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Conhecendo a Polícia Legislativa Federal

Conhecendo a Polícia Legislativa Federal

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Depois de quarenta anos que o Supremo Tribunal Federal, através da Súmula 397, reconheceu o Poder de Polícia da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, ainda hoje, boa parte da população brasileira desconhece e questiona a existência de uma Polícia da Câmara dos Deputados. No bojo da discussão, cogita-se de que a polícia, como órgão integrante da segurança pública, historicamente, esteve ligada ao Poder Executivo. E assim, indagam como conceber uma polícia legislativa integrada à estrutura administrativa da Câmara dos Deputados, com poderes semelhantes aos das Polícias Civis, Militares e Federal? Numa tentativa de minimizar os efeitos da questão, algumas luzes são aqui apresentadas, estimulando um debate mais aprofundado, com vistas à formulação de princípios que venham consolidar, em todos os aspectos, a legitimidade da Polícia Legislativa Federal na manutenção da ordem pública no âmbito da Câmara dos Deputados.

Num enfoque jurídico-político, a legitimidade da Polícia Legislativa já se encontra consolidada. A sua origem, no Brasil, está associada à autonomia do Parlamento, tendo a Constituição do Império de 1824(art. 21) disposto sobre a matéria. Na atual Constituição, o constituinte originário manteve, no artigo 51, IV, a competência privativa da Câmara dos Deputados para dispor sobre sua Polícia. Essa prerrogativa, conferida à Câmara dos Deputados bem como ao Senado Federal, decorre da independência do Legislativo enquanto Poder do Estado. A mesma prerrogativa também é prevista às Assembléias Legislativas dos Estados e do Distrito Federal, como informam os artigos 27,§3º e 32,§3º, da CF/88. É indubitável que o espaço físico, reservado ao exercício das prerrogativas e atividades institucionais de cada Poder, esteja sujeito, exclusivamente, à administração do Poder competente. Não se trata de um corporativismo, mas de uma competência que é imanente à autonomia e à independência de que gozam todos os Poderes do Estado.

Tendo por finalidade precípua a execução das leis em benefício da coletividade, o Poder Executivo detém uma estrutura administrativa bem mais ampla do que os demais Poderes, razão por que se compreende que a polícia, historicamente, sempre esteve integrada ao Executivo, como órgão responsável pela manutenção da ordem pública, mas isso não impede que os demais Poderes zelem pela ordem pública no âmbito de sua autonomia administrativa de modo diverso.

Além disso, a criminalidade crescente reclama medidas urgentes de prevenção e repressão de modo que o Estado deve sempre buscar todos os meios juridicamente admissíveis para zelar pela preservação da ordem pública em qualquer lugar onde a sociedade se manifestar, seja nas ruas, nos logradouros urbanos ou rurais, seja nos estádios ou no âmbito das repartições públicas. A segurança pública é, pois, um direito de todos e dever do Estado. E o Estado não é apenas o Poder Executivo, também compõe-se do Legislativo e do Judiciário, de modo que devem atuar, em mútua cooperação, sem que o princípio da harmonia e da independência entre eles sofra qualquer arranhão.

Observa-se, portanto, que o poder de polícia não pertence exclusivamente a um único Poder. Ele pertence ao Estado para atender ao interesse público. Integra, na verdade, os poderes da Administração Pública que se fazem presentes em toda a organização administrativa dos Poderes do Estado. Nesse sentido, é pertinente mencionar a previsão do parágrafo único, do art. 4º, do Código de Processo Penal, que assegura à autoridade administrativa a competência, quando definida em lei, de apurar as infrações penais e sua autoria. Entendeu aí o Legislador que o crime atenta contra a paz social em qualquer lugar, podendo, inclusive, afetar os serviços públicos, de modo que nem sempre a tradicional polícia se faz presente com a mesma eficiência e presteza que se requer. Daí a previsão de competência a outras autoridades administrativas tendo em vista o interesse público na prevenção e repressão à criminalidade no âmbito das repartições públicas.

Disciplinando a matéria, o Regimento Interno da Câmara dos Deputados regulamenta e distribui as atribuições relativas ao seu Poder de Polícia. O próprio Supremo Tribunal Federal, através da decisão de 03/04/1964, publicada no Diário da Justiça de 08/05/1964, pág. 01239, entendeu, por meio da Súmula 397, que " O Poder de Polícia da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em caso de crime cometido nas suas dependências, compreende, consoante o Regimento Interno, a prisão em flagrante do acusado e a realização do inquérito." Esse entendimento sumulado, nascido nos primórdios da Ditadura Militar Brasileira, perdura atualmente em nossa democracia, respaldando juridicamente a atuação da Polícia Legislativa.

Segundo o Regimento Interno, três órgãos da Câmara dos Deputados compartilham das atribuições decorrentes de seu Poder de Polícia: a Mesa Diretora, a Corregedoria e o Departamento de Polícia Legislativa-DEPOL.

À Mesa incumbe manter a ordem e a disciplina nos edifícios da Câmara dos Deputados e suas adjacências. A manutenção da ordem e da disciplina é realizada através de um policiamento ostensivo, de caráter nitidamente preventivo, executado ordinariamente pelo Departamento de Polícia Legislativa, sob a direção suprema do Presidente da Câmara, sem intervenção de qualquer outro Poder. Compreendem essas atividades, dentre outras, a proibição de comércio não autorizado, a retirada dos edifícios da Câmara de qualquer pessoa que se comporte de modo inconveniente ou que venha perturbar a ordem nos recintos da Casa, o ingresso e a permanência de pessoa convenientemente trajada e portando crachá de identificação, etc.

Atualmente, o policiamento externo é feito, diariamente, com o auxílio da Polícia Militar do Distrito Federal, mediante convênio, principalmente nos dias em que se aglomeram multidões de pessoas em atos de manifestação pública, quando a situação se apresenta com foco de maior tensão, carecendo, portanto, de um apoio policial mais ostensivo e melhor aparelhado.

É proibida a entrada de qualquer pessoa, portando arma de qualquer natureza, quer seja policial, militar, promotor, magistrado, quer seja particular. Somente os membros do DEPOL podem portar arma de fogo pelos recintos da Câmara, prerrogativa já consolidada e prevista no art. 6º, VI, da Lei nº. 10.826/2003, conhecida como o Estatuto do Desarmamento.

A Corregedoria é órgão responsável pela manutenção do decoro, da ordem e da disciplina no âmbito da Casa. Caberá a ela a instauração e presidência de inquérito se o indiciado ou preso for membro da Câmara. Tem ainda a atribuição de supervisionar a proibição do porte de arma, com poderes para mandar revistar e desarmar. A Corregedoria é composta por quatro membros efetivos da Mesa Diretora e designados por ela. Não tem ela ainda uma estrutura administrativa permanente e suas atribuições regimentais, entre outras, cingem-se apenas a eventuais delitos praticados por deputados federais no âmbito da Câmara dos Deputados.

Com o advento da Resolução nº. 18, de 2003, a antiga Coordenação de Segurança Legislativa foi transformada em Departamento de Polícia Legislativa da Câmara dos Deputados. Daí nasceu a denominação de Polícia Legislativa Federal: uma Polícia do Poder Legislativo Federal.

O Departamento de Polícia Legislativa tem competência para exercer as funções de polícia judiciária e a apuração das infrações penais ocorridas nos Edifícios e adjacências da Câmara. Desenvolve as atividades de polícia ostensiva e a preservação da ordem e do patrimônio, nos edifícios e dependências externas da Câmara dos Deputados. É responsável pela segurança do Presidente da Câmara dos Deputados, no território nacional ou no exterior. Efetua a segurança de Deputados Federais, servidores, visitantes e autoridades nas dependências da Câmara.

O Depol apresenta uma estrutura administrativa complexa, com atribuições distintas e definidas em Resolução. Nela se integram a Coordenação de Apoio Logístico, a Coordenação de Segurança Orgânica, a Coordenação de Polícia Judiciária, a Coordenação de Operações Especiais e o Serviço de Administração.

Notadamente, uma peculiaridade distintiva da polícia legislativa é o seu caráter de completude. É ao mesmo tempo preventiva e repressiva - funções que o Direito brasileiro vem reconhecendo numa nova figura denominada de Polícia de Segurança. Esta exerce uma função ostensiva, nitidamente preventiva ao impedir que condutas anti-sociais afetem a ordem pública. Noutro extremo, como órgão auxiliar da justiça, exerce a função de polícia judiciária, desenvolvendo atividades de apuração das infrações penais e captura dos agentes do crime, numa atuação marcadamente repressiva. Evidencia-se, portanto, que a polícia legislativa é uma autêntica Polícia de Segurança, como se depreende de suas atribuições. Além disso apresenta um plus, pois exerce atividades de segurança de dignitários ao planejar e coordenar a proteção e a segurança pessoal de autoridades da Câmara e de outras que se encontrarem em suas dependências.

No desempenho da função de polícia judiciária, a Polícia Legislativa procede à feitura dos inquéritos e dos termos circunstanciados, às investigações pertinentes e às eventuais prisões em flagrante, em observância rigorosa das garantias constitucionais e legais, que a processualística penal exige. Aqueles que são autuados em flagrante delito ou são presos por ordem de Mandado de Prisão Civil ou Penal, após o cumprimento dos procedimentos policiais peculiares, são, de imediato, conduzidos, geralmente, para a carceragem do Departamento de Polícia Especializada da Polícia Civil do Distrito Federal, onde ficam à disposição da justiça.

Tem competência a Polícia Legislativa para apurar qualquer infração penal, bastando que ocorra nos edifícios ou nas áreas adjacentes da Câmara, e desde que não sejam cometidas por deputados federais. As investigações elucidativas podem, por força do artigo 22, do Código de Processo Penal, ser diligenciadas em outras Circunscrições Policiais, quando necessárias. E os inquéritos e termos circunstanciados concluídos são remetidos à Justiça Criminal competente.

O grande destaque operacional, verificado nas atividades de Polícia Legislativa, deve-se à elevada capacidade profissional de seu pessoal. Sendo servidores públicos, integrantes do quadro efetivo da Câmara, os agentes de polícia legislativa são dotados de formação policial e aprimoramento profissional, realizados junto à Polícia Federal, às Polícias Civil e Militar de Brasília, à Abin, ao Exército e à Aeronáutica. São portanto servidores com padrão técnico-profissional adequado às atividades de polícia. Não foi à toa que o Estatuto do Desarmamento permitiu que tais agentes tenham livre porte de arma de fogo, em serviço ou fora dele, em qualquer lugar do território nacional.

O ambiente da Câmara dos Deputados pode ser comparado ao de uma cidade, dotada de governo próprio, com um orçamento de dar inveja a alguns estados e a vários municípios. Nela circulam, diariamente, entre 15 a 20 mil pessoas. Por integrar o Poder Legislativo da União, fluem para a Casa do Povo grupos de pressão política, como o dos índios, dos Sem-Terra, dos Aposentados e Idosos, dos Estudantes, dos Empresários, etc. com objetivos e interesses diversos. Acrescente-se ainda que as passeatas e manifestações públicas realizadas nas adjacências do Congresso Nacional criam uma situação de elevada tensão. Esses fatos, em torno das atividades parlamentares, justificam certamente a adoção de uma polícia própria, com especializações e peculiaridades sui generis para zelar pela ordem pública no âmbito da Câmara, não somente para dar garantias a essas atividades, mas também para permitir o exercício da autonomia e da independência do Legislativo, enquanto Poder do Estado.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, José Gilmar Araujo. Conhecendo a Polícia Legislativa Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1410, 12 maio 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9752. Acesso em: 28 mar. 2024.