e judiciais. Aqueles, chamados de procedimentos amigáveis, são intentados em órgãos da Administração Pública; e estes, no Poder Judiciário.

           3.2.1 Procedimento administrativo

           Optando o administrado pelo procedimento administrativo, não significa que não mais poderá se valer do Poder Judiciário, pois a Constituição Federal, no art. 5°, XXXV, dizendo ser o Poder Judiciário inafastável, reza o seguinte: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;". Ademais, havendo opção pela via administrativa, e caso haja decisão irrecorrível nessa esfera, ainda assim poderá o particular não está impossibilitado de acionar o Poder Judiciário, pois, neste país, adota-se o sistema da jurisdição única, ou seja, somente faz coisa julgada a decisão judicial.

           Reparando o ente estatal o dano sofrido pelo particular, caso verifique ser exato o direito pleiteado por este – quanto à lei, ao mérito e ao montante – está liberado o Poder Público de sua responsabilidade. O pagamento realizado pelo Poder Público pode ser, conforme normalmente ocorre, em dinheiro e de uma só vez; mas nada impede que seja em parcelas ou em bens (móveis, imóveis(4) ou direitos); também pode ser pago, ao mesmo tempo, em dinheiro e em bens. Sobremais, conforme Diogenes Gasparini (2005), o pagamento também pode ser realizado mediante a restauração de bem.

           Entretanto, vale advertir que o procedimento administrativo, ou amigável, é o meio viável de o administrado responsabilizar o Estado com o auxílio de um processo administrativo, que deve tramitar na Administração Pública, no órgão responsável pelo agente estatal causador do dano. No órgão competente, inicia-se o processo administrativo, contendo a narração dos fatos e das conseqüências pelo terceiro lesado, que deverá comprovar os fatos necessários e fazer o pedido administrativo (amigável) de indenização. O pedido de indenização deve abranger o que perdeu, o que deixou de ganhar e o que foi despendido com o dano sofrido; além do mais, deve conter pedido de juros de mora, compensatórios e correção monetária.

           3.2.2 Procedimento judicial

           A indenização devida ao administrado deve ser a mais ampla possível, a fim de que seja, corretamente, reconstituído seu patrimônio ofendido pelo ato do agente estatal. O Código Civil, no Título IX (Responsabilidade Civil), mais especificamente no Capítulo II (arts. 944 e seguintes), trata da indenização em sede de reparação de danos.

           A petição inicial produzida pelo administrado contra o Estado deve estar de acordo com os ditames legais (arts. 282 e 283 do Código de Processo Civil), e o procedimento adotado é o comum (ordinário ou sumário, conforme a hipótese, consoante os arts. 272 e 275 do Código de Processo Civil). Além do mais, deve ser ajuizada a ação no Juízo competente, qual seja, a Justiça Comum (Federal ou Estadual). A Justiça Federal é competente para as ações tendo como parte a União, as autarquias ou empresas públicas federais, conforme preceitua o art. 109, I, da Constituição Federal:

           Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

           I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho; [...] (Grifos do autor)

           Com relação às fundações públicas, não incluídas, expressamente, no dispositivo acima, terão suas ações processadas na Justiça Federal, segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2006, p. 448), "[...] sendo modalidades do gênero autarquia, podem [as fundações públicas] ser consideradas abrangidas pela referência às entidades autárquicas (art. 109, I, da Constituição). [...]".

           Quanto às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, a Justiça Estadual é a competente para processar e julgar suas causas, notadamente para as sociedades de economia mista.(5) Nesse sentido é a jurisprudência, senão veja-se o seguinte excerto:

           AÇÃO DE COBRANÇA CONTRA A ELETROBRÁS. CONSUMO DE ENERGIA ELÉTRICA. RESTITUIÇÃO DE EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. Compete à Justiça Estadual processar e julgar a causa, notadamente porque a ação foi movida tão-somente contra a Eletrobrás S/A, sociedade de economia mista, e não também contra a União, o que, se ocorresse, aí sim acarretaria o deslocamento da competência para a Justiça Federal, à luz do disposto no art. 109,... (TJ – RS, Agravo de Instrumento n° 70015552623, Rel. Voltaire de Lima Moraes, DJ: 02/06/2006).

           Ademais, o Supremo Tribunal Federal já sumulou esse entendimento, conforme se vê na Súmula nº 556: "É competente a justiça comum para julgar as causas em que é parte sociedade de economia mista".

           Com efeito, se estiver em termos a petição, se estiver tramitando a ação no Juízo competente e se estiverem provados os fatos (dano suportado e nexo de causalidade), garantido está o êxito da demanda do administrado contra o Poder Público, salvo se esse demonstrar a existência de excludentes de responsabilidade.

           Julgando o magistrado procedente a ação, inicia-se o processo de execução (Livro II do CPC). Entretanto, tendo em vista o art. 649, I, da legislação processual civil, que considera ser impenhorável o bem inalienável, como, por exemplo, o bem público, a execução por quantia certa contra a Fazenda Pública não é aplicada consoante as regras atinentes à execução movida em face de particulares – penhora e expropriação, e sim conforme o procedimento especial previsto pelo CPC. Ademais, a Fazenda Pública se sujeita ao processo especial de execução estabelecido pelo art. 100 da Constituição Federal.

           Entretanto, deve-se explicitar o conceito de Fazenda Pública, a fim de averiguar as pessoas jurídicas que têm o privilégio da impenhorabilidade de seus bens. Encontram-se dentro do conceito de Fazenda Pública a União, os Estados-membros, os Municípios, os Territórios, as autarquias e as fundações instituídas pelo Poder Público. Não se incluem, segundo alguns doutrinadores, as empresas públicas e as sociedades de economia mista, fato esse que as submetem ao regramento geral.

           Ocorre que há entendimento de que as empresas públicas e as sociedades de economia mista não podem ser submetidas ao regramento geral do processo de execução, tendo em vista o princípio da continuidade do serviço público. Nesse sentido, veja-se a decisão abaixo:

           EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. IMPENHORABILIDADE DE SEUS BENS, RENDAS E SERVIÇOS. RECEPÇÃO DO ARTIGO 12 DO DECRETO-LEI Nº 509/69. EXECUÇÃO. OBSERVÂNCIA DO REGIME DE PRECATÓRIO. APLICAÇÃO DO ARTIGO 100 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. À empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, pessoa jurídica equiparada à Fazenda Pública, é aplicável o privilégio da impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços. Recepção do artigo 12 do Decreto-lei nº 509/69 e não-incidência da restrição contida no artigo 173, § 1º, da Constituição Federal, que submete a empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica ao regime próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias. 2. Empresa pública que não exerce atividade econômica e presta serviço público da competência da União Federal e por ela mantido. Execução. Observância ao regime de precatório, sob pena de vulneração do disposto no artigo 100 da Constituição Federal. Recurso extraordinário conhecido e provido. (STF, RE 220906, UF: DF, DJ 14-11-2002, Rel. Maurício Corrêa)

           No mesmo sentido é o entendimento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2006, p. 453):

           É sabido que a Administração Pública está sujeita a uma série de princípios, dentre os quais o da continuidade dos serviços públicos. Se fosse possível às entidades da Administração Indireta, mesmo empresas públicas, sociedades de economia mista e concessionárias de serviços públicos, alienar livremente esses bens, ou se os mesmos pudessem ser penhorados, hipotecados, adquiridos por usucapião, haveria uma interrupção do serviço público. E o serviço é considerado público precisamente porque atende às necessidades essenciais da coletividade. Daí a impossibilidade da sua paralisação e daí a sua submissão a regime jurídico publicístico.

           Por isso mesmo, entende-se que, se a entidade presta serviço público, os bens que estejam vinculados à prestação do serviço não podem ser objeto de penhora, ainda que a entidade tenha personalidade jurídica de direito privado. (Grifos do original)

           Parece assistir razão à autora acima (2006), já que tais pessoas exercem serviços públicos de forma que devem ter o privilégio da impenhorabilidade de seus bens, além de a execução seguir o procedimento especial (CPC, arts. 730 e 731), sob pena de ferir o ordenamento pátrio, notadamente o princípio da continuidade do serviço público.

           A execução contra a Fazenda Pública é realizada por meio de simples requisição de pagamento, feita entre o Poder Judiciário e o Poder Executivo, de acordo com os arts. 730 e 731 do CPC. In verbis:

           Art. 730. Na execução por quantia certa contra a Fazenda Pública, citar-se-á a devedora para opor embargos em 10 (dez) dias; se esta não os opuser, no prazo legal, observar-se-ão as seguintes regras: (Vide Lei nº 9.494, de 10.9.1997)

           I - o juiz requisitará o pagamento por intermédio do presidente do tribunal competente;

           II - far-se-á o pagamento na ordem de apresentação do precatório e à conta do respectivo crédito.

           Art. 731. Se o credor for preterido no seu direito de preferência, o presidente do tribunal, que expediu a ordem, poderá, depois de ouvido o chefe do Ministério Público, ordenar o seqüestro da quantia necessária para satisfazer o débito. (Destaque do original)

           A sujeição da Fazenda Pública ao processo especial de execução, estabelecida pela Constituição Federal, ocorre da seguinte forma, conforme o art. 100 da Lei Maior:

           Art. 100. à exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.

           § 1º É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários, apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 30, de 2000) (Destaque do original)

           § 1º-A Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 30, de 2000)

           § 2º As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados diretamente ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exeqüenda determinar o pagamento segundo as possibilidades do depósito, e autorizar, a requerimento do credor, e exclusivamente para o caso de preterimento de seu direito de precedência, o seqüestro da quantia necessária à satisfação do débito. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 30, de 2000)

           § 3º O disposto no caput deste artigo, relativamente à expedição de precatórios, não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em lei como de pequeno valor que a Fazenda Federal, Estadual, Distrital ou Municipal deva fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 30, de 2000)

           § 4º São vedados a expedição de precatório complementar ou suplementar de valor pago, bem como fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução, a fim de que seu pagamento não se faça, em parte, na forma estabelecida no § 3º deste artigo e, em parte, mediante expedição de precatório. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)

           § 5º A lei poderá fixar valores distintos para o fim previsto no § 3º deste artigo, segundo as diferentes capacidades das entidades de direito público. (Parágrafo incluído pela Emenda Constitucional nº 30, de 2000 e Renumerado pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)

           § 6º O Presidente do Tribunal competente que, por ato comissivo ou omissivo, retardar ou tentar frustrar a liquidação regular de precatório incorrerá em crime de responsabilidade. (Parágrafo incluído pela Emenda Constitucional nº 30, de 2000 e Renumerado pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002) (Destaques do original)

           Explicando o instituto dos precatórios, constantes da Constituição da República, ensina Celso Antonio Bandeira de Mello (2005, p. 968 - 969):

           105. No Direito brasileiro, por força do art. 100 e §§ da Constituição – que apenas reproduz, com pequenas alterações, uma velha tradição constitucional -, os pagamentos devidos pela Fazenda Pública em virtude de sentença judiciária não são assegurados por execução sobre seus bens, nem são exigíveis de imediato.

           O mecanismo procedimental a ser observado é o seguinte: com exceção dos créditos de natureza alimentícia, os magistrados, ao condenarem uma pessoa de Direito Público a algum pagamento, expedem determinações (precatórios judiciários) que constituem na obrigação de incluir na previsão orçamentária do próximo exercício a verba necessária a satisfazer os precatórios que hajam sido apresentados até 1° de julho, data em que terão seus valores atualizados, sendo proibida a designação de casos ou pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para tal fim. Estes serão consignados ao Poder Judiciário, recolhendo-se as importâncias respectivas à competente reparação, para que os pagamentos se efetuem na ordem cronológica em que foram apresentados os precatórios.

           Caberá ao Presidente do Tribunal que proferiu a decisão exeqüenda ordenar o pagamento segundo as possibilidades do depósito; e, se acaso algum credor for preterido em seu direito de precedência, determinará, a requerimento deste, o seqüestro da quantia necessária à satisfação do débito.

           Ressalvam-se da disposição relativa aos precatórios os pagamentos de obrigações definidas na lei como de pequeno valor. A lei que os define é a Lei 10.099, de 19.12.2000. (Destaque do original)

           Feitas essas considerações, impende explicitar, no próximo título, o direito de regresso.

          


          4 DIREITO DE REGRESSO

           O direito de regresso garante àquele que vier a sofrer o prejuízo, posteriormente, recuperá-lo de terceiro, que por algum motivo, é seu garante. A denunciação da lide é o instrumento processual que visa a incluir no processo nova ação, fundando-se no direito de regresso.

           Tendo em vista a influência que a denunciação da lide exerce sobre o direito de regresso, suscitando controvérsias sobre a possibilidade de seu cabimento na responsabilidade patrimonial do Estado, já que pode interferir na responsabilidade objetiva, optou-se por tratar desse assunto no último capítulo desta monografia.

          4.1 Noções sobre o direito de regresso

           O direito de regresso, em sede de responsabilidade estatal, é uma ação da pessoa jurídica de direito público, ou privada prestadora de serviço público, contra o agente público responsável pelo evento danoso, caso tenha este agido com dolo ou culpa. Sobre essa ação, vejam-se as lições de Diogenes Gasparini (2005, p. 909), conceituando-a, fazendo comentários e estabelecendo requisitos para seu cabimento:

           [...] A ação regressiva é medida judicial de rito ordinário, que propicia ao Estado reaver o que desembolsou à custa do patrimônio do agente causador direto do dano, que tenha agido com dolo ou culpa no desempenho de suas funções. Essa ação não cabe se o agente público não agiu com dolo ou culpa. Tal medida deve ser interposta, uma vez transitada em julgado a sentença que condenou a Administração Pública, ou após esse pagamento, nos casos de acordo. [...]

           São requisitos dessa ação: a) a condenação da Administração Pública a indenizar, por ato lesivo de seu agente; b) o pagamento do valor da indenização; c) a conduta lesiva, dolosa ou culposa do agente causador do dano. Desse modo, se não houver o pagamento, não há como justificar-se o pedido de regresso, mesmo que haja sentença condenatória com trânsito em julgado e o agente tenha-se conduzido com dolo ou culpa. Observe-se que o primeiro requisito pode não existir se a satisfação do prejuízo causado aconteceu por via amigável. Neste caso, devem ficar cabalmente demonstrados os dois últimos, ou seja, o pagamento e a culpa ou dolo do agente público.

           Observando os requisitos colocados por Diogenes Gasparini (2005), percebe-se que a ação regressiva necessita da comprovação da culpa ou do dolo do agente causador do dano, fato esse que caracteriza a ação em estudo como de responsabilidade subjetiva.

           A ação regressiva do Estado se encontra no art. 37, § 6ª, parte final, da Constituição de 1988, que, similarmente ao contido em Constituições anteriores, reza o seguinte:

           Art. 37 [...]

           As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (Grifos do autor)

           [...]

           A Constituição do Estado do Ceará, por sua vez, no capítulo IV, sobre o título Da Administração Pública, em sua seção I (Disposições gerais), no art. 154, parágrafo 4º, também concede o direito de ação regressiva contra o agente de pessoa jurídica de direito público ou de direito privado prestadora de serviço público, que causare danos a terceiros. A Lei Orgânica do Município de Fortaleza, no art. 87, parágrafo 1º, também prevê a responsabilidade das pessoas jurídicas de direito público e privado prestadoras de serviço público pelos danos que causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável pelo dano, nos casos de dolo ou culpa.

           Comentando o direito de regresso consoante o texto constitucional, diz Yussef Said Cahali (1996) ser de caráter absoluto, não admitindo atenuação do legislador ordinário. No mesmo sentido, é a jurisprudência fornecida pelo autor referido (2005, p. 277):

           TJRS, Órgão Esp.: ‘O Prefeito de São Luiz Gonzaga ajuizou ação direta de inconstitucionalidade do art. 55 da Lei Orgânica do Município de São Luiz Gonzaga, por afronta ao dispositivo nos arts. 29, supra, e 37, § 6º., da Constituição. Com efeito, diz o aludido artigo: ‘Art. 55. Todo servidor público é responsável por atos praticados nessa condição e, em caso de infração, responderá pelas conseqüências legais respectivas’. ‘Parágrafo único. O Município responderá pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, sendo obrigatório o uso de ação regressiva contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa grave, na forma da Constituição.’ O preceito municipal é inconstitucional, porquanto diminui a esfera de responsabilidade do servidor, para dizer que existe somente em caso de dolo ou culpa grave, quando o princípio constitucional é mais amplo: dolo e culpa, não aludindo a grau de culpa. Acolhe-se a ação para retirar a expressão ‘grave’ que se segue ao substantivo ‘culpa’ (4.11.91, maioria, RJTJRS 154/213)’. (Destaques do original)

           Segundo Inacio de Carvalho Neto (2000), o direito de regresso é obrigatório apenas para as pessoas jurídicas de direito público, haja vista a indisponibilidade do interesse público, ao passo que é facultativo para as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, que podem dispensar seus agentes da ação regressiva.

           A ação regressiva contra o agente culpado é de procedimento ordinário ou sumário, de acordo com as regras do estatuto processual civil (arts. 274 e 275). Ademais, é imprescritível, conforme art. 37, § 5º, da Constituição: "A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento". (Grifos do autor).

           Entendendo ser imprescritível a ação regressiva, afirma Diogenes Gasparini (2005, p. 910) que:

           O direito de regresso não prescreve, consoante expressamente declara a parte final do § 5º do art. 37 da Lei Maior. A ação de regresso pode ser ajuizada contra o agente causador do dano e, na sua falta, contra seus herdeiros ou sucessores, dado que obrigação meramente patrimonial. Ademais, pode ser intentada após o afastamento (exoneração, demissão, disponibilidade, aposentadoria) do agente causador do dano de seu cargo, emprego ou função pública. (Destaque do original)

           Há possibilidade de ajuizamento de ação regressiva contra os herdeiros ou sucessores do agente causador do danos, conforme diz, expressamente, a Lei nº 8.112/90 (dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais), no art. 122, § 3º: "A obrigação de reparar o dano estende-se aos sucessores e contra eles será executada, até o limite do valor da herança recebida".

           No tópico seguinte, a título de exemplo, estuda-se o direito de regresso no âmbito federal, de acordo com a Lei n° 4.619/65.

           4.2 Ação regressiva da União contra seus agentes

           Sem embargo de dispositivos legais estaduais e municipais, que dispõem sobre a ação regressiva, discorre-se, neste tópico, sobre a ação regressiva no âmbito federal. A lei federal nº 8.112/90, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, trata da ação regressiva no art. 122, § 2º: "Tratando-se de dano causado a terceiros, responderá o servidor perante a Fazenda Pública, em ação regressiva". Especificamente sobre o direito de regresso da União contra seus agentes, trata a Lei nº 4.619/65, a qual foi recepcionada pela Constituição vigente, já que não a fere direta ou indiretamente.

           De acordo com o art. 1°, da Lei n° 4.619/65, percebe-se que é obrigatória a proposição da ação regressiva e que há a necessidade de os funcionários serem declarados culpados, a fim de que seja efetivada a ação regressiva. Veja-se o art. 1º:

           Art. 1º Os Procuradores da República(6) são obrigados a propor as competentes ações regressivas contra os funcionários de qualquer categoria declarados culpados por haverem causado a terceiros lesões de direito que a Fazenda Nacional, seja condenada judicialmente a reparar.

           O termo "funcionário" é explicitado pelo parágrafo único, desse artigo: "Considera-se funcionário para os efeitos desta lei, qualquer pessoa investida em função pública, na esfera Administrativa, seja qual for a forma de investidura ou a natureza da função".

           O art. 2º, por sua vez, estabelece o prazo para ajuizamento da ação regressiva: 60 (sessenta) dias, a partir da data do trânsito em julgado da condenação imposta à Fazenda Pública. Caso haja descumprimento desse prazo, questiona-se se implicaria em prescrição. Diogenes Gasparini (2005, p. 909) diz que não há prescrição, e sim, infração administrativa: "[...] Se não proposta [a ação regressiva] nesse prazo, isso não significa a prescrição do direito. O descumprimento desse prazo pode implicar uma infração administrativa, nunca a perda do direito".

           Contudo, a Lei nº 4.619/65, ainda em vigor, rege a ação regressiva na esfera federal. Ademais, é a mesma obrigatória, de forma que, caso incorram os casos legais, o Poder Público tem a obrigação de cobrar do agente estatal o valor despendido.

           4.3 Denunciação da lide

           Neste tópico, estuda-se a denunciação da lide formulada pelo réu. Mediante a denunciação da lide, a ação regressiva se efetiva não somente por meio de uma ação autônoma, proposta após o ressarcimento da parte lesionada, mas, também, de forma incidental, ou seja, na mesma ação proposta pela parte adversária do denunciante. A importância do seu estudo tem que ver por se relacionar com o direito de regresso efetuado pelo Estado.

          4.3.1 Considerações sobre a denunciação da lide

           A denunciação da lide é feita para resguardar o direito de regresso no mesmo processo, em face do princípio da eventualidade, visando a vincular o terceiro ao quanto decidido na causa e à sua condenação à indenização. Com efeito, o denunciante visa ao ressarcimento pelo denunciado de eventuais prejuízos que, porventura, venha a sofrer em razão do processo pendente.

           Quando é formulada pelo réu a denunciação da lide, há uma intervenção de terceiro provocada: o terceiro é chamado a integrar o processo, porque a primeira demanda lhe é dirigida. Surge, portanto, a segunda demanda, que é incidental à demanda principal. Na sentença, o magistrado trata da relação jurídica entre a parte e o denunciante, e entre este e o denunciado. Primeiramente, analisa-se aquela relação; se for procedente, ou melhor, se o denunciado sucumbir, será analisada a ação de denunciação, que tanto poderá ser procedente como improcedente; se a ação principal for improcedente, a ação regressiva sequer será analisada.

           O Código de Processo Civil trata da denunciação da lide no art. 70, que exprime o seguinte:

           Art. 70. A denunciação da lide é obrigatória:

           I- ao alienante, na ação em que terceiro reivindica a coisa, cujo domínio foi transferido à parte, a fim de que esta possa exercer o direito que da evicção lhe resulta;

           II – ao proprietário ou ao possuidor indireto quando, por força de obrigação ou direito, em casos como o do usufrutuário, do credor pignoratício, do locatário, o réu, citado em nome próprio, exerça a posse direta da coisa demandada;

           III – àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda. (Grifos do autor)

           No caso em epígrafe, interessa a denunciação da lide fundamentada no inciso III, do art. 70, do CPC, uma vez que trata da ação regressiva, que pode permitir ao Estado a efetivação do direito de regresso constante do art. 37, § 6°, da Constituição de 1988.

           Típico exemplo de denunciação da lide, com base no inciso III, sem ter o Poder Público como denunciante, é o caso das relações de contrato de seguro. Nesse caso, a empresa seguradora está obrigada a indenizar, em ação regressiva, os prejuízos de alguém, que é parte em ação judicial. A denunciação, então, inclui no processo instaurado, também, a demanda de regresso, para a eventualidade de o beneficiário vir a sucumbir na ação principal, caso em que será examinada a demanda subordinada.

          4.3.2 Procedimento da denunciação da lide formulado pelo réu

           Quando quem alega ser titular da pretensão regressiva for o réu, este deverá oferecer a denunciação da lide e requerer a citação do denunciado no mesmo prazo que dispõe para contestar a ação principal, isso sem prejuízo de oferecer, desde logo, sua resposta ao pedido demandado.

           Se o denunciado aceitar a denunciação e contestar o pedido, o processo prosseguirá, de um lado com o autor, e de outro com os litisconsortes, denunciante e denunciado (art. 75, I, CPC). À primeira vista, parece que a denunciação da lide não acarreta nenhuma conseqüência negativa ao autor da ação, posto que continuaria no processo contra o réu, e este contra o denunciado. Ocorre que, na realidade, o denunciado assume poderes equivalentes aos de um litisconsorte unitário, e não de um assistente simples, posto que, conforme Fred Didier Jr. (2006), passa a defender interesses do denunciante em face de seu adversário (autor da ação), sem qualquer vínculo de subordinação. Com efeito, a contestação do pedido inicial pelo denunciado o coloca na condição de litisconsorte, sujeito, portanto, aos efeitos da sentença, direta e solidariamente, com o primitivo réu.

           Se o denunciado confessar os fatos alegados pelo autor, poderá o denunciante prosseguir na sua defesa (art. 75, III, CPC), sem qualquer prejuízo, porquanto a confissão de um litisconsorte não pode prejudicar o outro (art. 350, do CPC). Caso o denunciado for revel, ou comparecer apenas para negar a qualidade que lhe foi atribuída, cumprirá ao denunciante prosseguir na defesa. É o que reza o art. 75, II, do CPC: "Feita a denunciação pelo réu: se o denunciado for revel, ou comparecer apenas para negar a qualidade que Ihe foi atribuída, cumprirá ao denunciante prosseguir na defesa até final;".

           Criticando o art. 75, II, do CPC, acima transcrito, obtempera Fredie Didier Jr. (2006, p. 326), "[...] esse inciso foi pensado de acordo com o regramento do antigo chamamento à autoria, não estando em conformidade com a denunciação da lide. É, pois, regra que não deve ser aplicada. [...]". Entende, portanto, o referido autor (2006, p. 326), que "Revel o denunciado, cabe ao denunciante tomar a postura que mais bem lhe convier, não lhe sendo imputado o dever de prosseguir na defesa até o final, acaso assim não queira (inciso II do art. 75 do CPC). [...]".

           Em suma, a denunciação da lide realizada pelo réu é utilizada durante o prazo da contestação. Realizando essa providência, o denunciado participa do processo juntamente com o réu, num litisconsórcio unitário.

          4.3.3 Denunciação da lide pelo Estado

           O Estado, fundado no princípio da economia processual, tem muito se utilizado da denunciação da lide, exercendo o direito de regresso contra o agente causador do dano, e muitos juízes têm deferido tal intento. Por intermédio desse instituto processual, obtém-se, na mesma sentença, a condenação do agente, sem que seja necessária a propositura de nova ação. Dessa feita, deflui-se que a denunciação da lide é assaz vantajosa ao Poder Público.

           Ocorre que, conforme ventilado alhures, há controvérsia sobre o cabimento da denunciação da lide, sendo que há os que pugnam pelo seu cabimento, e os que enfatizam seu descabimento. Dessa controvérsia, surgiram as seguintes teorias: favorável, relativa e negativista.

          4.3.3.1 Favorável

           A maioria da doutrina processualista entende ser cabível a denunciação da lide pelo Estado, mesmo diante de responsabilidade objetiva. Argumentam que o art. 70, III, do CPC, rege as relações jurídico-processuais não somente entre particulares, mas, também, entre particulares e o Poder Público, este na qualidade de denunciante.

           José dos Santos Carvalho Filho (2002) noticia que há quem entenda ser a denunciação da lide pelo Estado obrigatória, tendo em vista o que dispõe o caput do art. 70, do CPC ("A denunciação da lide é obrigatória:"). Deveras, sem adentrar no mérito da possibilidade de denunciação em sede de responsabilidade do Estado, não tem razão a tese da obrigatoriedade da denunciação da lide, posto que, em que pesem os entendimentos contrários, a denunciação somente é obrigatória na hipótese do inciso I, do art. 70, do CPC, e facultativa nas demais hipóteses (incisos II e III), senão veja-se o entendimento de Fredie Didier Jr. (2006, p. 310):

           [...] a discussão sobre a ‘obrigatoriedade’ da denunciação da lide restringe-se à hipótese do inciso I do art. 70, que cuida da denunciação em caso de evicção. Em relação aos demais incisos (I e II), não há mais qualquer discussão: a não-denunciação da lide apenas implica a perda da oportunidade de ver o direito regressivo ser apreciado no mesmo processo, sendo permitido o ajuizamento de demanda autônoma para o exercício da pretensão de ressarcimento. [...](Destaques do original)

           Outrossim, dando a entender que há quem afirme ser facultativa a denunciação da lide, e não obrigatória, diante da responsabilidade do Estado, posto que haveria um litisconsórcio facultativo, José dos Santos Carvalho Filho (2002, p. 452) cita a jurisprudência, dizendo que essa posição já foi adotada pelo Supremo Tribunal Federal.

           Averbando que o art. 70, III, do CPC, abrange o Poder Público, e não somente as relações jurídico-processuais entre particulares, diz Humberto Theodoro Júnior (2001, p. 113):

           Em se tratando de responsabilidade civil do Estado, é a Constituição que, ao mesmo tempo que consagra o dever objetivo da Administração, de reparar o dano causado por funcionário a terceiros, institui também a ação regressiva do Estado contra o funcionário responsável, desde que tenha agido com dolo ou culpa (art. 37, § 6º).

           Se o art. 70, nº III, do CPC, prevê a denunciação da lide ‘àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda’; e se o texto constitucional é claríssimo em afirmar que o Estado tem ‘ação regressiva contra o funcionário responsável’, não há como vedar à Administração Pública o recurso à litisdenunciação. (Destaques do original)

           Comentando a orientação do Superior Tribunal de Justiça, ainda, diz Humberto Theodoro Júnior (2001, p. 114):

           A moderna orientação do STJ é, porém, a de que, mesmo não sendo medida obrigatória, nada impede que a Fazenda Pública utilize a denunciação da lide ao seu servidor, quando demandada para responder civilmente por ato deste. Aliás, tem sido destacado que ‘é de todo recomendável que o agente público, responsável pelos danos causados a terceiros, integre, desde logo, a lide, apresente sua resposta, produza prova e acompanhe a tramitação do processo’. Portanto, pode e deve a entidade pública promover a denunciação da lide ao preposto, nas ações indenizatórias. (Destaque do original)

           No mesmo sentido de Humberto Theodoro Júnior (2001), diz Inacio de Carvalho Neto (2000, apud FRIEDE, 1996, p. 454):

           Reis Fiede, de forma muito semelhante à doutrina de Humberto Theodoro Júnior, leciona:

           ‘...A denunciação, para que o Estado exercite a ação regressiva contra o funcionário faltoso, realmente não é obrigatória. Mas, por se tratar de ação regressiva expressamente assegurada pela Constituição, uma vez exercitada, não pode ser recusada pelo juiz.

           [...]’.

           Mais adiante, afirma, ainda, o autor:

           ‘Se o art. 70, n° III, do CPC, prevê a denunciação da lide àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda; e se o texto constitucional é claríssimo em afirmar que o Estado tem ação regressiva contra o funcionário púbico responsável, não há como vedar à Administração Pública o recurso à litisdenunciação’. (Destaques do original)

           Inacio de Carvalho Neto (2000, p. 176) cita outros autores que anuem com o cabimento da denunciação da lide: "Adelnilson Cruz, André Renato Miranda Andrade e Luiz Irajá Nogueira de Sá Júnior também concordam com este entendimento".

           Em recentes decisões, o Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido a existência de prejuízos causados ao autor da ação em face do Estado gerados pela denunciação da lide, entendendo não ser a mesma obrigatória, afirmando que o Estado não perde o direito de regresso se não se utiliza do mesmo por intervenção da denunciação da lide, já que está garantido esse direito no art. 37, § 6°, da Constituição. Com efeito, ao afirmar o STJ que a denunciação da lide não é obrigatória, admite, por via oblíqua, seu cabimento. Como exemplo, veja-se a decisão abaixo:

           PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. DENUNCIAÇÃO DA LIDE AO SERVIDOR. NÃO-OBRIGATORIEDADE. DIREITO DE REGRESSO ASSEGURADO. PRECEDENTES DO STJ. DESPROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL. 1. A denunciação da lide ao servidor público nos casos de indenização fundada na responsabilidade objetiva do Estado não deve ser considerada como obrigatória, pois impõe ao autor manifesto prejuízo à celeridade na prestação jurisdicional. Haveria em um mesmo processo, além da discussão sobre a responsabilidade objetiva referente à lide originária, a necessidade da verificação da responsabilidade subjetiva entre o ente público e o agente causador do dano, a qual é desnecessária e irrelevante para o eventual ressarcimento do particular. 2. Ademais, o direito de regresso do ente público em relação ao servidor, nos casos de dolo ou culpa, é assegurado no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, o qual permanece inalterado ainda que inadmitida a denunciação da lide. 3. Orientação pacífica das Turmas de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça. 4. Recurso especial desprovido. (STJ, REsp 606224, Relator(a) Ministra Denise Arruda (1126), Órgão Julgador T1 - PRIMEIRA TURMA, Data do Julgamento 15/12/2005, Data da Publicação/Fonte DJ 01.02.2006 p. 437) (Grifos do autor)

           Como se vê, há forte entendimento favorável ao cabimento da denunciação da lide em sede de responsabilidade patrimonial do Estado.

          4.3.3.2 Relativa

           A teoria relativa admite, em parte, a denunciação da lide, permitindo seu cabimento na hipótese de a ação indenizatória contra o Estado estabelecer culpa (ou dolo) do agente público, a fim de não onerar, demasiadamente, o administrado (autor da ação indenizatória), e tendo em vista o princípio da economia processual. Nesse sentido, são as lições de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2006, p. 631):

           Em resumo:

           quando se trata de ação fundada na culpa anônima do serviço ou apenas na responsabilidade objetiva decorrente do risco, a denunciação não cabe, porque o denunciante estaria incluindo novo fundamento na ação: a culpa ou dolo do funcionário, não argüida pelo autor;

           quando se trata de ação fundada na responsabilidade objetiva do Estado, mas com argüição de culpa do agente público, a denunciação da lide é cabível como também é possível o litisconsórcio facultativo (com citação da pessoa jurídica e de seu agente) ou a propositura da ação diretamente contra o agente público. (Destaque do original)

          No mesmo pensar, é o escólio de Inacio de Carvalho Neto (2000, p. 183):

           De imediato também há que se contrapor à teoria negativista. Negar ao Estado o direito de denunciar a lide ao agente seria cercear-lhe um direito legal, conforme decidiram o Tribunal Regional Federal na 2ª Região e o Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

           Ao nosso ver, a tese mais correta é a que admite a denunciação da lide ao servidor com restrições. Se é certo que lei processual não restringe expressamente a denunciação da lide quando o denunciante é o Estado, é também certo, entretanto, que o princípio da economia processual acaba por fazê-lo em alguns casos.

          [...]

           A nosso ver, o cabimento ou não da denunciação da lide vai depender da forma como os fatos foram descritos pelo autor na inicial da ação reparatória. Se este, já na inicial, reporta-se ao ato culposo do agente causador do dano, não haverá, na denunciação da lide, introdução de fato jurídico novo, não havendo qualquer impedimento à denunciação. Se, ao contrário, o autor descreve os fatos limitando-se aos requisitos mínimos para a configuração da responsabilidade objetiva do Estado, a denunciação da lide ao agente importaria em introdução de fato jurídico novo na discussão da causa, violando o princípio da celeridade processual e causando excessivo gravame ao autor.

           Com efeito, para essa teoria, basta o que administrado, na peça exordial, manifeste-se acerca do agente público responsável pelo evento danoso, imputando-lhe culpa (ou dolo), para que o Estado possa denunciar o agente.

          4.3.3.3 Negativista

           A maioria da doutrina administrativista entende ser incabível a denunciação da lide em sede de responsabilidade objetiva do Estado. Weida Zancaner (1981), Lúcia Valle Figueiredo (1995), José dos Santos Carvalho Filho (2002), Celso Antonio Bandeira de Mello (2005), Diogenes Gasparini (2005), Hely Lopes Meirelles (2006), dentre outros, não admitem a denunciação da lide.

           Hely Lopes Meirelles (2006), com clareza meridiana, averba que a ação regressiva a ser proposta pelo Estado em face do agente causador do dano somente deve ser ajuizada após a declaração de culpa do agente público, bem como após o ressarcimento do administrado pelo Estado. Veja-se o posicionamento desse doutrinador (2006, p 659):

           A ação regressiva da Administração contra o causador direto do dano está instituída pelo § 6° do art. 37 da CF como mandamento a todas as entidades públicas e particulares prestadoras de serviços públicos. Para o êxito desta ação exigem-se dois requisitos: primeiro, que a administração já tenha sido condenada a indenizar a vítima do dano sofrido; segundo, que se comprove a culpa do funcionário no evento danoso. Enquanto para a Administração a responsabilidade independe de culpa, para o servidor a responsabilidade depende de culpa: aquela é objetiva, esta é subjetiva e se apura pelos critérios gerais do Código Civil. (Grifos do autor)

           Tal entendimento corrobora com o art. 1º, da Lei nº 4.619/65, alhures comentado, que dispõe sobre a ação regressiva da União contra seus agentes, estabelecendo ser obrigatória a ação regressiva contra os funcionários somente após os mesmos serem declarados culpados. Destarte, como admitir a denunciação da lide se o agente público sequer foi declarado culpado?

           José dos Santos Carvalho Filho (2002) faz uma analogia com o Código de Defesa do Consumidor, o qual não admite a denunciação da lide em se tratando de responsabilidade objetiva:

           Aliás, o instituto da proteção ao hipossuficiente em relações jurídicas de caráter indenizatório foi o mesmo adotado pelo Código de Defesa do Consumidor, que, na relação de regresso, exige processo indenizatório autônomo, vedando expressamente a denunciação à lide. Nas hipóteses em que o comerciante é solidariamente responsável com o fabricante, construtor, produtor ou importador, o consumidor pode demandar qualquer deles e, para não ser prejudicado, a lei impõe que aquele que pagar a indenização deve exercer seu direito de regresso contra o outro responsável em ação diversa da ajuizada originariamente pelo consumidor. (Grifos do autor)

           O Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, é categórico no sentido de não ser cabível a denunciação da lide na responsabilidade objetiva, rezando ser cabível o direito de regresso somente após a efetivação da reparação do dano ao prejudicado, conforme se depreende da leitura do art. 13, parágrafo único. In verbis: "Aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo sua participação na causação do evento danoso". Como se não bastasse, o estatuto consumerista foi mais explícito em outro dispositivo, senão veja-se o art. 88: "Na hipótese do art. 13, parágrafo único deste código, a ação de regresso poderá ser ajuizada em processo autônomo, facultada a possibilidade de prosseguir-se nos mesmos autos, vedada a denunciação da lide". (Grifos do autor)

           Weida Zancaner (1981, p. 64 - 65) frisa que, se for possível o cabimento da denunciação da lide, há prejuízos para o autor da demanda, procrastinando a ação do administrado contra o Estado:

           Procrastinar o reconhecimento de um legítimo direito da vítima, fazendo com que este dependa da solução de um outro conflito intersubjetivo de interesses (entre o Estado e o funcionário), constitui um retardamento injustificado do direito do lesado, considerando-se que este conflito é estranho ao direito da vítima, não necessário para a efetivação do ressarcimento a que tem direito. (Destaque do original)

           Realmente, o cabimento da denunciação da lide gera prejuízos ao administrado, procrastinando a ação judicial. O inciso LXXVIII, do art. 5°, da Constituição Federal, acrescentado pela Emenda Constitucional n° 45/2004, por exemplo, assevera que "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação". Destarte, deflui-se que o instituto da denunciação da lide infringe o preceito constitucional em comento. Ademais, fere os princípios da celeridade e da economia processual.

           Ora, se somente a ação de indenização contra o Estado já é retardada, mais delongada ainda se torna se cabível a denunciação da lide. Sem a intenção de criticar alguns fatos que retardam a ação proposta pelo administrado, posto que se fazem necessárias para o devido resguardo da coisa pública, impende destacar algumas delas:

    • O prazo para contestação da Fazenda Pública é elastecido: em quádruplo: 60 (sessenta) dias, ou seja, dois meses, conforme a inteligência dos arts. 297 c/c 188, ambos do CPC;
    • O prazo de recurso também é elastecido: em dobro, conforme art. 188 do CPC;
    • Caso o administrado logre êxito na ação, e caso o Estado não interponha recurso, a sentença proferida pelo Juízo a quo somente tem efeito após a confirmação do Tribunal, conforme o art. 475, I, CPC;
    • O Poder Público, em regra, tem o dever de recorrer até as últimas instâncias. Assim, após eventual decisão de primeira instância favorável ao autor da ação indenizatória, a fase de execução somente será iniciada após um imenso lapso temporal, possivelmente após decisão do Supremo Tribunal Federal;
    • Iniciada a fase de execução, não será seguido o rito normal do CPC, com possibilidade de penhora sobre bens móveis ou imóveis, e sim o regramento específico, como o art. 730 dessa legislação processual e o art. 100 da Constituição Federal, o qual dispõe sobre o instituto dos precatórios;
    • A fase dos precatórios em si também é retardada, sendo que, diga-se de passagem, às vezes, o ente estatal frustra a ordem cronológica de pagamento, fato esse que enseja ao administrado o requerimento ao Presidente do Tribunal de seqüestro da quantia devida.

           Como se percebe, a ação do administrado é retardada. E veja-se que nem se adentrou na questão da morosidade do Poder Judiciário. No entanto, mais lenta se tornaria essa ação, na hipótese de cabimento da denunciação da lide.

           Questão também interessante a destacar é de que a denunciação da lide acarreta um pedido novo no processo, diverso do da exordial. Nesse sentido, diz Fredie Didier Jr. (2006, p. 307): "De fato, a denunciação da lide é uma demanda, exercício do direito de ação. Dessa forma, ao promover a denunciação da lide, o denunciante agrega ao processo pedido novo, ampliando o seu objeto litigioso. O processo terá duas demandas: a principal e a incidental". Também nesse sentido é a doutrina abaixo citada:

           A denunciação da lide constitui modalidade de intervenção de terceiro em que se pretende incluir no processo uma nova ação, subsidiária àquela originariamente instaurada, a ser analisada caso o denunciante venha a sucumbir na ação principal. Em regra, funda-se a figura no direito de regresso, pelo qual aquele que vier a sofrer algum prejuízo, pode, posteriormente, recuperá-lo de terceiro, que por alguma razão é seu garante. Na denunciação, portanto, inclui-se nova ação, justaposta à primeira, mas dela dependente, para ser examinada caso o denunciante (aquele que tem, frente a alguém, direito de regresso, em decorrência da relação jurídica deduzida na ação principal) venha a sofrer prejuízo diante da sentença judicial relativa à ação principal. (MARINONI; ARENHART; 2006, p. 190) (Destaque do original)

           Outro argumento desfavorável ao cabimento da denunciação da lide existe quando se observa que a ação regressiva é subjetiva, ao passo que a ação do administrado, aqui estudada, é objetiva. Assim, admitir a denunciação da lide é anuir com a existência de ação subjetiva no interior de uma ação objetiva, ou melhor, é frustrar a responsabilidade objetiva. Fredie Didier Jr. (2006, p. 319) é contra o cabimento da denunciação da lide com base nesse argumento, senão vejam-se suas palavras:

           É com base nesta linha de pensamento que não se admite a denunciação da lide ao servidor, pelo Estado, em demandas de responsabilidade civil contra este interpostas – como o Estado responde objetivamente pelos prejuízos causados, a denunciação da lide introduziria fundamento jurídico novo, que é a responsabilidade subjetiva do servidor (art. 37, § 6º, CF/88). (Destaque do original)

           A principal razão de não se admitir a denunciação da lide tem que ver com o fato de que seu cabimento frustra a responsabilidade objetiva. Deveras, a responsabilidade objetiva estatal é uma conquista para o administrado, é uma vitória confirmada pela história, consoante alhures demonstrado. Dessa forma, um instituto processual, previsto em lei ordinária (CPC), não pode desrespeitar a Constituição Federal, não pode agatanhar a responsabilidade sem culpa.

           Quanto ao argumento de que o CPC, no art. 70, III, também abrange a responsabilidade do Estado, não há pertinência, eis que a Constituição Federal não dá ensejo a esse desiderato. A fim de comprovar essa assertiva, mister se faz realizar uma comparação com a Constituição de 1934, a qual, de maneira diversa da de 1988, previa, realmente, a existência de litisconsórcio entre o agente público e a Fazenda Pública, de forma que permitiu o cabimento da denunciação da lide, senão veja-se o art. 171, § 1º: "Na ação proposta contra a Fazenda Pública, e fundada em lesão praticada por funcionário, este será sempre citado como litisconsorte".

           Deveras, a permissão do Código de Processo Civil de cabimento da denunciação da lide não alcança as ações contra o Poder Público, sob pena de contrariar a Constituição de 1988. Nesse sentido, é a seguinte decisão judicial, citada por Inacio de Carvalho Neto (2000, p. 173 - 174), proferida ainda na vigência da Constituição de 1969:

           Responsabilidade civil do Estado – Denunciação da lide do funcionário público – Inadmissibilidade – Responsabilidade objetiva que impede a discussão a respeito da culpa do servidor – Norma constitucional que afasta aquele da demanda – Inteligência do art. 70, III, do CPC e aplicação do art. 107 da CF de 1969.

           Inexplicavelmente, o Código de Processo Civil determina a denunciação da lide àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda (art. 70, III), sem excepcionar expressamente desse chamamento o funcionário causador do dano. Mas é intuitivo que esse dispositivo não alcança os servidores públicos nas ações indenizatórias movidas contra a Administração, já que a norma processual não pode contrariar a Constituição, que estabelece a responsabilidade exclusiva e objetiva da Administração perante a vítima. (Destaque do original)

           Em resumo, a denunciação da lide deve ser incabível pelos seguintes argumentos:

    • A ação regressiva somente deve ser ajuizada após o ressarcimento do administrado pelo Estado, bem como após a declaração de culpa do agente público;
    • Analogicamente ao Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista à parte hipossuficiente da relação jurídico-processual, como, por exemplo, o administrado, a denunciação da lide não é cabível em responsabilidade objetiva;
    • Viola os princípios da celeridade e da economia processual;
    • Procrastina o direito do administrado;
    • A ação regressiva é subjetiva, ao contrário da ação promovida contra o Estado, que é objetiva;
    • A permissão de denunciação da lide constante do Código de Processo Civil não alcança o Poder Público.

           Destarte, diante de casos de responsabilidade objetiva do Estado, deve o magistrado indeferir o pedido de denunciação da lide, a fim de respeitar o direito autoral, o qual lhe é devido o mais depressa e da forma menos onerosa possível. Não de assegurar o direito material do administrado, mas o de garantir a rapidez (ou uma menor demora) do litígio. Assim sendo, resta ao Estado promover a ação regressiva pelas vias autônomas.


CONCLUSÃO

           A responsabilidade patrimonial do Estado ocorre quando seus agentes, nessa qualidade, causam danos (morais ou materiais) aos administrados, mediante condutas lesivas (quer por atos ilícitos, quer por atos lícitos). Assim, fica o Poder Público obrigado a reparar o dano.

           Com o passar dos tempos, o Estado se tornou responsável para com seus administrados, ante as condutas de seus agentes. Diante de condutas comissivas dos agentes públicos que causem danos nos particulares, a Constituição Federal adotou a responsabilidade objetiva, obrigando as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviço público a repararem, patrimonialmente, os particulares lesionados, sem a necessidade de estes comprovarem culpa ou dolo do responsável pelo evento danoso. Outrossim, previu a Lei Maior o direito de regresso, que significa o dever de o Estado cobrar do agente público o valor despendido com o administrado, na hipótese de ter agido com dolo ou culpa.

           O problema tem que ver com a aplicação da denunciação da lide, que visa a efetivar a ação regressiva dentro da própria ação indenizatória contra o Estado. Como se observou, é controverso seu cabimento. Com efeito, foi possível entremostrar que não deve ser cabível a denunciação, pois traz sérios prejuízos ao terceiro lesado, além de frustrar a responsabilidade objetiva.

           Destarte, foram fundamentais o estudo e a pesquisa da responsabilidade estatal, já que o Poder Público, mediante os comportamentos de seus agentes, desrespeita as garantias e liberdades dos particulares, causando-lhes danos.

           A monografia em comento teve como fonte a Constituição Federal atual, as Constituições anteriores, diversas legislações, a doutrina e a jurisprudência. Na doutrina, buscou-se o entendimento de diversos doutrinadores, notadamente o de administrativistas.

           No presente trabalho monográfico, objetivou-se analisar e dar ênfase à responsabilidade do Estado por condutas comissivas causadoras de lesões nos administrados, bem como analisar o direito de regresso e a denunciação da lide.

           A tipologia da pesquisa, segundo a utilização dos resultados, foi pura, conduzindo o conhecimento do pesquisador para uma nova tomada de posição; e, segundo a abordagem, foi qualitativa, aprofundando-se na compreensão das ações e relações humanas e nas condições e freqüências de determinadas situações sociais. Quanto aos objetivos, a pesquisa foi exploratória, aprimorando idéias, buscando maiores informações sobre o tema em estudo.

           A monografia em epígrafe dispôs-se de quatro capítulos. No primeiro, tratou-se da responsabilidade patrimonial do Estado; no segundo, da responsabilidade do Estado por conduta comissiva, entremostrando sua importância; no terceiro, da reparação do dano sofrido pelo administrado; e no quarto, por fim, tratou-se do direito de regresso, oportunidade em que se estudou a denunciação da lide, demonstrando-se os posicionamentos favoráveis e desfavoráveis, quanto ao seu cabimento na responsabilidade objetiva do Estado.


NOTAS

  1. Alguns autores, como, por exemplo, Hely Lopes Meirelles (2006), preferem o termo "Administração Pública", ao invés de "Estado", frisando a finalidade de não confundir as condutas realizadas pelo Poder Executivo com as praticadas pelos demais Poderes (Legislativo e Judiciário). Diverso é o entendimento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2006), a qual prefere o termo "Estado", aduzindo que esse ente é pessoa jurídica de direito público, ao passo que a Administração Pública não tem personalidade jurídica, não sendo titular de direitos e obrigações na seara cível. Em que pese essa controvérsia, parece assistir razão a Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2006), razão pela qual se utilizou, nesta monografia, o termo "Estado". Ademais, a responsabilidade patrimonial aqui estudada não trata das condutas dos agentes do Poder Legislativo nem do Poder Judiciário, senão haveria menção expressa no título desta monografia.
  2. Essa lei regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, instituindo normas para licitações e contratos da Administração Pública, e dá outras providências.
  3. Mais adiante, será vista a responsabilidade objetiva do Estado no ordenamento jurídico brasileiro, oportunidade em que será devidamente explicitado o dispositivo constitucional em referência.
  4. Na entrega de bem imóvel para satisfazer a indenização, a composição amigável pode exigir lei autorizadora, conforme lembra Diogenes Gasparini (2005).
  5. Caso haja interesse da União, participando do processo judicial, a competência será da Justiça Federal.
  6. Veja-se que o dispositivo legal ainda se refere aos Procuradores da República, eis que a Lei n° 4.610/65 entrou em vigor na vigência da Constituição de 1946, que rezava, no art. 126, parágrafo único, que a União era representada em Juízo pelos Procuradores da República, podendo a lei cometer esse encargo, nas Comarcas do interior, ao Ministério Público local. Como a atual Constituição, conforme o art. 131, diz que Advocacia-Geral da União é a instituição que, com o auxílio de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo, deve-se interpretar o art. 1º em comento conforme a Constituição. Assim, onde consta Procurador da República, deve-se ler Advocacia-Geral da União.

REFERÊNCIAS

          Livros

          CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1996.

          CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 9. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002.

          CARVALHO NETO, Inacio de. Responsabilidade do Estado por ato de seus agentes. São Paulo: Atlas, 2000.

          DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 6. ed. Salvador: JusPodivm, 2006.

          DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

          DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006.

          FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1995.

          FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

          FRIEDE, Reis. Comentários ao código de processo civil. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1996.

          GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

          LEAL, Antônio Luiz Câmara. Da prescrição e da decadência. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978.

          MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

          MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de direito administrativo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

          SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

          THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 37. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

          TOLEDO PINTO, Antonio Luiz; WINDT, Márcia Cristina Vaz dos Santos; CÉSPEDES, Livia. Vade mecum Saraiva. São Paulo: Saraiva, 2006.

          VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004).

          ZANCANER, Weida. Da responsabilidade extracontratual da Administração Pública. São Paulo: RT, 1981.

          Periódicos

          BRASIL. Constituicão Politica do Imperio do Brazil, de 25 de março de 1824. Disponível em: . Acesso em: 26 ago. 2005.

          ____________. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891. Disponível em: . Acesso em: 26 ago. 2005.

          ____________. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934. Disponível em: . Acesso em: 26 out. 2006.

          ____________. Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de 1937. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao37.htm>. Acesso em: 26 out. 2006.

          ____________. Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembro de 1946. Disponível em: . Acesso em: 27 ago. 2005.

          ____________. Constituição da República Federativa do Brasil, de 24 de janeiro de 1967. Disponível em: . Acesso em: 26 out. 2006.

          ____________. Decreto-lei nº 20.910, de 06 de janeiro de 1932. Regula a prescrição qüinqüenal. Disponível em: . Acesso em: 23 set. 2006.

          ____________. Decreto-lei nº 4.597, de 19 de agosto de 1942. Dispõe sobre a prescrição das ações contra a Fazenda Pública e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 22 dez. 2005.

          ____________. Lei 3.071, de 01 de janeiro de 1916. Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/L3071.htm>. Acesso em: 10 set. 2006.

          ____________. Lei n° 4.619, de 28 de abril de 1965. Dispõe sobre a ação regressiva da União contra seus agentes. Disponível em . Acesso em: 03 out. 2006.

          ____________. Lei n° 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Disponível em: . Acesso em: 04 out. 2006.

          ____________. Lei n° 9.494, de 10 de setembro de 1997. Disciplina a aplicação da tutela antecipada contra a Fazenda Pública, altera a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9494.htm>. Acesso em: 23 set. 2006.

          ____________. Superior Tribunal de Justiça. Agravo regimental no recurso especial n° 573816, da terceira turma, Brasília, DF, 08 de março de 2005. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=AGRESP+573816&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=1>. Acesso em: 24 set. 2006.

          ____________. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial n° 403126, da segunda turma, Brasília, DF, 21 de agosto de 2005. Disponível em: . Acesso em: 24 set. 2006.

          ____________. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial n° 606224, da primeira turma, Brasília, DF, 15 de dezembro de 2005. Disponível em: . Acesso em: 03 out. 2006.

          ____________. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial n° 189224, da segunda turma, Brasília, DF, 15 de maio de 2001. Disponível em: . Acesso em: 03 out. 2006.

          ____________. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 37. São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato. Disponível em: < http://www.stj.gov.br/SCON/sumulas/doc.jsp?livre=37&&b=SUMU&p=true&t=&l=10&i=1>. Acesso em: 23 set. 2006.

          ____________. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 39. Prescreve em vinte anos a ação para haver indenização, por Responsabilidade civil, de sociedade de economia mista. Disponível em: . Acesso em: 23 set. 2006.

          ____________. Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental no recurso extraordinário n° 357.291-1, da primeira turma, Brasília, DF, 09 de maio de 2006. Disponível em: . Acesso em: 24 set. 2006.

          ____________. Supremo Tribunal Federal. Recurso extraordinário n° 220906, da primeira turma, Brasília, DF, 15 de setembro de 1981. Disponível em: . Acesso em: 24 set. 2006.

          ____________. Supremo Tribunal Federal. Recurso extraordinário n° 206.711-3, da primeira turma, Brasília, DF, 25 de junho de 1999. Disponível em: . Acesso em: 24 set. 2006.

          ____________. Supremo Tribunal Federal. Recurso extraordinário n° 78569, do tribunal pleno, Brasília, DF, 16 de novembro de 2002. Disponível em: . Acesso em: 10 set. 2006.

          ____________. Supremo Tribunal Federal. Recurso extraordinário n° 113587, da segunda turma, Brasília, DF, 18 de fevereiro de 1992. Disponível em: . Acesso em: 24 set. 2006.

          ____________. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº 556. É competente a justiça comum para julgar as causas em que é parte sociedade de economia mista. Disponível em: . Acesso em: 23 set. 2006.

          CEARÁ (Estado). Constituição do Estado do Ceará, de 5 de outubro de 1989. Disponível em: . Acesso em: 04 out. 2006.

          FORTALEZA (Município). Lei Orgânica de Fortaleza, de 05 de abril de 1990. Disponível em: . Acesso em: 05 out. 2006.

          RIO GRANDE DO SUL (Estado). Tribunal de Justiça. Agravo de instrumento n° 70015552623, da décima primeira câmara cível, Porto Alegre, RS, 02 de junho de 2006. Disponível em: . Acesso em: 10 set. 2006.


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMPOS, Ronnie Leal. A responsabilidade patrimonial do Estado por conduta comissiva e o direito de regresso. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1332, 23 fev. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9524. Acesso em: 29 mar. 2024.