Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/11483
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Um réquiem à busca da verdade no processo civil

Um réquiem à busca da verdade no processo civil

Publicado em . Elaborado em .

Resumo

A proposta deste trabalho é abordar a questão da busca da verdade no processo, superando a distinção histórica entre a verdade formal e a verdade real, para, finalmente, colocar em xeque a existência desta dita "verdade".


Sumário: Introdução; 2. A verdade no processo civil; 3. Verdade real versus verdade formal; 4. A verdade ficta no processo civil; 5. A fundamentação da decisão como forma elucidativa e demonstrativa da "verdade", dentro da lógica jurídica; 6. A sentença; 7. Juízos hipotéticos de verossimilhança; 8. Considerações finais; Bibliografia.


Introdução

É lamentável pensar que em pleno século XXI ainda se leia em livros da propedêutica processual que a verdade real estaria direcionada ao processo penal, ao passo que a verdade formal estaria vocacionada para o processo civil.

Assim, mediante pesquisa eminentemente bibliográfica, esse trabalho pretende estabelecer que é clássica, porém anacrônica, a tese de que a verdade formal é a "que resulta do processo, embora possa não encontrar exata correspondência com os fatos, como aconteceram historicamente (ex.: art. 319, do CPC), e verdade material aquela a que chega o julgador, reveladora dos fatos tal como ocorreram historicamente e não como querem as partes que apareçam realizados" [01].

A proposta deste texto é fulminar essa diferenciação. Não se pode mais conceber a sugestão de uma "verdade formal" para o processo civil. A exigência de uma participação mais efetiva do juiz com a conseqüente concessão de maiores poderes ao magistrado sentenciante, inclusive poderes instrutórios, acautelatórios e mesmo decisórios de mérito ex officio, permitem concluir que já não há mais espaço para se admitir a tese da diferenciação das verdades.

E, sobretudo, será que se pode falar em verdade no processo? Existe a tal propalada verdade quando o juiz sentencia?

Sim, a perspectiva do trabalho é, ainda que paradoxalmente, propor a igualdade das verdades nos processos de qualquer fonte, para depois colocar e xeque a existência destes juízos de "verdades".


2. A verdade no processo civil

A verdade, segundo o léxico, é a conformidade com o real, a exatidão, a realidade. É a representação fiel de alguma coisa ou de alguma natureza.

A busca do processo é – ou foi, ou, talvez, devesse ser – a busca da verdade. Neste propósito, o Código de Processo Civil impõe às partes que exponham os "fatos em juízo conforme a verdade" [02], sendo litigante de má-fé aquele que altera a "verdade dos fatos" [03].

É, também, prerrogativa do Ministério Público, ao atuar como custos legis, "juntar documentos e certidões, produzir prova em audiência e requerer medidas ou diligências necessárias ao descobrimento da verdade." [04]

Ao autor, em sua petição inicial, se exige que apresente as provas com as quais pretende "demonstrar a verdade dos fatos alegados" [05], sendo que "todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código (de Processo Civil), são hábeis para provar a verdade dos fatos em que se funda a ação ou a defesa." [06]

Ademais, "ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade." [07] E, por isso, "ao início da inquirição, a testemunha prestará o compromisso de dizer a verdade do que souber e lhe for perguntado." [08]

No entanto, não fazem coisa julgada "a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença" [09]

Sendo assim, percebe-se que em vários artigos do Código de Processo Civil está identificado o auspício de se buscar a verdade dos fatos, da forma como realmente aconteceram.

Mas, cremos, essa verdade é inalcançável. E, muitas vezes, desprezada, como se verá a seguir.


3. Verdade real versus verdade formal

Segundo uma considerável e arcaica parcela da doutrina, o processo civil se ressente da busca da verdade formal, conformando-se em que se tenha uma sentença com base nos elementos constantes dos autos. Aliás, dizem: "quod non est in libello, non est in mundo". Vale dizer: "o que não está nos autos não está no mundo".

A verdade real, ou "verdade verdadeira", seria primado do direito processual penal, pois neste ramo a busca da verdade há de ser mais intensa, cabendo ao juiz um papel mais ativo na condução do processo. Afinal, está tratando do status libertatis do indivíduo, não se admitindo que alguém seja encarcerado por uma inverdade.

No entanto, também o processo civil moderno não mais se compadece com um juiz inerte. Exige-se-lhe participação mais ativa, mais constante. Aliás, essa terceira onda reformista do Código de Processo Civil veio acentuar ainda mais essa tendência [10]. Com efeito, hoje o juiz poder decretar de ofício a ilegalidade das cláusulas de eleição de foro em contratos de adesão [11]. Outrossim, pode declarar de ofício a prescrição de toda e qualquer tipo de pretensão [12].

Vê-se, por conseguinte, que os poderes ex officio judiciais estão superdimensionados. E, por dizer, não é novidade. A redação do artigo 130 [13], do Código de Processo Civil, já facultava ao juiz – e a nosso ver se lhe impõe – uma maior participação instrutória, sem nenhum comprometimento com sua "eventual" imparcialidade.

E esse aumento de poder é bem vindo. Fazemos coro a José Roberto Bedaque dos Santos, que atesta que "o aumento do poder instrutório do julgador, na verdade, não favorece qualquer das partes. Apenas proporciona apuração mais completa dos fatos, permitindo que as normas de direito material sejam aplicadas corretamente". [14]

De efeito! O conceito acadêmico de que a relação processual é tripartite, conforme a figura abaixo, formando-se pelo Autor, Réu e Juiz, dentro de uma triangulação eqüidistante, não pode mais prosperar. Eis o gráfico do modelo tradicional:

Juiz

Autor Réu

Reclama-se que o Juiz não seja mais impassível diante do caso concreto. Na busca da verdade (melhor falar em busca de certezas ou juízos de verossimilhança) deve o juiz disponibilizar de poderes maiores a fim de que eventualmente supra a deficiência de uma das partes. Ao contrário de uma relação triangular, existiria, sim, uma relação linear, em que o Juiz desceria de seu pedestal eqüidistante e desenvolveria sua função constitucional, realisticamente.

Exemplo 01: Relação linear em que o juiz mostra-se eqüidistante das partes por ambas estarem suficientemente bem representadas em juízo.

Autor_____________________Juiz______________________Réu

Exemplo 02: Relação linear em que o juiz aproxima-se mais do autor, a fim de suprir falhas postulatórias.

Autor_____________Juiz______________________________Réu

Exemplo 03: Relação processual linear em que o juiz aproxima-se mais do réu, dada sua deficiência de defesa técnica.

Autor____________________________________Juiz_______Réu

Em todos os exemplos acima busca-se a "verdade real" [15], mesmo dentro do processo civil. Nesta toada, se as partes estão bem representadas, mediante advogados e expedientes processuais adequados, sérios e plausíveis, não se fará necessário que o juiz exceda sua função de mero expectador e julgador. O exemplo 01 é retrato disto, e neste caso, o juiz permanece inerte, apenas como destinatário de fatos, fundamentos e provas.

Porém, se uma das partes não possui instrumentos técnicos e monetários à suficiência, o juiz tem o dever de zelar pela manutenção da estrita igualdade processual, ainda que, para tanto, deva pender para um dos lados, suprindo, destarte, a falha de postulação e produzindo declarações de ofício.

Há de se lembrar que igualdade é tratar os iguais igualmente, e os desiguais desigualmente, na exata medida de suas desigualdades. Assim, sustenta-se que se o ordenamento processual assegurar apenas a paridade de armas a ambos os litigantes, desinteressando-se da concreta situação de que eles desfrutam relativamente ao objeto litigioso, não assegurará na verdade a igualdade das partes. [16]

José Renato Nalini [17], neste mesmo sentido, leciona:

O desequilíbrio da balança é evidente quando, de um lado, situa-se empresa provida de infindáveis arsenais para um litígio que lhe convém, muitas vezes, institucionalizar ao invés de pacificar. De outro o indivíduo isoladamente considerado, carecedor de armas compatíveis para enfrentar a pugna, onde começa já na condição de perdedor.

O juiz não pode se recusar ao exercício de sua responsabilidade política e ética sob o velho pretexto de uma mais agnóstica "neutralidade" [18]. Exige-se-lhe não apenas reequilibrar as situações díspares, mas ainda oferecer seu talento, desforço pessoal e inteligência, para ampliação real do rol dos atendidos pela Justiça.

Por exemplo: caso, numa investigação de paternidade, nenhuma das partes tenha requerido a realização de um exame de DNA, o juiz tem o dever de ofício de determiná-lo; da mesma forma, se há indícios de cobranças extorsivas de juros, sobretudo capitalizados, em créditos bancários, deverá determinar a realização da perícia financeira.

Nem se diga que isto fere o princípio da isonomia. Ao contrário!, tal diligência lhe assegura. Lembra Manoel Gonçalves Ferreira Filho que "o princípio da isonomia oferece na sua aplicação à vida inúmeras e sérias dificuldades. De fato, conduziria a inomináveis injustiças se importasse em tratamento igual para os que se acham em desigualdade de situações." [19] [20]

E, para fazer valer essa real e efetiva igualdade de armas processuais, muitas das vezes o juiz terá de se valer de provimentos ex officio.

Assim, é mera reminiscência apregoar-se a "verdade formal" para o processo civil, ao passo que a verdade real aplica-se ao processo penal, como se fosse possível verdades diferentes: ou são verdades ou não são!

Porém, ainda se insiste na indagação: há verdade no processo?


4. A Verdade ficta no processo civil

No processo civil existe a presunção da verdade dos fatos quando o réu, citado, não oferece defesa sobre matéria de direitos disponíveis [21]; ou, então, quando intimado a comparecer em audiência para prestar depoimento pessoal, não o faz.

Claro, que pelo princípio da livre convicção motivada, o juiz poderá desprezar essa confissão ficta, e mesmo a revelia. Cabe-lhe, ao analisar o processo, perscrutar a "verdade" do ocorrido.

No entanto, argumentam alguns que diferentemente do processo penal, o processo civil contenta-se apenas com aparências de "verdades". Deste modo, um juiz pouco zeloso, ou mesmo precipitado, poderá valer-se apenas da "presunção de verdade" para dar ou negar provimento a um pedido das partes.

As presunções são opiniões ou juízos baseados nas aparências; suposições; apenas suspeitas. Mas, o processo civil as agasalha de tal forma que o próprio Código Civil faz menção a elas no Livro III, Título V, quando apresenta as provas possíveis dos negócios jurídicos. Entre elas traz as presunções.

Por exemplo, atesta que "aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa" [22] e que "a recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame [23]."

De passagem, cabe a menção de que o Código Civil foi extremamente infeliz nisto, pois presunção não é meio de prova, mas mero juízo de raciocínio. Deveras, presunção não é fonte de prova: é conclusão de raciocínio. Ao que parece, o Código Civil quis se referir às provas indiciárias, mas chamou-as de presunções.

Terminologias a parte, é forçoso concluir que muitas vezes há um "verdadeiro desprezo à verdade", havendo um contentamento com aparências daquilo que pode ser, mas que também pode não ser.

Simplesmente declarar alguém pai numa ação de investigação de paternidade pela simples recusa à submissão ao exame de DNA, amiúde pode gerar uma paternidade jurídica absolutamente distinta da paternidade biológica, e sobretudo da paternidade sócio-afetiva.

Essa verdade ficta é, pois, um contra-senso. E, porque não dizer, é prova categórica de que o processo não visa à verdade, mas simplesmente uma resolução de um litígio. E para a solução desta lide, a busca da verdade deixou de ser fundamental. Basta uma presunção.


5. A fundamentação da decisão como forma elucidativa e demonstrativa da "verdade", dentro da lógica jurídica

A Constituição Federal, no art. 93, IX, determina que todos os julgamentos dos órgãos do poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as suas decisões, sob pena de nulidade. Mesmo a sentença que não julgue o mérito, conquanto concisamente, há de ser fundamentada. [24]

"A exigência de fundamentação é um obstáculo ao arbítrio, que repugna ao Estado de Direito, mesmo que exercido por juízes", lembra Manoel Gonçalves Ferreira Filho. [25]

Na fundamentação repousam a identificação dos fatos e a análise do valor das provas e fatos, sendo que de sua análise pode-se jurisdicionalmente controlar a sentença.

Dessa fundamentação decorrerá logicamente a parte dispositiva, que ficará protegida pela coisa julgada.

No entanto, já não há mais como se conceber que a fundamentação e a parte dispositiva da sentença são decorrência cega de silogismo, com premissas maiores, menores e conclusão correlata. A lógica jurídica é por demais diferenciada. A propósito [26],

Por mais que o processo tenha a modestíssima pretensão de obedecer a um silogismo, em que a premissa maior é a norma jurídica, a premissa menor o fato imponível e a conclusão é a sentença, tal discurso não funciona, a não ser para espíritos mais desatentos ao mecanicismo simplista que o anima.

René Descartes [27] ao discursar sobre o método do discurso, disse:

O bom senso é a coisa mais bem dividida do mundo,, pois cada qual julga estar tão bem dotado dele que mesmo os mais difíceis de se contentar-se em outras coisas não costumam desejá-lo mais do que possuem. E, a esse respeito, não é verossímel que todos se enganem; isso prova, ao contrário, que o poder de bem julgar e distinguir o verdadeiro do falso, isto é, o que se chama bom senso ou a razão, é naturalmente igual em todos os homens. A diversidade das nossas opiniões não provém do fato de uns serem mais razoáveis do que os outros, mas apenas do fato de conduzirmos o nosso pensamento por diferentes caminhos e não considerarmos a mesma coisa. Não basta ter a mente são. O essencial é aplicá-la bem. As maiores almas são capazes dos maiores vícios como das maiores virtudes. Os que marcham muito devagar podem avançar muito mais, se seguirem sempre o caminho direito, do que aqueles que correm e se distanciam desse caminho.

Deste modo, mesmo nos discursos mais simplistas, as conclusões decorrem de aspectos pessoais do seu emissor. Aliás, na dialética jurídica, Chaim Perelman [28] repele veementemente a redução da sua lógica à lógica formal, pois se levaria a reduzir o raciocínio dos juristas a esquemas formais. Isso porque nas decisões jurídicas (legislativas, judiciárias típicas e mesmo administrativas/executivas), a influência pessoal é marcante. E afirma: "a conclusão que desde já tiramos é que, seja qual for a técnica de raciocínio utilizada em direito, este não pode desinteressar-se da reação das consciências diante da iniqüidade do resultado ao qual tal raciocínio conduziria." [29]

A aplicação do direito de forma razoável, deveras aceitável, não se pode limitar a simples dedução. O direito admitido não é simplesmente aquele imposto pelo legislador; é preciso flexioná-lo para conciliá-lo com o que é eqüitativo e razoável. Neste contexto, a lógica jurídica, especialmente a judiciária apresenta-se não como uma lógica formal, mas como argumentação que depende de modo como os legisladores e os juízes concebem sua missão e da idéia que têm do direito e de seu funcionamento na sociedade.

Segundo Perelman [30], há uma concepção hodierna comumente aceita de que o juiz não pode considerar-se satisfeito se pode motivar sua decisão de modo aceitável; deve também apreciar o valor desta decisão, e julgar se lhe parece justa, ou ao menos sensata.

Após a Segunda Guerra e o processo de Nuremberg, os tribunais recorrem com freqüência cada vez maior e mais abertamente aos princípios gerais do direito, comuns a todos os povos civilizados. A idéia que dominou o processo de Nuremberg foi a de que os crimes abomináveis cometidos pelos dirigentes da Alemanha de Hitler não podiam escapar à justiça, mesmo na ausência de disposições legais expressas. Era preciso, para incriminá-los, aceitar um princípio geral reconhecido pelas nações civilizados concernente ao respeito da dignidade humana.

Ora, se é verdade que o Tribunal de Nuremberg fora diferenciado, tanto no sentido temporal quanto espacial, não menos verdade é que este rompe com as concepções até então existentes. Os nazistas, em tese, estavam acobertados pelo seu Direito, pois agiam de acordo com sua lei. Para julgá-los, deu-se uma interpretação relativizada aos princípios do juízo natural, na medida em que o Tribunal de Nuremberg era um tribunal de exceção. Outrossim, o princípio da legalidade também foi adelgaçado, pois não havia leis para punirem aqueles infratores; ademais, a irretroatividade da lei penal também foi mitigada. E, finalmente, como nunca tivera ocorrido, a equidade toma de assalto a tônica dos julgamentos, numa clara alusão à busca da Justiça, muito acima dos dogmas do Direito.

É neste contexto que surge a nova tendência dos julgamentos. Ao juiz se impõe a busca da síntese entre os valores e o Direito. "Essa dialética, implicada pela busca de uma solução convincente, instauradora da paz judiciária, por ser ao mesmo tempo razoável conforme ao direito, coloca o poder judiciário numa relação nova diante do poder legislativo. Nem inteiramente subordinado, nem simplesmente oposto..." [31] E completa Chaim Perelman [32]:

É-lhe (Juiz) permitido para realizar a síntese buscada entre a equidade e a lei tornar esta mais flexível, graças à intervenção crescente das regras de direito não escritas, representadas pelos princípios gerais do direito e pela fato de se levar em consideração os tópicos jurídicos.

Ainda, segundo Piero Calamandrei, a lei quer o que o juiz quer, e ao sentenciar, a vontade da lei fica definitivamente fixada secundum sententiam. [33]

A sentença resulta, portanto, de uma intervenção de uma vontade, qual seja, de uma vontade de um juiz. Não se trata de um simples silogismo, pois, num processo, nunca haveria premissas incontestáveis. A presença de teses antagônicas é da essência do processo [34].

Sob outro prisma, Arruda Alvim [35] argumenta que na sentença, basicamente, podem ser admitidas 03 (três) atividades que se encadeiam: "1ª) a reconstrução da situação de fato ocorrida ("crítica do fato"); 2ª) sucessivamente, a qualificação jurídica respectiva; 3ª) a própria interpretação do direito, aplicando-se-o ao fato ("crítica do direito")

Sendo assim, a sentença vê-se limitada pela lei e pelos pedidos formulados pelos advogados. Esses advogados já se valerão de argumentações fáticas e jurídicas tendenciosas, uma vez que buscarão o interesse de seus patrocinados.

A lógica aqui aplicada não se centrará necessariamente na idéia de verdade, mas sim na busca da adesão. O que o advogado procura angariar com suas formulações e pedidos é a adesão do juiz, o que somente conseguirá se sua argumentação for robusta.

E, então, sobrevém a sentença: a conclusão de raciocínios tendenciosos, analisados pelo prisma de um julgador, que fará de sua vontade pessoal a "verdade" traduzida em coisa julgada.


6. A sentença.

A sentença já foi vista como uma declaração emitida pelo juiz como resultado de uma atividade mental [36]. Entretanto, para Alfredo Rocco, "a sentença não contem outra vontade que a da lei, traduzida em forma concreta por obra do juiz; e nisso não há por certo operação da vontade, mas apenas da inteligência do juiz" [37] E ao sentenciar, o juiz valer-se-á de limites, quais sejam, a lei e os pedidos decorrentes da dialética empregada pelos advogados, visando convencê-lo, e amiúde ludibriá-lo.

José Rubens Costa [38] certifica que o juiz, ao sentenciar, profere um juízo, manifesta uma opinião, embasada na avaliação de fatos e de direitos, sendo, portanto, um ato de inteligência. Contudo, é ao mesmo tempo um ato de vontade, pois a sentenciar, o juiz está manifestando a vontade do Estado, para a solução (forçada) do conflito.

Ao julgar, inegavelmente o juiz empregará o seu subjetivismo para analisar os fatos que lhe foram trazidos, para interpretar a lei, e ponderar sobre as proposições dos advogados. Após esse raciocínio, embevecido na subjetividade, emitirá sentença, solucionando o conflito de interesses à sua moda. Deixará transparecer sua formação ideológica, cultural, religiosa e mesmo jurídica.

Ademais, o ato interpretativo sofre inegavelmente mutações históricas, "implicando tanto a intencionalidade originária do legislador, quanto as exigências fáticas e axiológicas supervenientes, numa compreensão global, ao mesmo tempo retrospectiva e prospectiva." [39]

João Baptista Herkenhoff [40] fez interessante pesquisa de campo sobre a formação do juiz brasileiro. Disse, entre outras conclusões, que na sua maioria os juízes são conservadores, dando preferência pelo formal e solene; que se inclinam para os regimes liberais e que raramente optam contra a jurisprudência dominante. E, certamente, julgarão conforme seus ideais.

Daí não seria exagero dizer que a sentença é fruto do ambiente que o juiz vive e do toque pessoal que lhe empresta. Além disso, o juiz sentenciador pode estar tomado por novas teorias jurídicas, por mais absurdas que sejam, e mediante estas revelará seu julgamento.

Conforme Jacinto Nelson de Miranda Coutinho [41], "parece não ser viável, portanto, não levar em consideração a penetração, queira-se ou não, de elementos inconscientes, completamente arredios ao sistema, no ato decisional da jurisdição".

Dalmo de Abreu Dallari [42] sustenta, inclusive, que "alguns juízes mais conscientes de seu papel social e de sua responsabilidade estão assumindo a liderança de um processo de reformas". Defensor de uma mudança de mentalidade dos juízes prega que os mesmos assumam uma posição mais politizada, conquanto devam abster-se da política partidária [43]. Fala-se, portanto, da figura de um juiz politizado, que assuma suas posturas ideológicas e as deixe transparecer no seu julgamento.

Perdemos a ilusão quanto à neutralidade ideológica do intérprete. O intérprete e a interpretação não são neutros. Pelos caminhos da hermenêutica o exegeta faz o que quer. Aliás, "a lei diz aquilo que o intérprete diz que ela diz" [44].

Reiterando Jacinto Nelson de Miranda Coutinho [45], a decisão judicial pode ficar ao "bel-prazer" do sentenciador, podendo este, inclusive, julgar com base em interesses escusos:

Manipulando a lei estrategicamente, não raro a seu bel-prazer, os órgãos jurisdicionais têm construído - como sempre fizeram - uma realidade não poucas vezes perversa e contra legem. Decide-se, por exemplo, contra disposições expressas do CPP, em nome de "interesses maiores", em evidente prejuízo do réu. É o que chamo de direito alternativo às avessas ou, o direito que não queremos porque, no final das contas, investe contra a própria Constituição. Neste momento, a magistratura fala contra si mesmo; e em geral por falta de um maior - e melhor - conhecimento, não fosse sob o manto de "justiceira".

E é essa sentença, às vezes perversa, às vezes equivocada, às vezes deliberadamente subserviente, que produzirá a coisa julgada, que nada mais é do que uma decisão humana, cujo prolator tem consciência. E tem inconsciência. "Em outras palavras, trazem consigo a marca do humano." A propóstio, Thomas Hobbes [46]:

Finalmente, os homens, veementemente apaixonados por suas novas opiniões, por mais absurdas que fossem, e obstinadamente decididos a mantê-las, deram também a essas opiniões o reverenciado nome de consciência (...) Dessa forma, pretendem saber que estão certos, quando no máximo sabem que pensam estar.

Deste modo, a decisão judicial é fruto do fenótipo de seu autor, de sua cultura enquanto formação intelectual, estética e moral do homem. E essa idéia de cultura implica duas concepções: uma objetiva e outra subjetiva. Neste sentido, Victor Hell [47]:

A idéia de cultura implica duas concepções complementares: uma considera a cultura objetivamente como o conjunto de obras, realizações, instituições que determinam a originalidade e a autenticidade da vida de um grupo humano (...) A outra concepção direciona-se para a ação psicológica e espiritual que essas obras, realizações e instituições exercem sobre o grupo humano, enquanto ser coletivo,e sobre o homem, considerando não tanto como indivíduo, mas como expressão da finalidade da idéia da cultura.

Não se pode conceber que as fundamentações de uma sentença, que resultará na sua parte dispositiva, que por sua vez formará a coisa julgada, promovam a dita "verdade". A própria seleção dos fatos traz consigo uma valoração [48]. E, eventualmente, uma valoração equivocada. Aliás, o primeiro que se aprende, antes de e sobretudo, é a inseparabilidade do julgamento e do erro. O processo talvez não seja mais que um sistema de precauções contra o erro [49].

Neste passo, parece inevitável que a sentença traduza a verdade vista aos olhos de uma única pessoa: o sentenciante. Mas, a conclusão de uma única pessoa não pode ser tida e havida como verdade universal


7. Juízos hipotéticos de verossimilhança

Luiz Guilherme Marinoni [50] sustenta que o juiz, ao dar valor às provas, deve lembrar-se que "as verdades históricas nunca passam de mera verossimilhança". De fato, Marinoni faz coro aos pensamentos de Calamandrei, concluindo que "não existe verdade, pois a verdade está no campo do impossível". [51] E completa:

A verdade varia de acordo com a subjetividade de cada um. A certeza seria a manifestação subjetviva de alguém a respeito de um dado, de onde pode surgir a verdade para ela, mas não para os outros ou para todos. Esta certeza – mesmo porque a subjetividade do próprio ser cognoscente pode mudar – não existe, ou existirá, como absoluta nem àquele que em um dia a afirmou. Toda certeza, pois, não passa de mera verossimilhança. Mas o juiz, não obstante, deve procurar encontrar a "certeza do caso concreto". A certeza acerca da afirmação de um fato (...) A certeza do caso concreto, porém, não é a certeza da lógica do tradicional, ito é, não necessita apenas da presença de motivos convergentes em relação à afirmação realizada. Ao contrário, o juiz deve conviver com os motivos divergentes.

Não há verdade no processo. Há, sim, juízos de verossimilhança, ou verossimilitude. O próprio Francesco Carnellutti [52], que inicialmente dizia que o processo estava a serviço da busca da verdade reviu seu posicionamento. Primeiro disse:

...o resultado da busca juridicamente limitada ou regulada não é, pois, a verdade verdadeira, e sim uma verdade convencional, que se denomina verdade formal, porque conduz a uma indagação regulada nas formas, ou verdade jurídica, porque se busca mediante leis jurídicas e não somente mediante leis lógicas, e unicamente em virtude dessas leis jurídicas substitui a verdade material.

Tempos mais tarde, in Verdade, Certeza e Dúvida [53], confessa:

Quando parti, nos meus estudos sobre processo, com a prova civile, falei de verdade, assinalando como escopo do processo, a investigação da verdade substancial e, como resultado, a obtenção de uma verdade formal. Mas não era, embora algo comum, uma distinção fundada. A verdade não é, e nem pode ser, senão uma só: aquela que eu, como outros, chamava de verdade formal, não é a verdade. Nem eu sabia, naquele tempo, que coisa fosse e porque, sobretudo, nem com o processo, nem através de algum outro modo, a verdade jamais pode ser alcançada pelo homem.

(...)Em síntese, a verdade está no todo, não na parte; e o todo é demais para nós. Mais tarde isto me serviu para compreender, ou ao menos tentar compreender porque Cristo disse: .. eu sou a verdade.

Portanto, a minha estrada começada por atribuir ao processo a busca da verdade, deveria ter substituído a investigação da verdade, pela da certeza. [54]

O autor, então, rende-se ao fato de inexistir verdades no processo. Preocupa-se agora somente com a busca da certeza. Mas, igualmente quanto a esta, conclui:

Ora, não existe, infelizmente, juízo algum, cujo teste não ponha, quem o deve pronunciar, de frente aquele contraste, do qual a dúvida se constituiu. Um imputado confessou um delito, o qual se lhe imputa. Um testemunho narrou um fato. Um ou outro terá dito a verdade ou a mentira. Este é o exemplo mais banal da perplexidade que, a final de contas, o juiz não pode jamais eliminar cem por cento. A verificação do juízo acontece mediante o raciocínio, que assume a forma de um silogismo; e se sabe que o fulcro do silogismo é a lei; a qual constitui a premissa maior. Mas o conceito de lei, já, de Newton a Planck, isto é, da macrofísica a microfísica, está profundamente mudado; ao valor absoluto que, por tanto tempo, se nos foi atribuído, veio-se substituindo por um estatístico, e, por isso, relativo; e também disso os juristas tiveram, a séculos, a impressão, porque o direito é talvez a única ciência que intuiu o valor da exceção. Quem pode garantir que a lei, assumida como premissa maior de um raciocínio, não deveria ceder a exceção?

Conforme Jacinto Nelson de Miranda Coutinho [55], "resta evidente que estamos diante de uma insegurança, enquanto pretende-se exatamente o oposto." Sim, pois a dúvida é da essência do julgamento. Aliás, segundo Carnelutti,

Assim o juiz, após ter examinado as provas, após ter escutado as razões, após tê-las valoradas, continua a encontrar-se, em realidade, de frente a aquela dúvida, que o seu pensamento não consegue, de nenhum modo, eliminar. Existirão dúvidas macroscópicas e microscópicas, mas bastam somente essas últimas para constituir a sua dificuldade e o seu tormento (...) A dúvida "vem à ribalta". O cruel é que a escolha não a afasta; a opção é simplesmente uma opção, e nada mais. (...) Mas, a mim, atormenta, mais que esse aceno, pôr ênfase sobre a idéia de que a certeza pertence ao reino da ação, não ao pensamento, que é como dizer, ao reino da liberdade"

O juiz jamais poderá eliminar, conscientemente, sua dúvida no momento de julgar. Não há certeza, não há verdade no ato decisório. Quando muito, há aparência daquilo que se mostra como verdadeiro, ou verossimilhante. Segundo Thomas Hobbes [56]:

Da mesma forma como no aritmética, os homens sem razão, mesmo os professores, podem muitas vezes errar e contar falso, também em qualquer outro tema de raciocínio os homens mais capazes, mais atentos e mais práticos se podem enganar e inferir falsas conclusões. Não porque a razão em si própria não seja sempre uma razão certa, tal como a aritmética é uma parte infalível e certa. A razão de nenhum homem, nem a razão seja de que número de homens for, constitui a certeza.

Citando Friedrich Wilhelm Nietzche, [57]

O intelecto, como meio para a conservação do indivíduo, desdobra suas forças mestras no disfarce (...) No homem, essa arte do disfarce chega a seu ápice; aqui o engano, o lisonjear, mentir e ludibriar, o falar-por-trás-das-costas, o representar, o viver em glória de empréstimo, o marcarar-se, a convenção dissimulante, o jogo teatral diante de outros e diante de si mesmo (...) pode aparecer entre os homens como um honesto e puro impulso à verdade.

O processo é um grande disfarce. Há engano, há lisonja indevida, há mentira, há representação, há equívoco, e há interpretação da lei eminentemente discursiva. Essa amálgama não pode conduzir ao encontro da verdade. O processo é discursivo. E sobre o discurso, disse Thomas Hobbes [58]:

Por isso que nenhuma espécie de discurso pode terminar no conhecimento absoluto dos fatos passados ou vindouros. Porque para o conhecimento dos fatos é necessário primeiro a sensação e depois a memória (...)

Ninguém pode chegar a saber, por meio do discurso, que isto ou aquilo é, foi ou será, o equivalente a cohjecer absolutamente.

Mas há a sentença. Dela a coisa julgada. E convenciona-se falar que a verdade foi alcançada, e na busca da segurança jurídica, essa verdade é intangível, conquanto futuramente se descubra que a "verdade" lançada naquela sentença é um retumbante engano. Segundo Nietzche [59]: "Agora, com efeito, é fixado aquilo que doravante deve ser "verdade", isto é, é descoberta uma designação uniformemente válida e obrigatória das coisas, e a legislação linguagem dá também as primeiras leis da verdade".

A carga decisória de uma sentença não pode ser blindada, porque jamais revelará a verdade, que poderá vir à tona posteriormente. Nas palavras de Nietzche [60], "somente por esquecimento pode o homem alguma vez chegar a supor que possui uma verdade (...) Se ele não quiser contentar-se com a verdade na forma da tautologia, isto é, com os estojos vazios, comprará eternamente ilusões por verdades."

E conclui [61]:

"Acreditamos saber algo das coisas mesmas, se falamos de árvores, cores, neve e flores, e no entanto não possuímos nada mais do que metáforas das coisas, que de nenhum modo, correspondem às entidades de origem (...) O que é verdade, portanto? Um batalhão móvel de metáforas, metomínias, antropomorfismos, enfim, uma soma de relações humanas, que foram enfatizadas poética e retoricamente, transpostas, enfeitadas, e que após longo uso, parecem a um povo sólidas, canônicas e obrigatórias".

A "justiça", lançada na sentença, é um conceito humano, variável e fluído, e por vezes perverso. Não há como se ter a verdade ou a certeza no processo e, por conseguinte, no ato decisório. Haverá apenas indícios maiores ou menores de probabilidade, de verossimilhança. [62] Mas verossimilhança não é verdade. Antes, é semelhança de verdade, juízo de probabilidades.

E é exatamente esse juízo de probabilidade que redunda no ato decisório, que por sua vez fará a coisa julgada.

Daí a importância da fundamentação. Através dela revelar-se-á a análise dos fatos e do direito empregada pelo julgador, na "busca da verdade". E é exatamente por inexistir verdade no processo que a coisa julgada não atinge "verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença" [63], ou "os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença" [64].

Desde logo pode se concluir que raciocínios equivocados, ilegais e injustos podem redundar numa sentença, quer perfará uma coisa julgada. É por isso que não se pode dar à coisa julgada um status de inatingível, sob pena de se albergar situações antijurídicas como as acima mencionadas. Aliás, Nelson Luiz Pinto, Cláudio Finkestein, Ricardo Hasson Sayeg e Leonel César [65], pregam que

O Direito deve servir ao Bem e não simplesmente à ordem, pois os juristas também podem ser terríveis, como aqueles que buscaram legitimar, por meio do direito, o abominável Regime Nazista na Alemanha, ou o Ato Institucional nº 5 no Brasil.

Eis a conclusão inevitável: quando muito, o jurista estará a busca de juízos hipotéticos de verossimilhança, pois a busca da verdade é utópica.


Considerações finais

A verdade no processo é um mito. Foi concebida para dar status de segurança jurídica ao decidido judicialmente, constituindo garantia estendida ao cidadão sobre a certeza e a imutabilidade daquilo que deve juridicamente ser mantido enquanto tal.

Canotilho [66] argumenta que a segurança jurídica se desdobra na estabilidade das decisões do Poder Público através dos procedimentos estabelecidos pela lei, bem como na previsibilidade, assegurando ao indivíduo conduzir-se de acordo com uma expectativa calculável dentro dos padrões legais. Sua finalidade, portanto, é gerar previsibilidade nas relações sociais. Essa segurança se destina inegavelmente aos fatos futuros, pois se sabendo de antemão quais são as regras a serem aplicadas, o indivíduo pode pautar sua conduta sob o crivo da legalidade, conhecendo aprioristicamente os efeitos jurídicos que pode aguardar. [67]

A ordem jurídica deve gerar confiança aos seus destinatários, a fim de se afastar a instabilidade nas relações sociais com todo seu séqüito de problemas. Aristóteles [68] já se reportava a dita segurança jurídica quando discursou nos seguintes termos:

É, pois, evidente que há certas leis a mudar, em épocas determinadas. Todavia, se considerarmos esta questão sob outro aspecto, ela parece exigir bastante prudência. Porque quando a melhoria é de pouco vulto, e sendo perigoso habituas os cidadãos a mudar facilmente de leis, é claro que vale mais deixar subsistirem alguns erros dos legisladores e dos magistrados. Haverá menor vantagem em trocar de leis que perigo em fornecer ensejo a que os magistrados sejam desobedecidos."

Depreende-se, então, que a constante modificação do status quo jurídico pode trazer sérios problemas de credibilidade. A propósito, eis Alexandre Sormani [69]

Essa estabilidade do ordenamento jurídico é o princípio da segurança jurídica. É princípio, pois não se vê totalmente abrangido apenas por dispositivos normativos isolados, mas compreendido, por indução, como mandamento nuclear do ordenamento jurídico.

Com o surgimento do Estado de direito, não é mais suficiente a estabilidade de um ordenamento não aplicável aos governantes.

Antes, a confiabilidade na ordem imposta por um soberando ou ditador era suficiente, já que competia ao ordenamento apenas manter a organização social. Porém, a partir do reconhecimento dos direitos e garantias fundamentais, com a imposição de regras também aos governantes, somente haverá estabilidade do ordenamento do Estado de direito e na dos comandos de um ditador (...)

Se a ordem jurídica é um todo sistêmico, e no Estado de direito a Constituição, na concepção jurídica, é a lei de superioridade hierárquica, nota-se que cumpre a esta harmonizar a ordem jurídica, conferindo validade no sistema àqueles atos a ela compatíveis e negando validade aos contrários.

Logo, a segurança jurídica corresponde à estabilidade da Constituição e dos atos que a realizam.

Pois bem: a "verdade" advém para dar status de credibilidade à decisão judicial, que se converterá em coisa julgada, mesmo que a decisão seja injusta, subserviente, peitada, anacrônica, preconceituosa, falha, equivocada.... trará embutida a "verdade"!

Ledo engano. Não há verdade no processo! Quando muito existirá juízos hipotéticos de verossimilhança ou verossimilute, que uma vez julgados, produzirão coisa julgada e tornar-se-ão imutáveis.

Mas, disto não pode decorrer, sob pena de equívoco grave, que a sentença conduz à verdade dos fatos. Via de conseqüência, o dogma da coisa julgada imutável deve ser relativizado, pois o Direito não poderá se compadecer com "verdades inverídicas", ainda que sob o pretexto de se produzir segurança jurídica.

No entanto, a relativização da coisa julgada é assunto para outro momento...


BIBLIOGRAFIA

ALVIM, José Eduardo Carreira. Elementos de teoria geral do processo. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998

ARISTÓTELES. Política. São Paulo: Nova Cultural, 2004. (Col. Os Pensadores).

BECKER, L.A.; SILVA SANTOS, E.L. Elementos para uma teoria crítica do processo. Porto alegre : Sergio Antonio Fabris Editor, 2002.

CALAMANDREI, Piero. La sentencia subjetivamente compleja. Apud MARQUES, José Frederico.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2ª. ed., Coimbra: Livraria Almedina, 1998.

CAPELETTI, Mauro. O acesso à justiça e a função do jurista em nossa época. RePro 61/144

CARCOVA, Carlos; RUIZ, Alicia. Apud COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Neoliberalismo e direito. Repercussões no ensino jurídico. in Porto Alegre: Síntese Publicações, 2004, CD-Rom n. 47. Produzida por Sonopress Rimo Indústria e Comércio Fonográfico Ltda

CARNELUTTI, Francesco. A prova civil. 2ª. ed., Campinas : Editora Bookseller, 2002.

_________. Verdade, certeza e dúvida. In http://www.freitas.adv.br/download/index_dow.php?aul=32, acessado em 22.12.2004.

COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação constitucional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997.

COSTA, José Rubens. Tratado do processo de conhecimento. Rio de Janeiro : Editora Juarez de Oliveira, 2002.

COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda . Neoliberalismo e direito. Repercussões no ensino jurídico. in Porto Alegre: Síntese Publicações, 2004, CD-Rom n. 47. Produzida por Sonopress Rimo Indústria e Comércio Fonográfico Ltda

____________. Glosas ao "verdade, dúvida e certeza" de Francesco Carnelutti para os operadores do direito. Trabalho para o painel "Direito e Psicanálise", do Seminário Nacional "O Direito no III Milênio: Novos Direitos e Direitos Emergentes", realizado na Universidade Luterana do Brasil – ULBRA, em Canoas, Rio Grande do Sul, de 12 a 15 de novembro de 1997.

DALARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. 2ª. ed., São Paulo: Editora Saraiva, 2002.

DESCARTES, René. Discurso sobre o método. EDIPRO : Bauru, 1996.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileiro de 1988, v. I, Saraiva.

_________Comentários à Constituição Brasileira de 1988. São Paulo : Saraiva, v. II.

GOLDSCHIMIDT, apud MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil. Campinas : Editora Millennium, 2000, v. III.

HELL, Victor. A idéia da cultura. Martins Fontes: São Paulo, 1989.

HERKENHOOF, João Baptista. O direito dos códigos e o direito da vida. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor.

HOBBES, Thomas. O leviatã. São Paulo : Editora Martin Claret, 2003.

MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 2ª. ed., São Paulo : Editora Malheiros, 1996.

MARQUES NETO, Agostinho Ramalho; COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda; RAMOS FILHO, Wilson [et. al.]. Direito e neoliberalismo: elementos para uma leitura interdisciplinar. Curitiba: EDIBEJ, 1996.

NALINI, José Renato. O juiz e o acesso à Justiça. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994.

NIETSCH, Friedrich Wilhelm I, Sobre verdade e mentida no sentido extra-moral. In Os pensadores. Obras incompletas / Friedriche Nietzche ; seleção de textos de Gerard Çebrim ; tadução e notas de Rubens Rodrigues Torres Filho, 3 ª ed., São Paulo : Abril Cultural, 1983

PERELMAN, Chaim. Lógica jurídica. São Paulo: Editora Martins Fontes Ltda., 1998.

PINTO, Nelson Luiz, et all. Manifesto de instituição da escola humanista de direito econômico. Porto Alegre : Editora Síntese, v. I, n. 1, p. 9, out./dez., 2002

ROCCO, Alfredo. La sentenza civile, apud MARQUES, José Frederico.

DA SILVA, Ovídio A. Baptista. Jurisdição e execução na tradição romano-canônica. 2ª. ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997.

SANTOS, José Roberto Bedaque. A Garantia da Amplitude de Produção Probatória, In Garantias Constitucionais do Processo Civil.

SORMANI, Alexandre. Da segurança jurídica na lei 9868/99. 2001. Dissertação (Mestrado em Sistema Constitucional de Garantia de Direitos) – Instituição Toledo de Ensino, Bauru

VOLK, Klaus. O Direito penal econômico e a moral, in Revista Brasileira de Direito Público 14/86.


Notas

  1. ALVIM, José Eduardo Carreira. Elementos de teoria geral do processo. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 246.
  2. CPC, art. 14, I.
  3. CPC, art. 17, II.
  4. CPC, art. 83, II.
  5. CPC, art. 282, VI.
  6. CPC, art, 332.
  7. CPC, art. 339.
  8. CPC, art. 415.
  9. CPC, art. 469.
  10. Já tivemos a oportunidade de em outros artigos chamar de terceira onde de reforma ao Código de Processo Civil aquela iniciada com as modificações das execuções judiciais e extrajudiciais a partir de meados de 2006.
  11. Código de Processo Civil, Art. 112, § único.
  12. Código de Processo Civil, Art. 219, § 5º
  13. Art. 130. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias.
  14. A Garantia da Amplitude de Produção Probatória, In Garantias Constitucionais do Processo Civil, p.181.
  15. Num segundo momento abandonaremos a expressão "verdade" pois entendemos ser ela inexistente no processo.
  16. SILVA, Ovídio Araújo. Jurisdição e execução na tradição romano-canônica, p. 79.
  17. O juiz e o acesso à justiça, p. 20
  18. CAPELETTI, Mauro. O acesso à justiça e a função do jurista em nossa época." RePro 61/144
  19. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves . Comentários à Constituição Brasileiro de 1988, v. I, Saraiva, p. 27
  20. Basta, para argumentar, que já existem situações em que a própria legislação determina o tratamento preferencial para um das partes, como nos casos de inversão do ônus da prova em situações consumeristas.
  21. CPC, art. 319.
  22. CCB, art. 231.
  23. CCB, art. 232.
  24. CPC, art. 459.
  25. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. São Paulo : Sariava, v. II, p. 199.
  26. BECKER, L.A.; SILVA SANTOS, E.L. Elementos para uma teoria crítica do processo. Porto alegre : Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, p. 46.
  27. Discurso sobre o método. EDIPRO : Bauru, 1996, p. 13.
  28. Lógica jurídica. São Paulo: Editora Martins Fontes Ltda., 1998, p. 13.
  29. Op. cit., p. 25.
  30. Loc. cit.
  31. PERELMAN, Chaim. Op. cit., p. 116.
  32. Op. cit., p. 185.
  33. La sentencia subjetivamente compleja. Apud MARQUES, José Frederico. Op. cit, p. 473.
  34. Loc. cit.
  35. A sentença no processo civil. Revista de Processo nº 02, abril-junho 1976, São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, p. 16
  36. GOLDSCHIMIDT, apud MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil. Campinas : Editora Millennium, 2000, v. III, p. 473.
  37. La sentenza civile, apud MARQUES, José Frederico. Op.cit, p. 473.
  38. Tratado do processo de conhecimento. Rio de Janeiro : Editora Juarez de Oliveira, 2002, p. 889.
  39. COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação constitucional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997, p. 65.
  40. O direito dos códigos e o direito da vida. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1993.
  41. MARQUES NETO, Agostinho Ramalho; COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda; RAMOS FILHO, Wilson [et. al.]. Direito e neoliberalismo: elementos para uma leitura interdisciplinar. Curitiba: EDIBEJ, 1996, p. 53.
  42. O poder dos juízes. 2ª. ed., São Paulo: Editora Saraiva, 2002, p. 80
  43. O poder dos juízes. 2ª. ed., São Paulo: Editora Saraiva, 2002, p. 82-90.
  44. CARCOVA, Carlos; RUIZ, Alicia. Apud COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Neoliberalismo e direito. Repercussões no ensino jurídico. in Porto Alegre: Síntese Publicações, 2004, CD-Rom n. 47. Produzida por Sonopress Rimo Indústria e Comércio Fonográfico Ltda
  45. Neoliberalismo e direito. Repercussões no ensino jurídico. in Porto Alegre: Síntese Publicações, 2004, CD-Rom n. 47. Produzida por Sonopress Rimo Indústria e Comércio Fonográfico Ltda
  46. O leviatã. São Paulo : Editora Martin Claret, 2003, p. 56.
  47. A idéia da cultura. Martins Fontes: São paulo, 1989, p. 55.
  48. Klaus Volk, O Direito penal econômico e a moral (RBDP 14/86)
  49. Carnellutti, Francesco. A prova civil. 2ª. ed., Campinas : Editora Bookseller, 2002, p. 17.
  50. Novas linhas do processo civil. 2ª. ed., São Paulo : Editora Malheiros, 1996, p. 71.
  51. Op. cit., p. 72.
  52. A prova civil. 2ª. ed., Campinas : Editora Bookseller, 2002, p. 47.
  53. Verdade, certeza e dúvida. In http://www.freitas.adv.br/download/index_dow.php?aul=32, acessado em 22.12.2004.
  54. Verdade, certeza e dúvida. In http://www.freitas.adv.br/download/index_dow.php?aul=32, acessado em 22.12.2004.
  55. Glosas ao "verdade, dúvida e certeza" de Francesco Carnelutti para os operadores do direito. Trabalho para o painel "Direito e Psicanálise", do Seminário Nacional "O Direito no III Milênio: Novos Direitos e Direitos Emergentes", realizado na Universidade Luterana do Brasil – ULBRA, em Canoas, Rio Grande do Sul, de 12 a 15 de novembro de 1997.
  56. O leviatã. São Paulo : Editora Martin Claret, 2003, p. 40.
  57. Sobre verdade e mentida no sentido extra-moral. In Os pensadores. Obras incompletas / Friedriche Nietzche ; seleção de textos de Gerard Çebrim ; tadução e notas de Rubens Rodrigues Torres Filho, 3 ª ed., São Paulo : Abril Cultural, 1983, p. 45, 46.
  58. O leviatã. São Paulo : Editora Martin Claret, 2003, p. 55.
  59. Op. cit, p. 46
  60. Op. cit., p. 47
  61. Op. cit., p. 47-48.
  62. Carnellutti, Francesco. A prova civil. 2ª. ed., Campinas : Editora Bookseller, 2002, p. 17.
  63. Código de Processo Civil, art. 469, II.
  64. Código de Processo Civil, art. 469, I.
  65. Manifesto de instituição da escola humanista de direito econômico. Porto Alegre : Editora Síntese, v. I, n. 1, p. 9, out./dez., 2002.
  66. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2ª. ed., Coimbra: Livraria Almedina, 1998, p. 259-260.
  67. SORMANI, Alexandre. Da segurança jurídica na lei 9868/99. 2001. Dissertação (Mestrado em Sistema Constitucional de Garantia de Direitos) – Instituição Toledo de Ensino, Bauru, p. 62
  68. A política, p. 54.
  69. SORMANI, Alexandre. Op. cit., p. 58.

Autor

  • Jesualdo Eduardo de Almeida Júnior

    Jesualdo Eduardo de Almeida Júnior

    advogado sócio do escritório Zanoti e Almeida Advogados Associados; doutorando pela Universidade Del Museo Social, de Buenos Aires; mestre em Sistema Constitucional de Garantia de Direitos; pós-graduado em Direito Contratual;pós-graduado em Direito das Relações Sociais; professor de Direito Civil e coordenador da pós-graduação da Associação Educacional Toledo (Presidente Prudente/SP), professor da FEMA/IMESA (Assis/SP), do curso de pós-graduação da Universidade Estadual de Londrina – UEL, da PUC/PR, da Escola Superior da Advocacia, da Escola da Magistratura do Trabalho do Paraná.

    é autor de diversos livros e artigos

    Textos publicados pelo autor

    Fale com o autor

    Site(s):

Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA JÚNIOR, Jesualdo Eduardo de. Um réquiem à busca da verdade no processo civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1838, 13 jul. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11483. Acesso em: 12 maio 2024.