Concursos públicos: o direito dos candidatos aprovados em cadastro de reserva

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04/01/2016 às 13:22
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Os candidatos aprovados em cadastro de reserva possuem mera expectativa de direito. Porém, há comportamentos do Poder Público que convolam a mera expectativa de direito em direito subjetivo de nomeação desses aprovados.

Os editais de concursos públicos geralmente informam o número de cargos ou empregos públicos que precisam ser providos, ou seja, as vagas que necessariamente serão preenchidas pelos candidatos aprovados, podendo a convocação desses ocorrer a qualquer momento, desde que durante o prazo de vigência do certame.

Nesse caso, o candidato aprovado dentro do número de vagas ofertadas no edital tem direito subjetivo à nomeação, não podendo a Administração pública deixar de nomeá-lo, pois a oferta de vagas no edital gera um dever de nomeação, e este só poderá ser contrariado em situações excepcionais e imprevisíveis, devendo o ato de não convocação ser adequadamente motivado, e ainda assim é passível de controle jurisdicional.[i]  

Por outro lado, há editais de concursos públicos que têm por objetivo também a formação de um cadastro de reserva, para o caso de surgirem novas vagas durante o prazo de vigência do certame, além daquelas informadas inicialmente. Assim, há editais que trazem as duas situações: oferta inicial de vagas e a formação de castro de reserva.

O concurso público é promovido visando primordialmente o provimento das vagas inicialmente ofertadas, mas nada impede que a Administração aproveite o mesmo evento para a formação de um cadastro, com candidatos habilitados a uma possível convocação.

Ocorre que nesse tipo de concurso, o objetivo maior do certame é o provimento das vagas ofertadas no edital, de modo que a formação de um cadastro de reserva não significa que será necessariamente aproveitado. Portanto, os candidatos aprovados em cadastro de reserva possuem mera expectativa de direito, eis que durante a validade do certame podem ou não surgir vagas adicionais.

Porém, se durante a validade do concurso público de fato surgirem novas vagas, seja pela vacância ou criação de novos cargos ou empregos públicos, a pergunta que se faz é: caso surjam, os candidatos aprovados para além do número de vagas inicialmente ofertadas, isto é, em cadastro de reserva, obtém direito de nomeação nessas novas vagas?

Situação ainda mais complexa, que pode ocorrer enquanto vigente concurso público com candidatos aprovados em cadastro de reserva é a realização de novo concurso público. Antes mesmo de expirado um certame, a Administração pode publicar novo edital objetivando o provimento de um número x de vagas, admitindo de forma inequívoca a existência de vagas, e que elas serão providas pelos aprovados no novo concurso.

Pois bem, em recentíssimo julgamento do RE 837.311/PI, em 09-12-2015, o Plenário do STF discutiu a situação de candidatos que se encontram no cadastro de reserva, ou seja, aprovados além do número de vagas previstas no edital, conforme assentou o Ministro Relator Luiz Fux:

“a controvérsia sub examine trata da situação jurídica daqueles que se encontram em cadastro de reserva, ou seja, fora do numero de vagas previamente garantidas pelo Poder Publico.”

No RE em exame foram analisadas duas circunstâncias que poderiam ocorrer dentro do prazo de validade do concurso público:

(a) o surgimento de novas vagas; OU

(b) a publicação de edital de novo concurso público.

Ficou consignado no acórdão que essas circunstâncias por si só não gerariam o direito de nomeação daqueles candidatos que se encontram no cadastro de reserva. Entretanto, acontecendo uma ou outra em conjunto com o comportamento da Administração Pública no sentido de prover as vagas existentes durante a validade do concurso anterior, aí sim, surgiria o direito de nomeação para tais aprovados. Vejamos trecho do acórdão nesse sentido:

“O que assegura o direito a nomeação em favor dos aprovados fora das vagas do edital não é o mero surgimento de novas vagas ou a publicação de novo edital durante a validade do concurso. Estas circunstâncias não convolam, consideradas isoladamente, a mera expectativa de direito em direito subjetivo. O que, por outro lado, lhes origina o direito à nomeação é a demonstração inequívoca de que a Administração está agindo em conformidade com a necessidade de prover os cargos vagos durante a validade do primeiro concurso. Uma coisa é a vacância do cargo, outra a vacância acompanhada do manifesto comportamento da Administração destinado a prover os cargos durante a validade do concurso, e isso não fica caracterizado pela mera publicação de novo edital de concurso. Isso porque o novo edital pode ter como propósito viabilizar o provimento dos cargos em período bem posterior ao do término da validade do primeiro concurso.

 

Assim, o Plenário do STF firmou a seguinte tese de repercussão geral, pacificando seu entendimento:

O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, fixou tese nos seguintes termos: “O surgimento de novas vagas ou a abertura de novo concurso para o mesmo cargo, durante o prazo de validade do certame anterior, não gera automaticamente o direito à nomeação dos candidatos aprovados fora das vagas previstas no edital, ressalvadas as hipóteses de preterição arbitrária e imotivada por parte da administração, caracterizada por comportamento tácito ou expresso do Poder Público capaz de revelar a inequívoca necessidade de nomeação do aprovado durante o período de validade do certame, a ser demonstrada de forma cabal pelo candidato. Assim, o direito subjetivo à nomeação do candidato aprovado em concurso público exsurge nas seguintes hipóteses: 1 – Quando a aprovação ocorrer dentro do número de vagas dentro do edital; 2 – Quando houver preterição na nomeação por não observância da ordem de classificação; 3 – Quando surgirem novas vagas, ou for aberto novo concurso durante a validade do certame anterior, e ocorrer a preterição de candidatos de forma arbitrária e imotivada por parte da administração nos termos acima.” Vencido o Ministro Marco Aurélio, que se manifestou contra o enunciado. Ausentes, nesta assentada, os Ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli. Presidência do Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 09.12.2015.(grifou-se).

 

No caso concreto discutido no RE em exame ocorreram as seguintes situações: concurso público vigente com aprovados em cadastro de reserva, o surgimento de novas vagas e a publicação de novo concurso público durante a validade do certame anterior.

Porém, não houve convocação dos novos aprovados enquanto vigente o concurso público anterior, mas o reconhecimento expresso do Poder Público da necessidade de provimento dos cargos existentes ainda no decorrer do certame anterior. Foi a demonstração da necessidade de prover as vagas ainda no prazo de validade do concurso anterior que garantiu o reconhecimento do direito de nomeação dos candidatos aprovados no cadastro de reserva.

Ora, a mera publicação do edital de um novo concurso público na vigência de concurso anterior com candidatos em cadastro de reserva, não significa que há a necessidade de provimento imediato. Mesmo que o novo edital indique expressamente a quantidade de vagas a serem providas, não gera aí direito subjetivo de nomeação dos candidato aprovados no concurso anterior.

Aliás, a necessidade de provimento das vagas previstas no novo certame deve surgir apenas um tempo depois, quando já expirado o concurso antigo, até porque os novos candidatos não poderão ser convocados enquanto existir candidatos aprovados em concurso público anterior, aguardando convocação, eis que estes possuem prioridade de convocação nos termos do art. 37, inciso IV, da Constituição da República.

Porque se ocorrer violência ao princípio da prioridade de convocação restará demonstrada a necessidade imediata de provimento das vagas, gerando para aquele que se encontra em cadastro de reserva do concurso anterior, o direito subjetivo de nomeação.

Conforme exposto, no caso concreto discutido houve por parte do Poder Público a publicação de novo concurso público em conjunto com a declaração expressa da necessidade de provimento de vagas ainda no concurso anterior. Porém, existem diversos atos da Administração Pública que podem revelar a inequívoca necessidade de provimento de novas vagas, como a ocorrência de preterição dos candidatos aprovados no cadastro de reserva.

Nesse diapasão, nota-se que a tese de repercussão geral supramencionada foi firmada independentemente do caso concreto que se discutia no RE 837311/PI, como bem assentou o relator: “Bem delimitada essas premissas genéricas objetivas, passo à análise do caso concreto.” Após a fixação das premissas genéricas objetivas foi que o Ministro Relator adaptou o caso à tese fixada:

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“Adaptando-se o acórdão recorrido integralmente à tese fixada neste Recurso Extraordinário, resta clarividente o direito dos Recorridos em ver confirmado seu direito de nomeação e posse no cargo para o qual foram aprovados.”

Desse modo, a tese de repercussão geral supramencionada coaduna-se perfeitamente aos casos em que não há a publicação de novo certame, mas o candidato reservado consegue provar que surgiram novas vagas e a necessidade de provimento se deu dentro do prazo de validade de seu concurso público, não sendo convocados por ato arbitrário da Administração Pública, situação que convola a mera expectativa de direito em direito subjetivo de nomeação.

A jurisprudência do STF é pacífica no sentido de reconhecer o direito subjetivo de nomeação dos candidatos, independentemente de serem aprovados em cadastro de reserva, quando ocorre a preterição por ato ilícito da Administração Pública. Nesse sentido, vejamos trecho no acórdão do RE em exame:  

No âmbito desta Corte, notam-se diversos julgados que pacificaram o entendimento a respeito do direito subjetivo à nomeação dos candidatos aprovados fora do numero de vagas previstas em edital, nos casos de comprovação de preterição ou arbítrio por parte da Administração. Precedentes: ARE 790897 AgR, Relator Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJe 07-03-2014; AI 728699 AgR, Relator(a): Min. Rosa Weber, Primeira Turma, DJe 01-08-2013; RMS 29915 AgR, Relator(a): Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, Dje 26-09-2012; RE 581113, Relator(a): Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, DJe 31-05-2011; AI 777644 AgR, Relator(a): Min. Eros Grau, Segunda Turma, DJe 14-05-2010; RE 227480, Relator(a): Min. Menezes Direito, Relator(a) p/ Acordao: Min. Carmen Lucia, Primeira Turma, DJe 21-08-2009.

Nessa quadra, “comprovada a necessidade de pessoal e a existência de vaga, configura preterição de candidato aprovado em concurso publico o preenchimento da vaga, ainda que de forma temporária” (AI 820065 AgR, Relatora Min. Rosa Weber, Primeira Turma, DJe 05-09-2012).” (grifou-se).

 

A preterição dos candidatos aprovados em cadastro de reserva de concurso vigente pode ser em decorrência da contratação de terceirizados para desenvolver as mesmas atividades concernentes ao cargo que foi objeto do concurso público, ou contratação de trabalhadores temporários por meio do processo seletivo simplificado previsto na Lei federal nº 8.745/1993, ou a nomeação imediata dos novos concursados em detrimento dos aprovados em certame mais antigo, entre outros comportamentos.

A preterição é o comportamento da Administração Pública que revela a inequívoca necessidade de nomeação dos aprovados, gerando para os mesmos uma pretensão legítima, que é a nomeação, a ser buscada pela via judicial.  

Conclusão

O surgimento de novas vagas, ou a publicação de novo concurso público enquanto vigente o anterior, não significa necessidade imediata de provimento das vagas.

O que gera o direito dos candidatos aprovados no cadastro de reserva é a necessidade da Administração pública em prover cargos e empregos públicos ainda na vigência do concurso público. Essa necessidade pode ser configurada inclusive quando ocorre a preterição dos candidatos.  

Assim, caracterizado o comportamento expresso do Poder Público capaz de revelar a existência de vagas e a inequívoca necessidade de nomeação dos aprovados em cadastro de reserva, durante o período de validade do certame, a mera expectativa de direito convola-se em direito subjetivo de imediata nomeação.

 

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Sobre a autora
Diana Nogueira

Advogada. Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Estácio de Sá.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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