Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/108052
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Nebulosidades modernas e pós-modernas.

Nebulosidades modernas e pós-modernas.

Publicado em .

.

Resumo.

O conceito de pós-modernismo trouxe uma arena onde se travou amplo debate de grande projeção. A consideração crítica sobre o propósito de capitalismo contemporâneo trouxe as principais indeterminações sobre o movimento. E, historicamente apreciadora ora como movimento estético, epistemológico e cognitivo e, a nova era seria aberta a falta de autorreferência, indicando a etapa de transição, um tanto indefinida e instável. O prefixo “pós” denota ruptura seja no tempo, nas formas e nos conteúdos. E, o desafio só aumento quando Perry Anderson[1] aponta a história das vicissitudes do moderno e de suas múltiplas relações com o tempo e o espaço onde a desapaixonada interpretação procura materializar uma justiça sem contradições.

 

Palavras-chave: Modernismo. Pós-Modernismo. Filosofia. Sociologia. Epistemologia. Ideologia. Capitalismo contemporâneo.

 

Em verdade, os conceitos de modernidade e pós-modernidade vêm sendo utilizados em múltiplos sentidos e, sofrem generalizações danosas o que acarreta confusões e, comprometem o entendimento da trajetória história desses movimentos tão importantes para entender a Era Contemporânea.

A arqueologia do termo "pós-moderno" é feita para identificar os elementos fundamentais da modernidade de forma a estabelecer os principais alicerces da pós-modernidade

O abuso no uso frequente do termo vem a multiplicar-lhe os sentidos e, os paradoxos gritam pelo túnel da história.

O termo pós-modernismo, pós-modernidade, pós-moderno e, também, o moderno e modernidade habitam uma miríade de questões que se travam em muitas ramificações políticas.

É curioso que Richard Rorty[2] seja um dos pensadores mais habitualmente relacionado ao termo, e chegou a afirmar que ninguém faz a menor ideia do real significado do pós-modernismo.

Trata-se de uma palavra que pretende expressa uma ideia. Parecem ser declarações paradoxais uma vez que o pensador foi quem mais escreveu sobre o pós-modernismo e provocou o mais firme golpe na filosofia analítica com The Linguistic Turn[3] e depois a Philosophy and the Mirror of Nature que deu azo a grande proliferação de caminhos chegando até a filosofia analítica.

Destaca-se uma interessante conferência intitulada "What the Hell is Post-Modernism?" traduzindo: O que diabo é o Pós-Modernismo? o referido encontro teve dez participantes de renome, mas não conseguiram chegar ao final acordo sobre o seu exato significado.

Joyce Appleby, Lynn Hunt e Margaret Jacob, no seu livro Telling the Truth About History, referem-se à ubiquidade do termo “nas mais recentes guerras culturais entre tradicionalistas e os seus oponentes" e comentam:

  "it is a notoriously slippery label. At times, it seems as if everyone is a post-modernist; at others, that everyone avoids a category that can be synonymous with nihilism and ridiculous self-posturing. (If you think of both Jacques Derrida and Madonna as post-modernists you get some sense of the definitional problem.)". Joyce Appleby, Lynn Hunt & Margaret Jacob, Telling the Truth About History, New York: W. W. Norton (...).

Neville Kirk tentou identificar as características constituintes do pós-modernismo contrapondo-as às do modernismo em duas colunas separadas, abaixo, in litteris:

Modernismo:

“Elitismo, autoritarismo de fechamento e engenharia social ("Fordismo"); Alta cultura, tradição e profundidade; Austeridade e disciplina; Significados fixos, centros, leis e verdades absolutas ("metanarrativas", como marxismo e freudismo); Holismo; Planejamento; Homogeneidade; Significado; Certeza, estruturas unitárias, por ex. classe e desconstrução, sistemas discursivos, síntese, externalidade da realidade (isto é, realidade "lá fora")”;

Pós-modernidade

“Flexibilidade do consumismo popular, abertura de escolha, oportunidade; A cultura popular e a mercantilização do lazer e da cultura, “pastiche irreverente", "ausência de profundidade artificial"; Brincadeira, hedonismo "descontraído"; Relatividade, indeterminação, contingência, fragmentos de ser, descentralização, histórias de vida (ou "pequenas"); Individualismo; Experimentação, pragmatismo; Heterogeneidade; Significante; Ceticismo,”

Ihab Hassan elaborou uma lista ainda mais desenvolvida, mas a que chamou "esquemática", das diferenças entre modernismo e pós-modernismo

 

Modernismo

“Romantismo/Simbolismo; forma (conjuntiva, fechada); propósito; desenho; hierarquia; maestria/logotipos; objeto de arte/obra acabada; distância; criação/totalização; sinestesia; presença; centralização; gênero/limite; semântica; paradigma hipotaxia metáfora; seleção; raiz/profundidade; interpretação/leitura; significado; lisível (leitor); narrativa/grande história; Código mestre sintoma; tipo; genital/fálico; paranoia; origem/causa; Deus Pai; metafísica; determinação”.

 

 

Pós-modernismo

“parafísica/dadaísmo; antiforma (disjuntivo, aberto); jogar; chance; anarquia; exaustão/silêncio; processo/desempenho/acontecimento; participação; decriação/desconstrução/antítese; ausência; dispersão; texto/intertexto; retórica; sintagma; parataxe; metonímia; combinação; rizoma/superfície; contra interpretação/leitura errada; significante; Scriptible (escritor); antinarrativa/pequena história; idioleto; mutante; polimorfo/andrógino; esquizofrenia; diferença-diferença/traço; o espirito santo; ironia; indeterminação; imanência”.

Curiosamente, Arnold Toynbee adotou o termo que D. C. Somervell empregara na versão abreviada de A Study of History.  Somervell e Toynbee sugeriram a designação de "idade pós-moderna" a começar em 1875, um período segundo Toynbee caracterizado por guer­ras, agitação social e revolução, uma época de anarquia e relativismo total.

O historiador contrapusera à Idade Moderna, caracterizada pela estabilidade social, racionalismo e progresso, outra que, por contraste, lhe sucedera, uma idade de crise ("time of troubles"), marcada pelo colapso do racionalismo e do ethos do iluminismo.

A arqueologia de Best e Kellner prossegue incluindo mesmo o sociólogo americano C. Wright Mills que terá usado o termo em 1959 para referir a época que se segue à Idade Moderna.

A lista prossegue e merece ser consultada como exemplo do fenómeno da voga intelectual que acaba por associar um termo a um autor a quem a paternidade não pertence.

Ao tentarmos uma definição de pós-modernidade. O que se segue é a tentativa de filtrar, de uma infindável lista bibliográfica. Para levá-lo a cabo com algum sucesso, evitarei tanto quanto possível a terminologia que me faria inclinar para a posição de A ou B. Procurarei sobretudo analisar e argumentar com a maior limpidez conceptual que me for possível.

Porque "pós-moderno", como dizem Agnes Heller e Ferene Fehér, "é um conceito em todos os aspectos parasíticos de modernidade", convém começarmos então por esse outro de "moderno" ou, se preferirem, "modernidade".

​O melhor processo de uma aproximação do conteúdo do conceito será identificarmos as crenças dominantes associadas à visão que se sobrepôs à mundividência medieval. Elas são: O universo é conhecível e o ser humano é senhor do seu uso. Todos os seres humanos são livres e iguais

Reconhece-se que a Cora du Bois[4] trouxe  texto inspirador desta síntese, que tenho procurado desenvolver: "The Dominan (...) O ser humano é perfectível.

Ao terceiro axioma está inerentemente associada a ideia de progresso e, dela resultam todas as instituições destinadas a melhorar o ser humano ea torná-lo mais apto a usufruir dos bens viabilizados pelos axiomas anteriores.

A educação, corno meio de perfectibilidade, enquadra-se neste conjunto. Atrás, disse assentar este tripé – ciência/tecnologia, liberdade/igualdade e progresso amalgamando uma valoração ética fundamental: o mundo é bom.

Não no sentido de Rousseau, mas em contraposição à atitude da teologia cristã medieval que considerava o mundo um lugar de passagem, para mais, capaz de pôr em perigo o “Outro Mundo”, o Bom.

Todos nós sabemos quanta influência a teologia protestante (a teologia das realidades terrestres) exerceu na teologia católica que precedeu a criação de um documento como a Gaudium et Spes[5], no Vaticano II.

Quanto à origem protestante dessa atitude positiva em relação ao mundo material, basta recordarmos a tese de Max Weber sobre a ética protestante e o espírito do capitalismo, nomeadamente os capítulos relativos ao surgimento do “ascetismo terreno" por oposição ao ascetismo voltado para o "Outro Mundo".

Se esta síntese consegue englobar os axiomas fundamentais da ideia de modernidade, será então altura de passarmos à de "pós-modernidade".

Vou sugerir, e tentar argumentar devidamente, que esta última não é propriamente a substituição da mundividência moderna, mas uma tomada de consciência das limitações resultantes da implementação dos seus postulados desta.

Na verdade, ao lermos Lyotard ou Foucault, Derrida ou Rorty, Habermas ou Baudrillard, fica-nos a sensação de que o edifício da modernidade não foi destruído, mas as suas bases, que até há um século pareciam sólidas e inamovíveis, já não assentam mais (aliás, não assentaram nunca, apenas se acreditou que assentavam) em superfície inabalável.

Todavia, o edifício não se desmorona só por nos apercebermos de que os seus alicerces têm limites. Analisando um por um os axiomas da modernidade postos em causa pelo pós-modernismo

Não mudou a atitude geral sobre a ciência. Cada vez mais des­membrada em novas subáreas, ela prossegue a sua busca de respostas sobre a constituição do universo.

Com o subtítulo "Science, logic, mathematics, well formulated theories, empirical research", no tex (...)”

O conhecimento empírico-racional continua a não ser posto em causa e por todo o lado poderíamos traduzir o discurso político, desde Clinton a qualquer ministro português ou francês da Educação, nesse conceito chave de Francis Bacon: "knowledge is power".

Os países desenvolvidos não substituíram as suas crenças na ciência e na tecnologia; aperceberam-se simplesmente de que os recursos naturais têm limites e o seu uso pode levar ao abuso e re­dundar em prejuízo dos próprios interesses humanos.

As legítimas preocupações com a poluição, a clonagem, a contaminação do ambiente, as experiências com animais nos laboratórios, não constituem obstáculo nem argumento contra a ciência e/ou a tecnologia, mas levantam sérias questões pontuais sobre abusos.

A liberdade continua a ser um ideal que se quer intocável, e uma considerável franja da humanidade exige agora dos poderes mais atenção a esse outro ideal, o da igualdade.

A democracia, por mais defeitos que lhe queiramos pôr (lembremos a afirmação de Churchill: "a democracia é o pior dos regimes políticos, exceptuados todos os outros") continua igualmente no topo da escala de valores euro-norte-americana.

Qualquer que seja a nossa posição sobre as teses de Fukuyama acerca do fim da história[6], não resta dúvida de que a demo­cracia como regime político continua a não ser posta em causa, e nem sequer os arautos do pós-modernismo o têm feito.

Passadas três décadas do lançamento de “O fim da História e o último homem”, Francis Fukuyama lançou em abril nos Estados Unidos um novo livro, “Liberalism and its discontents” (Liberalismo e seus descontentes, em tradução livre).

Em uma espécie de autocrítica (a evocação no título a um ensaio de Freud, “A civilização e seus descontentes”, traduzido no Brasil como “O mal-estar da Civilização”, é sugestiva), Fukuyama agora acredita que o liberalismo não foi capaz, nas últimas décadas, de corresponder às expectativas criadas, em termos de justiça social.

O que acontece é esta sensação de crescente dificuldade de se conseguir harmonizar os princípios da justiça e liberdade. Quer dizer, o segundo axioma continua intocável, embora hoje, graças a pensadores que vão de Marx a Foucault, tenhamos uma visão muito menos naïve(ingênua) sobre as forças de poder que toldam a limpeza dos conflitos de harmonização[7].

O século XX foi testemunha e, parece que o novo milénio continuará a sê-lo também, de tragédias[8] resultantes da prossecução desses dois princípios.

Como muito bem disse Armand Petitjean, "o mundo está cheio de ideias europeias que se tornaram loucas”. Curiosamente, foi a morte de uma dessas "ideias europeias que se tornaram loucas" – o marxismo – que chamou a atenção para as consequências dramáticas dos outros postulados da modernidade. Outra ideia, o nazismo, teve o seu impacto, mas não acelerou a disseminação do pós-modernismo.

À questão da igualdade, uma vez que a categorização não parece acomodar devidamente a insistência pós-moderna na diferença, ou melhor, no direito à diferença.

 Do meu ponto de vista, essa permanece ainda a ser uma luta pela igualdade, mas aqui com um ajustamento semântico. Os movimentos pós-modernos de afirmação de minorias reclamam que seja estabelecida a sua diferença do mainstream, que se lhes reconheça urna identidade própria para que melhor lhes seja reconhecido o direito à igualdade, que significa, ao fim e ao cabo, uma igualdade de direitos nas sociedades em que vivem.

Portanto, o objetivo global é ainda a igualdade, na sua dupla dimensão de liberdade e justiça. Se a ideia hegeliana, positivista e marxista de história em contínuo crescimento é hoje encarada como uma uto­pia, os movimentos feministas, gay, verde, antirracista, anticolonialista, e tantos outros, prosseguem na sua confiança quase ilimitada no progresso da sua causa.

O pós-modernismo tem entusiastas entre muitos membros desses grupos. A democratização do ensino continua a ser um dos objetivos de todos os programas governamentais e não conheço pós-modernista que ponha em causa a necessidade da sua existência. Pugnam, sim, por tipos de educação diferentes da institucional. Mas acreditam nela, no progresso e na perfectibilidade dos seres humanos.

Como nos diz Nadja Hermann (2005):

         A educação, que sempre teve uma atração inevitável à unidade, em decorrência de suas bases metafísicas, pode-se beneficiar diante do reconhecimento da pluralidade de novas configurações de sentido que a estética promove, sem abrir mão dos princípios éticos que regulam a vida social, nem entender de forma redutora a busca de aperfeiçoamento moral. A formação do sujeito ético, demanda histórica do pensamento pedagógico clássico e moderno, encontra na experiência aberta da estética, momentos do livre jogo da imaginação que ampliam o eu e o conduzem ao aperfeiçoamento”.

 

E quanto aos abalos provocados pelo pós-modernismo?

O mais sério vem da tomada de consciência das limitações da linguagem. Wittgenstein, Heidegger, Davidson, Derrida, Rorty são alguns dos pensadores que mais contribuíram para este abalo.

Posta em causa a capacidade de a linguagem espelhar o real, em causa fica também toda a epistemologia e, portanto, em princípio, a ciência, já que a linguagem por ela usada não per­mite sair de si própria de modo a poder usufruir-se de um olhar objetivo, ple­namente isento, sobre o real.

Desenvolvendo um pouco esta temática numa nota introdutória à tradução portuguesa de “A Inteligência Em (...)”. Depois, um segundo golpe vem da tomada de consciência dos limites se ter alastrado à esfera da razão.

O reconhecimento da existência de uma zona imensa da realidade que extrapola da alçada da razão deixa expostos à vista desarmada os limites da mesma.

Nenhuma novidade, tanto que Voltaire já expressara essa mesma ideia de outro modo, incidindo no importante papel de freio exercido    “(...) Um terceiro golpe veio da tornada de consciência da contingência dos valores, ao ser-lhes retirado o alicerce segurado na ideia de Deus. Foi a conclusão temida por Dostoievski: "Se Deus não existe tudo é possível.[9]"

Entretanto, como tudo o que o personagem dostoievskiano dizia, a frase de Ivan não continha nem uma afirmação nem uma negação: lançava somente uma dúvida; uma ambígua dúvida da qual Sartre viria a fugir, afirmando: "Deus não existe, e, portanto, tudo é permitido". Ousei retirar da frase de Ivan a consequência contrária: "Vejo que nem tudo é permitido; então, Deus existe". Mas, todo o contexto justifica a assertiva.

Dostoiévski era contra a servidão de classe, defendia a revolução e fazia propaganda do movimento, o que era ilegal. Por isso, foi preso em 23 de abril de 1849, e permaneceu na prisão por oito meses. Assim, em 22 de dezembro, ele e outros prisioneiros receberam a sentença de morte por fuzilamento.

É por isso que sempre considerei irresponsáveis e mal formulados tanto o princípio amoral estabelecido por Sartre quanto o lema leviano e tolo que os tropicalistas herdaram do movimento parisiense de 1968: "É proibido proibir"[10]. Em certa feita, indaguei, de um seguidor do lema, em que se fundamentava tal "proibição de proibir". Ele respondeu que era "numa ética libertária do prazer".

Pressuponho já as perguntas fervilhando: Mas que há de realmente novo nisso? Então, Kant não abalou a objetividade do conhecimento?

E, não teve ele que inventar a razão prática para salvaguardar os princípios éticos e os valores do iluminismo? E, Nietzsche não anunciou a morte de Deus e levou a cabo a desconstrução da moral elaborada pelo cristianismo? E o existencialismo não nos familiarizou com a questão da ausência de sentido?

E Heidegger, e mais ainda o "segundo Wittgenstein", não nos deixaram bem conscientes de estarmos enredados nos (e um pouco à mercê dos) jogos da nossa linguagem?

E, Karl Popper não abalou irremediavelmente os sistemas metafísicos de fundamentação transcendente, tornando-nos conscientes da natureza incompleta das verdades em que hoje acreditamos?

O conceito do “Paradoxo da Tolerância” é talvez das ideias mais famosas de Karl Popper. É irônico, mas não surpreendente, que o conceito tenha sido mal interpretado, distorcido e usado para argumentar em favor do exato oposto que Popper[11] defendeu.

O paradoxo da tolerância tem sido difundido pelas redes sociais através de um cartoon que varia a mensagem de acordo com as motivações da fonte.

O paradoxo da tolerância aparece na obra “A Sociedade Aberta e os Seus Inimigos”[12]. No livro, Popper[13] identificou e criticou extensamente as ideias filosóficas que deram origem, na opinião do autor, aos movimentos totalitários do século XX. Todo o livro é uma defesa da sociedade aberta e pluralista, da racionalidade e do falibilismo.

A discussão sobre os paradoxos da liberdade, da tolerância e da democracia é feita no primeiro volume, “O Feitiço de Platão”[14] (tradução livre), onde Popper argumenta que as raízes do autoritarismo e da tirania remontam a Platão (que defendeu a ideia do “tirano benevolente”). Mais, concretamente, esses paradoxos são aludidos no capítulo “O Princípio da Liderança”.

Neste livro, Popper tenta desconstruir a falácia da pergunta “quem deve governar?”, que dominou as teorias de soberania, e apresenta a sua solução para o problema, nomeadamente, a substituição pela pergunta “como podemos organizar instituições políticas de forma a que seja fácil retirar maus governantes do poder sem o uso de violência?”

E, toda a estética modernista da viragem do século XIX e de todo o século XX, não é afinal pós-modernista?

O pós-modernismo é urna questão que preocupou e ainda preocupa, sobretudo, as elites intelectuais de esquerda que, após terem durante muito tempo abraçado o marxismo nas suas diversas variantes, perderam a fé nele e viram-se repentinamente sem os fundamentos sobre que assentava a sua mundividência, ou pelo menos a estrutura funda­mental dela.

O marxismo foi a religião secular dos intelectuais de esquerda, tendo sido substituído para muitos a ética do cristianismo. Conclui que antes que o holocausto não provocou nesses setores o desastre que a queda do marxismo desencadeou.

É que as camadas intelectuais partilhavam uma ética inspira­da pelo marxismo que lhes ditava crenças de fundo. Foi aliás essa mesma fé que funcionou como cegueira perante as denúncias de Gulag.

Paira hoje, um pouco por todas as sociedades avançadas, uma sensação de insegurança, de descrédito nas grandes utopias e até mesmo em ideais e projetos de largo alcance.

Huyassens identificou esse estado de espírito coletivo nos seguintes termos: Huyssens (1984), citado em David Harvey, p.39. In litteris:

            “What appears on one level as the latest fad, advertising pitch and hollow specta­cle is part of a slowly emerging cultural transformation in Western societies, a change in sensibility for which the term “post-modern66” is actually, at least for now, wholly adequate. The nature and depth of that transformation are debatable, but transformation it is. I don’t want to be misunderstood as claiming that there is a wholesale paradigm shift of the cultural, social, and economic orders; any such claim clearly would be overblown. But in an important sector of our culture there is a noticeable shift in sensibility, practices and discourse forma­tions which distinguishes a post-modern set of assumptions, experiences and propositions from that of a preceeding period”.

O sentido dos limites e das obstruções de toda a ordem; o reconhecimento das distâncias entre as utopias e a sua concretização, entre as ideologias[15] e a práxis[16]; a consciência mais funda dos conflitos inevitáveis na obtenção de bens antinômicos – como a liberdade e a justiça, por exemplo – e, das tensões entre tendências divergentes – como o indivíduo e a sociedade – que caracterizam o cerne da mundividência pós-moderna. Daí aos exageros do anything goes.

Do reconhecimento do fato de nenhuma proposta ética ter qualquer justificação última puramente racional, ou de todas estarem no mes­mo plano, à conclusão de que desapareceram os cânones, as hierarquias estéticas, éticas e mesmo epistemológicas, vai um salto abissal. E, no entanto, vemo-lo dado com enorme frequência.

Estabelecerem distinções analíticas entre dicotomias até há pouco tidas como plenamente defensáveis: sujeito-objeto; fato-valor; análise-síntese; história-ficção; razão-emoção; aparência-realidade; descrição-avaliação, realidade-discurso e tantas outras mais.

O erro corrente consiste em declarar-se a impossibilidade de se estabelecer qualquer distinção, transformando tudo numa imensa mônada leibnitziana. O que, com um pouco de esforço argumentativo, se poderia mesmo levar ao reducionismo total, nada mais nos restando do que uma mônada imensa como o universo, sobre o qual nada será possível dizer. Mas ou tudo é uma mônada, ou se reconhece diferenças.

Os intelectuais e acadêmicos poderão achar que não é legítimo cogitar em diferenças, mas o resto da humanidade fá-lo. E, os intelectuais também, aliás, pois ganham a vida precisamente a estabelecer distinções conceptuais.

Quando como um caso de plágio ou difamação na imprensa, até recorrem aos tribunais para fazerem valer a força das suas distinções. Nunca vi nenhum pós-modernista aceitar a explicação de não se poder estabelecer diferença entre um comentário e uma difamação. Porém, juridicamente[17], há concreta diferença.

Os conceitos têm um centro, mas são abertos. Todos sabemos o que é uma mesa, mas não há dicionário capaz de explicar todas as características que a distinguem de um banco. E, no entanto, todos sabemos distinguir uma mesa de um banco.

Os problemas surgem é nos casos intermédios. Mas pelo fato de surgirem dificuldades, ambiguidades, indefinições, aporias relativa­mente a situações intermédias, ninguém deixa de saber o que seja uma mesa e um banco.

Outro exemplo? Por ninguém conseguir estabelecer, com rigor, onde termina o braço e começa a mão, ninguém vai negar a existência da mão ou do braço.

O problema complica-se com o surgimento do pulso. No entanto, trata­se apenas de uma questão de reducionismo. Fazemos um zoom sobre uma realidade mais pequena.

Continua a existir um pulso, embora ninguém saiba exatamente em que décimo de milímetro ele é já mão ou braço? Um exemplo idêntico poderá ser constituído pela cabeça, o tronco e o pescoço de permeio.

O problema está, pois, nas periferias, nas sobreposições, e nas indeterminações inerentes a qualquer conceito, sobretudo aos conceitos abstratos que captam realidades humanas.

Isso torna muito problemática a linguagem estética, a da ética, mas também, embora menos, a da história e a das ciências sociais. A essas mesmas dificuldades não escapam nem a biologia nem a química ou a física, se bem quem em muitíssimo menor grau.

A indefinibilidade, a ambiguidade, a polissemia e, tantos outros termos do gosto pós-moderno cometem a falácia que poderíamos chamar de generalização do cinzento.

Por existirem zonas cinzentas onde dois termos osmoticamente se misturam, não significa deixarem de existir zonas brancas (ou a tenderem para o branco), suficientemente distintas de outras pretas (ou a tenderem para ele). Isto equivale a dizer-se que com os conceitos ocorre o fenómeno captado nos diagramas das curvas de Bell[18].

Os dicionários são a maior prova dessa realidade inultrapassável. Cada termo é definido por aproximações a outros. Mas isso não significa que exista identidade entre todos eles.

Cada termo esbate-se mais e mais à medida que se afasta do centro. Se cada um tem um vizinho semântico que lhe é quase idêntico, ele vai-se distanciando gradativamente, como se num desenho de Escher.

As semelhanças entre um termo e os seus vizinhos diminuem à medida que aumenta a série destes.  Uma mesa, a dada altura da série de muitas formas em que pode surgir, passa a ser um banco, como no arco-íris o amarelo se trans­forma em laranja.

Na maior parte dos casos, o que pode debater-se é se ainda é amarelo ou já laranja. As divisões que estabelecemos são na verdade convencionais e por isso não indispensáveis. Variam mesmo de língua para língua.

 Em momentos específicos, é possível determinar analiticamente que a realidade até então coberta pelo termo x se transformou o suficiente para se passar a denominar y.

Não estou a solucionar a questão. E, tenho plena consciência das sérias dificuldades levantadas pelas áreas cinzentas.

Voltando a Chisholm, lembro-me de um colega ter escrito um ensaio inteiro a demonstrar que não só existia a realidade da sombra e a do buraco do doughnut[19], de que cogitara Chisholm na aula, mas existia igualmente essa outra realidade distinta que era a do buraco na sombra do doughnut.

No entanto, como nos argumentos de Zenão, a possibilidade de divisão é infinita, na prática ninguém funciona assim. Os tribunais estão cheios de exemplos de gradações semânticas. E, pior, de interpretações semânticas...

Exemplifico com esta história real: Um dia alguém ligou para um advogado, que era meu amigo que sendo um irlandês-americano, aprendeu algum português no Brasil e, na Nova Inglaterra, tem com frequência clientes portugueses.

Queria pedir-me para ir depor no tribunal. Um cliente seu, em altercação num bar com um compatriota, chamara de “puta” à mulher dele. De mim, que queria então o advogado?

Que fosse ao tribunal, como perito em língua portuguesa, explicar pura e simplesmente que em português a palavra "puta" tem inúmeros sentidos. Putare em latim significa literalmente imaginar.

Alguns argumentos sobre estética e ética[20] noutros lugares e, por isso, limito-me aqui apenas a argumentos de ordem epistemológica. Estou a ser pragmático, reconheço.

Evidentemente que pressuponho a geral aceitação da possibilidade do conhecimento, enquanto ignoro o cepticismo, apesar de sabê-lo um sério problema filosófico.  De acordo. Mas prossigo dentro da atitude pragmática de responder ad hominem a alguns exageros pós-moder­nistas.

Se teoricamente o conhecimento – o knowledge as justified true belief da filosofia analítica – é metafisicamente impossível de obter-se e demonstrar-se em absoluto, na prática o ceticismo coerente é indefensável. Com efeito, não conheço cépticos a sério. E, creio que se conhecesse, aplicaria a solução proposta por já não sei quem:

Deem-me um cético que eu mandá-lo-ei caminhar em direção a um precipício com ordem de nunca parar. Se, ele se deter à beira do precipício, acabou-se o ceticismo.  Se continuar, acabou-se o cético.

A fragmentação do eu, a despersonalização, a ausência de centro, o infindável debate sobre a mente-corpo ou sobre a consciência não eliminam nenhuma das   nossas questões diárias, nem o fato de existirmos como indivíduos com necessidades, interesses e desejos. Tal como a teoria da relatividade não alterou a vida do planeta e os cientistas continuaram a servir-se normalmente das leis de Newton.

Quando muito, voltaremos de novo ao eterno problema da liberdade e do determinismo, tão antigo como a filosofia, nada pós-moderno portanto.  A falta de solução teórica para questões milenárias sobre o ser humano nunca impediu a humanidade de agir e funcionar corno se tivesse respostas.

Nenhum postulado do pós-modernismo parece iluminar essas questões. Poderá, todavia, desmobilizar aqueles que acham que a busca, a procura de respostas, deve continuar a animar os que sentem inquietações.

O sujeito nunca consegue libertar-se completamente de si próprio na busca da realidade que se propõe conhecer, isso não significa que seja legítimo estabelecer-se um continuum intransponível entre o sujeito e a realidade a ponto de se negar toda e qualquer objetividade.

 A teoria da relatividade tem quase um século, o princípio da indeterminação tem pelo menos meio. Mas essas são realidades do universo microfísico.

Para todos os devidos efeitos o mundo continua a funcionar em moldes semelhantes aos da engenharia: não temos respostas últimas sobre as strings, os genes, ou o núcleo do átomo (e nunca eventualmente as teremos), mas continuamos a construir alicerces cada vez mais sólidos para pontes e arranha-céus, capazes de resistirem aos mais violentos desastres naturais conhecidos.

Entretanto, porque esta dicotomia é demasiado abrangente e problemática, permitam-me que passe à segunda, afinal um aspecto parcelar da primeira, e por isso mais facilmente tratável: se distinguir entre facto e valor não se pode concluir pela abolição da diferença. As consequências seriam contra-intuitivas e imobilizadoras, nomeadamente no caso da história.

Refere-se ao congresso sobre o tema "After Post-Modernism" anuncia­do nos Proceedings of the American Philosophical Association e realizado na Universidade de Chicago. Consultei na Internet a página indicada na notícia.

Na nota introdutória à publicação eletrônica das comunicações deparei com estas afirmações dos organizadores: "What Post-Modernism teaches is not new. Heraclitus said, "You cannot step into the same river twice" and his student added, "not even once, since there is no same river."

E, mais adiante: "recently a competent anthropologist’s report on his field work engendered lively ques­tions. Then he said: 'From postmodernism we know that there are no facts, so I can really say anything I want.' It stopped the discussion."

Este pequeno incidente capta e ilustra na perfeição o cerne do problema no debate actual sobre a objetividade em história.

Sobre as ciências sociais em geral, onde a questão do fato e valor é crucial.  “O Capital”, de Karl Marx, quer se concorde com ele ou não, é uma tentativa séria de compreender e interpretar a realidade, uma tentativa de abordá-la cientificamente.

“O Manifesto Comunista”, porém, é um programa político, uma agenda política, com o objetivo de intervir na realidade para a alterar. Busca-se ou promove-se valores e não explicações científicas. O debate democrático das ideias é que deverá fazer vingar as interpretações do real com maior poder de penetração nele.

Em síntese, embora conscientes da incapacidade de sermos objetivos, não podemos deixar de tentar. E, todas as nossas tentativas serão sempre de um determinado ponto de vista, porque o privilégio da God’s eye view não estará jamais ao nosso alcance.

Não podemos aspirar mais à verdade com letra maiúscula, essa terceira verdade da canção dos "Extreme", o famoso grupo de rock que tem um luso-americano por estrela,

Nuno Bettencourt: "Há sempre três verdades: a tua, a minha e a verdade"[21]. Essa, que como uma bola de mercúrio parece constantemente evadir-se-nos das mãos, que nos surge multifacetada, poliédrica, às vezes gestáltica, contraditória e desconexa, deve continuar a ser o motor da busca trimilenária em que embarcámos. Mesmo com a convicção de, quando supomos possui-la, nunca podermos ter a certeza absoluta dela, nem de ela continuar a parecer-nos a mesma no dia seguinte.

De qualquer modo, a própria dúvida do dia seguinte deverá ser motivada por aquela pergunta que o velhinho Roderick Chisholm nos fazia nas aulas de Metafísica quando laboriosamente, durante um seminário de duas horas, procurávamos aperfeiçoar o rigor de uma afirmação escrita no quadro:  "Are we getting closer to the truth?"

Sobre esta dicotomia, gostaria apenas de chamar a atenção para uma confusão frequente surgida a propósito de António Damásio e a dicotomia emotividade-racionalidade[22]. Não foi Damásio quem descobriu as emoções nem que elas se misturavam com a racionalidade.

O que o justamente prestigiado investigador português demonstrou em Descartes’s Error[23] foi que ambas essas dimensões são, em última análise, indissociáveis uma vez que uma região do cérebro parece ser responsável pelas emoções e que, na ausência delas (mesmo por razões físicas, como no caso estudado por Damásio, em que o doente ficara com um furo no cérebro), a pessoa fica sem motivações para optar por A ou B.

 Isso não significa que a ideia de racionalidade deva desaparecer das nossas vidas porque tudo passa agora a ser apenas emotividade. A racionalidade há muito que vem sendo en­tendida como uma grelha ou rede de implicações que, aplicada a opções de fundo que a ultrapassam e transcendem, oferece regras de trânsito lógico entre elas.

Os valores, as crenças estão para além a racionalidade, que apenas esta­belece essas conexões lógicas entre uns e outras e ainda entre as opções e objetivos que uma pessoa faz ou se propõe.

Como argumenta Cristopher Norris, o pós-modernismo nada pode fazer para pôr em causa as formas de injustiça e opressão, uma vez que não oferece argumentos, recursos críticos, nem critérios de fundamentação.

A condição pós-moderna é hoje real e concreta. Quer queiramos quer não, a fragmentação operou-se e os argumentos podem geralmente pouco contra qualquer fé.

Para além da importância do reconhecimento das limitações teóricas e práticas que a história intelectual dos últimos cem anos nos tornou patentes, argumentos como este que aí fica à consideração do leitor servem pelo menos para confirmar a opinião dos convencidos de que os ideais da modernidade ainda não estão ultrapassados.

Eles poderão, aliás, dentro do melhor espírito pós-modernista, continuar a investigar na área ou áreas que os apaixonam. Se o mundo de hoje é fragmentado e poliédrico, no mínimo essa atitude enriquecerá o pluralismo democrático das ideias.

Jürgen Habermas[24], um dos pensadores contemporâneos que mais se tem debruçado sobre a questão da modernidade, afirmou que "até onde é possível descortinarmos, ainda não existe nenhuma alternativa à modernidade que está hoje consciente das suas contingências".

 Nesta frase, encontrada depois de escrito já este texto, serve perfeitamente para terminá-lo. Dir-se-ia que o iluminismo, apesar das luzes que nos trouxe, se vê hoje menos claro[25] (o antropólogo Clifford Geertz usou uma magnífica expressão em título de um dos seus mais recentes livros: Available Light).

Mas é o que podemos ver com a luz de que dispomos. Essa pouca luz é ainda bem melhor que as trevas. Além disso, como nos lembrou Rorty, essa é a nossa melhor esperança

Recordo que, nos Estados Unidos, são os liberais e a esquerda (os círculos em que mais se fala de pós-modernismo) os maiores objetores de qualquer intervenção do Estado na Internet, apesar dos sérios perigos que correm as crianças e os adolescentes. A defesa tem sido feita sempre com base na Primeira Emenda à Constituição, isto é, o direito à liberdade de expressão.

O pós-modernismo foi um período que sucedeu o modernismo, um movimento artístico que impactou as artes, literatura e arquitetura no Brasil e no mundo todo.

Nesse sentido, o pós-modernismo se iniciou em meados do século XX, aproximadamente em 1945, e se consolidou após a queda do muro de Berlim, em 1989.

Assim, entre 1948 e 1961, aproximadamente três milhões de pessoas abandonaram a Alemanha Oriental. No meio dessa quantidade enorme de pessoas, estavam professores, engenheiros e médicos, isto é, mão de obra qualidade de enorme importância.

Essa fuga da população e de mão de obra qualificada alarmou as autoridades da Alemanha Oriental e, então, ideias para acabar com esse êxodo começaram a ser debatidas.

A partir de 1958, a Stasi foi mobilizada, mas os resultados não foram muito bons. A própria polícia secreta alemã sugeriu que o controle desse êxodo populacional só teria eficácia por meio de uma barreira física. Assim, em 1961, as autoridades da Alemanha Oriental pediram autorização para construir o muro."

A queda do muro de Berlim significou o fim da Guerra Fria, a falha intrínseca do sistema comunista e a não aceitação do homem por regimes totalitários. O evento possibilitou a unificação da Alemanha. A queda do muro de Berlim também significou a união ou a reunião de um povo.

A queda do muro de Berlim[26], construído em 1961, representeou o fim da divisão existente entre as Alemanhas e foi um marco do enfraquecimento do socialismo no mundo. A queda do Muro de Berlim (1989) e o fim da União Soviética (1991) são fatos que simbolizaram o fim da Guerra Fria.

O pós-modernismo se deu com o avanço dos meios de comunicação e da evolução tecnológica que marcaram a segunda metade do século XX. Nesta época, a sociedade absorvia diversos conceitos e tendências relacionados a era digital e a globalização[27].

Esses conceitos e tendências que formaram o pós-modernismo. Atualmente, essas tendências do pós-modernismos ainda vigoram na literatura, arquitetura, artes plásticas, esculturas e muito mais. Pasmem, até no Direito[28]. Sendo assim, o pós-modernismo está intimamente relacionado com a comunicação[29].

 

Referências

ALMEIDA, Onésimo Teotônio. Modernidade, pós-modernidade e outras nebulosidades. Disponível em: https://journals.openedition.org/cultura/2147 Acesso em 15.4.2023.

Onésimo Teotónio Almeida, «Modernidade, pós-modernidade e outras nublosidades», Cultura [Online], Vol. 22 | 2006, posto online no dia 25 junho 2015, consultado o 15 abril 2023. URL: http://journals.openedition.org/cultura/2147; DOI: https://doi.org/10.4000/cultura.2147

ANDERSON, P. As Origens da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. 188p.

BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. O direito na pós-modernidade. Disponívelem:htps://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/download/2177-7055.2008v29n57p131/13642/46105 Acesso em 4.12.2023,

HABERMAS, J. Técnica e ciência como ideologia. Lisboa: Edições 70, 1968.

HARVEY, D. A condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1992.

HERMANN, Nadja. Ética e Estética: a relação quase esquecida. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005.

HOBSBAWM, Eric. Guerra, paz e hegemonia no início do século XXI. In: Globalização, democracia e terrorismo. Tradução: José Viegas. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

HORKHEIMER, M. O eclipse da razão. São Paulo: Centauro, 2002.

LYOTARD, J-F. A condição pós-moderna. Rio de Janeiro: José Olympio, 2004.

ZIZEK, S. Multiculturalismo ou a lógica cultural do capitalismo multinacional. In: DUNKER, C.; PRADO, J.L. (Org.). Zizek Crítico São Paulo: Hacker, 2005. p. 11-45.

______. Posfácio: a escolha de Lênin. In: ______. (Org.). Às portas da Revolução: escritos de Lênin de 1917. São Paulo: Boitempo, 2005a.

______. "O superego pós-moderno". Folha de S. Paulo, 23 maio 2003. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/19133295/Zizek-O-superego-posmoderno>. Acesso em: 02 fev. 2023.

» http://pt.scribd.com/doc/19133295/Zizek-O-superego-posmoderno



[1] Francis Rory Peregrine Anderson (Londres, 11 de setembro de 1938) é um historiador e ensaísta político marxista inglês, professor de História e Sociologia na Universidade da Califórnia em Los Angeles e editor da New Left Review. É irmão do historiador Benedict Anderson. Perry Anderson trouxe para a revista a um profundo conhecimento da obra de Sartre e do marxismo. Inicialmente sua linha editorial sofreu a influência de Gramsci e mais tarde de Lukács e Althusser. Dedicou-se a introduzir, comparar e criticar as principais correntes da tradição marxista ocidental. Em 1962, publicou "Portugal and the End of Ultracolonialism", onde estudou a estrutura do império colonial português e previu o seu fim. A derrota do movimento de 1968 na França conduziu Perry Anderson ao estudo do Estado burguês nos países desenvolvidos. Daí resultaram dois livros: Passagens da Antiguidade ao Feudalismo e Linhagens do Estado Absolutista, ambos de 1974, além de uma obra não concluída sobre as revoluções burguesas.

[2] Richard Rorty (Nova Iorque, 4 de outubro de 1931 - Palo Alto, 8 de junho de 2007) foi um filósofo pragmatista estadunidense. A sua principal obra é Filosofia e o Espelho da Natureza (1979). Foi um filósofo que esteve em pé de guerra com a filosofia durante toda a sua vida. Defendia-se contra a pretensão de absoluto do pensamento analítico e renunciou durante décadas, a modo de protesto contra as correntes tradicionais do seu âmbito, a dirigir uma cátedra de filosofia (apenas aceitou até 1982 um lugar na Universidade de Princeton). Disse numa entrevista: "Creio que as histórias tristes sobre padecimentos concretos muitas vezes são um melhor caminho para modificar o comportamento das pessoas que citar regras universais".

[3] O que se costuma chamar de linguistic turn, ou giro linguístico, foi a percepção de que “todo pensamento é signo; a palavra ou o signo que utiliza o homem é o homem mesmo; o pensamento é de natureza linguística; não se pensa… O “giro linguístico” desloca a centralidade do objeto ou das coisas representadas na mente (ponto de partida da lógica formal) para a linguagem e as palavras. Nesse caso, as palavras (a linguagem e o discurso) tornam-se a referência (o centro ou ponto de partida) das coisas (grifou-se).

[4] Cara Alice Du Bois (1903-1991) foi uma antropóloga cultural americana e uma figura chave nos estudos

da cultura, personalidade e na antropologia psicológica em geral. Em 1954, ela fazia parte do fundo patrimonial Samuel Zemurray Jr. e Doris Zemurray Stone-Radcliffe Professor, na instituição de ensino Radcliffe College.  Após a aposentadoria de Radcliffe, ela foi representante na Universidade Cornell (1971–1976) e, por um período, na Universidade da Califórnia em San Diego (1976). Ela foi eleita membro da Academia Americana de Artes e Ciências em 1955, presidente da Associação Antropológica Americana em 1968–1969 e da Associação de Estudos Asiáticos em 1969–1970, a primeira mulher a receber essa honra. De 1937 a 1939, Du Bois viveu e realizou pesquisas na ilha de Alor, parte das Índias Orientais Neerlandesas, atual Indonésia. Ela coletou estudos de caso detalhados, entrevistas de história de vida e administrou vários testes de personalidade (incluindo testes de Rorschach), que ela interpretou em colaboração com Kardiner e publicou como The People of Alor: A Social-Psychological Study of an East Indian Island, em 1944. Um de seus principais avanços teóricos neste trabalho foi o conceito de "estrutura modal de personalidade". Com essa noção, ela modificou ideias anteriores da escola de antropologia, cultura e personalidade sobre a "estrutura básica da personalidade”, demonstrando que, embora sempre haja variação individual dentro de uma cultura, cada cultura favorece o desenvolvimento de um tipo ou tipos particulares, que serão o mais comum nessa cultura. Seu trabalho influenciou fortemente outros antropólogos psiquiátricos, incluindo Robert I. Levy, com sua etnografia centrada na pessoa, e Melford Spiro. Por seu serviço ao país no OSS, Du Bois recebeu o Prêmio de Serviço Civil Excepcional do Exército dos Estados Unidos em 1946. O governo tailandês a honrou com a Ordem da Coroa da Tailândia em 1949 por seus esforços durante a guerra em nome da Tailândia.

[5] A Gaudium et Spes marcou as orientações pastorais da Igreja em relação às questões relativas à vida da pessoa em sociedade. Outros documentos foram emanados pelos pontificados subsequentes, porém, podemos afirmar que ela é a referência principal para a maioria dos textos sociais posteriores. A Lumen Gentium é uma constituição dogmática que procura compreender a Igreja, seguidora de Cristo, “Luz dos Povos, na perspectiva de seu interior, de sua natureza organização e função.

[6] Em 1989, o cientista político e economista americano Francis Fukuyama publicava seu famoso artigo O fim da história? Na revista The National Interest. Nele, argumentava que a difusão mundial das democracias liberais e do livre capitalismo de mercado possivelmente sinalizavam o fim da evolução sociocultural da humanidade. Três anos mais tarde, ele publicaria o livro O fim da história e o último homem, onde expandia essas ideias. Decorrido um quarto de século, os pontos de vista de Fukuyama continuam sendo debatidos e criticados. Em entrevista à DW [Deutsche Welle], o filósofo de 61 anos afirma que tais ataques a seu texto são decorrentes de uma interpretação equivocada, e defende suas teses à luz de eventos geopolíticos recentes. Em muitos aspectos Fukuyama é menos hegeliano do que desejaria: como cientista político do Departamento de Estado da Casa Branca, sua leitura da filosofia de Hegel focou-se menos no que é efetivamente a sua “instância fundamental” (o desenvolvimento do Espírito) do que em uma de suas dicotomias (a História, que se contrapõe à natureza). Ademais, a hipótese sobre o “fim da História” acabou baseada em uma tradução que, inevitavelmente, traiu e falsificou o que havia registrado o sistema hegeliano: ANDERSON, Perry. O Fim da História: de Hegel a Fukuyama. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992. “Hegel nunca utilizou os termos Ende [fim] Schluss [encerramento] no léxico de suas conclusões; somente Ziel [meta, alvo], Zweck [objetivo final, finalidade] ou Resultät. A razão disso é simples, num determinado nível. Em alemão, não existe uma palavra que combine os dois sentidos de end em inglês, como término e como propósito, e o interesse essencial de Hegel era mais pelo segundo do que pelo primeiro”. Com efeito, a teoria de Fukuyama acabou ridicularizada por inúmeros autores, entre conservadores, liberais e comunistas. No dia seguinte aos atentados às torres gêmeas, o colunista George Will referiu-se ironicamente a essa teoria: para ele, a História havia “voltado de férias”. WILL, George. The end of our holiday from history. Jewish World Review. 12 set. 2001. Disponível em < http://www.jewishworldreview.com/cols/will091201.asp

[7] Um valor básico de qualquer democracia moderna, como o da soberania popular, hoje é considerado uma verdadeira ameaça para a própria democracia: na Grécia, por exemplo, após a eleição de uma coligação de esquerda radical que colocou para votação em sufrágio universal os rumos da política econômica nacional (em um referendo no qual mais de 60% da população optou pelo “não” ao ajuste fiscal exigido pela Troika) a resposta da União Europeia foi muito contundente: ou o governo grego deveria ignorar a expressão do desejo da maioria do país, ou deveria arcar com as consequências de um “Grexit”. Como afirmou na época o primeiro-ministro Alexis Tsipras, o recado que a União Europeia deu para a Grécia e para os demais países do continente foi o de que a vontade dos povos não exerce qualquer influência nas decisões de poder: ou seja, a democracia não tem espaço, não cabe no atual modelo político-econômico. Com efeito, a constatação de Zizek sobre o sucesso da administração do capitalismo pelo Partido Comunista Chinês parece uma tendência universal: há, de fato, um “sinal agourento de que o casamento entre capitalismo e democracia está próximo do fim”. ZIZEK, Slavoj. O violento silêncio de um novo começo.

[8] Em um artigo de 2007, Eric Hobsbawm afirmou: “Quando caiu o muro de Berlim, um americano incauto anunciou o fim da história. Evito, portanto, usar uma expressão tão claramente desacreditada” HOBSBAWM, Eric. Guerra, paz e hegemonia no início do século XXI. Em: Globalização, democracia e terrorismo. Tradução: José Viegas. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 36.

[9] Dostoiévski escreveu em “Os Irmãos Karamazov”: “Se Deus não existisse, tudo seria permitido”. A frase tem sido glosada de muitas formas e feitios. Jean-Paul Sartre escreveu que “tudo é permitido se Deus não existe". Não existindo Deus, "o homem está desamparado", porque não encontra "nenhuma possibilidade de se agarrar, nem em si, bem fora de si”. Esse «desamparamento» é o princípio do existencialismo. Sem Deus, não existe causa nem fim. O homem é liberto e livre. Assim pensa o existencialismo ateu.

[10] “É proibido proibir” é uma frase pintada nos muros de Paris durante as revoltas estudantis de 1968, utilizada como referência por Caetano Veloso para fazer críticas não apenas à censura imposta pela ditadura militar brasileira, mas também à sociedade de consumo, às hierarquias e à burocratização da sociedade. “Il est interdit d’interdire!" ("É proibido proibir", em tradução livre) é um aforismo lançado por Jean Yanne na rádio francesa RTL, em forma de piada, e considerado um poliptoto por linguistas. A data dessa piada de Jean Yanne (1933-2003) não é conhecida.

[11] Finalmente, Karl Popper repõe em seu devido lugar o papel da história. Nesse particular, cumpre ter presente que sua crítica ao que denomina de historicismo tem em vista a suposição de que haveria determinismos históricos. Na tradição anglo-saxônica o emprego do termo não induz a equívocos, o mesmo, entretanto não ocorrendo na tradição latina. Nos países latinos há uma longa tradição historicista que consiste no inventário dos valores que caracterizam a cultura ocidental, justamente o que Miguel Reale denominou de historicismo axiológico. Popper vale-se justamente dessa espécie de historicismo ao reivindicar para a sociedade aberta aqueles princípios que se fundam no valor da pessoa humana, uma das características distintivas de nossa civilização. Embora na tradução não coubesse adotar outro termo, cumpre levar em conta o sentido em que o emprega e de que tradição se louva para fazê-lo. A Sociedade Aberta e Seus Inimigos inicia um ponto de inflexão a partir do qual a doutrina liberal encontrou o caminho que o levaria, nas décadas seguintes, a impor ao comunismo totalitário uma derrota que se espera seja definitiva.

[12] A Sociedade Aberta e seus Inimigos, de Karl Popper (1902-1994), foi publicada (1945) num momento em que o caráter totalitário do regime soviético ficara obscurecido em decorrência da aliança da União Soviética com o Ocidente, contra o nazismo. Logo adiante, na medida em que os russos logram impor o seu odioso sistema a sucessivos países no Leste europeu, a pertinência do alerta de Popper iria tornar-se evidente, assegurando o sucesso da obra e a sua sucessiva reedição. Para muitos segmentos da sociedade, a União Soviética estava associada ao socialismo, criação ocidental francamente caudatária da tradição cristã. Os fundadores do socialismo, no século XIX, associaram-no à ideia cristã da fraternidade universal. Ao mesmo tempo, entretanto, tinha-se consciência de que o bolchevismo inseria uma componente despótica inquestionável, amesquinhadora da pessoa humana, entrando em franca contradição com o cristianismo. Os socialistas alemães, ao longo da década de 20, advertiram quanto à verdadeira característica do regime soviético, movendo uma crítica demolidora, notadamente às ideias de “socialismo científico” e “ditadura do proletariado”. Contudo, nos anos 30, ao formar inicialmente contra o nazismo, os russos e seus seguidores no Ocidente turbaram de alguma forma aquela consciência. Embora a aliança entre os dois totalitarismos haja sido recomposta com a assinatura do Pacto Germano-soviético, em 1937, a invasão da União Soviética pela Alemanha, em 1941, e o ingresso desta na Aliança Ocidental criou a ilusão de que o regime soviético poderia caminhar no sentido da democracia. O seu empenho de domínio da Europa, nos anos subsequentes ao término da guerra, acabaria evidenciando o irrealismo daquela expectativa. Neste particular é que o livro de Popper tornou-se um verdadeiro marco, ao identificar e criticar os fundamentos doutrinários dos inimigos do sistema democrático representativo vigente nos principais países do Ocidente, que batizou com a feliz expressão de sociedade aberta.

[13] Popper abre sua teoria com as seguintes palavras: “Tolerância ilimitada culminará no desaparecimento da tolerância. Se estendermos a tolerância ilimitada até para aqueles que são intolerantes […], então os tolerantes serão destruídos, e junto com eles a tolerância.”

[14] Esboça ele algumas das dificuldades enfrentadas pela nossa civilização, uma civilização que talvez se possa descrever como objetivando a humanidade e a razoabilidade, a igualdade e a liberdade, uma civilização, por assim dizer, ainda na infância e que continua a crescer a despeito do fato de tantas vezes haver sido traída pelos dirigentes intelectuais do gênero humano. Tenta mostrar que essa civilização ainda não se recuperou de todo do choque de seu nascimento, da transição da sociedade tribal, ou “sociedade fechada”, com sua submissão às forças mágicas, para a sociedade aberta, que põe em liberdade as faculdades críticas do homem. Procura demonstrar que o choque dessa transição é um dos fatores que tornaram possível o surgimento daqueles movimentos reacionários que tentaram, e ainda tentam, derrubar a civilização e retornar ao tribalismo. E sugere que aquilo a que hoje damos o nome de totalitarismo pertence a uma tradição que é tão antiga, ou tão nova, como a nossa própria civilização.

[15] Certo grau de opacidade e, portanto, de Ideologia, é, pois, intrínseco ao conhecimento científico, cujas normas tampouco foram ditadas por alguma divindade imune ao tempo e às injunções da mudança. São normas historicamente condicionadas. Enquanto tais, elas evoluem e se alteram. Isto significa que, em matéria de ciência não há objetividade absoluta “A imagem do mundo que as ciências elaboram de forma alguma pode ser concebida como um instantâneo fotográfico. De uma forma ou de outra, ela é sempre interpretação” (JAPIASSÚ:1981, ps.44-5).

[16] Práxis é um conceito filosófico da atividade teórico-prática do ser humano em todas as áreas da sociedade. Entendida como categoria filosófica, a tensão dialética que se estabelece entre seus pares contraditórios – teoria&prática – permite depreender e compreender a dinâmica do ambiente. Segundo o pensamento marxista, a práxis é atividade humana prático-crítica na medida em que é atividade sensível subjetiva; ou seja, uma atividade plenamente perceptível e consciente para o homem.

[17] É a imputação ofensiva atribuída contra a honorabilidade de alguém com a intenção de desacreditá-lo na sociedade em que vive, e provocar contra ele desprezo ou menosprezo público. Diferença entre difamação e calúnia: na calúnia, o fato imputado é considerado crime pelo nosso ordenamento jurídico (por exemplo, Fulano é corrupto); na difamação, não, mas da mesma forma é uma ofensa à dignidade. Vide artigo 139 do Código Penal brasileiro.

[18] Uma curva de sino é um gráfico que representa uma distribuição normal de variáveis, na qual a maioria dos valores se agrupa em torno de uma média, enquanto valores extremos podem ser encontrados acima e abaixo da média. Por exemplo, a altura humana geralmente segue uma curva em forma de sino, com discrepâncias incomuns e altas e altas e a maioria das pessoas concentrada em torno de uma altura média, como 178 cm para homens americanos.

[19] Altermodernidade: nem uma visão linear da História, como a do modernismo, nem uma imagem desta a avançar em espirais de eternos retornos, como defendido pelo pós-modernismo; agora, uma visão da História como estando constituída por múltiplas temporalidades simultâneas em que a vida e a arte surgem como experiências.

[20] O que aquilo que identifica Ética e Estética é o fundamento polissêmico da linguagem que as constitui, em contraposição à linguagem monossêmica da Ciência. Assim, passando para a segunda pergunta, sem deixar o horizonte da linguagem, encontramos uma interpretação da Modernidade e da Pós-modernidade e os modos da Educação de situar-se aí. Quando, então, tentando superar uma visão monossêmica da Educação, passa-se a pensar nas possibilidades daquilo que se pode chamar de polissemia escolar.

Geralmente designamos por Ética aquele tipo de discurso filosófico que recai diretamente sobre as questões da vida, das mais comezinhas às consideradas mais elevadas, das mais simples às mais complexas. Por isso, desde Aristóteles, a Ética tem que ser pensada junto com a Política: qual a vida que posso realizar junto aos outros? Se há opções, qual será a melhor a seguir? Há liberdade para decidir sobre isso, ou a única coisa que há é a liberdade para decidir sobre isso? Há de fato uma forma de vida melhor que a outra e, portanto, todos devem segui-la, sem distinção?

[21] Há um provérbio chinês que diz assim: “Existem sempre três verdades, a minha, a sua e a verdadeira”. Será então que verdade tem a ver com percepção interna? Ou será que são… O que é verdade? Para se ter certeza de que algo é verdade, o que é preciso saber? Há um provérbio chinês que diz assim: “Existem sempre três verdades, a minha, a sua e a verdadeira”. Será então que verdade tem a ver com percepção interna? Ou será que são os valores de cada um que determinam.

[22] Por um lado, a mente racional é a nossa compreensão, entendimento, consciência sobre as coisas, é no fundo aquilo que nos permite pensar, ponderar e refletir sobre o mundo, sobre as relações … sobretudo. Por outro lado, existe um sistema de conhecimento mais impulsivo e poderoso – a mente emocional. Uma pessoa que toma decisões puramente racionais pode apresentar problemas de empatia. Isso porque ela tende a se preocupar com resultados e efeitos sem vivenciar precisamente os estados emocionais Nessa mesma direção, Immanuel Kant, na obra Fundamentação da metafísica dos costumes (1786), nos advertiu sobre a impossibilidade do encontro entre razão e felicidade, quando afirmou que "quanto mais uma razão cultivada se consagra ao gozo da vida e da felicidade, tanto mais o homem se afasta do verdadeiro contentamento". Afirmou também que se Deus tivesse feito o homem para ser feliz não o teria dotado de razão. Esse filósofo considerava, ainda, as paixões como "enfermidades da alma".  Tais reflexões denotam, também, como Kant estabelecia uma hierarquia entre a razão e as emoções. Longe de terem sido esquecidas, essas premissas da filosofia permanecem vivas até os dias atuais, muitas vezes traduzidas sob metáforas que ouvimos frequentemente na vida cotidiana: "não aja com o coração", "coloque a cabeça para funcionar", "seja mais racional". Nessa perspectiva, parece-nos que para uma pessoa tomar decisões corretas é necessário que ela se livre ou se desvincule dos próprios sentimentos e emoções. Fica a impressão de que, em nome de uma resolução sensata, deve-se desprezar, controlar ou anular a dimensão afetiva. 

[23] O erro de Descartes seria, então, o de imaginar uma razão apartada do corpo, uma mente alheia ao organismo e seus estímulos. Na verdade, ele encontrou três certezas. Por mais que elas sejam um encadeamento de ideias, elas acontecem meio que ao mesmo tempo: Eu existo, Deus existe, a Realidade existe. Porque os nossos sentidos nos enganam às vezes, quis supor que não existia nada que fosse tal como eles nos fazem imaginar. E, por haver homens que se desviam ao raciocinar, mesmo nas mais simples noções de geometria, e cometem paralogismos, rejeitei como falsas todas as razões que tomara antes por demonstrações.

[24] Habermas propõe um modelo ideal de ação comunicativa, em que as pessoas interagem e, através da utilização da linguagem, organizam-se socialmente, buscando o consenso de uma forma livre de toda a coação externa e interna. A Ética do Discurso de Habermas (1989a) é conhecida por sua sugestão de que a racionalidade e a argumentação deveriam guiar os seres humanos no processo de decisão daquilo que faz sentido e daquilo que aceitam como correto para suas vidas.

[25] Para compreendermos o que foi a filosofia iluminista é necessário conhecermos John Locke. Basta, para lembrarmos sua importância, citar as palavras de seu discípulo Pierre Coste. Segundo ele, o Ensaio sobre o entendimento humano é “a obra prima dum dos mais belos gênios que a Inglaterra produziu no último século. Esgotaram-se quatro edições em inglês sob vistas do autor, no espaço de dez ou onze anos; e a tradução francesa que publiquei em 1700, fê-lo conhecer na Holanda, França, Itália, Alemanha, pelo que tem sido e é ainda tão estimado em todos estes países como na Inglaterra, onde nunca deixam de admirar a extensão, a profundidade, a justeza e a nitidez que nele reinam do princípio ao fim. Para cúmulo da glória, adotado de qualquer modo em Oxford e Cambridge, é aí lido e explicado aos jovens como o livro mais próprio para lhes formar o espírito, para regular e estender os seus conhecimentos; de modo que Locke conserva agora o lugar de Aristóteles e dos seus mais célebres comentadores, nestas famosas universidades.”. Esse autor que formou os espíritos dos homens de letras do século XVIII, como empirista que era, foi nominalista. Como nos lembra J. Thonnard, Locke estudou em Oxford e ali, “tomado de desgosto do método formalista do ensino, impregnou-se do espírito do nominalismo de Ockham que ali reinava.”. Realmente, analisando o que Locke defendeu no Ensaio, chegamos a essa conclusão.  Para notarmos as trevas nas quais estava submerso o dito Século das Luzes. Esse século, que foi divulgador e sistematizador dos princípios modernos, preparando o triunfo da mentalidade moderna, teve como fruto de seus princípios a negação do intelecto, a negação da verdade e da própria razão que afirmava defender. O Século das Luzes recusou a luz do intelecto e mergulhou os homens nas trevas do ceticismo. O falso século das luzes trouxe escondido na arrebatadora e otimista bandeira do racionalismo, a deprimente e pessimista negação da razão, levando o Ocidente ao agnosticismo e ao idealismo. Foi com razão, portanto, que Karl Popper considerando o racionalismo afirmou: “Seja, como for, poderemos descrevê-lo como uma irracional fé na razão.”

[26] O Muro de Berlim foi construído em 1961, ao redor da cidade de Berlim Ocidental, a capital da Alemanha Ocidental. Essa construção tinha como proposta isolar essa cidade e fechar suas fronteiras com a Alemanha Oriental. Foi um dos grandes símbolos que evidenciaram a polarização do mundo no período da Guerra Fria. O muro de Berlim foi o símbolo máximo da bipolarização do mundo durante a Guerra Fria e sua queda representou o fim do socialismo como alternativa de modelo econômico naquele contexto.

[27] Globalização é o processo de aproximação entre as diversas sociedades e nações existentes por todo o mundo, seja no âmbito econômico, social, cultural ou político. Os tipos de globalização são três: econômica, cultural e da informação. A globalização é o processo de aproximação entre as diferentes sociedades e países existentes de todo o Planeta, seja na esfera econômica, social, cultural ou política.

[28] Se o Direito pressupõe certa estabilização de valores majoritários ou consensuais para que a norma exerça seu poder de escolha de conteúdos normativos, a pergunta, num momento transitivo, acaba sendo: quais os consensos possíveis num mundo em transformação? Então passam a ser debates correntes: clonar pessoas ou proibir cientistas de realizar experiências genéticas com seres humanos? autorizar casamentos entre homossexuais ou proibir a constituição destas sociedades maritais? diminuir a idade penal e reconhecer a incapacidade da sociedade de atrair novas gerações à consciência social ou deixar relativamente impunes atrocidades cometidas por menores? Diferentemente de como se concebia o Direito como centro de especulações na ideologia burguesa e iluminista dos séculos XVIII e XIX, passa-se a concebê-lo, em meio a tantas transformações socioculturais, como um processo em transformação, permeável às novas demandas e adaptado aos novos atores sociais.

[29] A filosofia moderna renegou o senso comum e a propensão natural do homem. Poderíamos afirma, portanto, que ela virou às costas ao bom senso e negou a evidência. Essa posição absurda e antinatural não poderia senão estabelecer o caos. O pensamento moderno negou a verdade claramente conhecida e deixou o homem moderno à deriva, sendo lançado ao sabor das ondas de um lado para outro, do materialismo ao idealismo e do idealismo ao materialismo, sem nunca encontrar a paz.   De maneira que o problema para a filosofia moderna é assustador, porque agora a filosofia não tem mais remédio senão tirar do ‘eu’ as coisas. (...) Agora é que a filosofia começa a ser difícil: porque agora é que a filosofia, por necessidade histórica e não por capricho, volta as costas ao senso comum, voltou-se de costas à propensão natural e nos convida a realizar um exercício acrobático de extrema dificuldade, que consiste em pensar as coisas como derivadas do eu. Eis aqui ao que chegamos com a nova tese do idealismo.


Autor

  • Gisele Leite

    Professora universitária há três décadas. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Pesquisadora - Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Presidente da Seccional Rio de Janeiro, ABRADE Associação Brasileira de Direito Educacional. Vinte e nove obras jurídicas publicadas. Articulistas dos sites JURID, Lex Magister. Portal Investidura, Letras Jurídicas. Membro do ABDPC Associação Brasileira do Direito Processual Civil. Pedagoga. Conselheira das Revistas de Direito Civil e Processual Civil, Trabalhista e Previdenciária, da Paixão Editores POA -RS.

    Textos publicados pela autora

    Site(s):

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pela autora. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi.