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Alguns comentários sobre a Lei nº 9.807/99 (proteção às testemunhas)

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01/11/1999 às 01:00
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A proteção a vítimas e testemunhas é algo de fundamental importância para o desenvolvimento das investigações policiais, para a instrução processual e para a diminuição da impunidade. Em relação à recente Lei 9.807, em vigor desde julho deste ano (1999), ainda mais conducente essa afirmação, uma vez que possibilita ao delegado que conduz as investigações negociar efetivamente com um co-autor da ação criminosa, no sentido de colaborar com a Polícia para a elucidação do crime, inclusive com o resgate incólume da vítima, conforme o caso, usando o forte argumento de que poderá nem mesmo pagar pelo crime que cometeu, se atender aos requisitos da Lei, e mesmo quando não atender alguns requisitos, poderá ser beneficiado com a redução de um a dois terços, em caso de condenação.

Na sua parte dirigente, estabelece regras a serem traçadas pelo Poder Executivo para organizar o programa de proteção, destinando verbas para tanto no orçamento, ficando nossa esperança pela sensibilização para a real necessidade de efetivar-se tal programa, com a institucionalização dos órgãos executores, de forma profissional, bem organizada e realmente com amplas possibilidades de poderem de fato realizar o intento legislativo.

Também estabelece medidas efetivas para que a testemunha e a vítima possam passar ilesas por toda a investigação, inclusive podendo mudar o nome completo do próprio protegido como de toda a sua família. Houve até mesmo a preocupação em proteger o participante do crime investigado, tudo na intenção de preservar o que for importante para a descoberta da verdade real, identificando os criminosos, recuperando o produto do crime e, precipuamente, localizando uma possível vítima que esteja com sua integridade física ameaçada, na maioria absoluta das vezes quando se tratar de crimes permanentes.

Não há, portanto, uma lacuna no ordenamento jurídico brasileiro no que se refere à proteção das testemunhas e vítimas. Basta o cumprimento.


Exclusão do Município

A Lei 9.807 (art. 1º) exclui o Município como ente federativo capaz de ajudar na realização da proteção às vítimas e testemunhas. Nada mais lógico.

Apesar da Constituição Federal ter feito referência às guardas municipais (art. 144, § 8º), fez mas com objetivo específico de proteção de bens, serviços e instalações do Município. Além do mais, poucos são os Municípios que mantém guardas municipais estruturadas e que, eventualmente, poderiam auxiliar na execução do programa protetivo. Aliás, o Município, como um ente federativo, não tem algumas características fundamentais de ente federativo e, o que é pior, passa por uma grande crise de estruturação, com grande desvalorização tributária e que, talvez por isso mesmo, não tenha tido condições de estruturar sua guarda municipal para, assim, contribuir na segurança das testemunhas e vítimas ameaçadas ou coagidas.


Colaboração dos Entes Federados e da Sociedade Civil

Mediante ajuste, convênio, acordo e termo de parceria, a União, os Estados, o Distrito Federal e entidades não-governamentais podem colaborar para que os programas protetivos sejam efetivados (art. 1º, § 2º). A Lei deu preferência à colaboração entre os entes federativos, mas não excluiu que haja participação de entidades não-governamentais, até mesmo porque já existia, em alguns Estados, antes da vigência da Lei 9.807, entidades não-governamentais mais adiantadas, com bom nível organizacional para proteger as testemunhas de crimes.

Necessário, portanto, que em todos os programas exista a participação de algum ente federativo. A Lei, implicitamente, proibiu a existência de programas sem a participação do Poder Público, mas, como não poderia ser diferente, vislumbrou a ajuda da comunidade na execução do programa. E a ajuda poderá ser realmente efetiva, se se considerar a capacidade de organização e até financeira de algumas pessoas que destinam boa parte de suas vidas a ajudar o Estado na consecução dos objetivos constitucionais. Seria interessante ter entre os membros das entidades não-governamentais pessoas formadas em Administração, para ajudar na organização de um bom programa, de forma gerenciada e profissional.

A fiscalização e a supervisão do convênio será feito pelo órgão do Ministério da Justiça com atribuições para a execução da política de direitos humanos (art. 1º, § 2º). Não será feita pelo Ministério Público, como poderia-se imaginar. Correto, pois trata-se de atividade administrativa, e não judicial, feita por contratos administrativos de destinação de verbas, responsabilização por vigilância em determinados casos, competência etc., onde o Ministério Público já terá assegurada a participação em função de ser obrigatória a participação de um membro seu em todos os Conselhos Deliberativos (art. 4º).


Inexistência de Taxação de Crimes

O legislador fez bem ao não estipular quais os crimes que seriam necessários existir para que houvesse a proteção. Qualquer crime poderá dar ensejo à proteção. Claro que os crimes contra a vida e o seqüestro merecerão especial atenção e terão maior efetivação, por certo, assim como os crimes organizados e as quadrilhas, no que tange ao co-réu. No entanto, a imensidão de casos e a grande quantidade de detalhes que os casos apresentam exigem que o legislador deixe à margem do Conselho Deliberativo uma capacidade de análise de todo e qualquer caso.

É preciso que, mesmo com fundamentos básicos dado pela Lei (vide adiante) para que se aceite alguém no programa de proteção, é fundamental que o crimes ameacem a paz social, um mínimo que seja, sendo despiciendo usar de um programa com tal amplitude para crimes que nem mesmo sequer repercutem no meio social, ou que não possam ajudar a desbaratar certas organizações criminosas e outros crimes que afligem decisivamente o meio social. Não precisaria dizer que os crimes de menor potencial ofensivo, e até mesmo os de médio potencial ofensivo ficam, em princípio, de fora do programa.

Atenção especial deve ter os crimes de ação penal privada, assim como o crime cometido por policias. Naqueles, ainda mais preocupação deve ter o estupro e o atentado violento ao pudor, onde a coação para que a vítima não demonstre interesse na persecução penal é até uma atividade "normal" do criminoso, especialmente quando há confronto de vítima e agente em diferentes níveis econômicos e sabendo que o depoimento da vítima, nestes crimes, vale quase como um testemunho, como tem deixado claro a jurisprudência, se comparado com outros indícios probatórios. Nos crimes cometidos por policiais, a vítima e as testemunhas sentirão um receio natural de serem protegidas pela própria Polícia, sendo relevante que o Conselho Deliberativo decida pela proteção de alguma das Polícias, e haja uma colaboração dos entes federativos neste sentido. Muito salutar que, se o indiciado ou acusado for policial militar, que a proteção seja feita pela Polícia Civil, ou pela Federal, e se for policial federal, que a proteção seja feita a nível estadual, e assim por diante, atendidas certas noções básicas de segurança e proteção, além de fiscalização.


Fundamentos Básicos Para a Inserção no Programa de Proteção

A Lei estabeleceu três fundamentos para que a pessoa seja beneficiada pelo programa: a) gravidade da coação ou da ameaça à integridade física ou psicológica; b) dificuldade de prevenir ou reprimir as coações ou as ameaças; c) importância da proteção da pessoa para a produção de prova.

Na verdade, a Lei deu ao Conselho Deliberativo (que tem competência exclusiva para julgar tais requisitos, cf. art. 6º, I) um amplo campo subjetivo de análise de cada caso concreto. Serão as circunstâncias de cada caso que levarão os membros do Conselho a decidir, sempre por maioria absoluta (parágrafo único do art. 6º), se a pessoa merece ou não entrar no programa e ser protegido. Parâmetros não poderiam faltar, como de fato não faltaram, mas cada caso concreto será o ponto básico para que o Conselho Deliberativo julgue acertadamente pela admissão no programa.

É pressuposto lógico de toda e qualquer proteção a existência de perigo, iminente ou não. E o perigo poderá ser apurado com os indícios claros de que de fato existe realmente a ameaça à vida ou à integridade física ou psicológica da pessoa, dos seus parentes e dependentes. Claro que, em determinados casos, será difícil provar a existência da coação ou da ameaça, mas o próprio crime em si já será um grande fundamento para a presunção da existência da ameaça ou da coação (como os crimes contra a vida, contra os costumes e cometidos por policias, como foi visto, vistas as peculiaridades de cada caso).

A preocupação com a integridade psicológica é correta, uma vez que é esta a integridade que deve estar estável para que a vítima ou testemunha diga ao juiz criminal tudo que sabe, e os criminosos podem, por ameaça às mesmas ou aos seus parentes, desequilibrá-las emocionalmente para omitir informações importantes ou, se não omitir, chegar mesmo a mentir por um estado de necessidade provocado pelo criminoso. Neste caso, contando com a colaboração da própria pessoa a ser protegida (já que será necessário o consentimento seu, cf. art. 5º, § 2º), deve existir um atestado das condições psicológicas da pessoa, além da sua personalidade, se volúvel ou não, se sensível ou não etc.

Também como ponto fundamental está a dificuldade de prevenir e reprimir a coação ou a ameaça sofrida pela pessoa. Se a coação ou a ameaça for eventual, sem seriedade, com razoabilidade para se verificar que é facilmente prevenida e até reprimida, não se deve fazer proteção por meio do programa. Há casos - a experiência criminal mostra isto -, que existem ameaças individuais, estimuladas pela emoção momentânea, com impossibilidade de se efetivar. São casos em que o agente, sem muito propósito, fala algo que amedronte a vítima, e até mesmo a testemunha, e que certamente será analisado por aqueles legitimados para pedir a proteção (o próprio interessado, o Ministério Público, o delegado, o juiz e órgãos públicos e privados com atribuições de defesa dos direitos humanos), até mesmo como forma de peneirar os pedidos, para que não sejam os mesmos em série, e sem fundamento, tendo-se em vista que somente se o Conselho Deliberativo aceitar, pela maioria absoluta, é que a pessoa entrará no programa.

A ameaça – é o que nos parece – precisa ser séria, e não precisa ser necessariamente que uma pessoa faça de forma séria e com o firme propósito de efetivá-la. Claro que a seriedade da ameaça individual será um fundamento forte para a proteção, mas nos parece que a Lei quis proteger aquela vítima e aquela testemunha que está sendo ameaçada pelo seu simples propósito de querer contribuir com a Justiça Penal, tendo o agente boas influências ou seja perigoso em função das suas passagens pela polícia, ou que tenha com ela algum relacionamento prévio, conhece sua família, seus amigos, sabe onde mora, tem fácil acesso ao endereço e sua residência, ou, também, que a pessoa a ser protegida pode ser um ponto importante para se chegar a outros criminosos que, assim, terão interesse no seu "silêncio".

Por isso mesmo, a Lei não esqueceu de colocar a "coação". Sim, porque a coação pode existir até mesmo sem a ameaça do agente. Há casos de crimes que soam, por si só, a necessidade da proteção, pois o agente pode ter amigos influentes ou perigosos (ou os dois), os interesses que estão por trás de um crime (como crimes de colarinho branco, envolvendo o erário público, com participação de pessoas importantes ou de qualquer agente político...), assim como a possibilidade de desbaratamento de um grande "esquema" se o crime investigado for esclarecido, são causas suficientes para que se considere a existência de uma coação psicológica para que a vítima e/ou a testemunha não deponha em juízo, necessitando da proteção de que trata o programa.

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A importância da prova também deverá, claro, ser analisada pelo Conselho Deliberativo. Cabe, no entanto, fazer uma observação. É preciso ter cuidado para não se estigmatizar o programa como desumano e "interesseiro", isto é, só proteger pessoas se as investigações estiverem com dificuldades, e quando já existe uma clara evidência de que as investigações terão sucesso, dispense-se a pessoa que pede proteção, mesmo com a consciência de que está correndo grave risco de vida, uma vez que os três fundamentos básicos deverão ser analisados cumulativamente. Por certo haverá casos em que, mesmo diante de outras provas, o programa terá que proteger a pessoa, especialmente quando existe repercussão social do fato delituoso.

A Lei pecou ao não estipular o risco de vida como um outro fundamento. A ameaça ou a coação à integridade física ou psicológica, em combinação com a dificuldade de prevenir e reprimir, dá uma idéia clara de que, em cada caso, deverá existir o risco de vida. Malgrado isso, seria mais aconselhável dizer, expressamente, que o risco de vida seria um fundamento para a pessoa ser protegida, pois, assim, haveria mais subjetividade para que os membros do Conselho Deliberativo pudessem analisar de uma forma geral a existência direta do perigo, e não através da ameaça ou da coação. A fundamentação não terá como base a existência de perigo, por si só, e sim a existência da ameaça ou coação. Se assim fosse, não precisaria que o próprio agente ou outrem fizesse ameaça ou coação, e seria suficiente a fundamentação perante as circunstâncias de fato, mesmo não havendo realmente uma ameaça ou uma coação específica. A pessoa poderá estar correndo sério risco de vida sem mesmo haver nenhuma ameaça ou coação e, deste modo, podemos até vislumbrar que o simples perigo será o fundamento maior da proteção, com a interpretação do art. 2º neste sentido.


Exclusão do Programa

A Lei, no § 2º do art. 2º, exclui do programa de proteção os indivíduos cuja personalidade ou conduta for incompatível com as restrições de comportamento exigidas pelo programa, os condenados que estejam cumprindo pena e os indiciados ou acusados sob prisão cautelar em qualquer das suas modalidades. Como a pessoa que entra no programa é obrigada a se submeter às restrições óbvias e a um cuidado especial por parte do programa (§ 4º do mesmo art. 2º) como, por exemplo, interceptação telefônica consentida, segurança na residência, escolta, preservação da intimidade, imagem e dados pessoais, inclusive com mudança do nome completos em casos excepcionais (v. adiante), transferência de residência e outros (incisos do art. 7º), evidente que indivíduos que têm conduta incompatível com tais restrições não poderão ser beneficiadas pelo programa, como, em princípio, artistas, desportistas e políticos que estão na mídia quase que semanalmente, assim como aquela pessoa que já praticou falso testemunho, que é assaz reconhecida pela indisciplina, que insiste em não respeitar a discrição... Enfim, o caso concreto revelará, por certo, se a pessoa tem ou não conduta compatível com as restrições que serão impostas.

A personalidade da pessoa que quer ser protegida, evidentemente, poderá ser um óbice ainda mais contundente para se efetivar o programa. Pessoas com inclinação para a desobediência civil, que lidera movimentos pouco recomendáveis para a moral e os bons costumes e para o Estado Democrático de Direito, além daquelas pessoas que insistem em enfrentar e se expor às intempéries das ameaças, com falta de persuasão e análise do perigo (que querem ser "machões", em um bom português popular) podem (não obrigatoriamente, claro) demonstrar uma personalidade incompatível com todo o esforço que se fará para protegê-la. A personalidade de uma pessoa, sendo um elemento estável da conduta da mesma e que por isso mesmo a diferencia das demais, deverá ser analisada e comparada diante daquelas restrições que serão impostas e na inevitável mudança de comportamento individual e societário.

O condenado que cumpre pena não pode ser beneficiado porque já estará sendo restrita sua liberdade, e terá que cumprir certas condições incompatíveis com a proteção, como freqüentar determinado lugar, dizer suas atividades em juízo, onde mora, quando pretende viajar (penas restritivas de direito, liberdade condicional, "sursis"), o que tornaria impossível manter o sigilo necessário para a preservação do mesmo. Se o condenado cumpre pena em regime fechado, não há como, por obviedade, protegê-lo, não podendo retirá-lo da prisão.

As mesmas barreiras existem em relação à pessoa que está sob prisão cautelar, dificultando a sua proteção. Entendemos que a Lei poderia ter dado mais liberdade também neste aspecto, pois certamente haverá casos que a pessoa que está presa cautelarmente terá algo a dizer. Em um esforço interpretativo, seria até mesmo mais um caso de liberdade provisória a ser aceita pelo juiz, alargando o art. 310, caput, e seu parágrafo único, do Cód. Proc. Penal. A alegação de que aquela pessoa que está presa cautelarmente precisa sair da prisão porque é testemunha de um crime de grandes proporções e está correndo risco de vida devido a ameaças e coações, certamente influenciará o juiz a revogar a prisão cautelar, se bem que o art. 316 só aceita a revogação se não existir mais motivos para manter a prisão. No entanto, se o próprio Conselho Deliberativo entender que existe a necessidade de que a pessoa seja protegida, entendendo que mesmo estando na Cadeia Pública não está sendo protegida devidamente pela falta notória de condições estruturais, dando parecer favorável, é bem provável que a decretação da prisão preventiva será revista, até mesmo em grau de recurso, se necessário for.

Assim, se a pessoa não está mais sob prisão cautelar, poderá ingressar no programa de proteção, até mesmo porque não haverá perigo de fuga do mesmo, diante dos cuidados que serão tomados. Só será necessário que, caso tal idéia seja aceita, haja uma maior excepcionalidade para que a pessoa tenha seu nome mudado, já que estará, certamente, respondendo a um outro processo penal.

É preciso dizer também que quando o § 2º do art. 2º fala em acusados ou indiciados sob prisão cautelar e também em condenados, não está indicando, pela via transversa, que o co-réu ou partícipe poderá ingressar no programa de proteção se não estiverem cumprindo pena e não estiverem sob prisão cautelar. O co-réu e o partícipe do crime não poderão entrar no programa de proteção de vítimas e testemunhas, uma vez que tal proteção, como o próprio nome diz, é somente para vítimas e testemunhas (v. art. 1º). É que existirá um programa específico, com todas as necessidades práticas e restrições que só beneficiarão as vítimas e testemunhas, e o co-réu ou partícipe receberão outro tipo de proteção, cf. art. 15, caput e parágrafos. O acusado ou o indiciado de que trata o referido § 2º é outro que não o envolvido no fato delituoso investigado e que, eventualmente, sabe algo sobre o crime que está sendo investigado com possibilidade de proteção, tanto é assim que o art. 15 possibilita tratamento diferenciado para os co-réus e partícipes que estão em prisão cautelar, mas as medidas serão específicas, como se verá.


Do Consentimento da Pessoa Protegida

Para que a pessoa seja beneficiada, é preciso que ela dê seu consentimento (§ 3º do art. 2º). O consentimento deverá ser reduzido a termo, e guardado no arquivo secreto pelo órgão executor, apesar da lei não exigir, mas será mais que conveniente. O acesso ao arquivo será estritamente restrito aos membros do Conselho Deliberativo, sendo aconselhável que até mesmo os funcionários por ventura existentes não tenham acesso ao mesmo, resguardando a intenção da lei na preservação do sigilo, essencial, como se percebe.

Se a Lei obrigasse a pessoa a participar obrigatoriamente do programa, além de tangenciar a inconstitucionalidade porque restringiria a liberdade sem haver processo nem crime, retiraria o fundamento que nos parece essencial ao desenvolvimento do programa, que é a colaboração da própria pessoa protegida para se manter sã e salva. Se obrigasse, seria um contra-senso, pois o programa protetivo só poderá ter sucesso se houver interesse efetivo da vítima ou da testemunha. O sucesso do programa passa pela colaboração das partes e também pela confiança que deve existir no programa, razão porque deve sempre haver preocupação de composição do órgão executor por pessoas que inspirem total confiança da sociedade de que não haverá nenhum escape de informações, nenhuma falha na segurança e nenhuma corrupção ou envolvimento dos membros com o crime, organizado ou não. Por isso mesmo a Lei escolheu membros do Ministério Público e do Poder Judiciário, assim como pessoas que são reconhecidos pela honestidade e pela vontade de garantir os direitos humanos, representando os órgãos públicos e privados com atribuições neste sentido.

Como toda pessoa pode ser testemunha (art. 202, CPP), poderá haver casos em que até mesmo aqueles que não prestam compromisso (menor de 14 anos, doente mental, ascendente, descendente..., cf. art. 208 c/c 206, CPP) sejam intimados a comparecerem e prestarem esclarecimentos que poderão influenciar no convencimento judicial, até mesmo como indício. Nestes casos de incapacidade ou menoridade, o seu representante legal poderá dar a autorização, mas é importante destacar as dificuldades de cumprimento do programa de proteção se o representante legal não colaborar efetivamente com o órgão executor, diante da má vontade do menor ou do incapaz, que certamente existirão diante das restrições impostas.

A Lei, mui corretamente, previu a proteção para a vítima. Como se sabe, a mesma, por ter envolvimento emocional bastante forte com os fatos, muitas das vezes aumentando fatos para causar espécie no julgador, levado pelo ressentimento em relação ao agente e, por isso mesmo, não presta compromisso. Porém, a palavra da vítima, quando possível, é, quase sempre, o ponto de partida das investigações para, assim, arrecadar mais vestígios e chegar a outras provas, pois é ela a única que sabe exatamente como o crime ocorreu, quem é o agente ou suas características e possíveis testemunhas do evento delitivo. A partir do seu depoimento, as investigações têm um rumo mais ou menos definido, e até para o julgamento servirá de forte supedâneo para a condenação ou absolvição, quando há correlação com outros elementos probatórios. Quando se trata de crimes onde não há testemunhas, em lugar ermo (delito clandestino – qui clam comittit solent), cresce ainda mais a importância do depoimento da vítima, especialmente nos crimes sexuais ("Nos atentados contra a honra da mulher, a palavra da vítima é, em regra, precioso elemento de convicção, bastando para tanto que não haja prova contrária à sua precedente honestidade", cf. RT 220, pág. 92).

Nada mais justo, como se vê, proteger a própria vítima, e, neste caso, a fundamentação do Conselho Deliberativo será ainda mais fácil que no caso de testemunhas, tendo-se em vista que a vítima já foi alvo de atentado criminoso, certamente estando embutida a ameaça e a coação.

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Sobre o autor
Bruno Cezar da Luz Pontes

analista processual do Ministério Público Federal de Goiás, advogado, pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PONTES, Bruno Cezar Luz. Alguns comentários sobre a Lei nº 9.807/99 (proteção às testemunhas). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. -1339, 1 nov. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1005. Acesso em: 4 nov. 2024.

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