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Justiça restaurativa.

O paradigma do encontro

Justiça restaurativa. O paradigma do encontro

Publicado em . Elaborado em .

            You may say I am a dreamer, but I am not the only one...

John Lennon


RESUMO – Esse trabalho contém uma reflexão conceitual sobre a idéia da Justiça Restaurativa, suas origens e evolução. São também abordadas as diferenças entre a Justiça Retributiva e a Justiça Restaurativa. Enfatiza-se também o potencial da Justiça Restaurativa como um novo paradigma de Justiça Criminal e, a partir da consideração de que o modelo é cultural e juridicamente compatível com o sistema brasileiro, esboça-se uma proposta de implementação de experiências-piloto com o modelo no Brasil.


SUMÁRIO: Introdução 1 - Origens e Evolução da Idéia da Justiça Restaurativa 2 - O Lugar da Justiça Restaurativa nas Ideologias Criminológicas 3 - Justiça Restaurativa – um Conceito em Construção 4. Justiça Retributiva versus Justiça Restaurativa 5 - O Encontro Restaurativo 6 - Justiça Restaurativa - Críticas e Contra-Críticas 7 - Perspectivas para um Projeto Brasileiro de Justiça Restaurativa. Conclusão


Introdução

            Por que a criminalidade e a violência se multiplicam, em pleno terceiro milênio, com a humanidade já num estágio avançado do processo civilizatório?

            E por que a prisão, algo tão negativo, cruel, desumano, degradante e ineficaz, ainda é praticamente a única resposta penal contemporânea à criminalidade?

            Angustiados com essa realidade, perguntamo-nos: é possível pensar um outro modelo de justiça criminal que seja capaz de oferecer algum tipo de controle sobre as práticas delituosas; que seja capaz de satisfazer efetivamente as vítimas e, ao mesmo tempo, prevenir a ocorrência de novos crimes? [01]

            Acreditamos que talvez sim, e que a Justiça Restaurativa pode ser o caminho, e que vale a pena debatê-la e experimentá-la, como uma possível inovação do sistema de justiça criminal.

            Nossa experiência empírica, inicialmente como Advogado e Defensor Público, e depois como Promotor e Procurador de Justiça por mais de vinte anos, trabalhando com o modelo vigente, só nos trouxe frustração e desencanto com o sistema de Justiça Criminal, que quase sempre se revelou injusto, ineficaz, cruel e criminogênico – enfim, uma Justiça que não Queremos.

            Por isso, envolvemo-nos na discussão sobre o modelo restaurativo, acreditando que pode ser, em certos casos, a resposta adequada ao crime.

            O trabalho traça algumas considerações sobre as origens e desenvolvimentos paradigma Restaurativo, reproduz alguns conceitos desse paradigma, coteja as diferenças entre a Justiça Restaurativa e o que se convenciona denominar Justiça Retributiva, destaca o potencial do encontro restaurativo, comenta algumas críticas ao modelo, discute a compatibilidade jurídica e cultural do modelo para o Brasil e propõe uma experiência brasileira com Justiça Restaurativa.

            O paradigma restaurativo se expõe a severas críticas, inclusive onde ele foi legalmente implantado e tem sido aplicado há muitos anos, como na Nova Zelândia.

            Mas obtempera o Professor PEDRO SCURO NETO que "o paradigma da Justiça Restaurativa não representa uma panacéia, um remédio para todos os males do modelo retributivo, mas introduz novas e boas idéias, como a necessidade de a Justiça assumir o compromisso de reparar o mal causado às vítimas, famílias e comunidades, em vez de se preocupar apenas com punir proporcionalmente os culpados" [02].

            Contudo, é forçoso reconhecer que esse novo modelo afigura-se promissor por seu potencial de restaurar o trauma que o crime causa às vítimas, famílias e comunidades, ao invés de se concentrar apenas na penalização do infrator, e por ensejar a ele, o infrator, oportunidade de assumir responsabilidade, participar do processo e ter acesso à efetiva inclusão e reintegração sociais.

            Trata-se de uma proposta de um encontro para tratar e tentar curar feridas e não para ferir mais ainda.

            Todo o debate sobre Justiça Restaurativa é um debate sobre esse encontro.


1 .Origens e Evolução da Idéia da Justiça Restaurativa

            Como o paradigma restaurativo reconduz a práticas comunitárias de justiça, numa recuperação de uma porção do monopólio que detém o Estado moderno de aplicar o Direito Penal, é sustentável a tese de que a Justiça Restaurativa representa, de certo modo, um retorno a uma justiça tribal.

            Releva notar que o modelo restaurativo, na Nova Zelândia, Austrália e América do Norte, baseiam-se, geralmente, em práticas indígenas e aborígenes.

            E possivelmente tais práticas sejam as mesmas dos índios das Américas Central e do Sul e das comunidades africanas.

            Todavia, o movimento restaurativo é recente, tendo florescido nos últimos quinze ou vinte anos – e nessa perspectiva ele é algo novo.

            E esse paradigma tem evoluído em tantas direções que se tem até notícia de que o Bispo Desmond Tutu, que foi um de seus defensores para uso na "conciliação" da África do Sul após o fim do appartheid, fez recentemente um apelo aos Estados Unidos, certamente em vão, no sentido de se usar o processo restaurativo para se lidar com o terrorismo...

            O país pioneiro na introdução do modelo restaurativo na legislação foi a Nova Zelândia, com a edição do Children, Young Persons and Their Families Act 1989.

            Na América Latina, o programa foi experimentado, por exemplo, na Argentina, em 1998, inspirado no art. 38 e 45 da Lei do Ministério Público c.c. art. 86 e sgts. do Código de Processo Penal da Província de Buenos Aires, operando com o eixo em dois centros – o Centro de Assistência às Vítimas de Delitos e o Centro de Mediação e Conciliação Penal [03].

            Sabe-se que, no Canadá, o modelo vem sendo introduzido na legislação, especialmente na área infanto-juvenil, com a reforma para adequar a legislação canadense à Convenção dos Direitos da Criança da ONU, com alternativas restaurativas de remissão, restringindo o uso do sistema formal de Justiça, reduzindo medidas privativas da liberdade e promovendo a reintegração do jovem infrator na comunidade [04].

            O fato é que se multiplicam, hoje em dia, as experiências de práticas restaurativas, e muitas dessas iniciativas foram debatidas no último congresso de Vancouver, promovido pelo International Institute for Restorative Practices. [05]


2. O Lugar da Justiça Restaurativa nas Ideologias Criminológicas

            A criminalidade, segundo MARCOS ROLIM, tem sido tratada ideologicamente segundo duas vertentes: a hipótese repressiva, correspondendo à alternativa da exclusão e, portanto, ao "pensamento mais conservador na área de segurança pública atribui às Polícias e ao Sistema de Justiça Penal toda a responsabilidade pelo controle da violência e da criminalidade. Esta característica possui uma dimensão histórica e é encontrada muito freqüentemente no discurso dos partidos situados mais à direita no espectro ideológico, embora não apenas entre eles. Tal pressuposto carrega consigo a hipótese de que legislações penais suficientemente "duras" e posturas enérgicas das forças da "lei e da ordem" para com aqueles que violam o "pacto de legalidade" sejam ingredientes absolutamente necessários para a contenção da criminalidade e da própria violência", e a hipótese sociológica, correspondendo ao pensamento progressista da esquerda, ou seja, para ela o crime e a violência aparecem como sub-produtos de uma injustiça básica, como um epifenômeno cuja realidade mesma seria ilusória posto que derivada de uma causalidade que importaria desvendar e superar – como um "pólo de resistência" que atuava no sentido de conter as condutas mais agressivas das polícias e que denunciava as principais violações ao Direitos Humanos praticadas pelo Estado. [06]

            A Justiça Restaurativa seria um salto quântico, transcendendo as ideologias repressiva e sociológica, para situar-se numa outra moldura conceitual, como uma síntese dialética em gestação, que transcenderia o debate entre a Criminologia Clássica e a Criminologia Crítica, ou seja, entre os que se apegam ao sistema formal e convencional de Justiça Criminal retributiva/distributiva, criminologicamente atrelada à defesa social, à corrente conservadora da lei e ordem – e que tem como ponto culminante o Programa Tolerância Zero dos americanos – e os que, opondo-se à ideologia conservadora, propõem um direito penal mínimo, com fortes ingredientes garantistas, ressocializadores e mesmo o fim da criminalização e da penalização – o abolicionismo.


3. Justiça Restaurativa – um Conceito em Construção

            Mas... o que é Justiça Restaurativa, afinal?

            É difícil conceituar um paradigma que ainda é algo inconcluso, que só pode ser captado em seu movimento ainda emergente, apesar de já haver um crescente consenso internacional favorável, inclusive oficial, em documentos da ONU e da União Européia, validando e recomendando a Justiça Restaurativa para todos os países. [07]

            Para se compreender o que é Justiça Restaurativa, é preciso partir da premissa epistemológica de que se está falando de um novo olhar sobre o crime, rompendo com as velhas opiniões formadas, das quais fala a música do saudoso Raul Seixas.

            Portanto, a Justiça Restaurativa não se encaixa na moldura conceitual padronizada do senso jurídico comum.

            Alerta, a propósito, MARCOS ROLIM que, normalmente, quando nossas idéias não conseguem mais dar conta dos fenômenos, a tendência é reformá-las, mas dentro do mesmo paradigma [08].

            A Justiça Restaurativa é outro paradigma, e precisamos olhá-la noutra moldura, com outras lentes – aliás, denomina-se Changing Lenses: A New Focus for Crime and Justice a obra de HOWARD ZEHR, uma das mais consagradas referências bibliográficas sobre o Justiça Restaurativa [09] .

            HOWARD ZEHER lançou, com pioneirismo, os pressupostos teóricos da Justiça Restaurativa, ao sustentar que, como o crime é uma violação nas relações entre o infrator, a vítima e a comunidade, cumpre à Justiça identificar as necessidades e obrigações oriundas dessa violação e do trauma causado e que deve ser restaurado. Incumbe, assim, à Justiça oportunizar e encorajar as pessoas envolvidas a dialogarem e a chegarem a um acordo, como sujeitos centrais do processo, sendo ela, a Justiça, avaliada segundo sua capacidade de fazer com que as responsabilidades pelo cometimento do delito sejam assumidas, as necessidades oriundas da ofensa sejam satisfatoriamente atendidas e a cura, ou seja, um resultado individual e socialmente terapêutico, seja alcançado. O enfoque de ZEHR é no âmbito da Justiça Criminal, mas os princípios restaurativos são aplicáveis a outros tipos de conflitos, em casa, na escola, na vizinhança, no trabalho, no contencioso cível, administrativo, trabalhista – enfim, em qualquer lugar onde se quer restaurar relacionamentos responsavelmente.

            No Brasil, o pioneiro é PEDRO SCURO NETO, que oferece um dos mais precisos conceitos de Justiça Restaurativa.

            Para ele, "fazer justiça" do ponto de vista restaurativo significa dar resposta sistemática às infrações e a suas conseqüências, enfatizando a cura das feridas sofridas pela sensibilidade, pela dignidade ou reputação, destacando a dor, a mágoa, o dano, a ofensa, o agravo causados pelo malfeito, contando para isso com a participação de todos os envolvidos (vítima, infrator, comunidade) na resolução dos problemas (conflitos) criados por determinados incidentes. Práticas de justiça com objetivos restaurativos identificam os males infligidos e influem na sua reparação, envolvendo as pessoas e transformando suas atitudes e perspectivas em relação convencional com sistema de Justiça, significando, assim, trabalhar para restaurar, reconstituir, reconstruir; de sorte que todos os envolvidos e afetados por um crime ou infração devem ter, se quiserem, a oportunidade de participar do processo restaurativo, sendo papel do poder público é preservar a ordem social, assim como à comunidade cabe a construção e manutenção de uma ordem social justa [10].

            PAUL MCCOLD e TED WACHTEL, do Instituto Internacional de Práticas Restaurativas (International Institute for Restorative Practices), em trabalho intitulado Em Busca de um Paradigma: Uma Teoria de Justiça Restaurativa, apresentado ao XIII Congresso Mundial de Criminologia, ocorrido em agosto de 2003, no Rio de Janeiro, propõem uma teoria conceitual de Justiça que parte de três questões-chave: Quem foi prejudicado? Quais as suas necessidades? Como atender a essas necessidades?"

            Sustentam eles que crimes causam danos a pessoas e relacionamentos, e que a justiça restaurativa não é feita porque é merecida e sim porque é necessária, através de um processo cooperativo que envolve todas as partes interessadas principais na determinação da melhor solução para reparar o dano causado pela transgressão. a justiça restaurativa é um processo colaborativo que envolve aqueles afetados mais diretamente por um crime, chamados de "partes interessadas principais", para determinar qual a melhor forma de reparar o dano causado pela transgressão. Mas quem são as principais partes interessadas na justiça restaurativa e como devem se comprometer na busca pela justiça? Nossa proposta teoria de justiça restaurativa é composta de três estruturas conceituais distintas, porém relacionadas.

            Essas estruturas conceituais a que eles se referem são: (1) a Janela de Disciplina Social, que explica a possibilidade de se converter um conflito em cooperação; (2) a Estrutura de Papéis das Partes Interessadas, que explica a cooperação para a reparação dos danos, sentimentos e relações traumatizadas; e (3) a Tipologia das Praticas Restaurativas, que explica a necessidade da convergência da vítima, do infrator e da comunidade para a efetiva reparação do dano causado pelo ilícito.

            A teoria conceitual proposta por esses autores procura demonstrar que a simples punição não considera os fatores emocionais e sociais, e que é fundamental, para as pessoas afetadas pelo crime, restaurar o trauma emocional - os sentimentos e relacionamentos positivos, o que pode ser alcançado através da justiça restaurativa, que objetiva mais reduzir o impacto dos crimes sobre os cidadãos do que diminuir a criminalidade. Sustentam que justiça restaurativa é capaz de preencher essas necessidades emocionais e de relacionamento e é o ponto chave para a obtenção e manutenção de uma sociedade civil saudável [11].

            A Justiça Restaurativa tem sido, assim, definida como uma forma alternativa [12] e diferente do sistema tradicional de Justiça Criminal, abordando a questão criminal a partir da perspectiva de que o crime é uma violação nas relações entre as pessoas, e que, por causar um mal à vítima, à comunidade e ao próprio autor do delito, todos esses protagonistas devem se envolver num processo de restauração de um trauma individual e social.

            A restauração, a solução de problemas e a prevenção de males ulteriores devem ser enfatizados no programa.

            A idéia é buscar restaurar os relacionamentos ao invés de simplesmente concentrar-se na determinação de culpa.

            A propósito, WARAT e LEGENDRE lembram que a lei, no ocidente judaico-cristão, cumpre um papel totêmico, de superego da cultura, baseado no sentimento de moralidade culposa [13].

            O programa restaurativo baseia-se na premissa segundo a qual a vítima, o autor do crime e pessoas envolvidas com a vítima e/ou com o criminoso, bem assim lideranças comunitárias, devem compartilhar a busca de solução dos problemas causados pelo crime cometido.

            Todos os afetados pelo crime têm papéis e responsabilidades nesse processo e devem, por isso, encontrar-se e trabalhar coletivamente em torno do impacto e das conseqüências do delito, com a participação de uma terceira pessoa imparcial – um mediador ou um facilitador, preferencialmente um Psicólogo.

            O sistema de mediação restaurativa objetiva: (1) a reparação dos danos à vítima, (2) a prestação de serviços à comunidade, e (3) a solução dos problemas causados pelo fato-crime, tanto para a vítima como para a comunidade, e a reintegração tanto da vítima como do autor do crime.

            O programa pode ser acionado em qualquer fase do processo criminal, ou seja, antes do início da ação penal (ainda na investigação), depois de promovida a ação penal, e também depois da sentença condenatória.

            O modelo restaurativo baseia-se em valores, procedimentos e resultados definidos, mas pressupõe a concordância de ambas as partes (réu e vítima), concordância essa que pode ser revogada unilateralmente, sendo que os acordos devem ser razoáveis, as obrigações propostas nesses acordos devem atender ao princípio da proporcionalidade, e a aceitação do programa não deve, em nenhuma hipótese, ser usada como indício ou prova no processo penal, seja o original seja em um outro.

            Os conceitos enunciados nos Princípios Básicos sobre Justiça Restaurativa, enunciados na Resolução do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, de 13 de agosto de 2002, são os seguintes [14]:

            1. Programa Restaurativo - se entende qualquer programa que utilize processos restaurativos voltados para resultados restaurativos.

            2. Processo Restaurativo - significa que a vítima e o infrator, e, quando apropriado, outras pessoas ou membros da comunidade afetados pelo crime, participam coletiva e ativamente na resolução dos problemas causados pelo crime, geralmente com a ajuda de um facilitador. O processo restaurativo abrange mediação, conciliação, audiências e círculos de sentença

            3. Resultado Restaurativo - significa um acordo alcançado devido a um processo restaurativo, incluindo responsabilidades e programas, tais como reparação, restituição, prestação de serviços comunitários, objetivando suprir as necessidades individuais e coletivas das partes e logrando a reintegração da vítima e do infrator.

            Segundo a Resolução, o processo restaurativo só tem lugar quando o acusado houver assumido a autoria e ela estiver comprovada, sendo vital o livre consentimento tanto da vítima como do infrator, que podem desistir do procedimento a qualquer momento - e só vale o acordo restaurativo se consensualmente assentado e que as obrigações assumidas sejam razoáveis e proporcionais.

            A participação no encontro restaurativo e o que for ali admitido não pode ser usado como prova ou indício em processo judicial.


4. Justiça Retributiva versus Justiça Restaurativa

            A base jurídico-processual do sistema penal brasileiro em vigor repousa no princípio da indisponibilidade da ação penal pública, ultimamente atenuada pelo espaço de consenso introduzido para os crimes de menor potencial ofensivo, em que se admite a suspensão condicional do processo e a transação penal. Também nas infrações cometidas por adolescentes, com o instituto da remissão, há certa margem de disponibilidade da ação penal.

            Nos países do sistema common law, há a prosecutorial discretion [15], na qual a promotoria tem significativa discricionariedade para o exercício da ação penal, fundada no princípio da oportunidade.

            O princípio da oportunidade, no Brasil, ainda esbarra nos princípios da indisponibilidade e da obrigatoriedade da ação penal.

            Porém, com as penas alternativas, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei dos Juizados Especiais, essa obrigatoriedade e indisponibilidade é absoluta somente em crimes graves, o que abre possibilidade de introdução do paradigma restaurativo, como se verá adiante, quando abordarmos, em capítulo próprio, a questão da compatibilidade da Justiça Restaurativa com o contexto cultural e o sistema jurídico brasileiro.

            Nesse capítulo é apresentada um análise destacando as diferenças entre o modelo formal de Justiça Criminal, dito retributivo e o modelo restaurativo, sob o ponto de vista dos valores, procedimentos, resultados e efeitos dos processos retributivo e restaurativo para as vítimas e para os infratores e para a comunidade [16].

            VALORES

            JUSTIÇA RETRIBUTIVA

            JUSTIÇA RESTAURATIVA

            Conceito normativo de Crime – ato contra a sociedade representada pelo Estado

            Conceito realístico de Crime – Ato que traumatiza a vítima, causando-lhe danos.

            Primado do Interesse Público (Sociedade, representada pelo Estado, o Centro) – Monopólio estatal da Justiça Criminal

            Primado do Interesse das Pessoas Envolvidas e Comunidade – Justiça Criminal participativa

            Processo Decisório a cargo de autoridades (Policial,Delegado, Promotor, Juiz e profissionais do Direito

            Processo Decisório compartilhado com as pessoas envolvidas (vítima, infrator e comunidade)

            Culpabilidade Individual voltada para o passado

            Responsabilidade, pela restauração, numa dimensão social, compartilhada coletivamente e voltada para o futuro

            Uso Dogmático do Direito Penal Positivo

            Uso Crítico e Alternativo do Direito

            Indiferença do Estado quanto às necessidades do infrator, vítima e comunidade afetados - desconexão

            Comprometimento com a inclusão e Justiça Social gerando conexões

            Mono-cultural e excludente

            Culturalmente flexível (respeito à diferença, tolerância)

            PROCEDIMENTOS

            JUSTIÇA RETRIBUTIVA

            JUSTIÇA RESTAURATIVA

            Ritual Solene e Público

            Comunitário, com as pessoas envolvidas

            Indisponibilidade da Ação Penal

            Princípio da Oportunidade

            Contencioso e contraditório

            Voluntário e colaborativo

            Linguagem, normas e procedimentos formais e complexos – garantias.

            Procedimentos informais segundo a vontade das próprias partes

            

            Atores principais - autoridades (representando o Estado) e profissionais do Direito

            Atores principais – vítimas, infratores, pessoas da Comunidade, ONGs.

            RESULTADOS

            JUSTIÇA RETRIBUTIVA

            JUSTIÇA RESTAURATIVA

            Prevenção Geral e Especial

            -Foco no infrator para intimidar e punir

            

            Abordagem do Crime e suas Conseqüências

            - Foco nas relações entre as partes, para restaurar

            Penalização

            Penas privativas de liberdade, restritivas de direitos, multa

            Estigmatização

            Pedido de Desculpas, Reparação, restituição, prestação de serviços comunitários

            Reparação do trauma moral e dos Prejuízos emocionais - Restauração

            Tutela Penal de Bens e Interesses, com a Punição do Infrator e Proteção da Sociedade

            Resulta na assunção de responsabilidade por parte do infrator

            Penas desarrazoadas e desproporcionais em regime carcerário desumano, cruel, degradante e criminógeno

            Proporcionalidade e Razoabilidade das Obrigações Assumidas no Acordo Restaurativo

            Vítima e Infrator isolado, desamparados e desintegrados. Ressocialização Secundária

            Reintegração do Infrator e da Vítima Prioritárias

            EFEITOS PARA A VÍTIMA

            JUSTIÇA RETRIBUTIVA

            JUSTIÇA RESTAURATIVA

   

            Pouquíssima ou nenhuma consideração, ocupando lugar periférico e alienado no processo. Não tem participação, nem proteção, mal sabe o que se passa.

            Ocupa o centro do processo, com um papel e com voz ativa. Participa e tem controle sobre o que se passa.

            Praticamente nenhuma assistência psicológica, social, econômica ou jurídica do Estado

            Recebe assistência, afeto, restituição de perdas materiais e reparação

            Frustração e Ressentimento com o sistema

            Tem ganhos positivos. Supre-se as necessidades individuais e coletivas da vítima e comunidade

            EFEITOS PARA O INFRATOR

            JUSTIÇA RETRIBUTIVA

            JUSTIÇA RESTAURATIVA

            Infrator considerado em suas faltas e sua má-formação

            Infrator visto no seu potencial de responsabilizar-se pelos danos e conseqüências do delito

            Raramente tem participação

            Participa ativa e diretamente

            Comunica-se com o sistema por Advogado

            Interage com a vítima e com a comunidade

            É desestimulado e mesmo inibido a dialogar com a vítima

            Tem oportunidade de desculpar-se ao sensibilizar-se com o trauma da vítima

            É desinformado e alienado sobre os fatos processuais

            É informado sobre os fatos do processo restaurativo e contribui para a decisão

            Não é efetivamente responsabilizado, mas punido pelo fato

            É inteirado das conseqüências do fato para a vítima e comunidade

            Fica intocável

            Fica acessível e se vê envolvido no processo

            Não tem suas necessidades consideradas

            Supre-se suas necessidades


5. O Encontro Restaurativo

            Por que paradigma do encontro?

            Tudo o que se cogita sobre justiça restaurativa se estará referindo a esse encontro.

            E esse encontro se dará se, e somente se, todos os envolvidos, a começar pela vítima, decidirem tentar curar as feridas e resolverem se encontrar e experimentarem a receita restaurativa.

            O processo restaurativo que tem seu clímax nesse encontro, que não é um simples encontro, mas um encontro restaurativo, que só ocorrerá se presentes os requisitos constitucionais e legais para sua admissibilidade e continuidade, e se observados os princípios, valores e procedimentos restaurativos para se alcançar os resultados buscados e os efeitos projetados.

            Nesse encontro, as pessoas vivenciarão emoções e racionalidade para formatar um plano que se denominará acordo restaurativo.

            Não se trata de um encontro no cenário de um foro ou tribunal, mas fora da estrutura e do ritual judiciário, e não haverá nem juiz, nem promotor, nem advogado, nem escrivão, nem testemunhas, nem documentos, nem perícias.

            Os "juízes" serão os facilitadores desse encontro restaurativo.

            O ideal é que sejam facilitadores psicólogos [17] e assistentes sociais, trabalhando em parceria interdisciplinar.

            Podem ser facilitadores líderes comunitários, mas desde que com uma qualificação adequada e um treinamento rigoroso.

            O Juiz, o Promotor e o Advogado não ficam excluídos do processo, mas não participam do encontro restaurativo, pois continuam no cenário judicial do processo legal em sentido estrito.

            Não é um encontro fácil.

            Pelo contrário, é dificílimo.

            É um encontro de emoções fortes de ódio, ressentimento, luto, desespero, sentimento de vingança, medo, pavor, mágoa, desconfiança, compaixão, perdão, auto-estima, coragem,

            Mas, se houver disposição, esse encontro restaurativo faz as pessoas chegarem aonde o sistema não vai.

            O sistema penal vigente não vai ao fundo do conflito que cerca cada ilícito penal e que afeta os envolvidos e a comunidade, pois seu alcance é muito superficial. [18]

            Apesar de certo sucesso das penas alternativas que  foram introduzidas no código penal brasileiro, e da suspensão do processo e transação penal no caso dos crimes de menor potencial ofensivo, é preciso "resgatar a convivência pacífica no ambiente afetado pelo crime, em especial naquelas situações em que o ofensor e a vítima tem uma convivência próxima", lembra o juiz ASIEL HENRIQUE DE SOUSA, Vice-Presidente da Comissão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, instituída para estudar a implantação de um Projeto Piloto em Brasília.

            Acrescenta o magistrado, em suas reflexões, ainda não publicadas, que "em delitos envolvendo violência doméstica, relações de vizinhança,  no ambiente escolar ou na ofensa à honra, por exemplo, mais importante do que uma punição é a adoção de medidas que impeçam a instauração de um estado de beligerância e a conseqüente agravação do conflito".

            E essas medidas seriam negociadas no encontro restaurativo, com participação da vítima, do infrator e de pessoas da comunidade, com a presença de um facilitador.

            PEDRO SCURO NETO nos fala desse encontro:

            O modo restaurativo de fazer justiça outorga grande valor ao fato de vítima e infrator se encontrarem pessoalmente, na presença de um supervisor ou agente facilitador – quando isso não é possível, pode-se promover aproximação por meio de carta, fita gravada, mensagens entregues por um portador. Não obstante, encontros em si e tão-somente não bastam para dar a um procedimento características restaurativas, que se conformam através da convergência de cinco elementos (reunião, relato, emoção, entendimento, acordo) cada qual contribuindo decisivamente para fortalecer e dar sentido restaurativo ao encontro .

            Enquanto no procedimento judicial costumeiro as partes no máximo podem observar de algum modo o que o outro diz a terceiros, no padrão restaurativo infrator e vítima conversam, relatam com as próprias palavras o ocorrido, descrevem como os acontecimentos os afetaram, e contam como encaram o ato infracional e as suas conseqüências. No encontro restaurativo o que entra em cena é a subjetividade, o interlocutor integral, a emoção favorecida pelo relato e que resulta da própria infração – todos esses são fatores que os procedimentos da Justiça formal, impessoal e racional geralmente reprime, descartando o poder curativo da emoção e da subjetividade.

            Outro elemento do encontro é o entendimento, surgido de uma certa empatia, de sentir-se na pele do outro, que, se não faz o interlocutor encarar o outro de um modo positivo, pelo menos leva a considerá-lo de um ângulo mais "natural", algo mais de acordo com a ordem das coisas, menos traumatizante.

            O derradeiro fator é precisamente o acordo, que estabelece uma base produtiva para o que virá depois do encontro, dependendo do ponto de vista das partes, das circunstâncias e da vontade de cada um, da convergência de seus interesses e de suas decisões, e não simplesmente da perspectiva dos autos de um processo fundado apenas no contraditório.

            Pode ser que dos cinco elementos não resulte a reconciliação, mas todos efetivamente ajudam a elevar a capacidade dos interlocutores verem-se a si mesmos e ao outro como pessoas, respeitarem-se mutuamente, identificar-se em termos de experiências, e quem sabe chegar a um acordo, independentemente das sensações que inicialmente só lhes davam razão para ter medo e sentir hostilidade – inclusive porque não raro a vítima vai além dos limites e passa a ser protagonista do crime, gerando ou programando as coordenadas da própria vitimização [19].

            Nessa reunião, com o relato, a emoção, o entendimento e o acordo flui a subjetividade, e isso é a essência do ser humano - a sua constituição enquanto sujeito e na sua subjetividade, que é única e é formada pelo conjunto de vivências e experiências de cada um no ambiente familiar, social, histórico, cultural, econômico.

            O mundo simbólico de cada sujeito, isto é, o que representa para cada sujeito o que é por ele experimentado, forma sua subjetividade.

            As mesmas forças propulsoras que levaram um sujeito a cometer um ato de violência agem no sujeito que foi alvo de tais forças.

            Para ALFREDO JERUSALINSKY, "a violência emerge quando o sujeito não pode reencontrar nas vicissitudes e nas repercussões que seu dizer tem no discurso social a significação necessária para legitimar sua própria ação, dos objetos que possam lhe garantir o reconhecimento do Outro." [20]

            O encontro das faltas, das subjetividades, dos sujeitos parece ser o objetivo da Justiça Restaurativa, para que a partir desse encontro possa ser pautado algo além daquilo que gerou a ação da violência ou algo além da submissão da mesma.

            Para tanto, faz-se necessário uma disponibilidade psíquica de ambos os psiquismos para atualizar não só a situação vivenciada, mas também o que a mesma remete tais sujeitos, isto é às suas vivências primordiais que os constituíram enquanto sujeitos, cada qual em sua realidade.


6. Justiça Restaurativa - Críticas e Contra-Críticas

            O paradigma restaurativo tem desafiado sólidas críticas, inclusive no país onde ela se iniciou – a Nova Zelândia.

            A idéia de Justiça Restaurativa tem sido repelida sob o argumento de que ela desvia-se do devido processo legal, das garantias constitucionais e normas infra-constitucionais, produzindo uma erosão no Direito Penal legítimo e codificado, que tem no princípio da legalidade o seu pilar de garantia para o cidadão.

            A essa objeção, os defensores da J.R. sustentam que o modelo apenas prioriza o papel da vítima e do infrator no encontro restaurativo, e que o acordo restaurativo só terá validade e eficácia quando homologado judicialmente, com a anuência do Ministério Público e que nada impede que o infrator e a vítima tenham acesso a advogados para se consultarem.

            Outro questionamento que se faz ao paradigma é que ele banaliza certos crimes, como no caso da violência doméstica, num retrocesso ao tempo em que se dizia que isso era questão de vara de família e agora, de Justiça Restaurativa...

            A essa crítica os restaurativistas respondem com o argumento de que um dos requisitos para se admitir o encaminhamento das pessoas ao processo restaurativo é a voluntariedade, ou seja, se a vítima não quiser, não há processo restaurativo, e o sistema formal continua acionável normalmente.

            Também se observa a afirmação de que a Justiça Restaurativa não tem o condão de restaurar a ordem jurídica lesada pelo crime, e nem mesmo pode restaurar a vítima.

            A essa crítica tem sido oposto o argumento de que, na sua feição de procedimento complementar do sistema, a J.R. estará também recompondo a ordem jurídica, na medida em que estará trabalhando o crime, com outra metodologia, mas que leva a resultados melhores para a vítima, que recupera segurança, auto-estima, dignidade e controle da situação, e também para o infrator, na medida que ao mesmo tempo em que o convoca na sua responsabilidade pelo mal causado lhe oportuniza meios para refazer-se, inclusive participando de programas da rede social de assistência.

            Uma outra crítica que tem aflorado nos países onde vem sendo experimentado o modelo, como na Nova Zelândia, é de que a Justiça Restaurativa desjudicializa a Justiça Criminal e privatiza o Direito Penal, sujeitando o infrator, e também a vítima, a um controle ilegítimo de pessoas não investidas de autoridade pública.

            A essa delicado questionamento tem sido colocado o argumento de o processo restaurativo é constitucional e legalmente sustentável, não sendo, assim, uma alternativa extra-legal.

            O que ocorre é um procedimento de mediação, conciliação e transação, previstos na legislação, como se verá adiante, com uma metodologia restaurativa, que admite a participação da vítima e do infrator no processo decisório, quando isso for possível e for essa a vontade das partes.

            E o acordo restaurativo terá que ser aprovado, ou não, pelo Ministério Público e terá que ser homologado, ou não, pelo Juiz.

            E nada disso revoga o princípio da inafastabilidade da jurisdição, ou seja, sendo o caso, tanto a vítima, como o infrator – através de advogados –, como o Ministério Público, de ofício ou a requerimento do interessado, poderão questionar o acordo restaurativo em juízo.

            Também se diz que a Justiça Restaurativa "passa a mão na cabeça do infrator", só servindo para beneficiá-lo e promover a impunidade.

            Essa será, sem dúvida, a crítica mais mordaz, onde quer que se experimente a Justiça Restaurativa, mas basta lembrar que o grande clamor social contra a impunidade e a leniência do sistema penal é justamente contra o sistema formal e vigente.

            Por outro lado, a prisão, por sua impropriedade e ineficácia, além de seus malefícios, só é reservada para crimes graves, na legislação penal em vigor no Brasil e na maioria dos países ocidentais.

            A propósito, as Regras de Tóquio expressam uma convergência mundial no sentido de que já está ultrapassada a equivocada visão que o cárcere é o remédio para a criminalidade, e que as medidas alternativas são muito mais justas e eficazes como resposta para a maioria dos delitos.

            Mas as medidas alternativas, como pagamento de cestas básicas, no Brasil, têm causado muita insatisfação, por privilegiar acusados com poder aquisitivo, e porque não valorizam a vítima.

            A Justiça Restaurativa tem a vantagem de dar voz à vítima e de voltar-se para a restauração do trauma e das perdas dela, no processo.


7. Perspectivas para um Projeto Brasileiro de Justiça Restaurativa

            A introdução da Justiça Restaurativa é perfeitamente compatível tanto culturalmente [21] como juridicamente em nosso país.

            A propósito, diversos programas alternativos de resolução de conflitos têm sido implantados pelos tribunais brasileiros, inclusive com sucesso.

            E um eloqüente exemplo de sucesso, no Distrito Federal, é o Projeto Justiça Comunitária do Distrito Federal – A Justiça sem Jurisdição [22], que opera com a Escola de Cidadania e Justiça, capacitando os Agentes de Cidadania para trabalharem com mediação e cidadania participativa na comunidade, baseados em Centros de Cidadania.

            Esse formato funcionou e pode, talvez, ser o tipo de estrutura apropriada [23] para um projeto-piloto de Justiça Restaurativa.

            A Constituição prevê, no art. 98, I, a possibilidade de conciliação em procedimento oral e sumaríssimo, de infrações penais de menor potencial ofensivo [24].

            A audiência preliminar prevista no art. 70 e 72 a 73 da Lei 9.099 pode ter a forma restaurativa.

            Também as medidas alternativas introduzidas no Código Penal pelas Leis 9714/98 e 10.259/01 comportam, em certa perspectiva, práticas restaurativas.

            Também o Estatuto da Criança e do Adolescente enseja e recomenda implicitamente o uso do modelo restaurativo, em vários dispositivos, particularmente quando dispõe sobre a remissão (art. 126) e diante do amplo elastério das medidas sócio-educativas previstas no art. 112 e seguintes do diploma legal.

            Acreditamos, contudo, que alterações legislativas são necessárias para a acomodação sistêmica do paradigma em nosso Direito Positivo.

            No Brasil, o programa poderia funcionar em espaços comunitários ou centros integrados de cidadania, onde seriam instalados Núcleos de Justiça Restaurativa, cuja estrutura compreenderia Câmaras Restaurativas, onde se reuniriam as partes e os facilitadores, estes últimos preferencialmente psicólogos e assistentes sociais, ou voluntários qualificados criteriosamente selecionados, que se submeteriam a uma capacitação adequada em Centros de Capacitação.

            Os Núcleos de Justiça Restaurativa teriam que atuar em conexão com órgãos governamentais e organizações não governamentais, operando em rede, para encaminhamento de vítimas e infratores para os programas indicados para as medidas acordadas no plano traçado no acordo restaurativo.

            É perfeitamente possível utilizar estruturas já existentes e consideradas apropriadas, podendo os encontros serem realizados em lugares escolhidos de comum acordo pelas partes.

            O modelo argentino, que consiste na operação de dois centros – o Centro de Mediação Penal e o Centro de Assistência às Vítimas, parece válido, mas é preciso que sejam articulados com um Centro de Capacitação de Facilitadores e com a rede social, abrangendo Universidades, órgãos governamentais e organizações não-governamentais.


Conclusão

            A impressão que se tem é que apesar das vantagens que pode ter o programa, ele deve ser experimentado com cautela e controle, e deve estar sempre sendo monitorado e avaliado.

            O que se propõe, aqui, é que um projeto brasileiro de Justiça Restaurativa seja precedido de debates em fóruns apropriados, com ampla participação da sociedade, e que seja um programa concebido e desenvolvido para funcionar em sintonia com o sistema, de forma compatível com a Constituição e as leis, em espaços comunitários, sem o peso e o ritual solene da arquitetura do cenário judiciário.

            E é preciso muito critério e controle na implementação do projeto.

            Todavia, se consideradas essas ponderações e definidos criteriosamente os limites de aplicação desse novo paradigma, como complemento, um projeto brasileiro de Justiça Restaurativa pode funcionar bem, para um considerável número de infrações penais e nos casos em que for possível sua utilização, à luz da Lei dos Juizados Especiais, do Estatuto da Criança e do Adolescente e das penas alternativas previstas no Código Penal.

            Essa deve ser a agenda do movimento restaurativo, e cada de um de nós que acredita e participa desse grito por uma Justiça que Queremos deve sentir que não está sozinho, porque, mesmo que pareça um sonho ingênuo, nos cantava John Lenon: You may say I am dreamer, but I am not the only one.


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Notas

            01 Questão-Síntese do Seminário Internacional Justiça Restaurativa – Um Caminho para os Direitos Humanos?

            02 SCURO NETO, Pedro. Manual de Sociologia Geral e Jurídica, São Paulo, Ed. Saraiva, 3a ed., p.102

            03 PAZ, Silvina. Mediación Penal, inédito no Brasil.

            04 O projeto no parlamento canadense, na área infanto-juvenil, denomina-se Bill C-7.

            05 Para um relatório do Quinto Congresso Internacional sobre Práticas Restaurativas veja no endereço eletrônico http://restorativepractices.org/bc04/index.html

            06 http://www.ufsm.br/Direito/Artigos/Execucao-Penal/Prisao-Ideologia.Htm

            . Veja os documentos no endereço eletrônico http://www.restorativejustice.org/rj3/rjUNintro2.html

            07 http://www.rolim.com.br/2002/modules.php?name=News&file=article&sid=433

            08 Mudando as Lentes – Um novo enfoque para o Crime e para a Justiça [H. Zehr, Changing Lenses: A New Focus for Crime and Justice (Waterloo, ON: Herald Press, 1990)]

            09 SCURO NETO, Pedro. A Justiça como Fator de Transformação de Conflitos: Princípios e Implementação, http://www.restorativejustice.org/rj3/Full-text/brazil/EJRenato%20_Nest_.pdf

            10 http://restorativepractices.org/library/paradigm_port.html

            11 Preferimos considerá-la complementar ao invés de alternativa.

            12 WARAT, Luis Alberto. O Monastério dos Sábios – O Sentido Comum Teórico dos Juristas, in Introdução Geral ao Direito, Porto Alegre, Sergio Fabris Editores, 1995, vol II, p. 57 e sgts.

            13 http://www.restorativejustice.org/rj3/rjUNintro2.html

            14 Discricionariedade e disponibilidade da ação penal para o Ministério Público

            15 Essa análise é baseada nas exposições e no material gentilmente cedido pelas Dras. Gabrielle Maxwell e Allison Morris, da Universidade Victoria de Wellington, Nova Zelândia, por ocasião do memorável Seminário sobre o Modelo Neozelandês de Justiça Restaurativa, promovido pelo Instituto de Direito Comparado e Internacional de Brasília, em parceria com a Escola do Ministério Público da União e Associação dos Magistrados do DF, em março de 2004.

            16 A intervenção do Psicólogo é fundamental para o sucesso de qualquer programa alternativo de resolução de conflitos. No Distrito Federal, existe uma estrutura denominada Núcleo Psicossocial do Tribunal de Justiça, que é uma referência em termos de excelência

            17 O Promotor raramente fala com a vítima, quando devia orientá-la sobre seus direitos, principalmente sendo pessoa de baixa renda, quando ele seria, a nosso ver, obrigado a isso - art. 68, do Código de Processo Penal.

            18 Op. Cit. Supra, nota 3, passim.

            19 JERUSALINSKY, Alfredo.Psicanálise em Tempos de Violência, Somos Todos Violentosn.12 Associação Psicanalítica de Porto Alegre

            20 Culturalmente, não se vislumbra incompatibilidade a não ser aquela originada de preconceitos tais como "no Brasil isso não funciona".

            21 http://www.tjdf.gov.br/institucional/justicom/telas/index.htm

            22 Com a mesma formatação do Projeto Justiça Comunitária, existe também no Tribunal de Justiça do Distrito Federal o Programa de Estímulo à Mediação.

            23 Isso não basta, porque a Justiça Restaurativa não é necessariamente para crimes de menor potencial ofensivo.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINTO, Renato Sócrates Gomes. Justiça restaurativa. O paradigma do encontro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1496, 6 ago. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10238. Acesso em: 4 maio 2024.