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Efetividade da jurisdição

razoável duração do processo

Efetividade da jurisdição: razoável duração do processo

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O princípio da efetividade da jurisdição também deve ser enfocado sob o prisma específico da duração razoável do processo, como garantia inserida na Constituição. Em face da relevância da duração do processo na efetivação da prestação jurisdicional, abordam-se os múltiplos ângulos que compõem o substrato do tema: normativo, atuação estatal, aspecto cultural e atuação dos sujeitos da relação processual. Ventilam-se, ainda, soluções para os inúmeros problemas que rondam a questão da tempestividade da prestação como integrante da efetividade.


1. Breve escorço introdutório.

Ao monopolizar o poder jurisdicional, o Estado passou a ser responsável por estendê-lo a todos, em repúdio à idéia de tutela seletiva. Tornou-se, com isso, garantidor do resultado útil do processo. A utilidade da tutela está relacionada não-somente à efetiva entrega do bem jurídico, mas ao compromisso de que esta se dê em tempo razoável. Portanto, necessário se faz assegurar meios que garantam a celeridade da tramitação do processo, como instrumento da entrega da prestação provocada [01]. Por outro lado, o Estado deve, ainda, preservar a segurança jurídica que, em ultima ratio, significa viabilizar o contraditório e a ampla defesa, por fim, a imutabilidade de suas decisões como regra. Está-se aqui a falar de garantias: o Estado presta a jurisdição uniforme e igualitariamente, garante o resultado útil do processo e promove a paz social, conferindo imutabilidade às suas decisões.

É por esse motivo que o direito processual atrela-se à Constituição, que, por sua vez, vincula-se à idéia de lei fundamental como instrumento formal e processual de garantia [02]. Encontram-se na Carta Magna os princípios que informam a elaboração da norma processual, o procedimento, ainda, que norteiam o processo propriamente dito. Nestes últimos é que se afinca o objeto do presente ensaio, porque, sem embargo da importância dos demais, é onde encontramos os princípios da instrumentalidade do processo, do devido processo legal e do acesso à tutela jurisdicional [03].

Ocorre que, se o direito fundamental à efetividade do processo engloba não apenas o direito de provocar a atuação do Estado, mas também e principalmente o de obter, em prazo adequado, uma decisão justa e com potencial de atuar eficazmente no plano dos fatos [04], qualquer estudo que se possa fazer acerca do que é razoável duração do processo passa, inafastavelmente, pela correta aplicação desses princípios (a ambas as partes).

Em síntese, é a Constituição que estabelece a atuação jurisdicional do Estado, cujo instrumento é o processo. Esta atuação jurisdicional deve ser útil, além de convincente meio de substituição das partes na solução das questões submetidas ao juiz [05]. Nesse sentido, o processo útil é aquele que entrega o bem jurídico tutelado a quem de direito [06], após um processo cognitivo que observa as garantias das partes, tempestivamente, isto é, de modo que a demora não seja óbice à fruição integral do bem da vida finalmente alcançado.

O presente ensaio enfoca, portanto, um dos ângulos da efetividade: a razoável duração do meio (processo). Também questiona até que ponto a aceleração do processo é tolerável em face dos demais direitos e garantias constitucionalmente garantidos.


2.O direito fundamental à duração razoável do processo.

A Emenda Constitucional nº 45/2004 inseriu o inciso LXXVIII no elenco do artigo 5º da Constituição da República – CR/88 -, portanto, entre os direitos e garantias fundamentais do Título II.

De há muito se discute a efetividade como princípio que se adere ao plano dos direitos e garantias fundamentais, sob diversas facetas, dentre elas o próprio acesso à justiça (inciso XXXV do artigo 5º e múltiplas decorrências legais), bem como o devido processo legal (inciso LIV, complementado pelo inciso LV do artigo 5º) e a imutabilidade das decisões, após cognição exauriente, com atuação dos dispositivos antes referidos.

Aqui, cabe lembrar que a efetividade é gênero no qual está contida a idéia de duração razoável do processo, como conseqüência lógica de que a efetividade está relacionada à jurisdição (atuação substitutiva do Estado) e a tempestividade ao processo (meio).

É por isso que, ao referir que a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação (inciso LXXVIII do artigo 5º), a Constituição quer fazer efetiva a atuação jurisdicional por meio de um processo que também seja célere.

Este inciso não trouxe novidade ao meio jurídico. A Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica, no seu artigo 8º, item 1, já previa que Toda pessoa tem direito de ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável (...), ao que vale lembrar que o Brasil é signatário deste Pacto, eficaz no plano internacional desde 1978, desde a edição do Decreto nº 27, de 26 de maio de 1992, com adesão do Brasil em setembro do mesmo ano. Esta norma, portanto, já integrava e complementava o catálogo de direitos fundamentais por força do parágrafo 1º do artigo 5º da Constituição, segundo Didier [07], ou, no mínimo, diante de conhecida controvérsia jurisprudencial anterior à inserção do parágrafo 3º no artigo 5º da Constituição Federal, compunha o sistema jurídico brasileiro infraconstitucional.

Contudo, o que de há muito se discute é que o processo moroso somente traz benefício à parte que sabe estar a razão do lado adverso, àquele que quer justamente impedir ou postergar a aplicação das normas. Enfim, a morosidade do processo caminha na razão proporcional do uso arbitrário do poder e da desconsideração da normas que consagram garantias e direitos da sociedade [08].

É, todavia, oportuno identificar que não é somente o autor que tem direito à prestação jurisdicional, porquanto o réu também busca o resultado útil do processo. Se, de um lado, o autor busca a procedência da ação, com o reconhecimento de que o direito lhe assiste, de outro, o réu busca declaração em sentido contrário [09]. Sendo assim, goza de todos os direitos e garantias atribuídos ao autor, merecendo tratamento igualitário na busca de uma prestação jurisdicional justa.

Diante disso, não se pode olvidar que, estando inseridos no rol de direitos fundamentais, tanto o direito ao processo célere quanto o direito ao contraditório e à ampla defesa (due process of law), direitos e garantias, em princípio, não devem conflitar, mas harmonizar-se na busca da efetividade.

Também, não se pode olvidar que, se de um lado da balança a celeridade do processo visa atingir o escopo da utilidade, de outro, não pode sacrificar o ideal de justiça da decisão, que demanda um processo dialético-cognitivo exauriente que, por sua vez, demanda tempo.

Está-se diante, portanto, de interesses que, numa primeira análise, conflitam. É por isso que o Poder Constituinte Derivado cuidou em inserir mecanismo harmonizador ao sistema, ao determinar que a duração do processo seja razoável.

Observe-se que se trata de dispositivo aberto, porquanto requer acuidade ao aplicador na árdua tarefa de harmonizar as normas, o mesmo exigindo-se em relação ao legislador e ao administrador, porquanto esta disposição também a eles se dirige.


3.A postura dos sujeitos da relação jurídica processual.

Por certo que, analisando-se a questão sob o prisma do aplicador da norma, este indubitavelmente deparar-se-á com inúmeras causas que retardam a entrega da prestação jurisdicional. Tais causas atuam diretamente no tempo, por vezes dificultando, outras até impossibilitando o resultado útil do processo, sob o aspecto da tempestividade.

Estas causas podem ter índole objetiva, como a precariedade de tecnologia, o difícil acesso para comunicação de um ato pessoal, a necessidade de tradução de documentos para o vernáculo, alteração da competência, como podem também estar relacionadas aos sujeitos envolvidos com o processo (subjetiva).

Destarte, é certo que o processo consiste em uma atividade das partes, do juiz e de uma série de outros participantes, em que pese não protagonizem a relação jurídico-processual como sujeitos [10]. Não se pode simplesmente ignorar, portanto, que a atividade total resulta de uma combinação de atividades individuais, como atentou Carnelutti, inclusive, observando que o serviço que o direito espera do processo consiste em ordenar as atividades de que o processo se compõe, mediante atribuição de cada um dos agentes de poderes e deveres que visam garantir sua realização [11].

Isso inclui, frise-se, ônus e sujeições, dentre eles, manter uma conduta ética tendente a alcançar resultado justo, em tempo para o proveito do vencedor. É o que normalmente se espera das partes e dos profissionais. Em princípio, portanto, presume-se sempre a boa-fé dos sujeitos, no sentido de que todos almejam a entrega da prestação jurisdicional por meio eficaz. Presume-se que trabalham nesse sentido, mediante colaboração e coordenação.

Todavia, há casos em que os sujeitos atuam dentro ou fora do processo, criando embaraços ao seu regular andamento. A atenção do magistrado deve estar voltada, para atendimento da efetividade, à postura dos sujeitos processuais a fim de aferir se atenta contra a garantia constitucional da razoável duração.

Nessa linha, o nosso ordenamento já regulou, em inúmeros dispositivos, casos em que a atuação subjetiva obra em prejuízo da duração do processo. Cita-se, à guisa de exemplo, o inciso II do artigo 273 do CPC, no sentido de conceder a antecipação da tutela, desde que fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. O Estatuto Processual demonstra nítida preocupação com a atuação subjetiva, justamente para evitar que a demora obre em franco prejuízo de uma e proveito de outra parte.

Ao comentar este dispositivo (inciso II do artigo 273 do CPC), e criticando a expressão manifesto propósito protelatório do réu, Teori Zawaski acabou por conferir valiosa contribuição à identificação desta atuação prejudicial. Adotou, para tanto, o critério da atuação dentro ou fora do processo como diferenciadora das expressões referidas pelo legislador. Para Teori, a referência ao abuso de direito de defesa demonstra que o legislador está se referindo a atos praticados para defender-se, ou seja, a atos processuais (atos protelatórios praticados no processo). Já o manifesto propósito protelatório resulta do comportamento do réu – atos e omissões – fora do processo, embora com ele relacionados, e exemplifica com a ocultação de prova, não-atendimento de diligência e simulação de doença [12].

Observe-se que o legislador, ao perceber que a demora do processo somente interessa ao réu, providenciou a possibilidade de inversão do ônus pelo retardo, como alternativa objetiva à atuação prejudicial. Concedida a medida, a pressa passa a ser do réu. Trata-se de solução que merece ser aplaudida.

Nesse sentido, traz-se à baila comentário pertinente do Prof. Luiz Guilherme Marinoni: Mas se o art. 333 do CPC distribui o ônus da prova, ele parece esquecer de distribuir o ônus do tempo necessário à sua produção. Em outros termos: é de se perguntar a razão pela qual o autor deve arcar com o tempo necessário para a produção da prova que constitui ônus do réu? A partir do momento em que se percebe que o tempo do processo também é um ônus, conclui-se facilmente que o processo tradicional joga unicamente nas costas do autor o ônus do tempo do processo, como se ele fosse o "culpado" pela demora inerente à cognição da existência dos direitos [13].

Em síntese, o problema da celeridade também passa pela atuação subjetiva, aspecto que deve ser levado em conta na busca de soluções, como a dantes ventilada, a título ilustrativo. Por certo tal medida dificilmente seria adotada em países como a Inglaterra ou até mesmo o Japão, porquanto gozam de outros valores morais, mas também é certo que, diante da nossa própria cultura, encontramos saídas criativas.

Vale lembrar, ainda, que a previsão contida no inciso LXXVIII do artigo 5º da CR/88 justifica e fundamenta maior vigor na aplicação dos dispositivos contidos nos artigos 17 e 538, parágrafo único, ambos do CPC. Diante disso, ao opor resistência injustificada ao andamento do processo (v.g.) ou embargos declaratórios meramente protelatórios, a parte viola direito fundamental, neste último caso, ao exercer abusivamente um direito.

Por fim, de se ponderar que, se de um lado a norma inserta no inciso LXXVIII do artigo 5º da CR/88 dirige-se à observância, seja do juiz, legislador ou administrador, de outro, pode ser invocada em face deles, quando comprovadamente agirem em detrimento da celeridade. Por óbvio que toda cautela é pouca nestes casos, já que quase sempre a demora tem causa objetiva ou, se subjetiva, sem dolo, mas por carga da inépcia profissional. Não são raras, com o advento da informática, peças processuais vastíssimas e de pouco conteúdo, tampouco a determinação de realização de diligências sem o menor sentido, o que se refere meramente para ilustrar. É por isso que os sujeitos processuais devem estar vigilantes, atuando como fiscais e denunciando irregularidades a serem diagnosticadas sob o prisma do direito constitucionalmente protegido e mediante um juízo de ponderação, como determina o dispositivo inserido no artigo 5º da Carta Magna.

Resta indagar, nessa linha, qual seria o alcance do termo razoável inserido no dispositivo constitucional em comento. Somente de posse de estudos realizados nesse sentido, pode-se chegar à uma aplicação uniforme e igualitária do dispositivo, a fim de harmonizar o sistema dos direitos fundamentais.


4. Duração razoável do processo e dilação indevida.

Como já abordado anteriormente, a idéia de duração razoável do processo está ligada à efetividade da prestação da tutela jurisdicional. Também foi visto que a celeridade do processo visa atingir o escopo da utilidade, todavia, sem sacrificar o ideal de justiça da decisão, que demanda um processo dialético-cognitivo exauriente que, por sua vez, demanda tempo.

Está evidente, portanto, que a garantia à razoável duração do processo e aos meios que garantam a celeridade de sua tramitação não deve ser entendida em termos absolutos, quando a própria norma relativiza, ao referir um critério: a razoabilidade. O que se quer evitar, portanto, são dilações indevidas sem uma prestação jurisdicional acelerada, que ponha em risco a qualidade da entrega da prestação jurisdicional.

Conforme resume brilhantemente Canotilho, ao demandante de uma protecção jurídica deve ser reconhecida a possibilidade de, em tempo útil («adequação temporal», «justiça temporalmente adequada»), obter uma sentença executória com força de caso julgado — «a justiça tardia equivale a uma denegação da justiça» (cfr., supra, Parte IV, Padrão I). Note-se que a exigência de um direito sem dilações indevidas, ou seja, de uma protecção judicial em tempo adequado, não significa necessariamente «justiça acelerada». A «aceleração» da protecção jurídica que se traduza em diminuição de garantias processuais e materiais (prazos de recurso, supressão de instâncias) pode conduzir a uma justiça pronta mas materialmente injusta [14].

Com a colaboração de Canotilho, chega-se à conclusão de que a dilação indevida do processo, no interesse de um ou mais dos sujeitos ou partícipes do processo, é o que torna a demora desarrazoada. Também se torna desarrazoado o desprezo a garantias processuais e materiais em prol da velocidade do processo, além de violar, de uma só vez, inúmeros dispositivos constitucionais e legais.

Deve-se pôr em relevo, ainda, que não é qualquer atitude causadora de demora a ensejar violação de direito fundamental, já que o exercício do direito de defesa, mesmo que no puro interesse de ganhar tempo pode ser lícito, por exemplo, na exceção de incompetência territorial, em que o réu pode ter o único escopo de ganhar tempo, sem que se verifique qualquer ilicitude.

O que se vedam são dilações indevidas, arbitrárias, v. g., do juiz que retém os autos conclusos injustificadamente por período muito superior ao admitido por lei, à parte que requer a ouvida, por carta precatória inquiritória, em outro Estado, de testemunha que, ao depor em juízo, revela que não mantém ou manteve qualquer relação com o fato probando, enfim, aquelas que excedem a tolerância do ordenamento ou até mesmo do senso comum.

Trata-se, em suma, da percepção, em ultima ratio, de que o ato dilatório deve ser analisado do ponto de vista do direito substancial tutelado. É preciso ter em mente que esta é justamente a perspectiva em que o processo não se pode descolar do direito tutelado.

Observe-se que, do ponto de vista da efetividade, por vezes a cognição exauriente demanda tempo prejudicial (intempestividade). É por esse motivo que o processo cada vez mais instrumentaliza-se, pela efetividade, e, como a duração razoável do processo a ela relaciona-se, analisaremos também este enfoque contemporâneo do processo.


5.Duração razoável do processo e a ótica da instrumentalidade.

Felizmente, já não é novidade afirmar que o processo não é um fim em si mesmo. É verdade que os ideais da Revolução Francesa acabaram por influenciar a autonomização do processo o que, num contexto histórico, não só se justifica, como foi determinante para se chegar ao que hoje vem se entendendo acerca do processo, principalmente porque superou os males do sincretismo multissecular, conforme explica Dinamarco [15].

Explica o recém referido mestre que o processualista contemporâneo e atualizado deixa as posturas puramente técnicas e dogmáticas e encara o sistema processual do ângulo externo, a partir do seu escopo. Sinala que a visão instrumental do processo, com repúdio ao exame exclusivamente pelo ângulo interno (institutos, princípios e normas), constitui abertura do sistema para a infiltração dos valores tutelados na ordem político-constitucional e jurídico-material. Também se pode extrair de seus ensinamentos que o direito processual constitucional tem grande significado para a instrumentalidade, à medida em que a Constituição dita as regras fundamentais e princípios a serem observados na construção e desenvolvimento empírico da vida do processo (tutela constitucional do processo), bem como porque o processo é instrumento para a preservação da ordem constitucional, constituindo o que denomina miniatura do Estado democrático [16].

Ora, se o processo é instrumento do direito material, bem como da realização de direitos constitucionais, porquanto resulta justamente da aplicação do direito fundamental do acesso à justiça, não se pode privilegiar o excesso de cognição, em busca de uma certeza que, diga-se de passagem, nunca virá, até mesmo porque, como explica Dinamarco, verdade e certeza são dois conceitos absolutos, aquele jamais alcançado, este atrelado à idéia de segurança jurídica. Se, ao julgar, o juiz há de contentar-se com a probabilidade, renunciando à certeza, porque o contraditório inviabilizaria os julgamentos, conforme apregoa o jurista ao tratar do extinto processo de conhecimento (hoje fase), a obsessão pela certeza constitui fator de injustiça, sendo tão injusto julgar contra o autor por falta dela, quanto julgar contra o réu [17].

É nesse contexto que se insere a duração razoável do processo, porquanto, tendo em conta a idéia instrumental do processo, o juiz abre mão da luta obcecada pela certeza e julga com base na mais alta probabilidade possível, sempre que verificar que a duração do processo possa extrapolar o limite do razoável, impedindo a utilidade da prestação jurisdicional.

A tutela jurisdicional já vem a bom tempo optando pela celeridade. Observe-se o imenso número de ações com cognição limitada, bem como a sumariedade das tutelas de urgência. Nesta última, inclusive, é perceptível, que a cada lado da balança, equilibram-se os valores segurança jurídica e efetividade.

Enfim, o que se defende é que a inserção de dispositivo assegurando duração razoável do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação é a prova de que o Constituinte Derivado pretendeu deixar claro que a efetividade, sempre que possível, preservado o núcleo dos demais direitos fundamentais, deve preponderar sobre o valor segurança jurídica, numa idéia de processo instrumental. Todavia, a presença do vocábulo razoável indica prudência pelo operador. Ou, como disse Dinamarco, o processo há de ser, nesse contexto, instrumento eficaz para o acesso à ordem jurídica justa [18].

Por fim, parafraseando DIDIER [19], é fundamental perceber que quando se fala em instrumentalidade não se quer minimizar o papel do processo na construção do direito, visto que é absolutamente indispensável, pois é método de controle do exercício do poder. Serve, sim, para dar-lhe sua exata função, de co-protagonista para dar efetividade às regras do direito material. Frise-se bem isso, para não se cair no falso e perigoso entendimento de que processo e direito material podem dissociar-se [20].


6. Duração razoável do processo, inadimplemento estatal, estrutura e aspecto cultural.

Como já abordado anteriormente, ao monopolizar o poder jurisdicional, o Estado passou a ser responsável por estendê-lo a todos, em repúdio à idéia de tutela seletiva. Tornou-se, com isso, garantidor do resultado útil do processo. Viu-se, ainda, que a utilidade da tutela está relacionada à efetiva entrega do bem jurídico e ao compromisso de que esta se dê em tempo razoável.

É possível, diante disso, identificar um dever jurídico à prestação da tutela jurisdicional satisfatória, pois seria intolerável a via da mão-própria. Como o Direito é uno, não se divide em compartimentos estanques, como se lho faz para fins didáticos, busca-se no Direito Civil os fundamentos do que seria, sob o prisma dos efeitos da demora (práticos) na prestação jurisdicional, o equivalente ao inadimplemento.

No direito substantivo, a doutrina fala em incumprimento definitivo [21] quando a prestação não é prestada como devida, não mais o podendo sê-lo. A prestação da tutela jurisdicional a destempo equivale analogicamente à figura do adimplemento instatisfatório [22], que é espécie de inadimplemento ou, na melhor das hipóteses, equivalerá à mora.

Logicamente, não se pretende, neste estudo, adentrar no campo dos efeitos do inadimplemento pelo Estado, tampouco discutir o dever de reparar o prejuízo causado.

Todavia, atente-se que a inserção do dispositivo contido no inciso LXXVIII do artigo 5º da CR/88 visa justamente evitar que a prestação estatal seja demorada de modo tal que não possa ser fruída (total ou parcialmente) pela parte vencedora.

A inserção desse dispositivo, que, por força do parágrafo 1º do artigo 5º, tem aplicação imediata, reflete uma reação ao Sistema, que sabidamente não vem cumprindo a prestação jurisdicional segundo os fins a que o Estado se propôs. Importa, ainda, um reforço ao dever jurídico de aparelhamento dos poderes na preservação da cidadania, como fundamento do Estado Democrático de Direito (artigo 1º, inciso II, da CR/88).

Nesse sentido, MARINONI sinala que o grande problema, na verdade, está em construir tecnologias que permitam aos jurisdicionados obter uma resposta jurisdicional tempestiva e efetiva. Isto é difícil não somente porque a necessidade de tempestividade modifica-se de acordo como as mudanças da sociedade e dos próprios direitos, mas também porque o Estado apresenta dificuldades em estruturar-se de modo a atender a todos de forma efetiva. [23]

Em suma, para que a prestação jurisdicional seja cumprida satisfatoriamente, além de criar procedimentos formalmente céleres e que visam à imediata entrega do bem da vida, o Estado deve aparelhar-se. Isso implica mão-de-obra (qualificada), instalações físicas e equipamentos. Mais das vezes a prestação jurisdicional, num país pobre como o Brasil, sofre os efeitos da demora também pela falta de estrutura.

Ora, não se pode, jamais, enfocar a prestação satisfatória da tutela, que tem por meio o processo, cuja duração atende ao mandamento constitucional de que seja razoável, sem atentar para a estrutura do Sistema.

Desse contexto, extrai-se mais uma conclusão: é razoável que o processo demore mais que o esperado se a estrutura disponível for determinante nesse sentido.

Por óbvio, a estrutura deve ser compatível com o volume de causas postas sob os ombros dos juízes. Todavia, concorda-se com CRUZ E TUCCI, quando afirma que E, ademais, é necessário que a demora, para ser reputada realmente inaceitável, decorra da inércia, pura e simples, do órgão jurisdicional encarregado de dirigir as diversas etapas do processo. É claro que a pletora de causas, o excesso de trabalho, não pode ser considerado, nesse particular, justificativa plausível para a lentidão da tutela jurisdicional [24].

Afora esse particular, para se aferir se a duração do processo é razoável há que se ponderar o volume de serviço e a estrutura disponível, sem desconsiderar a míngua instrumental de um país em desenvolvimento como o nosso. De se lembrar que a própria Constituição estabelece que não será promovido o juiz que, injustificadamente, retiver os autos em seu poder além do prazo legal, não podendo devolvê-los ao cartório sem o devido despacho ou decisão (Art. 93), punindo a prática quando injustificada, o que demonstra compreensão da ponderação dantes referida.

Por outro lado, é construtivo questionar se bastaria investimento suficiente em estrutura para resolver o problema. A resposta se apresenta olimpicamente em sentido oposto. O que se verifica é que a cultura ocidental tem utilizado como regra o recurso ao Poder Judiciário para a solução de questões prescindiriam dessa intervenção.

A saída que se apresenta mais atraente é buscar, cada vez mais o exemplo de outras culturas, tornando a apreciação pelo Poder Judiciário exceção, por meio de instâncias privadas de conciliação, como já se vê o tímido exemplo dos Juizados Arbitrais. O lento crescimento dessas instâncias deve-se ao descrédito que a sociedade tem em si mesma para a solução de conflitos, o que se deve única e exclusivamente ao aspecto cultural.

Em síntese, pode-se dizer que o Estado que centraliza em si todos os conflitos sem capacidade de suprir a demanda torna-se inadimplente no cumprimento do encargo de garantidor do resultado útil do processo, em que se inclui, como visto, o aspecto da celeridade. O correto é buscar uma alteração paulatina desse ponto de vista consagrador do conceito de que o recurso ao Poder Judiciário é a regra na busca da paz social.

Todavia, não se pode deixar de mencionar a existência de estratégias legais para solução de conflitos que visam minorar o problema, tais como a possibilidade da autocomposição, gênero da qual são espécies a transação (concessões mútuas), a submissão (de um à pretensão de outro: reconhecimento da procedência do pedido) e a renúncia da pretensão deduzida. Há um incremento do prestígio da autocomposição como forma de solução de conflitos. Basta ver, por exemplo: a) a estrutura do procedimento trabalhista, pautado na tentativa de conciliação; b) o atual inc. IV do art. 125, CPC, que determina ao magistrado o dever de tentar conciliar as partes a qualquer tempo; c) os Juizados Especiais, também estruturados para a obtenção da solução autocomposta; d) a possibilidade de transação penal; e) a inclusão de uma audiência preliminar de tentativa de conciliação no procedimento ordinário (art. 331 do CPC), sendo possível, ainda, a inclusão no acordo jurídico de matéria estranha ao objeto litigioso (art. 475-N, III, CPC) [25].

Fredie Didier Jr. também refere a mediação como forma não estatal de solução de conflitos e a Lei nº 9.307/96, referente à arbitragem, mencionando a possibilidade prevista no parágrafo 2º do artigo 114 da Constituição Federal, desde a EC nº 45/04 [26].

Enfim, não se pode dizer que o legislador está inerte em face das questões que rondam a prestação jurisdicional, adequando o procedimento ao direito subjetivo tutelado (Princípio da adequação).


7. Conclusão.

Qualquer ensaio acerca da efetividade da jurisdição ou acerca do que é razoável duração do processo passa, inafastavelmente, pela correta aplicação de princípios constitucionais, porquanto é a Constituição que estabelece a atuação jurisdicional do Estado, cujo instrumento é o processo.

O Estado Brasileiro, nesse sentido inseriu a duração razoável do processo entre o rol de diretos e garantias fundamentais, embora o sistema já assim previa desde a integração do Pacto de São José da Costa Rica.

Importa dizer, em primeiro lugar, que esta norma não pode ser lida isoladamente de outras normas garantidoras, a fim de preservar o devido processo legal, porquanto dele emana, assim como inúmeras outras. Somente assim atuação jurisdicional será útil, já que distribuirá igualitariamente a justiça, na busca de servir como convincente meio de substituição das partes.

Sob o prisma da duração do processo, também cabe observar o tratamento estatal dispensado aos litígios que surgem no seio social, o meio objetivo em que tramita, bem como a atuação dos sujeitos processuais.

É sempre útil empenhar-se, portanto, pelas formas de composição autorizadas pelo ordenamento jurídico, bem como na criação de outras tantas quanto bastem a desafogar o sistema e melhor atender à efetividade do direito tutelado, papel que deve ser perseguido pelo Estado e respaldado pela sociedade, paralelamente à atuação daquele como prestador da jurisdição, na via administrativa.

Para solução da demora, é preciso considerar, ainda, o meio objetivo em que o processo tramita, porque não se pode exigir esforço desumano dos operadores do Direito, diante do desaparelhamento estatal, tampouco se pode atropelar a realização de diligências determinantes que, por sua natureza, não prescindem de tempo.

A atuação dos sujeitos processuais segue rigorosamente o duplo dever de pautar pela boa-fé e de fiscalizar o processo. Ao se detectar a atuação em prejuízo a qualquer das partes, esta prática deve ser censurada sob o prisma da violação de um direito fundamental. Já no plano da fiscalização e detecção, não se pode desconsiderar o comando da razoabilidade, tendo em conta esse conjunto de fatores, sem esquecer que a exigência de um direito sem dilações indevidas, ou seja, de uma proteção judicial em tempo adequado, não significa necessariamente justiça acelerada, bem como que a aceleração da proteção jurídica que se traduza em diminuição de garantias processuais e materiais (prazos de recurso, supressão de instâncias) pode conduzir a uma justiça pronta, mas materialmente injusta, conforme ponderou Canotilho.

Diante disso tudo, pode se concluir que a ponderação de todos os fatores tratados neste ensaio são instrumentos ao juízo de razoabilidade na apuração da justa duração do processo. De nada importa o empenho em editar novas leis, contudo, se não se trabalhou o fator cultural, bem como não resolve o problema recair a cobrança de celeridade somente sobre os ombros do Poder Judiciário, em que se vê um pequeno número de juízes e servidores fatigados diante de um sem número de litígios postos sem critério à sua apreciação (o que não implica dizer criar qualquer óbice ao acesso à Justiça, mas sobretudo realçar a confiança nas formas de autocomposição).

A efetividade da prestação jurisdicional, portanto, não se realiza com a entrega do bem jurídico em litígio, porquanto se entregue a destempo pode tornar inútil a prestação, ferindo garantia constitucional. Por fim, a busca de uma solução, em que pese requeira profundas reflexões e atitudes, também revela o empenho na elevação cultural e dos padrões morais da sociedade.


REFERÊNCIAS

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CARNELUTTI, Francesco. Instituições de Processo Civil. Vol. 1. Servanda: 1999.

CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Boockseller:2002.

DIDIER JR, FREDIE. Curso de Direito Processual Civil. 7ª edição. Vol. I. Salvador: Podivm, 2007.

DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 4ª edição revista e atualizada. São Paulo: Malheiros, 1994.

MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do Processo de Conhecimento. 3ª edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Ed. RT, 2004.

MARINONI, Luiz Guilherme. O Custo e o Tempo do Processo Civil Brasileiro. Disponível em: http://www.professormarinoni.com.br/admin/users/05.pdf.

MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil. Vol V. Tomo II. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. 20ª edição. vol. II. São Paulo: Saraiva,1999.

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TESHEINER, José Maria Rosa. Elementos para uma Teoria Geral do Porcesso. São Paulo: Ed. Saraiva, 1993.

ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da Tutela. 3ª edição revista e ampliada. São Paulo: Ed. Saraiva, 2000.


NOTAS

01 É por esse motivo que se opta pela terminologia Efetividade da jurisdição ou da tutela jurisdicional e não efetividade do processo. Assim se lho faz para guardar coerência lógica, porque a análise crítica tem como mote o adimplemento do papel estatal, em que o processo é o modus operandi. Em última análise, portanto, a efetividade analisada não é do instrumento jurisdicional, mas da própria jurisdição, ao passo que daquele a análise cinge-se a ser ou não eficaz para a consecução da finalidade estatal. Correta, por exemplo, a terminologia utilizada por Cândido Rangel Dinamarco, ao afirmar que O processo há de ser, nesse contexto, instrumento eficaz para o acesso à ordem jurídica justa, como refere em seu famoso livro A Instrumentalidade do Processo. (Ed. Malheiros, 4ª ed., p. 309).

02 J. J. GOMES CANOTILHO. Direito Constitucional. Ed. Coimbra-Almedina, 1993, 6ª ed., p. 95.

03 TEIXEIRA, Salvio de Figueiredo. O Processo Civil na Nova Constituição, Ajuris, Porto Alegre, 44:86-95, nov. 1988.

04 ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da Tutela. Ed. Saraiva, 2000, 3ª ed., p. 64.

05 O que remonta a definição de Chiovenda acerca da jurisdição, logo no Título I do prestigioso Instituições de Direito Processual Civil, in verbis: Pode definir-se a jurisdição como a função do Estado que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei por meio da substituição, pela atividade de órgãos públicos, da atividade de particulares ou de outros órgãos públicos, já no afirmar a existência da vontade da lei, já no torná-lo, praticamente, efetiva. Aqui, inclusive, a idéia de efetividade está lançada.

06 O processo deve dar, quanto for possível praticamente, a quem tenha um direito, tudo aquilo e exatamente aquilo que ele tenha direito de conseguir. Op. Cit., p. 67.

07 FREDIE DIDIER JR.. Curso de Direito Processual Civil. Volume I, p.39. Podivm, 2007.

08 MARINONI, Luiz Guilherme. O Custo e o Tempo do Processo Civil Brasileiro. Disponível em: http://www.professormarinoni.com.br/admin/users/05.pdf.

09 Moacyr Amaral Santos leciona que o caráter de direito subjetivo processual e, portanto, público, ressalta do direito de defesa quando se considera que o réu, exercendo-o, também está a exigir do Estado a prestação jurisdicional que componha a lide. O autor, acionando, e o réu, defendendo-se, reclamam uma providência jurisdicional, uma provisão jurisdicional, pela qual se lhes faça justiça. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. II, Saraiva:1999.

10 Conforme ensina o Prof. Tesheiner, O processo é uma relação jurídica. Uma relação jurídica complexa: um autor, um juiz, um réu (Elementos para uma Teoria Geral do Porcesso. Ed. Saraiva, 1993, p. 2).

11 CARNELUTTI, Francesco. Instituições de Processo Civil. Vol. 1. Servanda: 1999, p.339-340.

12 Op. Cit., p. 77.

13 MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do Processo de Conhecimento. 3ª ed. Ed. RT, 2004, p.275.

14 Op. Cit., p. 677.

15 DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. Malheiros, 4ª ed, p. 310.

16 Op. Cit., p. 317-318.

17 Op. Cit., p. 318.

18 Op. Cit., p. 309.

19 Op. cit., p. 54.

20 Aqui DIDIER cita interessante observação de Calmon de Passos no tocante à advertência séria acerca da cautela com o preciso sentido de instrumentalidade. Op. cit, p. 54.

21 MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil. Tomo II. Forense:2004, p. 148.

22 Por óbvio, guardadas as distinções, porque não se está no campo do direito privado, inclusive quanto aos deveres violados e o sujeito que viola.

23 Artigo citado, disponível em http://www.professormarinoni.com.br/admin/users/05.pdf.

24 José Rogério Cruz e Tucci e. Garantia do processo sem dilações indevidas. Obra citada por DIDIER JR. Op. cit., p. 40.

25 FREDIE DIDIER JR.. Curso de Direito Processual Civil. Tomo I, p. 70.Podivm, 2007.

26 Op. Cit.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUAGLIARIELLO, Glaucio. Efetividade da jurisdição: razoável duração do processo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1425, 27 maio 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9772. Acesso em: 28 mar. 2024.