Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/1005
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Alguns comentários sobre a Lei 9807/99

(proteção às testemunhas)

Alguns comentários sobre a Lei 9807/99. (proteção às testemunhas)

Publicado em . Elaborado em .

A proteção a vítimas e testemunhas é algo de fundamental importância para o desenvolvimento das investigações policiais, para a instrução processual e para a diminuição da impunidade. Em relação à recente Lei 9.807, em vigor desde julho deste ano (1999), ainda mais conducente essa afirmação, uma vez que possibilita ao delegado que conduz as investigações negociar efetivamente com um co-autor da ação criminosa, no sentido de colaborar com a Polícia para a elucidação do crime, inclusive com o resgate incólume da vítima, conforme o caso, usando o forte argumento de que poderá nem mesmo pagar pelo crime que cometeu, se atender aos requisitos da Lei, e mesmo quando não atender alguns requisitos, poderá ser beneficiado com a redução de um a dois terços, em caso de condenação.

Na sua parte dirigente, estabelece regras a serem traçadas pelo Poder Executivo para organizar o programa de proteção, destinando verbas para tanto no orçamento, ficando nossa esperança pela sensibilização para a real necessidade de efetivar-se tal programa, com a institucionalização dos órgãos executores, de forma profissional, bem organizada e realmente com amplas possibilidades de poderem de fato realizar o intento legislativo.

Também estabelece medidas efetivas para que a testemunha e a vítima possam passar ilesas por toda a investigação, inclusive podendo mudar o nome completo do próprio protegido como de toda a sua família. Houve até mesmo a preocupação em proteger o participante do crime investigado, tudo na intenção de preservar o que for importante para a descoberta da verdade real, identificando os criminosos, recuperando o produto do crime e, precipuamente, localizando uma possível vítima que esteja com sua integridade física ameaçada, na maioria absoluta das vezes quando se tratar de crimes permanentes.

Não há, portanto, uma lacuna no ordenamento jurídico brasileiro no que se refere à proteção das testemunhas e vítimas. Basta o cumprimento.


Exclusão do Município

A Lei 9.807 (art. 1º) exclui o Município como ente federativo capaz de ajudar na realização da proteção às vítimas e testemunhas. Nada mais lógico.

Apesar da Constituição Federal ter feito referência às guardas municipais (art. 144, § 8º), fez mas com objetivo específico de proteção de bens, serviços e instalações do Município. Além do mais, poucos são os Municípios que mantém guardas municipais estruturadas e que, eventualmente, poderiam auxiliar na execução do programa protetivo. Aliás, o Município, como um ente federativo, não tem algumas características fundamentais de ente federativo e, o que é pior, passa por uma grande crise de estruturação, com grande desvalorização tributária e que, talvez por isso mesmo, não tenha tido condições de estruturar sua guarda municipal para, assim, contribuir na segurança das testemunhas e vítimas ameaçadas ou coagidas.


Colaboração dos Entes Federados e da Sociedade Civil

Mediante ajuste, convênio, acordo e termo de parceria, a União, os Estados, o Distrito Federal e entidades não-governamentais podem colaborar para que os programas protetivos sejam efetivados (art. 1º, § 2º). A Lei deu preferência à colaboração entre os entes federativos, mas não excluiu que haja participação de entidades não-governamentais, até mesmo porque já existia, em alguns Estados, antes da vigência da Lei 9.807, entidades não-governamentais mais adiantadas, com bom nível organizacional para proteger as testemunhas de crimes.

Necessário, portanto, que em todos os programas exista a participação de algum ente federativo. A Lei, implicitamente, proibiu a existência de programas sem a participação do Poder Público, mas, como não poderia ser diferente, vislumbrou a ajuda da comunidade na execução do programa. E a ajuda poderá ser realmente efetiva, se se considerar a capacidade de organização e até financeira de algumas pessoas que destinam boa parte de suas vidas a ajudar o Estado na consecução dos objetivos constitucionais. Seria interessante ter entre os membros das entidades não-governamentais pessoas formadas em Administração, para ajudar na organização de um bom programa, de forma gerenciada e profissional.

A fiscalização e a supervisão do convênio será feito pelo órgão do Ministério da Justiça com atribuições para a execução da política de direitos humanos (art. 1º, § 2º). Não será feita pelo Ministério Público, como poderia-se imaginar. Correto, pois trata-se de atividade administrativa, e não judicial, feita por contratos administrativos de destinação de verbas, responsabilização por vigilância em determinados casos, competência etc., onde o Ministério Público já terá assegurada a participação em função de ser obrigatória a participação de um membro seu em todos os Conselhos Deliberativos (art. 4º).


Inexistência de Taxação de Crimes

O legislador fez bem ao não estipular quais os crimes que seriam necessários existir para que houvesse a proteção. Qualquer crime poderá dar ensejo à proteção. Claro que os crimes contra a vida e o seqüestro merecerão especial atenção e terão maior efetivação, por certo, assim como os crimes organizados e as quadrilhas, no que tange ao co-réu. No entanto, a imensidão de casos e a grande quantidade de detalhes que os casos apresentam exigem que o legislador deixe à margem do Conselho Deliberativo uma capacidade de análise de todo e qualquer caso.

É preciso que, mesmo com fundamentos básicos dado pela Lei (vide adiante) para que se aceite alguém no programa de proteção, é fundamental que o crimes ameacem a paz social, um mínimo que seja, sendo despiciendo usar de um programa com tal amplitude para crimes que nem mesmo sequer repercutem no meio social, ou que não possam ajudar a desbaratar certas organizações criminosas e outros crimes que afligem decisivamente o meio social. Não precisaria dizer que os crimes de menor potencial ofensivo, e até mesmo os de médio potencial ofensivo ficam, em princípio, de fora do programa.

Atenção especial deve ter os crimes de ação penal privada, assim como o crime cometido por policias. Naqueles, ainda mais preocupação deve ter o estupro e o atentado violento ao pudor, onde a coação para que a vítima não demonstre interesse na persecução penal é até uma atividade "normal" do criminoso, especialmente quando há confronto de vítima e agente em diferentes níveis econômicos e sabendo que o depoimento da vítima, nestes crimes, vale quase como um testemunho, como tem deixado claro a jurisprudência, se comparado com outros indícios probatórios. Nos crimes cometidos por policiais, a vítima e as testemunhas sentirão um receio natural de serem protegidas pela própria Polícia, sendo relevante que o Conselho Deliberativo decida pela proteção de alguma das Polícias, e haja uma colaboração dos entes federativos neste sentido. Muito salutar que, se o indiciado ou acusado for policial militar, que a proteção seja feita pela Polícia Civil, ou pela Federal, e se for policial federal, que a proteção seja feita a nível estadual, e assim por diante, atendidas certas noções básicas de segurança e proteção, além de fiscalização.


Fundamentos Básicos Para a Inserção no Programa de Proteção

A Lei estabeleceu três fundamentos para que a pessoa seja beneficiada pelo programa: a) gravidade da coação ou da ameaça à integridade física ou psicológica; b) dificuldade de prevenir ou reprimir as coações ou as ameaças; c) importância da proteção da pessoa para a produção de prova.

Na verdade, a Lei deu ao Conselho Deliberativo (que tem competência exclusiva para julgar tais requisitos, cf. art. 6º, I) um amplo campo subjetivo de análise de cada caso concreto. Serão as circunstâncias de cada caso que levarão os membros do Conselho a decidir, sempre por maioria absoluta (parágrafo único do art. 6º), se a pessoa merece ou não entrar no programa e ser protegido. Parâmetros não poderiam faltar, como de fato não faltaram, mas cada caso concreto será o ponto básico para que o Conselho Deliberativo julgue acertadamente pela admissão no programa.

É pressuposto lógico de toda e qualquer proteção a existência de perigo, iminente ou não. E o perigo poderá ser apurado com os indícios claros de que de fato existe realmente a ameaça à vida ou à integridade física ou psicológica da pessoa, dos seus parentes e dependentes. Claro que, em determinados casos, será difícil provar a existência da coação ou da ameaça, mas o próprio crime em si já será um grande fundamento para a presunção da existência da ameaça ou da coação (como os crimes contra a vida, contra os costumes e cometidos por policias, como foi visto, vistas as peculiaridades de cada caso).

A preocupação com a integridade psicológica é correta, uma vez que é esta a integridade que deve estar estável para que a vítima ou testemunha diga ao juiz criminal tudo que sabe, e os criminosos podem, por ameaça às mesmas ou aos seus parentes, desequilibrá-las emocionalmente para omitir informações importantes ou, se não omitir, chegar mesmo a mentir por um estado de necessidade provocado pelo criminoso. Neste caso, contando com a colaboração da própria pessoa a ser protegida (já que será necessário o consentimento seu, cf. art. 5º, § 2º), deve existir um atestado das condições psicológicas da pessoa, além da sua personalidade, se volúvel ou não, se sensível ou não etc.

Também como ponto fundamental está a dificuldade de prevenir e reprimir a coação ou a ameaça sofrida pela pessoa. Se a coação ou a ameaça for eventual, sem seriedade, com razoabilidade para se verificar que é facilmente prevenida e até reprimida, não se deve fazer proteção por meio do programa. Há casos - a experiência criminal mostra isto -, que existem ameaças individuais, estimuladas pela emoção momentânea, com impossibilidade de se efetivar. São casos em que o agente, sem muito propósito, fala algo que amedronte a vítima, e até mesmo a testemunha, e que certamente será analisado por aqueles legitimados para pedir a proteção (o próprio interessado, o Ministério Público, o delegado, o juiz e órgãos públicos e privados com atribuições de defesa dos direitos humanos), até mesmo como forma de peneirar os pedidos, para que não sejam os mesmos em série, e sem fundamento, tendo-se em vista que somente se o Conselho Deliberativo aceitar, pela maioria absoluta, é que a pessoa entrará no programa.

A ameaça – é o que nos parece – precisa ser séria, e não precisa ser necessariamente que uma pessoa faça de forma séria e com o firme propósito de efetivá-la. Claro que a seriedade da ameaça individual será um fundamento forte para a proteção, mas nos parece que a Lei quis proteger aquela vítima e aquela testemunha que está sendo ameaçada pelo seu simples propósito de querer contribuir com a Justiça Penal, tendo o agente boas influências ou seja perigoso em função das suas passagens pela polícia, ou que tenha com ela algum relacionamento prévio, conhece sua família, seus amigos, sabe onde mora, tem fácil acesso ao endereço e sua residência, ou, também, que a pessoa a ser protegida pode ser um ponto importante para se chegar a outros criminosos que, assim, terão interesse no seu "silêncio".

Por isso mesmo, a Lei não esqueceu de colocar a "coação". Sim, porque a coação pode existir até mesmo sem a ameaça do agente. Há casos de crimes que soam, por si só, a necessidade da proteção, pois o agente pode ter amigos influentes ou perigosos (ou os dois), os interesses que estão por trás de um crime (como crimes de colarinho branco, envolvendo o erário público, com participação de pessoas importantes ou de qualquer agente político...), assim como a possibilidade de desbaratamento de um grande "esquema" se o crime investigado for esclarecido, são causas suficientes para que se considere a existência de uma coação psicológica para que a vítima e/ou a testemunha não deponha em juízo, necessitando da proteção de que trata o programa.

A importância da prova também deverá, claro, ser analisada pelo Conselho Deliberativo. Cabe, no entanto, fazer uma observação. É preciso ter cuidado para não se estigmatizar o programa como desumano e "interesseiro", isto é, só proteger pessoas se as investigações estiverem com dificuldades, e quando já existe uma clara evidência de que as investigações terão sucesso, dispense-se a pessoa que pede proteção, mesmo com a consciência de que está correndo grave risco de vida, uma vez que os três fundamentos básicos deverão ser analisados cumulativamente. Por certo haverá casos em que, mesmo diante de outras provas, o programa terá que proteger a pessoa, especialmente quando existe repercussão social do fato delituoso.

A Lei pecou ao não estipular o risco de vida como um outro fundamento. A ameaça ou a coação à integridade física ou psicológica, em combinação com a dificuldade de prevenir e reprimir, dá uma idéia clara de que, em cada caso, deverá existir o risco de vida. Malgrado isso, seria mais aconselhável dizer, expressamente, que o risco de vida seria um fundamento para a pessoa ser protegida, pois, assim, haveria mais subjetividade para que os membros do Conselho Deliberativo pudessem analisar de uma forma geral a existência direta do perigo, e não através da ameaça ou da coação. A fundamentação não terá como base a existência de perigo, por si só, e sim a existência da ameaça ou coação. Se assim fosse, não precisaria que o próprio agente ou outrem fizesse ameaça ou coação, e seria suficiente a fundamentação perante as circunstâncias de fato, mesmo não havendo realmente uma ameaça ou uma coação específica. A pessoa poderá estar correndo sério risco de vida sem mesmo haver nenhuma ameaça ou coação e, deste modo, podemos até vislumbrar que o simples perigo será o fundamento maior da proteção, com a interpretação do art. 2º neste sentido.


Exclusão do Programa

A Lei, no § 2º do art. 2º, exclui do programa de proteção os indivíduos cuja personalidade ou conduta for incompatível com as restrições de comportamento exigidas pelo programa, os condenados que estejam cumprindo pena e os indiciados ou acusados sob prisão cautelar em qualquer das suas modalidades. Como a pessoa que entra no programa é obrigada a se submeter às restrições óbvias e a um cuidado especial por parte do programa (§ 4º do mesmo art. 2º) como, por exemplo, interceptação telefônica consentida, segurança na residência, escolta, preservação da intimidade, imagem e dados pessoais, inclusive com mudança do nome completos em casos excepcionais (v. adiante), transferência de residência e outros (incisos do art. 7º), evidente que indivíduos que têm conduta incompatível com tais restrições não poderão ser beneficiadas pelo programa, como, em princípio, artistas, desportistas e políticos que estão na mídia quase que semanalmente, assim como aquela pessoa que já praticou falso testemunho, que é assaz reconhecida pela indisciplina, que insiste em não respeitar a discrição... Enfim, o caso concreto revelará, por certo, se a pessoa tem ou não conduta compatível com as restrições que serão impostas.

A personalidade da pessoa que quer ser protegida, evidentemente, poderá ser um óbice ainda mais contundente para se efetivar o programa. Pessoas com inclinação para a desobediência civil, que lidera movimentos pouco recomendáveis para a moral e os bons costumes e para o Estado Democrático de Direito, além daquelas pessoas que insistem em enfrentar e se expor às intempéries das ameaças, com falta de persuasão e análise do perigo (que querem ser "machões", em um bom português popular) podem (não obrigatoriamente, claro) demonstrar uma personalidade incompatível com todo o esforço que se fará para protegê-la. A personalidade de uma pessoa, sendo um elemento estável da conduta da mesma e que por isso mesmo a diferencia das demais, deverá ser analisada e comparada diante daquelas restrições que serão impostas e na inevitável mudança de comportamento individual e societário.

O condenado que cumpre pena não pode ser beneficiado porque já estará sendo restrita sua liberdade, e terá que cumprir certas condições incompatíveis com a proteção, como freqüentar determinado lugar, dizer suas atividades em juízo, onde mora, quando pretende viajar (penas restritivas de direito, liberdade condicional, "sursis"), o que tornaria impossível manter o sigilo necessário para a preservação do mesmo. Se o condenado cumpre pena em regime fechado, não há como, por obviedade, protegê-lo, não podendo retirá-lo da prisão.

As mesmas barreiras existem em relação à pessoa que está sob prisão cautelar, dificultando a sua proteção. Entendemos que a Lei poderia ter dado mais liberdade também neste aspecto, pois certamente haverá casos que a pessoa que está presa cautelarmente terá algo a dizer. Em um esforço interpretativo, seria até mesmo mais um caso de liberdade provisória a ser aceita pelo juiz, alargando o art. 310, caput, e seu parágrafo único, do Cód. Proc. Penal. A alegação de que aquela pessoa que está presa cautelarmente precisa sair da prisão porque é testemunha de um crime de grandes proporções e está correndo risco de vida devido a ameaças e coações, certamente influenciará o juiz a revogar a prisão cautelar, se bem que o art. 316 só aceita a revogação se não existir mais motivos para manter a prisão. No entanto, se o próprio Conselho Deliberativo entender que existe a necessidade de que a pessoa seja protegida, entendendo que mesmo estando na Cadeia Pública não está sendo protegida devidamente pela falta notória de condições estruturais, dando parecer favorável, é bem provável que a decretação da prisão preventiva será revista, até mesmo em grau de recurso, se necessário for.

Assim, se a pessoa não está mais sob prisão cautelar, poderá ingressar no programa de proteção, até mesmo porque não haverá perigo de fuga do mesmo, diante dos cuidados que serão tomados. Só será necessário que, caso tal idéia seja aceita, haja uma maior excepcionalidade para que a pessoa tenha seu nome mudado, já que estará, certamente, respondendo a um outro processo penal.

É preciso dizer também que quando o § 2º do art. 2º fala em acusados ou indiciados sob prisão cautelar e também em condenados, não está indicando, pela via transversa, que o co-réu ou partícipe poderá ingressar no programa de proteção se não estiverem cumprindo pena e não estiverem sob prisão cautelar. O co-réu e o partícipe do crime não poderão entrar no programa de proteção de vítimas e testemunhas, uma vez que tal proteção, como o próprio nome diz, é somente para vítimas e testemunhas (v. art. 1º). É que existirá um programa específico, com todas as necessidades práticas e restrições que só beneficiarão as vítimas e testemunhas, e o co-réu ou partícipe receberão outro tipo de proteção, cf. art. 15, caput e parágrafos. O acusado ou o indiciado de que trata o referido § 2º é outro que não o envolvido no fato delituoso investigado e que, eventualmente, sabe algo sobre o crime que está sendo investigado com possibilidade de proteção, tanto é assim que o art. 15 possibilita tratamento diferenciado para os co-réus e partícipes que estão em prisão cautelar, mas as medidas serão específicas, como se verá.


Do Consentimento da Pessoa Protegida

Para que a pessoa seja beneficiada, é preciso que ela dê seu consentimento (§ 3º do art. 2º). O consentimento deverá ser reduzido a termo, e guardado no arquivo secreto pelo órgão executor, apesar da lei não exigir, mas será mais que conveniente. O acesso ao arquivo será estritamente restrito aos membros do Conselho Deliberativo, sendo aconselhável que até mesmo os funcionários por ventura existentes não tenham acesso ao mesmo, resguardando a intenção da lei na preservação do sigilo, essencial, como se percebe.

Se a Lei obrigasse a pessoa a participar obrigatoriamente do programa, além de tangenciar a inconstitucionalidade porque restringiria a liberdade sem haver processo nem crime, retiraria o fundamento que nos parece essencial ao desenvolvimento do programa, que é a colaboração da própria pessoa protegida para se manter sã e salva. Se obrigasse, seria um contra-senso, pois o programa protetivo só poderá ter sucesso se houver interesse efetivo da vítima ou da testemunha. O sucesso do programa passa pela colaboração das partes e também pela confiança que deve existir no programa, razão porque deve sempre haver preocupação de composição do órgão executor por pessoas que inspirem total confiança da sociedade de que não haverá nenhum escape de informações, nenhuma falha na segurança e nenhuma corrupção ou envolvimento dos membros com o crime, organizado ou não. Por isso mesmo a Lei escolheu membros do Ministério Público e do Poder Judiciário, assim como pessoas que são reconhecidos pela honestidade e pela vontade de garantir os direitos humanos, representando os órgãos públicos e privados com atribuições neste sentido.

Como toda pessoa pode ser testemunha (art. 202, CPP), poderá haver casos em que até mesmo aqueles que não prestam compromisso (menor de 14 anos, doente mental, ascendente, descendente..., cf. art. 208 c/c 206, CPP) sejam intimados a comparecerem e prestarem esclarecimentos que poderão influenciar no convencimento judicial, até mesmo como indício. Nestes casos de incapacidade ou menoridade, o seu representante legal poderá dar a autorização, mas é importante destacar as dificuldades de cumprimento do programa de proteção se o representante legal não colaborar efetivamente com o órgão executor, diante da má vontade do menor ou do incapaz, que certamente existirão diante das restrições impostas.

A Lei, mui corretamente, previu a proteção para a vítima. Como se sabe, a mesma, por ter envolvimento emocional bastante forte com os fatos, muitas das vezes aumentando fatos para causar espécie no julgador, levado pelo ressentimento em relação ao agente e, por isso mesmo, não presta compromisso. Porém, a palavra da vítima, quando possível, é, quase sempre, o ponto de partida das investigações para, assim, arrecadar mais vestígios e chegar a outras provas, pois é ela a única que sabe exatamente como o crime ocorreu, quem é o agente ou suas características e possíveis testemunhas do evento delitivo. A partir do seu depoimento, as investigações têm um rumo mais ou menos definido, e até para o julgamento servirá de forte supedâneo para a condenação ou absolvição, quando há correlação com outros elementos probatórios. Quando se trata de crimes onde não há testemunhas, em lugar ermo (delito clandestino – qui clam comittit solent), cresce ainda mais a importância do depoimento da vítima, especialmente nos crimes sexuais ("Nos atentados contra a honra da mulher, a palavra da vítima é, em regra, precioso elemento de convicção, bastando para tanto que não haja prova contrária à sua precedente honestidade", cf. RT 220, pág. 92).

Nada mais justo, como se vê, proteger a própria vítima, e, neste caso, a fundamentação do Conselho Deliberativo será ainda mais fácil que no caso de testemunhas, tendo-se em vista que a vítima já foi alvo de atentado criminoso, certamente estando embutida a ameaça e a coação.


Participação do Ministério Público

O Ministério Público, mais uma vez, contou com a confiança do legislador, até mesmo porque deverá sempre defender os interesses individuais indisponíveis e, no caso, a vida da pessoa estará em jogo...

A maior participação do "Parquet" será mesmo a sua presença como um dos membros do Conselho Deliberativo, como se verá adiante. Porém, a Lei assegurou a participação do mesmo de outras formas, e uma delas é o parecer que deverá dar, obrigatoriamente, antes de se admitir a pessoa no programa de proteção. O art. 3º fala que toda admissão no programa ou exclusão dele será precedida de consulta ao Ministério Público sobre a existência dos fundamentos básicos (gravidade da coação ou ameaça à integridade física ou psicológica, dificuldade de preveni-las ou reprimi-las e importância para produção da prova).

A Lei fala que deverá haver consulta. Assim, não haverá inclusão e nem exclusão no programa se o Ministério Público, previamente, não analisar se existe ou não os fundamentos básicos (também para a exclusão: cessação dos motivos e incompatibilidade de comportamento da pessoa protegida). Não basta a simples intimação ou pedido de consulta, uma vez que um efetivo parecer será necessário sempre. Se houver desídia - o que é pouco provável em se tratando de Ministério Público -, o Procurador Geral deverá ser incitado pelo próprio membro do Ministério Público que estará no Conselho Deliberativo, ou por todos eles, para substituir o membro negligente.

A única hipótese de inexistência de prévia consulta ao Ministério Público é a proteção provisória, em caso de urgência (art. 5º, § 3º), mas até mesmo nestes casos, como é evidente, deverá haver um posterior parecer ministerial. Apesar do § 3º omitir a necessidade de consulta ao Ministério Público, em caso de proteção provisória, há de se interpretar o referido dispositivo em combinação com o art. 3º, devendo sempre a posteriori haver parecer do mesmo sobre a existência dos fundamentos básicos para a proteção.

O Ministério Público também está legitimado para pedir a admissão de alguma pessoa no programa (art. 5º, II). Se houvesse um efetivo controle externo da Polícia, como quer a Constituição, e não houvesse, como de fato há, omissão legislativa nesse sentido, já que houve veto de um pequeno resquício que se encontrava originalmente na Lei 8.625/93, art. 21, X e XI (LONMP), na parte que falava um pouco sequer sobre controle externo da atividade policial (salvo para o Ministério Público Federal, cf. Lei Complementar n. 75/93, arts. 9º e 10 que, apesar da vigência, certamente não realizou o intento constitucional por completo), a participação do "Parquet" seria mais efetiva, pois, acompanhando as investigações segundo uma eventual lei, saberia, diante da sensibilidade de seus membros, quando solicitar a proteção para determinada pessoa. É mesmo possível realizar o acompanhamento das investigações policiais e, apesar da polêmica, entendemos perfeitamente possível que as investigações sejam feitas diretamente pelo Ministério Público (como o próprio STF já deixou claro, mesmo rejeitando inicialmente a investigação pelo "Parquet", ao lembrar que não é de exclusividade da Polícia Judiciária a investigação, para, infelizmente, legitimar a investigação pelo próprio magistrado, em casos de organização criminosa), mas se houvesse uma lei que regulamentasse efetivamente o art. 129, VII, da CF/88, certamente não haveria qualquer tipo de dúvida e a participação nas investigações seria mais efetiva e bem mais legal e legítima. Mesmo assim, crescente é a procura direta ao membro do Ministério Público para que ele tome as providências, e também haverá procura do mesmo de pessoas que se sentem ameaçadas ou coagidas.

Na solicitação feita pelo Ministério Público, desnecessário a consulta ao mesmo, antes da admissão, mas somente quando, na própria solicitação, o "Parquet" já der seu parecer sobre os fundamentos básicos ditos no art. 2º. Se ele simplesmente fizer a solicitação, sem parecer sobre os fundamentos básicos, deverá ser consultado.

O Conselho Deliberativo não poderá, diretamente, requerer ao juiz criminal medida cautelar direta ou indiretamente relacionadas com a eficácia da proteção (art. 8º). Tal requerimento só poderá ser feito pelo Ministério Público. O Conselho Deliberativo poderá solicitar ao "Parquet" para requerer, e mesmo com a solicitação, pode o mesmo entender desnecessárias, já que não fica vinculado e não se trata de requisição. Obviamente que as medidas cautelares serão requeridas se houver base para o pedido, e o Ministério Público não faltará com a presteza e a vontade de efetivar a proteção. Foi até bom transferir o requerimento ao "Parquet", pois se trata de peça processual, onde há necessidade de técnica e de individualização do requerente, devendo sempre fundamentar o pedido com exposição da necessidade de alguma medida cautelar.

A Lei não dá legitimidade ao Ministério Público de requerer a mudança do nome completo da pessoa protegida. A própria pessoa protegida poderá requerer ao Conselho Deliberativo, e este deverá encaminhar o requerimento ao juiz competente para registros públicos (art. 9º, caput). O Ministério Público fará o papel de fiscal da lei, devendo ser ouvido sobre a possibilidade de mudança do nome (art. 9º, §2º), não sendo viável que ele mesmo peça a mudança do nome. Deverá ele estar atento ao resguardo de direitos de terceiros, como quer a própria Lei 9.807 (art. 9º, § 1º, "in fine"), e também a Lei 6.015/73 (art. 57, "caput"). É que com a mudança do nome completo da pessoa, algumas pessoas de boa-fé poderão ser prejudicadas, especialmente aquelas que tem com a pessoa protegida promessa de compra e venda e outros contratos e vínculos solenes com a mesma, além de necessidade de atenção para os sistemas de proteção do consumidor e bancos (SERASA, SPC, CADIN, BACEN...), de folhas de antecedentes para a Justiça Penal etc. Não pode também, neste ínterim, requerer a volta da pessoa a ter o nome original, já que deverá, da mesma forma, fiscalizar.

Entendemos que o Ministério Público tem legitimidade para requerer a exclusão da pessoa protegida do programa de proteção, apesar da omissão da Lei. A Lei 9.807/99 teve a preocupação de manter a competência exclusiva do Conselho Deliberativo para decidir, por maioria absoluta, sobre a exclusão da pessoa protegida do programa, em casos de cessação dos motivos que deram azo à proteção e também em caso de comportamento incompatível da pessoa protegida (poderá haver exclusão também se a própria pessoa pedir), cf. art. 10. No entanto, a Lei não falou nada sobre quem deveria esclarecer ao Conselho Deliberativo sobre a cessação dos motivos e sobre o comportamento da pessoa. Se o Ministério Público está acompanhando a proteção e está sabendo se existem ou não, ainda, os motivos, e também sobre o comportamento da pessoa, deverá, sim, solicitar o que bem entender, desde que fundamentado. O mesmo raciocínio vale também para se legitimar aqueles que já estão legitimados para pedir a admissão da pessoa no programa (juiz do processo, delegado do inquérito, órgãos públicos e privados com atribuição de defesa dos direitos humanos).

Como se sabe, a Ação Civil Pública foi levada adiante, principalmente, pelo trabalho brilhante do Ministério Público, e não será diferente com a Lei de Proteção de Vítimas, Testemunhas e Acusados, se dele depender.


Da Solicitação Para Admissão no Programa

Como o Ministério Público, o delegado, o juiz e os órgãos públicos e privados com atribuições de defesa dos direitos humanos são os que se envolvem diretamente com pessoas que estão correndo risco de vida em função das ameaças e coações, eles são, junto com o próprio interessado, os legitimados para solicitar a proteção ao Conselho Deliberativo (art. 5º, I a V).

Apesar da Lei não falar especificamente sobre a necessidade de sigilo na solicitação, pela interpretação sistemática, inclusive tendo-se em vista os parágrafos 3º e 4º, outra não pode ser a conclusão em relação à solicitação senão a necessidade de sigilo. Até mesmo pela própria natureza da proteção, e do intuito da Lei, tudo deverá correr no mais absoluto sigilo, e a relação com a imprensa deverá ser cautelosa e, até, enérgica em relação a repórteres ávidos para cumprir o seu papel constitucional de informar a população, principalmente quando se sabe da existência de inúmeros repórteres policiais que, se não mais que as autoridades, ao menos do mesmo tanto sabem, em relação ao crime, à(s) testemunha(s) e à(s) vítima(s). Não se tratará de uma indelicadeza ou uma afronta ao direito constitucional de informação, mas a restrição de determinados jornalistas às informações será necessária, assim como necessária será a punição, tanto do jornalista como, também, do próprio membro ou funcionário que divulgar fatos que deveriam ser sigilosos. Pena a Lei não ter estabelecido penas para a divulgação das informações...

A solicitação é um pedido administrativo, onde não existe contraditório e nem ampla defesa. Trata-se apenas de demonstrar ao Conselho Deliberativo os fundamentos básicos já ditos. Não há conflitos de interesses (lide) e nem mesmo um caso penal, razão porque não haverá resistência. A solicitação é feita em face do Estado, existindo um pedido imediato, e não mediato. Deste modo, mesmo que na solicitação tenha que se fazer referência ao delito, à coação ou à ameaça que a motiva (art. 5º, § 1º), não é necessário, em absoluto, a participação do suposto criminoso, de forma que, assim, ficará mais fácil para o Conselho Deliberativo manter o sigilo necessário à solicitação. Será necessário, como se percebe, após a proteção, ou até mesmo durante ela, que se apure as ameaças, as coações e, possivelmente, a participação em falso testemunho ou algum tipo de constrangimento ilegal, se não ficarem consumidas pelo delito principal (consunção), mas não será necessária a participação do suposto ameaçador ou coator na solicitação administrativa da admissão no programa protetivo.

Desnecessários, para acompanhar a solicitação, informações ou documentos comprobatórios de sua identidade, estado civil, situação profissional, patrimônio e grau de instrução, e da pendência de obrigações civis, administrativas, fiscais, financeiras ou penais, e nem exames ou pareceres técnicos sobre a personalidade, estado físico ou psicológico do interessado. Tais informações serão necessárias se o órgão executor assim entender e, conseqüentemente, pedir, para melhor instrução do pedido (art. 5º, § 2º), como no caso de alguma dúvida surgida. Se o interessado se negar a colaborar, já é um indício de que ele não se acomodará nas restrições impostas quando da execução do programa protetivo. Porém, é obrigatório juntar ao pedido de proteção "a qualificação da pessoa a ser protegida e com informações sobre a sua vida pregressa, o fato delituoso e a coação ou ameaça que a motiva", cf. art. 5º, § 1º. Esses dados são necessários pela própria característica da proteção, pois deverá existir consciência da residência, da profissão, do estado civil, e da própria vida pregressa do interessado, para saber da sua personalidade e das suas eventuais passagens pela Polícia ou Justiça Penal. Se no pedido deve o interessado convencer o Conselho Deliberativo sobre a coação ou a ameaça à sua integridade física ou psicológica, sobre a dificuldade de preveni-las e reprimi-las, assim como a importância da prova que poderá produzir, evidentemente que no pedido deverá constar menção sobre o fato delituoso e sobre a coação ou a ameaça que a motiva, como quer a Lei.


Da Mudança do Nome Completo

Todo o nome da pessoa a ser protegida poderá ser mudado (art. 9º). Além do nome do próprio protegido, poderá ser modificado o nome completo também do cônjuge, do companheiro, dos ascendentes, dos descendentes, assim como todo dependente do protegido, desde que com ele conviva habitualmente (art. 9º, § 1º c/c art. 2º, § 1º). Porém, é preciso sempre analisar que a Lei só permite em casos excepcionais, e com consideração das características e da gravidade da coação ou da ameaça. Portanto, não será corriqueira a mudança do nome da pessoa protegida, pois a Lei estabeleceu parâmetros rígidos para se suplantar, no objetivo de mudança do nome completo. Pudera, uma vez que a mudança do nome completo de alguém pode desorganizar todo o sistema cartorário, imobiliário, financeiro, de proteção de crédito e dos consumidores, bancário e até nos órgãos públicos de segurança.

Quando menciona as características de cada caso, foi clara a preocupação da Lei com as conseqüências práticas que a mudança poderá provocar, tendo-se em vista que, apesar de poder voltar ao nome original, a mudança tende a ser perpétua, diante da possibilidade de consumação das ameaças. Diferentemente da duração do programa (dois anos, podendo ser prorrogado), a mudança do nome, em princípio, deverá ser constante, o que ratifica ainda mais a necessidade de suplantar requisitos sérios.

A Lei, implicitamente, estabeleceu a legitimidade única da própria pessoa protegida para requerer a mudança do seu nome, tendo-se em vista que o Conselho Deliberativo poderá "encaminhar o requerimento da pessoa protegida ao juiz competente para registros públicos" (art. 9º, caput, in fine). Estabeleceu a Lei uma ordem natural para que se altere o nome da pessoa: ela mesma requer ao Conselho Deliberativo e este é quem encaminhará ao juiz. Não cabe ao Conselho Deliberativo julgar a conveniência ou não da mudança do nome, e sim ao juiz que receber o requerimento, já que a Lei fala em "encaminhamento", sem mencionar decisão alguma. Teria sido melhor se desse ao Conselho Deliberativo ao menos um "juízo de admissibilidade" do requerimento, para não enviar ao juiz dos registros públicos requerimentos totalmente vazios de fundamentos.

A Lei estabelece que o requerimento correrá em segredo de justiça e pelo rito sumaríssimo, com a prévia ouvida do Ministério Público (art. 9º, § 2º). Uma solicitação que seja decidida sem demora, com a maior pressa possível (o que pressupõe a antecipação em relação a outros pedidos), pega o ameaçador ou coator de surpresa, e é um grande reforço no sistema protetivo que, se bem usado, poderá realmente tornar bem mais difícil a tarefa de "calar" a testemunha ou vítima.

Seria interessante que as solicitações fossem feitas diretamente para um dos membros do Conselho Deliberativo (o que poderá ser regulamentado), e nem mesmo os funcionários poderiam ter acesso. É até perfeitamente possível, uma vez que não haverá problema algum de tramitação, devendo o membro que receber a solicitação avisar imediatamente os outros membros e, secretamente, decidirem a respeito.


Duração do Programa

O programa terá a duração de dois anos, sendo prorrogado pelo tempo necessário para a efetivação da proteção, em circunstâncias excepcionais e se perdurar os motivos que deram ensejo à proteção inicial, cf. art. 11, caput e parágrafo único. É preciso levar em consideração que a Lei não desejou a prorrogação do prazo, e mesmo que ainda existam os motivos, somente em casos excepcionais é que deverá ser prorrogado.

A advertência vale porque quando a própria Lei lembra da excepcionalidade, e se ela fala é porque se deve ter em mente que quer dizer que as circunstâncias deverão ser manifestas, e que não haja nenhuma dúvida de que é necessário mesmo continuar a proteger a pessoa.

Aqueles motivos que ensejaram a prisão, considerando os fundamentos básicos (ameaça ou coação à integridade física ou psicológica, dificuldade de preveni-las ou reprimi-las e importância da prova), deverão perdurar pelos longos dois anos. Em alguns casos, o suspeito que está sendo investigado pode, mesmo, deixar que a repercussão inicial arrefeça, que seu nome não seja mais cogitado pela imprensa, para depois tentar contra a vida da testemunha ou vítima. São casos de sentimentos vingativos perpétuos, onde a atividade criminosa é predeterminada e extremamente perigosa.


Do Conselho Deliberativo

Haverá um Conselho Deliberativo, especialmente para decidir sobre a admissão e exclusão de pessoas no programa protetivo, assim como decidir sobre as providências necessárias para o cumprimento do programa, sendo que todas essas decisões serão feitas pela maioria absoluta de seus membros (art. 6º, I e II, e parágrafo único). Dentro do Conselho haverá, também, órgãos com atribuições específicas a serem descritas, e esses órgãos serão sempre compostos por agentes com "formação e capacitação profissional compatíveis com suas tarefas", cf. art. 4º, § 1º, in fine.

Os membros do Conselho Deliberativo serão integrados com "representantes": a) do Ministério Público; b) do Poder Judiciário; c) de órgãos públicos e privados relacionados com a segurança pública e a defesa dos direitos humanos. Colocamos entre aspas ("representantes") porque o promotor e o juiz não são representantes, respectivamente, do Ministério Público e do Poder Judiciário... São membros, pois não representam ninguém; são os próprios Ministério Público e Poder Judiciário, equivocando-se a Lei, como de fato existe muito equívoco em relação a este detalhe. O importante mesmo é perceber que a Lei não estabeleceu a quantidade de membros do Ministério Público, do Poder Judiciário e nem representantes dos órgãos públicos e privados relacionados com a proteção dos direitos humanos, podendo existir mais de um membro e mais de um representante de cada.

Também pelo texto legal nota-se que será obrigatória a participação de representante dos órgãos privados, já que a Lei usa "e", e não "ou", não podendo existir Conselho Deliberativo sem a participação da sociedade. Cabe uma ressalva. Se em determinado Estado da federação não existir nenhum órgão privado de defesa dos direitos humanos, ainda assim entendemos necessária a composição do Conselho por membros da sociedade, mesmo que para tanto seja necessário buscar membros de um órgão de caráter nacional ou, até, de outro Estado, pois a Lei, além de ter usado a expressão indicativa de adição, privilegiou em todo momento a participação da sociedade, incitando a mesma a contribuir na proteção das vítimas e testemunhas.


Da Proteção aos Réus Colaboradores

A Lei protege o co-réu ou partícipe de forma diferente da vítima e da testemunha. Como já se disse, o programa de proteção só existe para as vítimas e as testemunhas, mas não para os co-autores e partícipes dos crimes que estão sendo investigados.

Não há inclusão em programa, com todas as conseqüências, mas sim algumas medidas especiais de segurança e proteção da sua integridade física (a Lei não fala em proteção da integridade psicológica do co-réu ou partícipe), mas somente se houver ameaça ou coação eventual ou efetiva à sua pessoa. As medidas principais serão: a) estando em prisão cautelar, deverá ficar em dependência separada dos demais presos; b) estando cumprindo pena em regime fechado, o juiz criminal determinará medidas especiais para a segurança.

Como é público e notório, as nossas penitenciárias, cadeias públicas, colônias agrícolas, industriais ou similares, casa do albergado, centro de observação, hospital de custódia e tratamento psiquiátrico e cadeias públicas, quando existem realmente, estão em condições animalescas, sem nenhuma atenção séria, de modo geral, do Poder Executivo, havendo inúmeras fugas e crimes cometidos pelos fugitivos ou por aqueles que conseguiram a progressão de regime ou estão em liberdade condicional. Assim, seria até ilusão pensar em tratamento diferenciado a presos em Cadeias Públicas ou em Penitenciárias, como lembra o art. 15 da lei em análise.

Não somos tão pessimistas...

A falta de estrutura, obviamente, impedirá a realização da intenção da Lei, o que é uma lástima, mas com a previsão legal, os operadores jurídicos, com criatividade e até com muita sabedoria, saberão manter afastados os colaboradores dos demais presos (certamente taxados de "traidores", o que para o "Código Penal Informal" dos presos merece até a morte), até mesmo porque interessará à autoridade policial e à judicial a preservação do colaborador, para desvendar o crime.

A Lei estabeleceu normas penais materiais importantes, e que precisam ser bem compreendidas.

Antes de qualquer coisa, consideramos que, com a Lei 9.807/99, está superada a polêmica sobre a natureza jurídica da sentença que concede o perdão judicial. Como se sabe, existe ainda a polêmica, uns entendendo que se trata de condenação, mas sem aplicar a pena, com as conseqüências naturais de possibilidade de reincidência, custas processuais, lançamento do nome do réu no rol dos culpados e até na reparação dos danos (só não se aplicaria os efeitos principais: pena privativa de liberdade, restritiva de direitos e multa), já que o art. 120 do CP diz que só não se considera o perdão judicial para a reincidência; outros entendem que se trata de sentença absolutória, sem qualquer efeito secundário, pois trataria de sentença declaratória da extinção da punibilidade. A divergência maior está entre o STJ, que até já sumulou o assunto (18), no sentido da inexistência de efeitos secundários, e o STF que, com supedâneo também nos ensinamentos de Damásio Evangelista de Jesus, ainda mantém alguns posicionamentos no sentido da existência dos efeitos secundários da sentença concessiva do perdão judicial.

A Lei, ao nosso ver, põe uma pá de cal na divergência, pois diz expressamente que o perdão judicial extingue a punibilidade, caracterizando que é uma declaração de extinção da punibilidade. Não subsiste, deste modo, qualquer efeito condenatório secundário.

Para o co-réu ou partícipe colaborador, a Lei concedeu duas benesses: o perdão judicial e a redução da pena de um terço a dois terços.

O perdão judicial só será concedido pelo juiz se o acusado for primário e tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa, a localização da vítima com a sua integridade física preservada e a recuperação total ou parcial do produto do crime (art. 13, "caput" e incisos I, II e III).

Deste dispositivo legal, podemos tirar algumas conclusões. A primeira é a que diz respeito à primariedade. Primariedade não se confunde com bons antecedentes, é bom dizer. Primário é quem, apesar de estar sendo processado criminalmente, não tem qualquer sentença penal condenatória transitada em julgado contra si. Relaciona-se com a reincidência que, ao contrário, só existe quando transita em julgado a sentença penal condenatória. Pessoa com bons antecedentes é aquela que, além de inexistir indiciamento ou processamento, tem uma conduta social imaculada, cujo comportamento demonstre que sua responsabilidade, honestidade e comportamento são aceitos moralmente. Para receber o perdão judicial, não é preciso ter bons antecedentes, mas deve ter o co-autor personalidade adequada, além dos outros requisitos subjetivos adiante mencionados.

O legislador, intencionalmente, usou a expressão "voluntariamente", ao invés de "espontaneamente". A diferença é fundamental. Quando alguém age sem coação física ou psicológica, mas incentivada, motivada por outras pessoas, está agindo voluntariamente. Voluntário é antônimo de pressão. Se não há pressão ou coação física ou psicológica para alguém tomar alguma atitude, esta atitude será voluntária. Diferentemente, só haverá ato espontâneo se não houver incitação ou qualquer motivação. A pessoa, por si, julga conveniente tomar a atitude, e toma, sem que ninguém a incite. A propósito, leia a seguinte ementa: "Direito Penal - Furto qualificado - Tentativa - Prisão em flagrante - Confissão espontânea - Pena. O fato de ser observado por vizinhos, quando se fazia presente no interior da residência, de onde subtrai os objetos que foram apreendidos em seu poder, ao empreender fuga, não afasta a tentativa de furto; não configura a atenuante da confissão espontânea, mas confissão voluntária, se a autoria do delito já era conhecida e de parte do acusado não houve arrependimento e intenção de auxiliar a justiça. DECISÃO: Negar provimento ao recurso. Decisão unânime" (TJDF - 2a. TCr. - Acr. N. 1706296 - Rel. Juiz Joazil M. Gardes - DJ 07.06.99 - pág. 119). Vide, por exemplo, comparação com o art. 15 e o art. 65, III, b, ambos do Código Penal, já que somente a procura espontânea para minorar as conseqüências do crime, e não voluntariamente, pode gerar a atenuante, do mesmo modo que a confissão espontânea, como foi visto (art. 65, III, "d", do CP, e até o legislador originário do CPP, no art. 318, protegeu a espontaneidade, e não a voluntariedade, mesmo não mais tendo eficácia tal dispositivo).

Assim, se o legislador tivesse usado a expressão "espontaneamente", o indiciado ou o acusado, conforme o caso, só seria beneficiado se ele mesmo tomasse a atitude de colaborar com a investigação, impedindo a incitação do delegado e do juiz para que o indiciado ou acusado colaborasse. Em muitos casos, o indiciado fica recalcitrante em colaborar, e com muito jeito o delegado consegue que o mesmo colabore (sem tortura, bom dizer)... Em muitos casos, o indiciado não sabe dos benefícios que terá se colaborar com a Polícia, e o delegado, sabendo, poderá incitar o mesmo pela análise das conseqüências práticas do que a Lei diz, como a possibilidade de não dever nada para a justiça, de falta de perseguição por parte da polícia, assim como possibilidade de não cumprimento de pena em regime fechado, se houver a redução, segurando ao mesmo, com fluidez de raciocínio, que os co-autores não conseguirão atentar contra a vida do mesmo porque ele terá a ajuda da Polícia na sua proteção, além das benesses naturais de manter contado com Policiais etc. Enfim, o delegado usa da sua experiência e da sua própria autoridade para arrancar do co-réu dados importantes para o desbaratamento do fato delituoso. Nestes casos, se o legislador tivesse usado o termo "espontaneamente", seria uma lástima para tentar convencer o co-réu ou partícipe, pois os benefícios não seriam devidos.

Para o perdão judicial ser realmente concedido, necessário se faz uma colaboração efetiva. Isto quer dizer que de nada adiantará todo o esforço, a voluntariedade (e até a espontaneidade) do co-autor em ajudar na investigação, se esta colaboração não influenciar em nada na identificação dos demais co-autores ou partícipes, na recuperação total ou parcial do produto do crime e na localização da vítima com a sua integridade física preservada. É que pode acontecer do co-indiciado ou co-réu que foi capturado dar informações à autoridade responsável pela investigação, mas desta informação não se consegue nem mesmo um vestígio do produto do crime, da própria vítima e dos demais participantes da ação criminosa. Como se trata de perdão judicial, foi bem a lei ao estipular requisitos sérios para a concessão do perdão judicial, pois somente quando houver um efetivo merecimento do co-réu ou co-indiciado tal benefício será realmente concedido.

Cabe indagar sobre a cumulatividade ou alternatividade dos incisos do art. 13. Trata-se de cumulatividade, e não de alternatividade. Salvo impossibilidade de efetivação dos três requisitos, como no caso de homicídio onde não se fala em recuperação total ou parcial do produto do crime, necessário sempre que a colaboração do co-autor seja efetiva, voluntária, que ele seja primário e que desta colaboração tenha resultado a identificação dos demais participantes, a localização da vítima com sua integridade física preservada e a recuperação total ou parcial do produto do crime.

Quando a lei fala que a vítima deverá ser localizada com sua integridade física preservada, nos parece que não quis ela vislumbrar uma vítima "sem qualquer arranhão". A intenção foi de recuperar a vítima que não tenha sofrido tortura, que não esteja correndo risco de vida, que não tenha sido machucada significativamente etc. Pode acontecer da vítima, em função de um cativeiro, no caso de seqüestro, sofra limitações físicas (desnutrição, infecção etc.) em função da falta de boa comida, ou de permanecer em local escuro ou conviver com insetos e/ou ratos. Nestes casos, nos parece que o perdão judicial ainda será devido, caso haja realmente um merecimento do co-autor, em função de que sua colaboração foi decisiva para a localização da vítima. Talvez por isso mesmo a Lei não defende a integridade psicológica da vítima como pressuposto do perdão judicial, uma vez que o estado emocional, inevitavelmente, não será o mesmo e, assim, haveria um incentivo para que o co-autor não colaborasse, sabendo-se que não conseguiria localizar a vítima com sua integridade psicológica preservada.

Mesmo com tais requisitos objetivos, a Lei, também com acerto, estabeleceu requisitos subjetivos. Dentro da visão de que a Justiça Penal é uma Justiça de casos concretos, deu ao julgador a possibilidade de não conceder o perdão judicial mesmo presente todos os requisitos subjetivos, substituindo pela redução da pena. O parágrafo único do art. 13 exige que a personalidade do possível perdoado seja conducente a merecer o perdão judicial, assim como a natureza do crime, as circunstâncias que o envolvem, a sua gravidade e, também, a repercussão social do mesmo.

Com tais requisitos subjetivos, não cabem críticas no caso de crime contra o patrimônio, onde, em uma excogitação, vislumbra-se uma quadrilha roubando vários objetos de valores, ou uma quantia significativa de um banco e, capturado um dos co-autores, este, maliciosamente, indica onde está somente parte do produto do crime e ajuda na captura dos demais co-autores, vindo a receber o perdão judicial e, assim, livre para desfrutar da outra parte... É que, nestes casos, já que a Lei exige a presença de requisitos subjetivos, o juiz saberá, mediante informações do delegado, se realmente merece o perdão judicial. Neste caso, a personalidade do co-autor impedirá o perdão judicial, merecendo somente a redução.

A Lei (art. 15) estabeleceu também redução de um a dois terços, em caso de condenação, ao "indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime". Também deste dispositivo retiram-se conclusões importantes.

Mesmo não podendo receber "perdão judicial" (caso não seja primário), o indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente na investigação criminal, terá a pena reduzida. Com o texto do artigo 14, parece bem claro que mesmo que não haja localização da vítima, identificação dos demais co-autores ou partícipes e nem se recupere total ou parcialmente o produto do crime, o indiciado ou o acusado que colaborar voluntariamente com a investigação será beneficiado com a redução de um a dois terços. Nem é necessário ser primário. Isto porque no art. 14, em nenhum momento, há a exigência de que a colaboração seja "efetiva", e nem repete as expressões "desde que" utilizadas pelo art. 13 para haver o perdão judicial, e nem menção faz à primariedade, sendo proibida a interpretação contra a liberdade e contra maiores favores dado pela própria lei para se restringi-la (favorabilia amplianda, odiosa restringenda)

Portanto, para haver o perdão judicial, não é necessária apenas a colaboração. Para a extinção da punibilidade é preciso que realmente seja efetiva a colaboração e desde que tenha resultados significativos, além de merecimento pessoal diante dos requisitos subjetivos. Para a redução da pena, é necessária apenas a colaboração voluntária do co-autor, e nem mesmo foi exigido requisitos subjetivos.

Como se vê, a Lei, neste caso, pecou, uma vez que, além de desproporcional, não fez maiores exigências, não colocou os mesmos requisitos subjetivos para o merecimento do perdão judicial e nem uma eventual necessidade de não reincidência. E foi desproporcional porque reduziu a pena do crime consumado na mesma quantidade como se fosse ele uma mera tentativa (parágrafo único do art. 14, CP) ou que tenha havido um arrependimento posterior (art. 16, "in fine"), mesmo havendo consumação e até violência ou grave ameaça.

Do jeito que está, e não havendo uma nova lei acrescentando outros requisitos, haverá agente beneficiado com tamanha redução sem ter colaborado espontaneamente, que não é primário, que a colaboração não tenha ajudado em nada na investigação e que a personalidade, as circunstâncias, a natureza, a gravidade e a repercussão do crime sejam desfavoráveis. Não é justo, e pode até surgir argumentos de ordem constitucional, em função do princípio da isonomia e da proporcionalidade.

Não será difícil imaginar o constrangimento de autoridades tendo que reconhecer que houve a colaboração, mesmo sendo infrutíferos todos os gastos na investigação e com o co-autor ajudando. Também não raras vezes haverá um certo obstáculo por parte das autoridades policiais de dizerem que houve realmente a colaboração, e advogados requerendo que se reduza a termo a colaboração que será feita, para, assim, incidir a redução sem o perigo da negativa das autoridades que investigam o fato delituoso de que não houve colaboração.

Evidentemente que maior atenção exigirá das autoridades quando existirem indícios de que o co-autor, na verdade, está blefando em alguma informação. Poderá, claro, haver casos em que o participante indica local, nomes e indícios falsos, com a intenção predeterminada de alcançar a redução, sem, contudo, a vontade efetiva de colaborar. Para autoridades experientes, talvez seja fácil saber da má-fé dos co-autores, mas será sempre necessária uma atenção especial, principalmente quando o co-autor já foi devidamente esclarecido pelo advogado no que tange às benesses da Lei.


Uma Rápida Conclusão Política

Obviamente que não precisa dizer do atraso do Brasil no que tange à proteção das testemunhas e das vítimas, e até dos próprios co-autores e partícipes da ação criminosa. Enquanto nos Estados Unidos já existe, desde há muito, verbas exclusivas destinadas ao programa protetivo, com extrema profissionalização, no Brasil, mesmo com um reclamo social efetivo e constante por uma legislação e agora com a mesma em pleno vigor desde julho, ainda não se percebe uma preocupação e uma sensibilidade para a importância dos programas protetivos pelas autoridades competentes.

Claro que a existência da Lei já um avanço fenomenal em um país mal acostumado com a necessidade de uma base profissional para investigação criminal, merecendo elogios o trabalho realizado pelo Programa Nacional de Direitos Humanos, responsável direto pela sensibilização do Congresso Nacional para formulação e aprovação da referida Lei. No entanto, tal Lei é essencialmente dirigente, exigindo que se faça um trabalho político, com destinação de verbas e com uma disponibilidade orçamentária que, apesar dos pesares econômicos, não exigirá quantias nem mesmo significativas dos cofres públicos. Tal conclusão é reforçada quando se lembra da importância fundamental de proteção das testemunhas e das próprias vítimas que nem mesmo chegam a ir à Polícia denunciar os crimes testemunhados. Quando muito, apenas denunciam anonimamente, havendo uma investigação que, ao final, acaba "não dando em nada", isto é, sem subsídios probatórios para identificar os criminosos e condená-los.

A denúncia anônima, apesar da vedação constitucional do anonimato, é um poderoso instrumento que a Polícia tem para impedir alguns crimes, assim como encontrar produto de crime e até, em alguns casos, encontrar a vítima e em outros casos raros, levar os criminosos à condenação. A denúncia anônima prova a imensidão de pessoas que, diante de um juiz, poderiam levar, ao menos, indícios, quando não a própria prova desejada para encontrar a verdade real e, encontrando-a, haver condenação e impor justiça.

O Brasil tem algo de especial que necessita efetivamente de um programa sério como está explícito na "mens legis". O povo brasileiro, apesar de pacífico, tem grande potencialidade de colaborar com a Justiça Penal, e só não colabora por razões óbvias (medo, pavor, constrangimento, falta de segurança, presença do "Estado-bandido" ao invés do Estado de Direito em algumas localidades, poder do crime organizado etc.). Não é à-toa que percebemos que existe uma maior conscientização (apesar de ainda pequena, é bem verdade) de que o Estado não conseguirá, sozinho, realizar o bem comum, necessitando da ajuda da população. Os "braços cruzados" do membro da sociedade estão cada vez mais sendo considerados com símbolos de co-autoria pelas misérias, de co-responsabilização pela falta do bem comum.

O Estado precisa, neste diapasão, oferecer meios para que toda a potencialidade brasileira aflore e, junto com ele, alcance os objetivos unânimes. E um dos objetivos unânimes é que no Brasil existe necessidade de uma Segurança Pública melhor, mais aparelhada, mais profissional e uma investigação capaz de acabar com o desastroso estigma da "impunidade brasileira".

Não há argumentos para a não efetivação da novel legislação. Até o argumento, absurdo, de que o investimento na investigação criminal "não dá voto", não tem um mínimo de base política. A sociedade, em função da grandiosidade da criminalidade, quer e está atenta para os governantes que, mesmo não se esquecendo de que se deve instruir as crianças para não punir os homens, não guardam esforços para que a impunidade não seja um sentimento incorporado na consciência popular brasileira. Dá voto sim, e como dá. Mais que voto, dá também coragem ao povo de confiar no sistema burocrático estatal para buscar a punição dos culpados e, assim, acaba por se firmar, na mesma consciência popular, a valorização do crime em detrimento da sua banalização, e a impor freios psicológicos e materiais à atividade criminosa.

Em relação à dotação orçamentária, podemos dizer com toda certeza que não haverá, sequer, um sentimento de perda de verbas públicas, diante da grandiosidade da diferença do custo-benefício. Além do mais, não se trata de construção de obras, mas de organização, com a possibilidade de gasto efetivo somente quando da ajuda financeira à testemunha ou vítima ameaçada ou coagida.

A Lei 9.807/99, se efetivada, será, sem dúvida, um meio de vazão para que a sociedade ajude na investigação criminal. A esperança, portanto, está renovada. Confiemos, então, no seu sucesso, pois o povo brasileiro merece.


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PONTES, Bruno Cezar da Luz. Alguns comentários sobre a Lei 9807/99. (proteção às testemunhas). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 36, 1 nov. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1005. Acesso em: 17 maio 2024.