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Atuações sindicais ilegais e ilegítimas

consequências da falência do sistema sindical brasileiro

Atuações sindicais ilegais e ilegítimas: consequências da falência do sistema sindical brasileiro

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O trabalho analisa a atuação dos sindicatos no Brasil, com ênfase nos lamentáveis casos em que as entidades sindicais atuaram contra os interesses e direitos da categoria profissional respectiva.

I. Considerações iniciais:

O presente trabalho consiste em uma análise da atuação dos sindicatos no Brasil, com ênfase nos lamentáveis casos em que as entidades sindicais atuaram contra os interesses e direitos da categoria profissional respectiva.

Inicialmente foi feita uma pesquisa junto à jurisprudência dos Tribunais pátrios sobre Acordos e Convenções Coletivas de Trabalho que tiveram alguma(s) cláusula(s) questionada(s) quanto a validade e legalidade. Diante desses casos, passamos a analisar o papel dos sindicatos e a atuação destes, que muitas vezes têm contrariado os interesses e direitos que deveriam defender. Analisamos, também, a possível ocorrência de eventuais prejuízos para alguns dos interessados, para a própria categoria ou, ainda, para a sociedade como um todo, de modo que pudesse ensejar uma ação de indenização por dano moral contra os signatários dos referidos instrumentos normativos, ou seja, os próprios sindicatos - obreiro e patronal.

O interesse no tema foi aguçado em razão da triste e infeliz constatação de que os sindicatos, a cada dia que passa, estão mais desinteressados por seus deveres e obrigações sociais e constitucionais.

Isso é, no mínimo, lamentável!

Ora, a Constituição Federal estabelece que cabe aos sindicatos a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria (art. 8°, III), sempre nos termos e em obediência ao que dispõe o ordenamento jurídico. Entretanto, considerando algumas situações que temos vivenciado no cotidiano forense, estamos cada vez mais convencidos de que o sistema sindical brasileiro está falido e necessita ser reformulado, com urgência.

No desenvolver desse trabalho mostraremos e defenderemos as razões e os fundamentos de tal posicionamento.


II. Os Sindicatos na Constituição Federal:

A Constituição Federal, ao tratar dos direitos sociais em seu art. 8°, dá destaque à associação profissional ou sindical, estabelecendo, no inciso III, que "ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas" (destaques acrescidos).

No plano extrajudicial, a atuação dos sindicatos deve ser pautada nos arts. 511 e seguintes da CLT, sendo fundamental a participação nas negociações coletivas e na busca de melhorias para as categorias. Não podemos deixar de lado, também, que os sindicatos devem colaborar com os poderes públicos no desenvolvimento da solidariedade social, manter serviços de assistência judiciária para os associados, promover a conciliação dos dissídios de trabalho, promover a cooperação operacional na empresa e a integração profissional na classe, promover a fundação de cooperativas de consumo e de crédito e, ainda, fundar e manter escolas de alfabetização e pré-vocacionais.

No âmbito judicial, os limites da atuação dos sindicatos eram, até pouco tempo, matéria muito controvertida na doutrina e na jurisprudência.

O Tribunal Superior do Trabalho, interpretando o dispositivo constitucional, editou a Súmula n.° 310 que, no seu inciso I, estabelecia que "o art. 8º, inciso III, da Constituição da República não assegura a substituição processual pelo sindicato". Ainda segundo a Súmula, a legitimidade extraordinária no processo do trabalho só haveria quando Lei específica a estabelecesse.

No entanto, em face da reiterada jurisprudência do e. Supremo Tribunal Federal contrária ao entendimento do c. Tribunal Superior do Trabalho, esse cancelou a citada Súmula, bem como as demais que eram incompatíveis com a jurisprudência da Suprema Corte, o que foi feito por meio da Resolução n.° 119/2003.

Após o cancelamento da Súmula n.° 310, o c. Tribunal Superior do Trabalho ampliou significativamente o entendimento sobre a substituição processual pelo sindicato. Hodiernamente é entendimento pacífico na Justiça do Trabalho que os sindicatos possuem ampla legitimidade extraordinária.

Nesse sentido tem decidido o c. Tribunal Superior do Trabalho, "in verbis":

"SINDICATO. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL AMPLA. ALCANCE DA CATEGORIA PROFISSIONAL. AÇÃO DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA NORMATIVA. INTERPRETAÇÃO DO ART. 872, PARÁGRAFO ÚNICO, DA CLT EM CONFORMIDADE COM O ART. 8º, III, DA CARTA MAGNA – O Supremo Tribunal Federal sinalizou no sentido de que o art. 8º, III, da Constituição da República, ao gizar que ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, admitiria ampla substituição processual pelo sindicato. Nessa esteira, o Tribunal Superior do Trabalho cancelou a sua Súmula nº 310, que espelhava orientação contrária, passando a adotar, a partir de então, a tese de que a substituição processual assegurada ao sindicato pelo art. 8º, III, da Carta Magna é mais ampla, de modo a permitir à entidade sindical a legitimação extraordinária para atuar em nome de toda a categoria profissional, quando em debate interesses individuais homogêneos. Outrossim, considerando o pensamento de abalizada doutrina, no sentido de que a Lei há que ser interpretada de modo a se conformar à Constituição, pode-se afirmar, no caso concreto, que a interpretação do preceito contido no parágrafo único do art. 872 da CLT em conformidade com a norma inscrita no art. 8º, III, da Carta Magna, significa dizer que o sindicato não necessita de procuração dos substituídos para atuar como substituto processual da categoria profissional alcançada pela sentença normativa. Não emerge, pois, da literalidade da norma consolidada, a dicção de que o sindicato está legitimado a substituir processualmente apenas os integrantes da categoria profissional que sejam seus associados. Do contrário, a inconstitucionalidade do preceito celetista emergiria diante da disciplina da matéria pela Constituição da República. Recurso de revista conhecido e provido." (TST – RR 746923 – 4ª T. – Rel. Min. Ives Gandra Martins Filho – DJU 06.08.2004).

Portanto, temos que a substituição processual na Justiça do Trabalho é ampla, sendo desnecessária, inclusive, a autorização e indicação nominal dos substituídos, uma vez que as entidades sindicais defendem os direitos e interesses da categoria, e não apenas dos filiados. Entretanto, alguns Juízes Trabalhistas, ainda influenciados pela já cancelada Súmula n.° 310, exigem a autorização e indicação nominal dos substituídos, confundindo o instituto da substituição processual (legitimidade extraordinária) com a representação. Essa questão também tem sido argüida como preliminar nas contestações.

Pensamos, na esteira do entendimento atual do c. Tribunal Superior do Trabalho, firmado com base nas decisões do e. Supremo Tribunal Federal, que é desnecessária a autorização prévia e a indicação nominal dos interessados para o ingresso do Sindicato em Juízo, na defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos da categoria.

Outra questão importante diz respeito à legitimidade das federações e confederações. O Tribunal Superior do Trabalho, abandonando seu antigo e restritivo entendimento sobre a legitimidade extraordinária, tem entendido que, na ausência de sindicato, a defesa dos direitos e interesses da categoria compete à federação e, na falta desta, à confederação respectiva [01]. Assim, tudo o que for exposto em relação aos sindicatos será, também, plenamente aplicável às federações e confederações.

Registramos, novamente, que a legitimidade extraordinária conferida à entidade sindical é para a defesa dos interesses e direitos de toda a categoria, independentemente de filiação, autorização individual e/ou relação dos substituídos.

Assim sendo, concluímos que cabe aos sindicatos a defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos da categoria profissional, seja judicialmente ou extrajudicialmente.

Em decorrência disso, ao firmar acordos e convenções coletivas a entidade sindical deve ter em foco, sempre, os interesses e os direitos da categoria. Isso, no entanto, não vem sendo muito observado, o que é lamentável.

Feitas essas considerações sobre o papel dos sindicatos, passamos, nesse instante, a analisar as decisões sobre cláusulas de Acordos e de Covenções Coletivas questionadas judicialmente.


III. Redução dos intervalos interjornada e intrajornada:

Encontramos as seguintes decisões sobre ações anulatórias de cláusulas convencionais que estabeleciam a redução do intervalo interjornada e intrajornada, todas proferidas pelo c. Tribunal Superior do Trabalho:

AÇÃO ANULATÓRIA – INTERVALO INTERJORNADA – PORTUÁRIOS – REDUÇÃO – FLEXIBILIZAÇÃO – CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO – 1. Ação Anulatória ajuizada pelo Ministério Público impugnando cláusula de convenção coletiva de trabalho que estipula seis horas de intervalo interjornada para trabalhadores portuários. 2. O intervalo interjornada constitui medida de higiene, saúde - visando a recompor o organismo humano para suportar a continuidade seguinte do esforço - e segurança do empregado, matéria que ostenta dignidade constitucional (art. 7º, inciso XXII, da CF). 3. Por isso, o art. 8º da Lei nº 9.719, de 27 de novembro de 1998, garante aos trabalhadores portuários avulsos o mesmo intervalo interjornada de 11 horas estabelecido para os empregados em geral (art. 66 da CLT), assentando, como regra, a indisponibilidade desse direito. Tal dispositivo admite eventual flexibilização, mediante negociação coletiva, somente em "situações excepcionais", o que descarta a idéia de redução ordinária do intervalo interjornada. 4. Inválida a cláusula coletiva que reduz, de modo genérico e sistemático, o descanso entre duas jornadas dos trabalhadores portuários que laboram continuamente até seis horas, por extrapolar a condição permissiva precisamente delineada na norma heterônoma, derruindo a proteção outorgada por norma legal ao hipossuficiente. 5. Recurso ordinário interposto pelo Ministério Público a que se dá provimento. (TST – ROAA 2122 – SDC – Rel. Min. João Oreste Dalazen – DJU 17.10.2003)

AÇÃO ANULATÓRIA – CONVENÇÃO COLETIVA DO TRABALHO – CLÁUSULA 12ª – INTERVALO INTERJORNADA – A manutenção do intervalo mínimo interjornada encontra respaldo no fato de que o trabalho desenvolvido longamente pode levar à fadiga física e psíquica, o que conduz à insegurança do trabalhador e, considerada a natureza de certas atividades, à insegurança de terceiros e do patrimônio das empresas e do Estado, sendo certo que a redução de acidentes do trabalho está relacionada à capacidade de atenção do trabalhador no serviço. A Constituição Federal de 1988 admite a flexibilização do salário e da jornada dos trabalhadores, desde que garantida a manifestação dos trabalhadores por intermédio de assembléia devidamente convocada. Todavia, em se tratando de normas relacionadas à medicina e segurança do trabalho, estão fora da esfera negocial dos sindicatos, por serem de ordem pública, inderrogáveis pela vontade das partes e revestirem-se de caráter imperativo para a proteção do hipossuficiente, em oposição ao princípio da autonomia. Recurso Ordinário conhecido e provido. (TST – ROAA 789778 – SDC – Red. p/o Ac. Min. Rider Nogueira de Brito – DJU 19.12.2002)

AÇÃO ANULATÓRIA – INTERVALO INTRAJORNADA – REDUÇÃO – FLEXIBILIZAÇÃO – CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO – 1. Ação Anulatória ajuizada pelo Ministério Público impugnando cláusula de convenção coletiva de trabalho. 2. O intervalo mínimo intrajornada constitui medida de higiene, saúde e segurança do empregado, não apenas garantida por norma legal imperativa (CLT, art. 71), como também tutelada constitucionalmente (art. 7º, inc. XXII da CF/88). Comando de ordem pública, é inderrogável pelas partes e infenso mesmo à negociação coletiva: o limite mínimo de uma hora para repouso e/ou refeição somente pode ser reduzido por ato do Ministro do Trabalho (CLT, art. 71, § 3º). 3. O acordo coletivo de trabalho e a convenção coletiva de trabalho, igualmente garantidos pela Constituição Federal como fontes formais do Direito do Trabalho, não se prestam a validar, a pretexto de flexibilização, a supressão ou a diminuição de direitos trabalhistas indisponíveis. A flexibilização das condições de trabalho apenas pode ter lugar em matéria de salário e de jornada de labor, ainda assim desde que isso importe em contrapartida em favor da categoria profissional. 4. Inválida a cláusula de convenção coletiva de trabalho que autoriza a redução para l5 minutos do intervalo mínimo intrajornada para empregados motoristas submetidos a trabalho contínuo superior a seis horas. 5. Recurso Ordinário interposto pelo Sindicato patronal a que se nega provimento. (TST – ROAA 81984 – SDC – Rel. Min. João Oreste Dalazen – DJU 10.10.2003)

Os intervalos interjornada e intrajornada previstos nos arts. 66 e 71, caput e §1°, da CLT [02], respectivamente, não podem ser objeto de negociação coletiva. As normas que disciplinam esses intervalos para descanso, repouso e alimentação são normas imperativas, de ordem pública.

Como consignado nas ementas, referidos intervalos possuem amparo constitucional e caracterizam medida de higiene, saúde e segurança do empregado. Visam recompor as energias do organismo humano para que este suporte a continuidade do esforço, bem como a continuidade da vida.

Além disso, o trabalho desenvolvido longamente leva à fadiga física e psíquica, o que conduz à insegurança do trabalhador e, considerada a natureza de certas atividades, à insegurança de terceiros, do patrimônio das empresas e, inclusive, do Estado. O cansaço do trabalhador decorrente de longas jornadas e/ou jornadas seguidas sem o devido intervalo acarreta a desatenção do mesmo, o que tem ocasionado inúmeros acidentes de trabalho.

Os intervalos interjornada e intrajornada cumprem, ainda, uma função social, na medida em que propiciam a reunião familiar, o lazer, etc. Como lembra Mauricio Goldinho Delgado (2004, p. 931):

"Tais intervalos é que permitem, portanto, que se fale em um trabalhador como ser familiar (integrado a seu núcleo básico de laços de sangue e afetividade), ser social (partícipe de problemas e anseios comunitários), ser político (sujeito das decisões políticas na sociedade e no Estado)."

Constatamos, então, que os intervalos são obrigatórios, refletindo não só no organismo do trabalhador como também na sua vida social, seja no âmbito da sua família, seja no âmbito da sua comunidade. Dessa forma, as cláusulas que diminuem os intervalos são inconstitucionais e inválidas.

O c. Tribunal Superior do Trabalho já editou, inclusive, duas Súmulas e uma Orientação Jurisprudencial sobre a matéria, que assim dispõem:

Súmulas:

N.º 110 - JORNADA DE TRABALHO. INTERVALO

No regime de revezamento, as horas trabalhadas em seguida ao repouso semanal de 24 horas, com prejuízo do intervalo mínimo de 11 horas consecutivas para descanso entre jornadas, devem ser remuneradas como extraordinárias, inclusive com o respectivo adicional.

Nº 118 - JORNADA DE TRABALHO. HORAS EXTRAS

Os intervalos concedidos pelo empregador na jornada de trabalho, não previstos em lei, representam tempo à disposição da empresa, remunerados como serviço extraordinário, se acrescidos ao final da jornada.

Orientação Jurisprudencial:

342. Intervalo Intrajornada para Repouso e Alimentação. Não Concessão ou Redução. Previsão em Norma Coletiva. Validade. É inválida cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada porque este constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública (art. 71 da CLT e art. 7º, XXII, da CF/88), infenso à negociação coletiva.

Nesse contexto, entendemos que a estipulação de cláusulas reduzindo os referidos intervalos pode acarretar danos morais aos trabalhadores, na medida em que eles são privados do convívio familiar por atos ilícitos praticados pelos sindicatos que indevidamente negociam direitos indisponíveis e irrenunciáveis. Em conseqüência, os trabalhadores ficam com menos tempo para acompanhar o crescimento dos filhos, dar assistência ao lar, visitar amigos e familiares, entre outras atividades tão importantes para o ser humano.

Além disso, a redução desses intervalos pode causar doenças físicas e psíquicas, como a LER/DORT, o estresse, entre outras, ensejando a devida reparação, que tanto pode ser moral quanto material [03].

Existe, ainda, a questão da violação de direitos indisponíveis dos trabalhadores, que pode causar, por si só, dano moral, dependendo da situação e da redução imposta aos intervalos.

Portanto, a redução dos intervalos interjornadas e intrajornada é procedimento inconstitucional, ilegal e ilegítimo. Além disso, dependendo do caso, pode causar dano moral e dar ensejo ao ajuizamento de uma ação indenizatória. Não obstante, muitos sindicatos insistem em negociar cláusulas em Acordos e Convenções Coletivas prevendo tal redução, o que demonstra, claramente, o desinteresse e desleixo destes para com os direitos e interesses da categoria.


IV. Extrapolação do limite máximo da jornada:

Sobre a extrapolação do limite máximo da jornada de trabalho, encontramos a seguinte decisão:

AÇÃO ANULATÓRIA – CLÁUSULA DE ACORDO COLETIVO QUE ESTABELECE TURNO DE SERVIÇO DE 48X48 HORAS – EXTRAPOLAÇÃO DO LIMITE MÁXIMO DIÁRIO E SEMANAL – Procedência da ação – Deve ser reconhecida a nulidade de cláusula de acordo coletivo que estabelece turno de serviço de 48x48 horas, violando o disposto no art. 59, § 2º, da CLT, que fixa o limite máximo de 10 horas diárias para a jornada de trabalho, bem como o que preceitua o art. 7º, XIII, da Carta Magna, que prescreve o limite máximo do módulo semanal em 44 horas, ferindo, assim, as garantias mínimas de proteção ao trabalhador, sem atender aos intervalos necessários e adequados ao seu descanso, fato que prejudica sua saúde e integridade física. Ação conhecida e julgada procedente, para anular a clausula 23a do act que alterou as condições de trabalho. (TRT 16ª R. – AA 00059-2003-000-16-00-1 – (3594/2003) – Rel. Juiz Américo Bedê Freire – DJU 25.02.2004)

A imposição de extrapolação do limite constitucional e legal da jornada ao trabalhador tem as mesmas conseqüências analisadas anteriormente em relação à redução do intervalo intrajornada e interjornada, levando, desse modo, às mesmas conclusões.

Podemos acrescentar, no particular, que a efetiva exigência pelo empregador do labor além da jornada constitucional e legal, como no caso do julgado citado (48 horas), por si só causa danos ao trabalhador, pois, no mínimo, compromete o seu relógio biológico. Cabível, então, uma ação de indenização por danos morais.

Também é válido destacar que há sindicatos que negociam tais cláusulas, o que reforça a tese de que estão, a cada dia que passa, mais desinteressados em defender os direitos e interesses da categoria.


V. Discriminação na contratação:

O e. Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região apreciou recentemente uma ação anulatória bem interessante. Trata-se da Ação Anulatória n.° 00560-2004-000-08-00-2, ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho contra o Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Construção Leve e Pesada e do Mobiliário de Parauapebas, Canaã dos Carajás, Curionópolis e Água Azul do Norte – SINTICLEPEMP.

Analisaremos, a seguir, partes da ação, mais precisamente aquelas que tratam das cláusulas que previam critérios de "preferências" na contratação.

Entre outras cláusulas, estavam sendo impugnadas as seguintes:

CLÁUSULA DÉCIMA QUINTA - RECRUTAMENTO E CONTRATAÇÃO

No recrutamento e na contratação serão obedecidas as seguintes normas, no tocante a:

15.1 – Recrutamento – A empresa dará preferência ao trabalho sindicalizado, encaminhados através das agências de colocação mantidas pelas entidades indicais demandantes, com base territorial na área, nos termos inciso 1º do art. 544 da CLT e assegurado ao trabalhador contratado pela empresa fora do local de prestação de serviço transporte condigno, pousada e alimentação, desde o momento em que forem contratados no local de origem, sem qualquer ônus para o trabalhador não sendo os valores correspondentes incorporados aos salários;

15.2- A empresa se compromete a dar preferência à contratação de mão-de-obra local, desde que atenda aos pré-requisitos necessários para as funções, exigidas pela empresa no que concerne a capacitação e o processo seletivo das empresas;

O Tribunal concluiu pela nulidade da primeira (15.1) e pela validade da segunda (15.2).

Os fundamentos para considerar nula a primeira (15.1) foram os seguintes:

Ao assim estabelecer preferência ao trabalhador sindicalizado – obviamente, em detrimento do trabalhador não sindicalizado – a cláusula viola a liberdade sindical assegurada no artigo 8º da Constituição da República, porque impõe claramente uma discriminação negativa entre trabalhadores pelo simples fato de não ser sindicalizado. Essa condição, além de não ser razoável – porque impõe uma desvantagem ao trabalhador que exerce seu direito à liberdade sindical negativa –, é também injustificada porque não se assenta em um critério equânime de igualar uma desigualdade, sendo vinculada a interesse tipicamente corporativo. A leitura e interpretação mais atual da Consolidação das Leis do Trabalho não comportam inspiração corporativa. A propósito, o único redator sobrevivente da Consolidação, o respeitadíssimo Arnaldo Süssekind, não se cansa de negar, com toda ênfase, até mesmo uma alegada inspiração corporativa da legislação trabalhista brasileira.

Cláusulas dessa natureza, que estabelecem preferências – seja para admissão ou contratação – de trabalhadores sindicalizados, conhecidas na literatura como preferencial shop, violam direta e abertamente a liberdade sindical negativa, pois pretendem obrigar os trabalhadores a filiar-se aos sindicatos para assim ter acesso ao mercado de trabalho, que é livre a todos, respeitadas apenas as condições importas por lei às profissões regulamentadas (art. 5°, XIII, da Constituição da República).

Por tais fundamentos, declara-se a nulidade da seção secundária 15.1 da cláusula décima quinta do acordo coletivo de trabalho (folha 12), com efeitos retroativos (ex tunc).

Em face da aplicação dessa cláusula, de nulidade manifesta, alguns trabalhadores podem ter sido preteridos e, desse modo, discriminados injustamente, o que pode ter causado dano moral.

Se o fundamento para a negativa de contratação foi única e exclusivamente à não filiação do trabalhador ao sindicato respectivo, é evidente o dano moral, pois esse está sendo privando de um bem altamente valioso nos dias atuais, que é o trabalho/emprego, de forma inconstitucional e sem qualquer razoabilidade.

Além disso, pode ter comprometido o sustento próprio e de sua família por uma cláusula abusiva e inconstitucional, o que se mostra inaceitável e, sem dúvida, causa dano moral. Assim, possível o ajuizamento da ação de indenização nessa hipótese.

Mais uma vez estamos diante de uma atuação lamentável da entidade sindical, que subordina a oferta de empregos à filiação dos trabalhadores.

Já em relação à segunda (15.2), o Tribunal concluiu pela sua validade com base nos seguintes fundamentos:

O princípio da isonomia impede tratamento discriminatório, exigindo que os iguais sejam tratados com igualdade e os desiguais com desigualdade. Por isso mesmo têm sido admitidos, com vigor cada vez maior, as assim chamadas discriminações positivas – certas medidas que o Estado pode adotar e que visam compensar a discriminação generalizada e histórica sofrida por determinados grupos (...), medidas [que] são adotadas em caráter temporário, até que as condições básicas dos vários grupos estejam equilibradas, de modo a permitir a justa competição pelas oportunidades – e suas correspondentes ações afirmativas – estratégia de política social ou institucional voltada para alcançar a igualdade de oportunidades entre as pessoas, distinguindo e beneficiando grupos afetados por mecanismos discriminatórios com ações empreendidas em um tempo determinado, com o objetivo de alterar positivamente a situação de desvantagem desses grupos –, das quais as mais conhecidas são as cotas.

Assim, nem toda discriminação é ilegal, inconstitucional ou inaceitável. Algumas delas são consagradas no próprio texto constitucional. Quando o legislador constituinte inscreveu entre os objetivos fundamentais da República a redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3º, II, da Constituição da República) e criou, no âmbito da Administração Pública, as Regiões (art. 43), impôs ao legislador infraconstitucional – e, por extensão, a todos os operadores do direito – a obrigação de favorecer as regiões desfavorecidas com um tratamento discriminatório positivo, pela via de incentivos regionais. Nessa mesma direção e sentido é a discriminação positiva em favor das empresas de pequeno porte (art. 170, IX, da Constituição da República).

Um dos mais graves problemas do desenvolvimento regional e local é exatamente a ausência de efeitos positivos para os habitantes das regiões onde se instalam grandes projetos, e esse é precisamente o caso dos Municípios da área de abrangência do sindicato, em especial o de Parauapebas, no Estado do Pará, um dos que integram a Província Mineral de Carajás, uma das maiores do planeta. Discriminar positivamente as populações locais significa também lhe garantir acesso aos empregos – que não são muitos – gerados no Projeto Carajás e seu entorno. Note-se que, nos termos em que está redigida a cláusula (folhas 12), a preferência pela mão-de-obra local é apenas um critério de desempate, a ser aplicado depois de atendidos os pré-requisitos necessários para a função (sic, folhas 12, cláusula décima quinta, 15.1). Isto é, estando dois trabalhadores concorrendo a uma mesma vaga, dando-lhes igual oportunidade no tocante ao atendimento desses pré-requisitos, dar-se-á preferência àquele que morar no local.

A discriminação, nessas circunstâncias, será discriminação positiva, tanto quanto o são as cotas raciais, por exemplo, ou tantas outras das assim chamadas ações afirmativas em favor de grupos sociais minoritários ou tradicionalmente discriminados (pessoas portadoras de necessidades especiais, idosos, crianças, jovens, indígenas, mulheres, trabalhadores com menor formação etc). Em rigor, a cláusula veicula um critério de desempate de conteúdo discriminatório positivo, o que é inteiramente aceitável, pelas circunstâncias e peculiaridades regionais atuais.

A discriminação positiva estipulada no acordo coletivo guarda semelhança, portanto, com tantas outras estipuladas no texto constitucional e na legislação infraconstitucional, de que são exemplos o tratamento favorecido aos portadores de necessidades especiais, no Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis da União (art. 5º, §2º, da Lei nº 8.112/90) e na Lei das Licitações e Contratos da Administração Pública (art. 24, XX, da Lei nº 8.666/93), bem como às mulheres, na legislação eleitoral e partidária (Leis nos 9.100/95 e 9.504/97). Essas leis, tanto quanto o acordo coletivo, estão em harmonia e guardam congruência jurídica com o texto constitucional, pelo que é possível extrair, neste passo, uma conclusão intermediária, qual seja, a constitucionalidade da discriminação positiva e das ações afirmativas.

Algumas dessas leis resultam exatamente da aplicação da Convenção nº 111 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil em 1965, cuja implementação resultou no Programa Brasil, Gênero e Raça, como bem o esclarece a Juíza do Trabalho Dorotéia Silva de Azevedo.

E bem a propósito, como relembra TRINDADE, citando CARMEM LÚCIA ANTUNES ROCHA, a primeira ordem executiva federal que concretizou a ação afirmativa nos Estados Unidos, em 1965, determinava que as empresas empreiteiras contratadas pelas entidades públicas ficavam obrigadas a uma ‘ação afirmativa’ para aumentar a contratação dos grupos minoritários da população (Cf. CARMEM LÚCIA ANTUNES ROCHA, ob. cit., p. 87). Os trabalhadores que vivem – ou tentam fazê-lo – no entorno do Projeto Carajás formam, exatamente, um desses grupos minoritários da população, aos quais, via de regra, se lhes nega acesso aos escassos empregos ali gerados pela extração de minérios.

O momento atual é de expansão de tais ações afirmativas, para alcançar outros grupos sociais, inclusive – por exemplo – pessoas obesas, objeto de uma das teses aprovadas no recentíssimo 12º Congresso Nacional de Magistrados da Justiça do Trabalho – CONAMAT.

Assim, ao contrário do que sustenta o autor, essa cláusula está em inteira harmonia com os princípios e preceitos constitucionais, inclusive o da isonomia, pois é isso o que se busca tratando desigualmente os desiguais. Trata-se, enfim, de ações afirmativas em busca de igualdade, e não o seu contrário, como pareceu ao Ministério Público.

Em suma, não é nula a cláusula de norma coletiva que, assegurando a igualdade de oportunidade e o tratamento desigual aos desiguais, estabelece discriminação positiva em favor da mão-de-obra local, por ocasião de recrutamento de trabalhadores em área amazônica sob a influência de grandes projetos.

Concordamos com a tese apresentada pelo Tribunal, uma vez que a cláusula prevê critério razoável e proporcional aos fins almejados. Entretanto, o fato de o Tribunal ter considerado a clausula válida não impede que algum trabalhador que tenha se sentido preterido e discriminado em face da sua aplicação ajuíze a competente ação de indenização por dano moral, tendo em vista que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito" (art. 5°, XXXV, da CF). Nesse caso, os argumentos apresentados em relação à cláusula anterior também poderão ser usados em favor do trabalhador.

No tocante a segunda cláusula, cumpre alertar que a sua inserção em negociações coletivas deve ser feita com bastante cautela e prudência, observando os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, bem como a realidade local, sob pena de nulidade.


VI. Redução da garantia de emprego da gestante:

Em relação à redução da garantia de emprego da gestante, encontramos o seguinte julgado, "in verbis":

AÇÃO ANULATÓRIA – CLÁUSULA DE CONVENÇÃO COLETIVA – GARANTIAS CONSTITUCIONAIS – OBSERVÂNCIA – NECESSIDADE – 1. A autodeterminação coletiva tem como limite as garantias mínimas estabelecidas na Constituição Federal, as quais, inclusive, se constituem em cláusulas pétreas, ex VI do art. 60, § 4º, IV, da Carta da República. 2. As convenções e acordos coletivos só podem reduzir direitos constitucionais nas hipóteses autorizadas pela própria Constituição Federal, como é o caso da "irredutibilidade salarial". 3. O prazo da garantia de emprego da gestante encontra-se expressamente fixado na Constituição da República e não pode ser reduzido por negociação coletiva, seja porque a Lei Maior não autoriza tal negociação, seja porque a regra objetiva assegurar higidez física e mental da obreira e do nascituro, não retratando direito disponível. 4. Precedente específico do Supremo Tribunal Federal. 5. Ação anulatória julgada procedente. (TRT 24ª R. – AD 0038/2003-000-24-00-2 – Rel. Juiz Amaury Rodrigues Pinto Júnior – J. 29.10.2003)

O artigo 10, inciso II, alínea "b", do ADCT estabelece que:

Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o artigo 7º, I, da Constituição:

(...)

II - fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa:

(...)

b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.

A garantia de emprego (ou estabilidade provisória) assegurada à gestante pelo dispositivo não pode ser objeto de negociação coletiva. É, portanto, imperativa e de ordem pública.

Conforme consta na ementa do julgado, "o prazo dessa garantia de emprego encontra-se expressamente fixado na Constituição da República e não pode ser reduzido por negociação coletiva, seja porque a Lei Maior não autoriza tal negociação, seja porque a regra objetiva assegurar higidez física e mental da obreira e do nascituro, não retratando direito disponível".

Desse modo, considerando que essa estabilidade no emprego visa a tutela do nascituro e à proteção da maternidade (não apenas da mulher empregada), é evidente que a sua redução por norma coletiva pode causar dano moral.

Uma hipótese de dano moral seria a dispensa da empregada antes de completar cinco meses do parto, usando o empregador como fundamento uma cláusula de norma coletiva (acordo ou convenção) assegurando a redução do período de estabilidade.

Nesse período (5 meses após o parto), é bom registrar, a empregada encontra-se um pouco debilitada física e psicologicamente, o que dificultará muito a procura de um novo emprego. Além disso, nesse período a criança precisa ser amamentada e não é aconselhável que seja submetida a situações de stress (que fatalmente decorre do desemprego).

Assim, ocorrendo a dispensa da empregada e estando a mesma um pouco debilitada para procurar e conseguir um novo emprego, é evidente e presumida a dor psicológica que a mesma sofrerá, pois poderá ser privada de recursos suficientes para dar o adequado tratamento ao seu filho (remédio, alimentação, higiene, etc.), bem como dar o carinho necessário.

Nessa hipótese também poderá existir o dano moral e o ajuizamento da ação indenizatória.


VII. Outros casos de atuação sindical reprovável e lamentável vivenciadas no cotidiano forense:

No cotidiano forense temos vivenciado algumas situações intrigantes e lamentáveis, em que as entidades sindicais, que deveriam atuar em prol dos interesses da categoria e de seus membros, têm atuado de forma contrária a estes.

Apresentaremos algumas.

VII.a. Demissões em razão da intransigência do sindicato:

Recentemente analisamos uma ação trabalhista ajuizada por um sindicato, em que se pleiteava a reintegração de alguns empregados demitidos. Alegava-se que as demissões eram ilegais porque fruto da tentativa da empresa de reduzir os salários daqueles. Alegava-se, também, que seriam contratados outros empregados, para as mesmas funções, com salários mais baixos.

Analisando o caso, não verificamos qualquer plausibilidade do pleito.

A controvérsia analisada consistia, basicamente, na possibilidade ou não da dispensa de empregados visando uma eventual contratação de outros com salários menores.

Considerando as normas e princípios do Direito do Trabalho vigentes em nosso ordenamento jurídico, entendemos que a resilição contratual imotivada, ou seja, a terminação do contrato de trabalho por vontade dos contratantes, seja bilateral ou unilateral, sem indicação do motivo e também sem que qualquer das partes tenha cometido falta, é procedimento lícito e faculdade atribuída às mesmas, considerando a liberdade individual do empregado e a dinâmica do empreendimento.

Assim, ambas as partes do contrato de emprego (empregado e empregador) podem pleitear a resilição do contrato, haja vista o direito-poder de denúncia. Trata-se, como lembra José Augusto Rodrigues Pinto (Curso de Direito Individual do Trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, p. 514), de um direito-poder que dá ilimitada potestade ao contratante para extinguir o vínculo, seja ele empregado ou empregador. No caso de resilição contratual devem ser observadas algumas formalidades legais, tais como o aviso prévio e o depósito da multa de 40% do FGTS (este caso a iniciativa seja do empregador).

No caso específico, a empresa, por problemas e dificuldades financeiras, tentou reduzir a remuneração dos empregados por meio de negociação coletiva (acordo coletivo), visando a manutenção dos respectivos postos de trabalho, o que não foi aceito pelo sindicato obreiro, embora todos os empregados diretamente interessados tivessem anuído expressamente com a proposta. Restou cabalmente provado nos autos as várias propostas e insistentes tentativas da empresa visando, como dito, a redução da remuneração dos empregados por meio de negociação coletiva, mas oferecendo, em contrapartida, a manutenção dos respectivos postos de trabalho.

Além disso, no caso específico, a decisão do sindicato obreiro de não aceitar qualquer acordo de redução de salário em toda e qualquer negociação coletiva da categoria era de legitimidade, no mínimo, duvidosa, pois foi tomada por 7 votos a favor e 6 contra, demonstrando em nível proporcional, pelo menos, que significativa parcela da categoria concordava com a mesma. Em nível real, demonstra que uma decisão do interesse de centenas de empregados foi tomada por apenas 13 pessoas, provavelmente sem qualquer consulta às bases e aos reais interessados, que, no caso, concordavam com tal negociação.

No particular, é válido acrescentarmos que negociação como esta tem ocorrido com bastante freqüência nos dias de hoje, considerando a evolução da sociedade, a adoção do modelo capitalista de produção, a atual conjuntura política, social e econômica, a explosão tecnológica, a globalização (com a reformulação geográfica e econômica do mundo), entre outros fatores.

Diante de uma crise do mercado, grande empresas, entre as quais se incluem as grandes montadoras de automóveis, juntamente com os empregados e o sindicato dos trabalhadores, têm optado pela redução dos salários em troca da manutenção dos postos de emprego por um determinado período, procedimento que não conflita em nada com o ordenamento jurídico pátrio. Ao contrário, a negociação coletiva permite que se dê uma atenção maior às particularidades e peculiaridades de cada setor econômico e profissional, tudo com ênfase e preponderância do interesse da coletividade.

Não obstante essas considerações, a própria Constituição Federal autoriza expressamente o tipo de negociação pretendida pela empresa, ao estabelecer que:

"Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;

XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;"

Assim, considerando que as demissões foram implementadas sem justa causa e com fundamento no direito-poder de denúncia da empresa (direito potestativo), bem como que esta efetuou o pagamento das verbas rescisórias, inclusive do aviso prévio e da multa de 40% do FGTS, não vislumbramos qualquer ilegalidade nesse procedimento, que se insere, como dito, na dinâmica empresarial.

A conduta da empresa, embora não deva ser considerada louvável, é, até certo ponto, respeitável, honesta e proba, pois a mesma adotou medidas visando evitar um futuro atraso ou um possível inadimplemento salarial, o que, com certeza, prejudicaria muito mais os empregados. Registramos, ainda, que procedimento como o adotado pela empresa, que procurou o diálogo com os empregados e o sindicato obreiro, mostrou sua situação econômica e financeira, apresentou propostas visando a manutenção dos postos de trabalho, não tem sido comum hodiernamente, quando as empresas preferem sonegar ao máximo direitos trabalhistas, ficando, em alguns casos, meses sem pagar o salário dos empregados.

Por essas razões, julgamos improcedente o pedido de declaração de nulidade das dispensas.

Neste caso específico, pensamos que a demissão decorreu exclusivamente da intransigência do sindicato obreiro, pois os empregados diretamente interessados anuíram expressamente com a proposta da empresa.

Outrossim, pensamos que se os empregados demitidos sofreram algum dano moral, provavelmente foi por causa da intransigência do sindicato, em "negar por negar" as propostas da empresa, mesmo ciente da situação econômica e financeira desta e a anuência expressa dos empregados interessados com a proposta.

Ora, a conduta do sindicato, que, como dito, se opôs sem qualquer fundamento plausível e razoável à negociação coletiva, acarretou na demissão de alguns empregados, o que gerou uma situação constrangedora, delicada e difícil diante do atual panorama social e econômico brasileiro.

É indiscutível que o emprego, a cada dia que passa, tem se tornado um bem muito valioso e bastante procurado e cobiçado, mas, por outro lado, está ficando muito escasso. Os postos de emprego estão passando por um acelerado processo de extinção e precarização, tendo em vista a injusta e anti-social doutrina da flexibilização dos direitos trabalhistas.

Desse modo, caso os empregados demitidos tenham sofrido danos morais, pensamos que podem e devem acionar o sindicato em busca da devida reparação, pois este foi o culpado pelas demissões, uma vez que se mostrou intransigente e contrariou os interesses de parte da categoria interessada na questão.

No caso, e embora a obrigação e o dever do sindicato fosse a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, verificamos que o mesmo atuou de forma contrária, sendo intransigente nas negociações e contrariando os interesses dos empregados, embora, repetimos, fosse sua obrigação defendê-los.

VII.b. Oposição à conciliação em razão dos honorários advocatícios:

Em um outro "episódio", um sindicato, então "assistente" do reclamante, mostrou-se contrário à celebração do acordo, que era bastante favorável ao empregado, única e exclusivamente pelo fato de a empresa não concordar em pagar os honorários advocatícios sindicais pleiteados.

Isso mesmo!

O reclamante concordou com a proposta de acordo apresentada pela empresa, mas o sindicato foi contra e o advogado deste afirmou, taxativamente, que só fazia o acordo se fossem pagos os honorários advocatícios sindicais. E o acordo, cumpre reiterarmos, era bastante razoável e favorável ao reclamante.

Diante desse quadro, ficamos diante do seguinte dilema: como resolver a situação do reclamante que anuiu com a proposta de acordo, mas o sindicato, então assistente, era contra?

A saída encontrada, que reputamos mais justa, equânime e conforme as disposições legais, foi pela homologação do acordo, com ressalva expressa de que nada era devido a título de honorários advocatícios sindicais, posto que, no caso, o advogado e o sindicato não atuaram na defesa dos interesses do reclamante, mas contra esses.

Ora, é dever e obrigação dos sindicatos a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria (art. 8°, III, da CF). Além disso, prestar assistência aos integrantes da categoria, inclusive assistência judiciária, e promover a conciliação nos dissídios de trabalho também são deveres e obrigações dos sindicatos (art. 514 da CLT).

Acontece, no entanto, que as entidades sindicais parecem estar se esquecendo essas atribuições, o que é lamentável e exige uma reformulação do modelo sindical brasileiro.

VII.c. Greve com inobservância das disposições legais aplicáveis:

Também temos verificado, com uma certa freqüência, a deflagração de greves sem a observância das respectivas disposições legais, o que torna o movimento ilegal e ilegítimo sob o aspecto formal.

É, no mínimo, inadmissível que uma entidade sindical, voltada para a defesa dos interesses da categoria, atue à margem da lei na deflagração de uma greve, até porque o movimento paredista é, ainda hoje, uma das principais formas de pressão e atuação dos sindicatos.

Ora, se entre as atribuições dos sindicatos está a negociação coletiva e, se frustrada esta, a deflagração de greve, como admitir que estes não cumpram os preceitos legais? Qual o motivo para a inobservância da lei? Será o desconhecimento desta?

Lamentavelmente, o motivo é, de fato, o total desconhecimento e a falta de preparo dos representantes e dirigentes sindicais, aliado à precária assessoria jurídica. Aliado a isso, temos como pública e notória a intenção/pretensão de muitos representantes e dirigentes sindicais quando ingressam nesse mister: a política partidária. Basta uma rápida análise do cenário político pátrio para se chegar a essa conclusão. Boa parte dos políticos (seja Presidente da República, Governadores, Deputados Estaduais e Federais, Senadores, Ministros, Secretários, Prefeitos, Vereadores, etc.) ingressaram na vida pública e na política partidária através dos sindicatos, federações e confederações. Isso, no nosso entender, desvirtua um pouco a atuação sindical, restando a mesma comprometida e, até certo ponto, vinculada a interesses particulares dos dirigentes que pensam, em primeiro lugar, nas suas pretensões políticas pessoais.

Sendo assim, consideramos imoral e absurdo o fato de um sindicato deflagrar um movimento grevista sem a observância das disposições legais que regem a matéria.

VII.d. Ajuizamento de Ações de Cumprimento e de Reclamações Trabalhistas sem o mínimo de consistência:

Outro caso que, infelizmente, também temos analisado com freqüência é o de ajuizamento de Ações de Cumprimento e de Reclamações Trabalhistas sem o mínimo de consistência.

Alguns sindicatos, provavelmente para mostrar serviço aos filiados e à categoria, têm ajuizado ações de cumprimento e reclamações trabalhistas alegando a inobservância de disposições de acordos coletivos, convenções coletivas ou sentenças normativas. Entretanto, nada provam! Sequer indicam um caso específico em que houve a violação do direito. Fazem alegações "em tese e em abstrato". Em síntese, "alegam, por alegar".

Na audiência, a empresa geralmente apresenta defesa e nega o fato, apresentando prova documental que corrobora suas alegações.

Diante desse quadro, temos indagado aos representantes dos sindicatos o que motivou o ajuizamento da ação, ocasião em que os mesmos ficam sem resposta, pois não têm o mínimo conhecimento da situação real dos empregados nas empresas abrangidas pela categoria profissional. Também perguntamos se os representantes dos sindicatos podem citar um caso que se enquadra na hipótese relatada na petição inicial, ocasião em que, geralmente, os mesmos afirmam que precisam de um prazo para a análise.

Ora, não obstante o direito de ação ser amplo, pensamos que deve ser exercido de forma responsável e, sempre, com base em dados e fatos concretos, e não com suposições, até porque a movimentação da máquina do Poder Judiciário é bastante dispendiosa. Com esses fundamentos, indeferimos os pedidos de prazo para análise da situação concreta e julgamos improcedentes os pedidos formulados nas ações ajuizadas sem o mínimo de consistência.

Nesses casos, entendemos que a atuação sindical é irresponsável e ilegítima, podendo comprometer a própria empregabilidade da respectiva categoria. Diante de insistentes investidas infundadas dos sindicatos, as empresas podem optar pela mecanização da produção, pela mudança da área de atuação, pela mudança de localização geográfica, entre outras estratégias empresariais, o que pode gerar desemprego e ser bastante danoso para a categoria.


VIII. Considerações finais:

Tendo em vista as situações narradas, bem como outras vivenciadas no cotidiano forense, estamos cada vez mais convencidos de que o sistema sindical brasileiro está falido e necessita ser reformulado, com urgência!

Os sindicatos estão, cada vez mais, atuando contra os interesses dos empregados que, em tese, deveriam defender.

Isso é uma atitude lamentável e, até certo ponto, irresponsável, tendo em vista que os sindicatos devem defender os direitos e os interesses da categoria profissional.


IX. Referências:

DELGADO, Maurício Goldinho. Curso de direito do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2004.

PINTO, José Augusto Rodrigues. Curso de Direito Individual do Trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2006.

Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região. INTERNET. Disponível no site <www.trt8.gov.br>. Acesso em 26 de março de 2007.

Tribunal Regional do Trabalho da 16ª Região. INTERNET. Disponível no site <www.trt16.gov.br>. Acesso em 26 de março de 2007.

Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região. INTERNET. Disponível no site <www.trt24.gov.br>. Acesso em 26 de março de 2007.

Tribunal Superior do Trabalho. INTERNET. Disponível no site <www.tst.gov.br>. Acesso em 26 de março de 2007.


X. Notas

01 Nesse sentido: "RECURSO DE REVISTA. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. FEDERAÇÃO. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. ABRANGÊNCIA. Com o cancelamento da Súmula n.º 310 pela Resolução n.º 119/2003, passou a preponderar, no âmbito deste Tribunal, o entendimento de que o artigo 8º, inciso III, da Constituição Federal atribui ao sindicato a qualidade de substituto processual da respectiva categoria profissional, independentemente de previsão específica em lei ordinária. Ademais, muito embora o citado artigo 8º, inciso III faça referência apenas ao sindicato, é indene de dúvida que a federação pode atuar como substituta processual da categoria profissional, se esta não estiver organizada em sindicato. Segue-se, portanto, que a rejeição da preliminar de ilegitimidade ativa ad causam não representou menoscabo ao disposto nos artigos 6º do CPC, 5º, inciso II e 8º, incisos III e V, da CF/1988. Quanto ao artigo 195, parágrafo 2º, da CLT, tal preceito, na parte em que estabelece que a substituição processual, nas demandas que versem sobre insalubridade, alcança apenas os associados do sindicato, foi revogado pelo artigo 8º, inciso III, da CF/1988, o qual, como visto, estendeu a abrangência da substituição processual sindical a toda a categoria. Recurso de revista não conhecido. (...)" (TST – 1ª Turma – RR-510.071/1998.5, Rel. Juiz Convocado Altino Pedrozo dos Santos – DJ 27/05/2005).

02 Art. 66. Entre duas jornadas de trabalho haverá um período mínimo de onze horas consecutivas para descanso. (...) Art. 71. Em qualquer trabalho contínuo, cuja duração exceda de seis horas, é obrigatória a concessão de um intervalo para repouso ou alimentação, o qual será, no mínimo, de uma hora e, salvo acordo escrito ou convenção coletiva em contrário, não poderá exceder de duas horas. § 1º. Não excedendo de seis horas o trabalho, será, entretanto, obrigatório um intervalo de quinze minutos quando a duração ultrapassar quatro horas.

03 Em relação à redução do intevalo intrajornada, e tendo em vista o disposto no art. 71, § 4º, da CLT e nas Orientações Jurisprudenciais n.º 307 e 342 da SDI-1 do c. Tribunal Superior do Trabalho, entendemos que qualquer supressão no intervalo intrajornada implica o pagamento total do período correspondente, acrescido de no mínimo 50%, e não apenas do tempo trabalhado antes da integralização do intervalo. Pensamos que não se trata de pagamento de horas extraordinárias, mas de uma indenização pela supressão do intervalo intrajornada. São, pois, dois institutos distintos. É válido consignar que há entendimento no sentido de que não se trata de indenização, e sim de horas extras, tendo em vista que o adicional previsto no art. 71, §4º, da CLT é semelhante ao das horas extras. Esse, no entanto, não é o nosso entendimento, tendo em vista que são institutos distintos que geram conseqüências distintas. A supressão do intervalo intrajornada pode implicar, ou não, em jornada extraordinária. Situação semelhante à supressão do intervalo intrajornada ocorre com o instituto das férias indenizadas, onde o empregado deveria ter descansado, mas por alguma circunstância não o fez. Assim, deve ser indenizado pela supressão das férias. Explico mais detalhadamente. Se o empregado laborar 8hs diárias sem intervalo, não restará caracterizada uma jornada extraordinária, pois laborou as 8hs permitidas pela legislação vigente; no entanto, esse empregado não teve o intervalo intrajornada, o que pode causar prejuízos e danos à sua saúde física e psíquica. Por essa razão, deve ser indenizado pela supressão do intervalo intrajornada. Nesse contexto, vale repetir, não houve jornada extraordinária. Noutro caso, pode haver a supressão parcial do intervalo intrajornada e o labor em jornada extraordinária. Por exemplo, o empregado labora das 8h às 17h, com intervalo de apenas 30min. A jornada efetivamente laborada é de 8h30min, pelo que é devido, como "hora extra" 30min. Em relação ao intervalo, só foi concedido 30min, embora o empregado fizesse jus a 1 hora, pelo que o mesmo deve receber, como verba indenizatória, o valor de 1 hora de trabalho acrescida de 50%. Nesse segundo caso, o empregado foi duplamente prejudicado, já que trabalhou em jornada superior à normal e não gozou do descanso intrajornada, a fim de que pudesse repousar e se alimentar.


Autor

  • Adriano Mesquita Dantas

    Adriano Mesquita Dantas

    Juiz Federal do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região/PB, Professor Universitário e Presidente da Amatra13 - Associação dos Magistrados do Trabalho da 13ª Região. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Pós-Graduado em Direito do Trabalho e em Direito Processual Civil pela Universidade Potiguar (UnP). Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino (UMSA). Foi Agente Administrativo do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte, Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região/RN, Advogado, Advogado da União e Diretor de Prerrogativas e Assuntos Legislativos da Amatra13 - Associação dos Magistrados do Trabalho da 13ª Região.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DANTAS, Adriano Mesquita. Atuações sindicais ilegais e ilegítimas: consequências da falência do sistema sindical brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1381, 13 abr. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9737. Acesso em: 29 mar. 2024.