Poder judiciário reconhece direito do aposentado que contribuiu para o INSS após sua aposentadoria de ser restituído

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O artigo analisa decisão da Justiça Federal, que reconheceu o direito de uma aposentada não contribuir mais para a Previdência e, ainda, determinou que R$ 42.000,00 em descontos vertidos para o Instituto sejam devolvidos àquela.

A Constituição Federal de 1988 prevê, em seu artigo 201, parágrafo 11, que o Regime Geral da Previdência Social – RGPS (Lei nº 8.213/1991) é de caráter contributivo – retributivo, isto é, deve haver uma contraprestação por parte da Seguridade Social, de forma que as contribuições vertidas pelo segurado ao I.N.S.S. devem repercutir em forma de benefício para o contribuinte. Confira a seguir:

“Artigo 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:

(...)

§ 11. Os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e conseqüente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei.”.

Um exemplo típico desta contraprestação prevista na Lei Maior e no RGPS é o caso do segurado que contribui para o I.N.S.S. e é acometido por doença que lhe impeça de exercer suas atividades profissionais por tempo superior a 15 (quinze) dias, fato que, respeitadas as formalidades legais, dá ensejo ao recebimento pelo segurado do benefício denominado Auxílio Doença.

No caso de quem já é aposentado e continua trabalhando/contribuindo para a Previdência, na mesma hipótese de doença mencionada acima, pela regra atual imposta pelo RGPS, não teria direito de gozar do benefício de Auxílio Doença, pois o I.N.S.S. nega a concessão de tal benefício, sob o argumento de que a aposentadoria e o auxílio doença são benefícios que não podem ser cumulados, isto é, recebidos ao mesmo tempo pelo segurado.

Na prática, isto significa que o segurado que ficar impedido de exercer suas atividades profissionais por tempo superior a 15 (quinze) dias não receberá o pagamento de salário por seu empregador, relativo ao tempo em que necessitar ficar afastado do trabalho, tampouco receberá do I.N.S.S. o auxílio doença e, ainda, segundo entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal em outubro/2016, também não poderá valer-se de suas contribuições posteriores a aposentadoria para renunciar ao seu benefício atual e pleitear um novo, mais vantajoso (desaposentação/desaposentadoria).

E é justamente por isto que a obrigatoriedade do aposentado que trabalha de contribuir para o I.N.S.S. é considerada inconstitucional, de forma que aqueles que se encontram em tal condição podem e devem requerer judicialmente o reconhecimento de inexigibilidade de tais contribuições e, ainda, de restituição das contribuições vertidas para o I.N.S.S. nos últimos 05 (cinco) anos, conforme entendimento da Justiça Federal que vem ganhando cada vez mais força.

Tanto é assim que, no dia 14/07/2017, a Justiça Federal reconheceu o direito de uma aposentada que continuou a contribuir para o I.N.S.S. após sua aposentadoria, a não contribuir mais para a Previdência e, ainda, determinou que R$ 42.000,00 em descontos vertidos para o Instituto sejam devolvidos à segurada.

A decisão é do juiz Luciano Tertuliano da Silva, do Juizado Especial Federal Cível da cidade de Assis, no interior do Estado de São Paulo.

​É certo que esta decisão apresenta-se como um importante precedente para que demais aposentados que continuaram a contribuir para o I.N.S.S. após a concessão de suas aposentadorias possam requerer judicialmente e conquistar o reconhecimento de seu direito de não contribuir mais para o Seguro Social e de terem restituídas todas as contribuições que tiveram descontadas nos últimos cinco anos.

​Ressalta-se que este precedente não guarda qualquer relação com a desaposentação julgada pelo Supremo Tribunal Federal em outubro/2016, haja vista que, na desaposentação, em síntese, discutia-se a renúncia do benefício para a obtenção de um benefício mais vantajoso, por meio de recálculo que considerava também as contribuições vertidas ao I.N.S.S. após a aposentadoria.

​No caso em questão, diversamente da desaposentação, não se pleiteia em juízo um novo benefício previdenciário, mas, sim, o reconhecimento do direito do aposentado que ainda trabalha ou continua contribuindo para a Previdência Social de não ser mais obrigado a contribuir e de ter restituídas as contribuições que fez após aposentar-se, pois, se o I.N.S.S. não concede qualquer tipo de contraprestação ao segurado aposentado que contribui, incorre em enriquecimento ilícito, o que não pode ser admitido no ordenamento jurídico pátrio.   

​Confira a seguir alguns trechos relevantes da sentença proferida em 14/07/2017, a qual reconheceu o direito de uma aposentada de desobrigar-se de contribuir para o I.N.S.S. e de ter os valores de contribuição anteriores restituídos:

​​" (...) qualquer regime, seja público ou privado, somente obterá o status de "previdenciário" se ofertar, no mínimo, cobertura securitária para os casos de doença, velhice, invalidez ou morte.

(...)

​Logo, quando aludida norma sibila que "o aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social - RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade" está inegavelmente impondo um condição de discriminação e, portanto, absolutamente excluidora por tratar diferentemente segurados sem qualquer argumento justificante, mormente porque ambos encontram-se em idêntica situação de patamares transponentes da mera formalidade, isso porque acabam, verdadeiramente, por excluir de qualquer proteção previdenciária àqueles que continuaram a contribuir para o Regime Geral de Previdência Social nas mesmas condições e efeitos de todo e qualquer contribuinte, e pelo simples fato de já terem obtido uma aposentadoria.

Continuidade essa, realce-se, imposta por lei, e não fruto de mera liberalidade do trabalhador.

​(...)

​Assim delineando-se a atividade legiferante apreciada, aos segurados obrigatórios já aposentados, que continuam contribuindo ao RGPS, não é franqueado um regime hábil a ser intitulado minimamente como "previdenciário", isso porque os exclui da cobertura decorrente de eventos como doença, velhice, invalidez ou morte, a despeito de continuarem expondo-se a todo e qualquer risco inerente ao exercício da atividade laboral, ofendendo o princípio da vedação da proteção insuficiente ao desrespeitar toda a evolução já analisada do direito fundamental à cobertura previdenciária .

​(...)

​Diante do exposto, nos termos da fundamentação supra, reconsidero a decisão proferida no evento 8 e:

​(...)

​3.2) Julgo procedentes os pedidos formulados na inicial, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para:

a) DECLARAR a inexigibilidade das contribuições previdenciárias sobre a folha de salários e rendimentos da autora, pagos ou creditados a qualquer título, enquanto permanecer vigente a relação laboral superveniente à aposentação;

b) CONDENAR a União a restituir à autora as contribuições descontadas de sua remuneração, incluindo-se as vincendas e as vencidas nos últimos cinco anos que antecederam a propositura da presente ação - ou seja, a partir de 09/02/2012 - , no importe de R$ 42.634,48 (quarenta e dois mil, seiscentos e trinta e quatro reais e quarenta e oito centavos), valor este posicionado para fevereiro de 2017 (conforme cálculo apresentado na inicial), tudo atualizado monetariamente, desde a data do indevido recolhimento, pela variação da SELIC, nos termos do artigo 39, § 4º, da Lei nº 9.250, de 1995, sem a incidência de juros (que já integram a Taxa SELIC);

c) CONCEDER, com fulcro no artigo 311, IV, a tutela de evidência para determinar à empregadora da autora que, a partir da intimação, deposite em conta à disposição deste Juízo, os valores que vier a descontar sobre a folha de salários e rendimentos da autora, a título de contribuição previdenciária prevista no artigo 195, I, "a", da Constituição Federal, até o trânsito em julgado desta sentença.

4. Oficie-se a Caixa Econômica Federal, PAB, para providenciar, no prazo de 5 (cinco) dias, à abertura de conta judicial e fornecer os respectivos dados bancários.

5. De posse dos referidos dados bancários, oficie-se a empregadora da autora para dar cumprimento integral à tutela de evidência ora deferida.

6. Defiro/mantenho a gratuidade de justiça.

(...)

​10. Sentença registrada eletronicamente.

Publique-se.

Intimem-se.

Cumpra-se.

LUCIANO TERTULIANO DA SILVA

Juiz Federal".

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​Desta forma, a expectiva é de que o Poder Judiciário, de uma forma geral, passe a esposar este entendimento, para que os direitos dos aposentados, garantidos pela Constituição Federal, não sejam novamente desrespeitados, como ocorreu no caso do julgamento da Desaposentação pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal, em outubro de 2016.

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Sobre os autores
Marcus Vinicius Camargo Salgo

Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Escola Paulista de Direito, Sócio da M.V. Camargo & Silva Bueno Sociedade de Advogados, advogado com mais de 10 anos de experiência nas mais diversas áreas do Direito.

Luciano da Silva Bueno

Especialista em Direito Previdenciário, sócio da M.V. Camargo & Silva Bueno Sociedade de Advogados, advogado com larga experiência nas mais diversas áreas do Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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