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A impenhorabilidade dos bens do cônjuge

A impenhorabilidade dos bens do cônjuge

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A possibilidade de penhora dos bens do cônjuge da parte executada não é integral. Existem limites que vão além do regime de bens.

Na análise geral da matéria, é razoável concluir que os bens do cônjuge da parte executada podem ser penhorados. Isso porque existem algumas disposições legais em nosso ordenamento jurídico que tratam de forma muito clara a situação em discussão. 

Em primeiro lugar, quando se trata da gestão de bens comuns, o Código Civil estipula que eles estão vinculados por dívidas geradas em benefício de entidades familiares: 

Art. 1.663. A administração do patrimônio comum compete a qualquer dos cônjuges. 

§ 1o As dívidas contraídas no exercício da administração obrigam os bens comuns e particulares do cônjuge que os administra, e os do outro na razão do proveito que houver auferido. 

Art. 1.664. Os bens da comunhão respondem pelas obrigações contraídas pelo marido ou pela mulher para atender aos encargos da família, às despesas de administração e às decorrentes de imposição legal. 

Segundo a Lei nº 9.278/96 no que toca à união estável: 

Art. 5º Os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes, na constância da união estável e a título oneroso, são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato escrito. 

§ 2º A administração do patrimônio comum dos conviventes compete a ambos, salvo estipulação contrária em contrato escrito. 

No mesmo sentido, o Código de Processo Civil, em seu artigo 790, IV, traz expressamente a possibilidade de sujeição dos bens do cônjuge/companheiro que não é parte no processo à execução: 

Art. 790. São sujeitos à execução os bens: 

IV Do cônjuge ou companheiro, nos casos em que seus bens próprios ou de sua meação respondem pela dívida; 

Da mesma forma, o artigo 790, inciso IV da Lei de Processo Civil, propõe claramente a possibilidade de inclusão do patrimônio do cônjuge / companheiro da parte inadimplente: 

Art. 790. São sujeitos à execução os bens: 

IV - do cônjuge ou companheiro, nos casos em que seus bens próprios ou de sua meação respondem pela dívida; 

Verifica-se que o Código Civil e a Lei do Processo Civil apresentam disposições muito claras a este respeito, não cabendo muitas dúvidas. Por isso, é impressionante que ainda hoje os advogados não tenham requerido a apreensão dos bens do cônjuge / companheiro da parte executada, e grande parte dos poucos pedidos existentes acabaram por ser indeferidos pelos magistrados. 

Também é surpreendente que, dado que a parte sujeita à execução tende a ocultar seus bens por meio de seu cônjuge / companheiro, o advogado insista em gastar muito tempo e dinheiro para tomar poucas (ou nenhuma) medidas eficazes (ou extraordinárias) ou mesmo (Não tome emprestado para manusear bens por conta própria). Para a finalidade real do processo de execução, ou seja, a satisfação do crédito. 

Desta forma, um estudo mais aprofundado sobre o assunto foi realizado para esclarecer o problema e perceber um dos maiores infortúnios de advogados e clientes, o melhor caminho possível para a satisfação com o crédito. 

Ao contrário dos artigos 1.663 e 1.664, no que tange ao regime de separação de bens o Código Civil expõe que estes serão administrados isoladamente por cada um dos cônjuges. 

Art. 1.687. Estipulada a separação de bens, estes permanecerão sob a administração exclusiva de cada um dos cônjuges, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real. 

O que diz Pablo Stolze Gagliano: 

Este regime tem como premissa a incomunicabilidade dos bens dos cônjuges, anteriores e posteriores ao casamento. 

Levando em consideração o tema sob análise, imprescindível a lição de Araken de Assis: 

"Os patrimônios dos cônjuges, neste regime, permanecem separados, e, por isso mesmo, nada mais natural que respondam exclusivamente com seus bens particulares pelas dívidas assumidas antes ou depois do casamento, seja qual for a origem do débito". 

É preciso analisar, ainda que brevemente, a aplicação da Súmula 377 do STF, que diz: No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento. 

Muito embora haja discussão sobre a aplicabilidade da Súmula 377 do STF desde a promulgação do Código Civil, fato é que é consenso na jurisprudência a sua eficácia, o que se evidencia, sobretudo, pelo recente EREsp 1.623.858/MG da Segunda Seção do STJ. Cujo o tema foi incluído no Informativo 628 do STJ, e sedimentou a forma de interpretação da referida Súmula: 

Casamento contraído sob causa suspensiva. Separação obrigatória de bens (CC/1916, art. 258, II; CC/2002, art. 1.641, II). Partilha. Bens adquiridos onerosamente. Necessidade de prova do esforço comum. Pressuposto da pretensão. Moderna compreensão da Súmula 377/STF.  

Tal entendimento é de suma importância dada a existência de diversas decisões se valendo da súmula 337 do STF, erroneamente, para ambas espécies de separação de bens. 

Porém, antes mesmo à promulgação do Código Civil atual já existiam diversas decisões do STJ fazendo a devida aplicação da Súmula 337. 

 Podemos, inclusive, mencionar o voto esclarecedor do Ministro Relator Fontes de Alencar em sede do REsp 15.636/RJ[5]: 

"É verdade que a Súmula nº 377 do Supremo Tribunal Federal estabelece que no regime de separação legal de bens comunicam-se os adquiridos na constância do casamento, mas é indiscutível que tal verbete não tem aplicação, quando as partes livremente convencionam a separação absoluta dos bens presentes e futuros, através do pacto. Por outro lado, a Súmula não pode ser interpretada ampliativamente, mas, sim, dentro dos limites exatos do que nela se contém." 

Atualmente temos o importante REsp 1.481.888/SP, que renovou a jurisprudência anterior, destaca que se o regime das partes em livre manifestação adotar o regime de separação de bens, constituindo situação alheia à prevista no artigo 1.641 do Código Civil, revela-se inaplicável o teor da Súmula 377 do STF

Diante o exposto, podemos observar a existência de duas hipóteses: a da separação legal de bens, em que se aplica a Súmula 377 do STF, e a da separação convencional de bens, em que não se aplica a Súmula 377 do STF. 

Sendo assim, não é admissível a penhora de bens do cônjuge sob o regime da separação convencional de bens, mesmo que a dívida tenha sido adquirida na constância do casamento, já que não há comunhão de bens 

 Já na separação legal de bens, é possível a penhora de bens do cônjuge do executado, observando que a comunhão de bens se restringe àqueles adquiridos na constância do casamento a título oneroso (desde que comprovado o esforço comum sua aquisição), por força da Súmula 377 do STF. 

O artigo 1.723 do Código Civil, repetiu o artigo da Lei 9.278/96, ao dispor que é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família, acautelando os artigos 1.521 e 1523 do Código Civil, dispõem sobre causas suspensivas e impedimentos que limitam o poder de escolha do regime de bens do casamento. 

A doutrina e jurisprudência complementam o que já diz o Código Civil e a Lei da união Estável. Que basicamente se trata de duas pessoas, sem vínculo matrimonial, de relação contínua, estável e pública, que convivem como se casados fossem. 

Ainda que seja possível registrar a união estável em cartório o ato será meramente declaratório, porém, embora não seja um estado civil, e não tenha um documento que a comprove de fato, existe a possibilidade de ser comprovada através de testemunhas, contas conjuntas, apólice de seguro e etc. 

Vale ressaltar a importância da escritura para oficializar o regime de bens aplicável à união, caso não haja escritura, automaticamente passa a valer as regras da comunhão parcial de bens, nesse caso os bens particulares anteriores à relação, continuam particulares, sem meação do companheiro. 

O artigo 843 do Código Civil, reserva da quota-parte dos direitos de aquisição do bem penhorado ao cônjuge alheio à execução, devendo ser observada a data em que houve o início da convivência em comum do casal. 

Consoante entendimento jurisprudencial, a dívida contraída pelo companheiro, na constância da união estável, presume-se assumida em benefício do casal quando a companheira não prova o contrário ao defender sua meação. 

Conforme exposto anteriormente, com relação ao regime de comunhão parcial de bens, o artigo 1.659 do Código Civil dispõe sobre a exclusão de bens da comunhão, estabelecendo, por sua vez, os artigos 1.663 e 1.664, do mesmo diploma, que os bens comuns devem responder pelas dívidas que geraram proveito ao casal e à família: 

Art. 1.659. Excluem-se da comunhão: 

I - Os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar; 

II - Os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares; 

III - as obrigações anteriores ao casamento; 

IV As obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal; 

V - Os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão; 

VI - Os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge; 

VII - as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes. 

Art. 1.663. A administração do patrimônio comum compete a qualquer dos cônjuges. 

§ 1º As dívidas contraídas no exercício da administração obrigam os bens comuns e particulares do cônjuge que os administra, e os do outro na razão do proveito que houver auferido. 

§ 2º A anuência de ambos os cônjuges é necessária para os atos, a título gratuito, que impliquem cessão do uso ou gozo dos bens comuns. 

§ 3º Em caso de malversação dos bens, o juiz poderá atribuir a administração a apenas um dos cônjuges. 

Art. 1.664. Os bens da comunhão respondem pelas obrigações contraídas pelo marido ou pela mulher para atender aos encargos da família, às despesas de administração e às decorrentes de imposição legal. 

Sendo assim, as dívidas adquiridas durante o matrimônio sob a comunhão parcial de bens presume-se em benefício da família, a não ser que se prove o contrário. 

Segundo o art. 1.667 do Código Civil regime de comunhão universal importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, com as exceções do artigo seguinte. 

Sobre o tema, ensina Flávio Tartuce: 

Regra básica do regime: comunicam-se tanto os bens anteriores, presentes e posteriores à celebração do casamento, ou seja, há uma comunicação plena nos aquestos, o que inclui as dívidas passivas de ambos (art. 1667 do CC). Com efeito presume-se que os bens encontrados em nome do cônjuge da parte executada são comuns do casal, e, passíveis serem penhorados. 

A possibilidade de penhora dos bens do cônjuge da parte executada não é integral. Existem limites que vão além do regime de bens. 

Resumidamente existem duas hipóteses, a primeira ligada à dívida e a segunda ao bem penhorado: quando a dívida foi contraída na administração dos bens particulares do devedor e em benefício desses (artigo 1.666 do Código Civil); quando o bem penhorado está previsto em algum dos róis dos constantes nos artigos 1.659 e 1.668 do Código Civil

Restando comprovado que o débito foi contraído pela parte executada na administração de seus bens particulares e em benefício destes, ou verificando-se que o bem penhorado se enquadra em alguma das previsões dos artigos 1.659 e 1.668 do Código Civil, afasta-se a possibilidade de penhora para a satisfação da dívida. 

DIREITO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. MEAÇÃO. DÍVIDA CONTRAÍDA PELO CÔNJUGE VARÃO. BENEFÍCIO DA FAMÍLIA. ÔNUS DA PROVA. 

1. Tratando-se de dívida contraída por um dos cônjuges, a regra geral é a de que cabe ao meeiro o ônus da prova de que a dívida não beneficiou a família, haja vista a solidariedade entre o casal. Precedentes. 2. Agravo regimental não provido. 

EXECUÇÃO. PENHORA. MEAÇÃO DA MULHER. DÍVIDA CONTRAÍDA PELO MARIDO. BENEFÍCIO DA FAMÍLIA. ÔNUS DA PROVA. 

A mulher casada responde com sua meação, pela dívida contraída exclusivamente pelo marido, desde que em benefício da família. - Compete ao cônjuge do executado, para excluir da penhora a meação, provar que a dívida não foi contraída em benefício da família. 

O artigo 805 do Código de Processo Civil dispões que a execução seja satisfeita pelo meio menos oneroso ao executado, quando o exequente possui vários meios para concretiza-la. O artigo 835 do Código de Processo Civil regulariza a penhora de bens por uma ordem preferencial no sentido de ser menos gravoso. No artigo ainda consta no artigo 833 um rol de bens impenhoráveis, a fim de, preservar certa qualidade de vida econômica para a parte executada. O artigo 805 do Código de Processo Civil dispõe que a execução deve se dar pelo meio menos gravoso em relação à parte executada, quando o exequente possui diversos meios para concretizá-la. Outrossim, o artigo 835 do Código de Processo Civil estabelece uma ordem preferencial de penhora de bens da parte executada, no mesmo sentido de meio menos gravoso. Por fim, ainda consta no artigo 833, consta um rol de bens impenhoráveis, visando a saúde econômica do executado. 

Diante o exposto podemos ver que o ordenamento jurídico preza a oneração não excessiva ao executado, quanto mais ao seu cônjuge. O procedimento comum deve se valer visando a satisfação do crédito com os bens da parte executada, e se esgotando as possibilidades diligenciar os bens de seu cônjuge, caso a lei disponha. 

Conclui-se que, no regime de separação convencional de bens, não é possível a penhora, já no regime de separação legal de bens, é possível, assim como no regime de comunhão parcial de bens, união estável e, por fim, no regime de comunhão universal de bens. 


REFERÊNCIAS: 

GAGLIANO, P. S.; FILHO, R. P. Novo curso de direito civil: Direito de família. As famílias em perspectiva constitucional, Rodolfo Pamplona Filho. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 371. 

ASSIS, Araken de. Manual da execução. 18 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2016. p. 321 

EREsp 1.623.858-MG, Rel. Min. Lázaro Guimarães Desembargador Convocado do TRF 5ª Região, por unanimidade, julgado em 23/05/2018, DJe 30/05/2018. 

REsp 15.636/RJ, Rel. Ministro FONTES DE ALENCAR, QUARTA TURMA, julgado em 16/02/1993, DJ 12/04/1993, p. 6071 

Manual de Direito Civil. 8ª ed. Editora Método, 2018, p. 1229. 

AgRg no AREsp 427.980/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 18/02/2014, DJe 25/02/2014. 

Zanini Giulia, Dino Vinicius. Penhora de bens do cônjuge da parte executada: uma análise à luz dos regimes de bens. jus.com.br, 04/2020. 



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Bianca Mercatelli. A impenhorabilidade dos bens do cônjuge. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6867, 20 abr. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/97136. Acesso em: 28 mar. 2024.