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Modernidade tardia e/ou "tempos modernos".

Direito ou negação, autonomia ou excipio?

Modernidade tardia e/ou "tempos modernos". Direito ou negação, autonomia ou excipio?

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O objetivo geral do trabalho é indicar algumas formas (teóricas ou ideológicas) ou momentos históricos (remotos ou contemporâneos) em que ocorre a passagem da luta por conservação à luta pelo (re)conhecimento.

Exatamente onde os riscos são maiores a fortuna tende a voltar

Giddens

De quem meu bom direito exijo?

Mefistófeles – n’O Fausto

Soberano é quem decide sobre o Estado de Exceção Permanente

Carl Schmitt

Não tenho mais a ilusão de saber,Não tenho mais a ilusão de poder ensinar

[...] Também não tenho bens, muito menos dinheiro, Nem honra, nem glória no mundo.

GoetheFausto Zero

RESUMO: O objetivo geral do trabalho é indicar algumas formas (teóricas ou ideológicas) ou momentos históricos (remotos ou contemporâneos) em que ocorre a passagem da luta por conservação à luta pelo (re)conhecimento. Não se trata de (re)contar toda a história de formação da Razão de Estado, até porque o seu curso é desigual, heterogêneo e alternado, com altos e baixos, sobretudo no conturbado cenário europeu. O objetivo, então, sinteticamente, seria apenas a indicação dos momentos e/ou inflexões históricas mais significativas de sua trajetória: da origem no Renascimento às formas variadas de sua atualização do que aqui chamamos de mundo real/virtual, no centro da Modernidade Tardia.

PALAVRAS-CHAVE: Razão de Estado; Luta pelo (re)conhecimento; Modernidade Tardia; mundo real/virtual.

OBJETIVO ESPECÍFICO: Examinar alguns recortes acerca do(s) modo(s), como a Razão de Estado forneceu os indicativos de que o sistema iria, rapidamente, instrumentalizar o poder. Neste sentido, a Razão de Estado teria sido a primeira manifestação clara de que "a política se converteria em razão instrumental", a serviço do Estado e dos grupos de poder hegemônicos. Weber foi, talvez, o autor que não só percebeu esse movimento, como perscrutou por seus caminhos mais inconfessáveis. A ética desse sistema, portanto, era (e é) a ética do poder instituído - mas instituído como poder ou soma de poderes em que se plasmaria toda a sociedade.

Em análise conjunta ou em paralelo ao desencantamento do mundo, (re)vigoram os riscos e os perigos da vida moderna. Por isso, a ética protestante desempenhou um esforço notável a serviço do espírito do capitalismo:

Entre os três principais fundadores da sociologia moderna, Weber foi o que viu com mais clareza o significado da perícia no desenvolvimento social moderno e usou-o para delinear uma fenomenologia da modernidade. A vivência cotidiana, segundo Weber, retém seu colorido e espontaneidade, mas apenas no perímetro da gaiola de "aço rígido" da racionalidade burocrática (Giddens, 1991, p. 139).

Mas, é exatamente este o momento em que a fortuna volta a sorrir (diante do realismo impiedoso): "O risco e o perigo, como vivenciados em relação à segurança ontológica, tornaram-se secularizados juntamente com a maior parte dos outros aspectos da vida social [...] Exatamente onde os riscos são maiores [...] a fortuna tende a voltar" (Giddens, 1991, pp. 112-113). Portanto, sob este prisma, a Razão de Estado é uma conseqüência, uma parte da esfera política (Weber, 1979), inerente ao desencantamento do mundo.

METODOLOGIA: A seqüência metodológica/ideológica, subentendida, seria esta: I) um elogio (prudência nos antigos) e uma crítica iniciais (Renascimento e Razão de Estado: esta razão diz que os fins do Estado justificam os meios - ainda que contraditoriamente, pois sem a opressão inicial, geradora do próprio direito de sedição, não haveria nem Estado, nem Direito, nem reconhecimento algum). II) um elogio intermediário, porque o desencantamento do mundo fortaleceu-se muito com o Renascimento e isto permitiu que o Estado de Direito se visse sob a forma do Estado Racional [01] (ou Estado Democrático de Direito Social [02]). III) muitas interrogações finais: a modernidade tardia lamenta as oportunidades perdidas, mas não fecha as portas do futuro e, por isso, não é pós-modernidade. Então, se as portas não estão fechadas (ao menos no todo), é viável pensarmos/buscarmos novas ou outras formas de validação e de reconhecimento.

ARGUMENTO: O foco do texto não está em discutir a posição de determinados autores sobre a temática, mas o percurso que nos trouxe, e isto em grandes passos, até a Modernidade Tardia e à luta pelo reconhecimento de sujeitos, demandas e direitos. Este é centro da discussão, do tema, convergindo da luta por conservação à luta pelo reconhecimento, da Razão de Estado à aplicação de recursos (materiais e cognitivos) e mecanismos de obstrução ao uso imponderado de meios de exceção.

A trajetória histórica trata da luta por conservação, no começo com prudência, depois com a força do Estado. No miolo, vemos Weber e Marx, e teremos a metamorfose do Estado Moderno que se transforma em dominação racional, Estado Racional e depois em Estado de Direito (ainda que com a previsão do Estado de Exceção). Ao final, a idéia é dar destaque ao Estado Democrático de Direito (onde entram seus textos e a luta pelo reconhecimento). Porém, há as promessas não-cumpridas da democracia e da modernidade, como diz Bobbio, e aí chegamos à contemporânea Modernidade Tardia.


Da luta por conservação (Razão de Estado) à luta pelo (re)conhecimento

A Modernidade Tardia é um conceito/realidade amplo e complexo — complexus: "algo que se tece em conjunto" (Morin, 2000) — de utopias/entropias; contradições e distopias; afirmações ou "promessas descumpridas da democracia e da modernidade" (Bobbio, 1986). Tanto é uma fase de retomada quanto de negação, de afirmação e de interrogações, mas, é do domínio do real ou, melhor dizendo, pertence ao mundo real/virtual [03]. É o ultramoderno posto em evidência:

A modernidade econômica implica a livre mobilidade dos fatores de produção, o trabalho assalariado, a adoção de técnicas racionais de contabilidade e de gestão, a incorporação incessante da ciência e da técnica ao processo produtivo. A modernidade política implica a substituição da autoridade descentralizada, típica do feudalismo, pelo Estado central, dotado de um sistema tributário eficaz, de um exército permanente, do monopólio da violência, de uma administração burocrática racional. A modernidade cultural implica a secularização das visões do mundo tradicionais [...] e sua diferenciação em esferas de valor [...] até então embutidas na religião: a ciência, a moral, o direito e a arte (Rouanet, 2002, pp. 237-8).

Além disso, os bens culturais agora também poderão se movimentar com mais independência em razão da laicização e da secularização do espaço público. Isto é o que vemos com os indícios trazidos pelo tema insurgente da modernidade já no século XVII. Também por isso prefere as expressões Ultramodernidade e Modernidade Radical (Giddens, 1991) à idéia de pós-modernidade (Sevcenko, 1987) ou mesmo modernidade tardia.

A Modernidade Tardia, em uma ampla hermenêutica, ainda corresponde à mudança da luta por conservação em luta pelo reconhecimento (Honneth, 2003). Assim, é um mix entre negação e vir-a-ser; é a negação ou a véspera da utopia; é a entre-safra entre o esperar, calcular (estratégia) e a ação (da tática à prática); é uma espera, mas como um quefazer: "Não te esperarei na pura espera / Porque o meu tempo de espera é um / Tempo de quefazer" (Freire, 2000 - frontispício). É um ir e vir pela história, a exemplo da entropia, que atua como eixo da Teoria do Caos (e da pós-modernidade: indeterminação, instabilidade, dúvida metódica), mas que tem suas bases na termodinâmica de Newton [04]:

Por que existe a entropia? Antes, muitas vezes se admitia que a entropia não era senão a expressão de uma fenomenologia, de aproximações suplementares que introduzimos nas leis da dinâmica. Hoje sabemos que a lei de desenvolvimento da entropia e a física do não-equilíbrio nos ensinam algo de fundamental acerca da estrutura do universo: a irreversibilidade torna-se um elemento essencial para a nossa descrição do universo, portanto devemos encontrar a sua expressão nas leis fundamentais da dinâmica [...] De qualquer forma [...] é do caos que surgem ao mesmo tempo ordem e desordem (Prigogine, 2002, pp. 79-80 – grifos nossos).

Portanto, não se trata nem da teleologia, nem do fim da história; sequer de uma filosofia da história ou mesmo da modernidade, uma vez que, todo o século XX e o breve século XXI indicam e fazem sobressair o realismo cotidiano das variadas formas de luta e de conflituosidades que cercam o poder no âmbito do Estado Moderno (tanto lá, no pós-Renascimento, quanto cá, diante dos dilemas da Modernidade Tardia). Se observarmos através de um largo lapso histórico, podemos dizer que a Modernidade Tardia remonta à Rota da Seda, visto que sem esta não teríamos o Renascimento, o Iluminismo, o Estado-Nação e o Mercantilismo como forças do capitalismo e da sociedade moderna.

Talvez, tendo-se algumas mudanças ou inversões mais bruscas na rota da luta pelo reconhecimento (agora perdendo terreno para a mera conservação do poder) — especialmente com a criação (legislação) de formas e meios de agir de exceção, no Iluminismo que já se via convertido em Jacobinismo — possamos dizer que lá onde havia um estado da Razão, veio a vigorar ainda mais fortemente uma Razão de Estado. Mais especificamente, datam 1793 as primeiras bases do Estado de Exceção, e que tanto nos assombra desde então (Agamben, 2004). Todavia, a chave teórica para o entendimento de seu alcance e dimensão iremos encontrar em meados do século XX, no esforço retórico-constitucional de Carl Schmitt (2006). Desse modo, ainda podemos analisar o trabalho em seu argumento central e, muito genericamente, quanto à metodologia empregada.

O que era: Razão de Estado — O que é: Modernidade Tardia e naturalização da necessidade.


O passado reascende no futuro pelos clássicos

Sempre que retomamos um pensamento clássico, o objetivo é aprender. Assim, idéias tão caras a um determinado autor ou conjunto de temas a ele associados, sempre são fonte de (re)aprendizado.

O pensamento clássico não está livre da história, pois é fruto da mesma força germinal de sua época, porém, por ser genial, é capaz de perceber mais nitidamente a essência do movimento, naquela fase, a maneira como as pessoas se organizavam ou viviam e trabalhavam. Isto nos dá a sensação de que foi capaz de ver adiante de seu tempo, como se tivesse adivinhado o que viria depois.

De fato, seu poder de sondagem o transportou para tempos futuros, mas porque soube perscrutar profundamente o presente – não se afogou no cotidiano, como ocorre com a maioria de nós.

Esta liberdade de inquirir o presente é que lhe deu forças para ter suas idéias ainda prenhes de novidades, para quem o retomasse/recuperasse, e mesmo que no futuro mais distante.

Sua teleologia o levou adiante, não como místico, mas, sobretudo, como crítico de si-mesmo, do seu entorno, dos limites impostos pelo tempo e suas circunstâncias mentais, sociais, científicas, culturais, políticas. Sua teleologia, com força para olhar para frente, para procurar pelo futuro-presente, investigando o presente-futuro, é o que lhe permite se desprender da miopia ou das amarras que cercam a maioria ensimesmada, silenciada. É de sua profunda capacidade crítica e analítica que vem a força da telecinésia que o leva mundo afora.

O clássico é aquele que soube melhor do que qualquer outro, em sua época, apreender o presente, a fim de libertar o futuro, quando positivamente nós realizássemos a análise do nosso presente. Por isso, resgatar o clássico é restaurar, não só as forças móveis do passado, mas especialmente reviver as forças que sós, nós não conseguiríamos apreender, para aí sim melhor aprender com elas mesmas. Portanto, quem consegue aprender com o clássico, acaba por apreender, pois foi o que o passado germinal nos legou. Alguns ainda serão capazes de aprender a apreender, a olhar tanto para o passado, quanto para o futuro, mas sempre em busca de reviver/reinventar o presente.

No exemplo deste artigo, tentaremos uma demonstração do que apresentamos como hipótese, no parágrafo superior. No caso, voltar ao passado de Marx e de Weber é (re)aprender com ambos, não apenas quanto ao passado, em si importante, mas que, sem se respaldar na pretensão do futuro, seria inócuo. Então, trata-se de ver no passado o que se desdobra no presente e que, contraditoriamente, ao mesmo tempo, serve para nos moldar e nos mover. Este será nosso objetivo: olhar o passado para aprender sobre o presente e ver/imaginar, daí de forma crítica e criativa, como poderia ser o futuro-construído, e não essa idéia de futuro em que somos meros espectadores do tempo que passa e eles, os seus habitantes, quando sua hora chegar, simples seres sobreviventes e desalojados. Um futuro-construído seria um antídoto a esse tempo estranho em que se sentem desconfortáveis, os seus próprios viventes.

Hoje, nesta época de imagem (quase sempre sem conteúdo), seria um antídoto à miserabilidade de se sentir um tele-espectador da própria vida, porque é um tempo em que os navegantes não ajudaram a produzir. O objetivo específico, então, é ver como Marx aplicou esta perspectiva de dinâmica ao seu tempo (aprender), para ali buscar alguma inspiração que combata esta sensação de estarmos relegados à condição de tele-espectadores de nós mesmos (isto seria apreender). Aqui, novamente, temos o cruzamento entre investigar, criticar e desvelar, como ato revelador, mas igualmente como educação, porque educar é educare, ou seja, exatamente revelar. Desse modo, quem educa, revela, e só é capaz de se educar ou de ser educado, aquele que soube aprender a revelar, porque precisa revelar a si próprio.

Assim, quem revela a si e ao seu entorno, o faz porque também soube ser capaz de apreender. O aprendizado, o apreender, é essa capacidade de tomar para si o curso das coisas, de trazer para si as circunstâncias. É este o momento/movimento que o mobiliza a NÃO ser mais um inerte espectador ensimesmado. Este sentido, em Marx, está nas classes sociais e na capacidade de verter a consciência em si, em uma consciência para si, mas em Honneth está na capacidade de manter e de empreender novas formas de Luta pelo (re)conhecimento (2003).

Ter a consciência para si é apreender o curso, as sutilezas, as circunstâncias e eliminar a inocência da alma espectadora da história. Ter a consciência para si, portanto, é agir, mas para agir é preciso aprender (educar), para não agir sem que tenha capacidade de revelar.

Logo, somente a educação leva a esta consciência para si, como se fosse um ato consciente e diretivo em meio aos caminhos (não-simplificados) do futuro-construído e arquitetado em conjunto. Ora, todo conjunto é complexo e complexus é a arte de tecer em conjunto, e quem tece em conjunto para os clássicos das Ciências Sociais são os atores sociais, em meio a ações e relações sociais (Weber, 1979), o indivíduo como síntese social (Rousseau, 1988), as classes sociais (Marx, 1989). Tecem apenas o presente (ensimesmado) se só há consciência em si, limítrofe ao contorno do espectador.

Tecem, sobretudo, o futuro, não mais como destino, mas como intenção, intencionalidade e racionalidade próprias se já conseguiram revelar o(s) sentido(s) do presente. Porém, agora já possuidoras da consciência para si, pois ao agir desse modo, transformam e se transformam. Só assim podemos entender a frase que diz: "o futuro está aqui". De outro modo, é mera utopia, expectativa complacente: uma virtualidade que não existe em si ou por si mesma (por isso há a utopia de uma rede que não se fecha).

Enfim, as classes sociais estão presentes nesta rede (Marx fala em edifício social: hierarquizado?) ou apenas sobrevivem ao mundo formal e administrado do cotidiano (Adorno, 1995) que habitamos?


A luta pelo (re)conhecimento da autonomia

Ao contrário disso tudo, também há formas de luta por emancipação, afirmação e reconhecimento. Historicamente, a humanidade produziu a cultura da curiosidade – sem o que, ainda tatearíamos o mundo desconhecido de nós mesmos. Historicamente, conta-nos o mito de Prometeu – primeira tentativa de racionalização do saber – que o homem teve muito que aprender, apreender (como esforço e capacidade de mediação/subsunção do real/conhecimento), para aí poder ensinar.

Esta forma de pensar vê que a educação provém de uma rigorosa intersecção entre curiosidade, dúvida metódica e rigor (ético) no método, na forma de enfrentar o problema/objeto (na vida e na escola), para que não se esmoreça nas dificuldades.

A anti-pedagogia de Paulo Freire (combatente da pedagogia oligárquica) ensina dois verbos críticos, e isto a partir de sua consciência acerca da própria vida: denunciar (a realidade) e anunciar (outro mundo, como utopia possível).

O homem sobrevive à sua saga, graças à astúcia e à inteligência (objetividade), mas só sobrevive para criar a cidade e a política (a Pólis), graças à intervenção não-neutra, isto é, como ação e intenção política e pública que passa a exercer no mundo.

Somos totalmente questionáveis, mas nossa presença no mundo nos torna inesgotáveis, porque negociamos a vida com o real a todo instante: do ar que respiramos ao direito ao trabalho, à educação, à intensa negociação política com o Outro.

Neste longo curso de iniciação política, pode-se dizer que, de um estágio de pura adaptação chegamos a uma fase de profundas transformações (desde o mito de Prometeu). No caso das teorias contratualistas, por exemplo, trata-se da partida do ponto zero, do chamado estado de natureza.


O repique da democracia e do (re)conhecimento

Com as transformações ou poder de nos modificarmos e de interferirmos no meio, ainda aprendemos que a democracia é a metamorfose do ser: do ser despótico que se desdobra em um sujeito de vontade limitada. O déspota é exatamente o sujeito de vontade ilimitada.

Da tensão entre liberdade e autoridade é que nasceria a ética desse ser-social; antes, como freio daquela vontade inaugural; depois, afirmativamente, como leme da ação educativa necessária e como repouso da consciência, mesmo diante da realização de tarefas árduas e, inicialmente, até a contragosto. Mas, como diziam os antigos, atribulações essenciais para se repousar a cabeça e dormir com tranqüilidade, com o senso do dever cumprido, o sono dos justos.

Assim, o compromisso ético regulador da democracia, de um dever-ser, também re-configurado pela ação individual e social (mas, sempre política), vê-se modificado na plenitude da própria ação ética do agora-ser-sendo. Assim, da tensão entre autoridade e liberdade, pode surgir uma ética-em-si (mas, sobretudo, para verter-se na ética-para-si) como meio de condução democrática da ação educativa (do direito à educação como luta, se for o caso) e da vida social. A ética, enfim, seria o resultado da ação pedagógica democrática, a síntese da assunção da autoridade civil e não de sua imposição. O reconhecimento, a seguridade e a internalização da autoridade e da autonomia individual.

A prudência democrática, neste caso, não está somente em recusar os extremos, mas, muito mais, em assegurar o contraditório e assim não mais se pautar pela contradição das próprias ações: críticas-destrutivas ou licenciosas demais. Portanto, a escolha correta, derradeira, não pode estar no meio termo; pois, não há que se escolher entre indiferença e autoritarismo, entre abuso e descompromisso.

Esse tipo de escolha não pode existir, porque a democracia é a própria gestação da autonomia, mas complementarmente, a democracia é também uma economia de vontades, uma vez que, é preciso formar seres–para–si e seres–para–os–Outros. Também a prudência não estará no meio termo, no entre-choques da tensão, se num dos lados se posta o fariseu e, no outro, o puritano - ou entre o cínico e o autoritário voluntarioso.

A ética, agora como um ser–em/para–si, certamente, não nos põe à frente de escolhas simples ou sempre óbvias. Ao contrário, as escolhas democráticas (equilibrando-se em contradições, antagonismos, oposições) são sempre duras e difíceis, porque as opções são decisivas e de alto valor/custo para muitos. Por isso, a educação só tem sentido, se nós mesmos tivermos projetos para o futuro.

Enquanto tivermos/fizermos sentido para o mundo (como projetos em aberto), a educação permanece viável, e é um ato móvel que queremos implementar no projeto de vida social: o entorno que permeia nossa própria vida pessoal. Mas também a mudança necessária (ou sua recusa) são móveis ou dialéticas, mas aí já há negação entre si, os meios, os termos, os fins, e este não é o sentido que abordamos.

A inteligibilidade com o mundo, esta politicidade, anima nossa própria linguagem de acesso ao conteúdo social de que somos parte. A conjectura extraída da conjuntura (como análise já mais sistematizada) ainda permite a formulação de um projeto cognoscível do realismo político e agora como análise já problematizada(dora), e como negação da prática democrática que almejamos modificar. Com isso, novamente, temos a denúncia e o anúncio, além de sonhar com este direito que é subjacente ao projeto transformador. Isto seria anterior até mesmo à expectativa de direito que se quer, doutrinariamente, verificar na luta social pelo direito à educação.

Este é o momento de encontro entre o sonho e o projeto de futuro com um presente não reificado. Neste instante, há fruição da expectativa do direito em torno da luta política e, por isso, caminhamos no âmbito do direito à educação, numa espécie de repique entre vir-a-ser e entropia. É este o momento em que a luta política pelo direito justo e popular ultrapassa a realidade que só glorifica quem acumula poder. Também é o momento da luta política pelo direito (à educação) contra o frenesi pessoal pelo poder.

No repique entre utopia e distopia está o direito à educação de qualidade, com conteúdo clássico e não só performance, isto é, com massa crítica e não acomodada. O verdadeiro progresso do educador está em diminuir a distância entre sua fala e sua ação, entre a utopia do direito e o direito real à educação não-massificada ou massacrada pela má formação.

O progresso está no futuro ético, na edificação de um projeto em que o Outro também participe da direção, do leme da história. Neste direito à educação há, como vimos, uma clara tensão (entropia/utopia), mas corresponde igualmente a uma verdade erga-omnes, solidária com o(a) Outro(a) ainda solitários(as) e praticamente sem projeto(s), sem sonho(s) ou ambição.

Esta vontade de ser ético ou democrático nasce, então, da raiva mais profunda à injustiça, à ignorância em não querer a modificação, da complacência em não ser um ser-ético - aqui, a apatia logo se verá como amiga da revolta social. Isto tanto vale para a vontade pessoal de abandonar o vício de fumar, quanto para a vontade necessária que deve nos impelir à luta pelo direito à educação, como constructo da consciência de cada um, além da construção social.

O que vimos, enfim, seguindo Paulo Freire, é que "ninguém supera a fraqueza sem reconhecê-la". Não há vontade e não se luta se não há amanhã, se não esperamos por um projeto de transporte para o futuro progressista. Portanto: "Está errada a educação que não reconhece na justa raiva, na raiva que protesta contra as injustiças, contra a deslealdade, contra o desamor, contra a exploração e a violência um papel altamente formador (Freire, 2000b, p. 45).

Na mesma página, em nota de rodapé, ainda se lê acerca de que raiva se trata: "A dos progressistas contra os inimigos da reforma agrária, a dos ofendidos contra a violência de toda discriminação, de classe, de raça, de gênero. A dos injustiçados contra a impunidade. A de quem tem fome contra a forma luxuriosa com que alguns, mais do que comem, esbanjam e transformam a vida num desfrute" (Freire, 2000b, p. 45).

Precisamos, acima de tudo, de uma democracia ética e castradora do mal-querer humano. Precisamos de um contrato conosco, a fim de que modismos, modernismos, pós-modernismos exuberantes, não se entrelacem ainda mais com o poder e, injustamente, às custas da injustiça social.

É por tudo isso que o sucesso desta luta política para que o direito à educação reconheça a escola como espaço sócio-cultural, democratizável, exige empenho e desempenho, brio e confiança, altivez intelectual, autonomia e trabalho árduo do educador.

Esta é nossa conclusão, e veremos que só nos interessa um legado, como aprendizado, como educação com/para a política, a fim de revelar, indicar um caminho comum ao futuro. Este devir é nosso dever. E nosso dever é lutar pelo (re)conhecimento de novos(as)/outros(as) atores(as), sujeitos, demandas e direitos [05].


Luta por Reconhecimento

Qualquer definição nesta esfera de ação e de interpretação da práxis humana não é simples e não pode ser simplista, ainda que devamos simplificar, para elevar o próprio entendimento político de tais lutas. Em uma frase, uma curta definição de luta por reconhecimento, poderia ser assim: A legítima defesa asseguradora/reparadora dos meios de sobrevivência pessoal ou social, mormente quando diante de grave ameaça ou insuportável injustiça social.

Assim, historicamente, podemos ver a luta por reconhecimento por vários ângulos, esferas e níveis de ação/alcance, incluindo-se muitas lutas nas esferas mais formais ou tradicionalmente repetidas: luta de classes; lutas sindicais e partidárias democráticas (do voto ao debate aprofundado); luta parlamentar assecuratória do básico direito a ter direitos; participação e envolvimento dos intelectuais, a partir de posições acadêmicas intramuros (institucionais) no esclarecimento de "questões" importantes para a sociedade; atração da mídia democrática.

Além da afirmação de lutas sociais e populares de ONGs legítimas, movimentos sociais reivindicatórios (MST, Movimento dos Sem Teto), coletividades como de negros, homossexuais e/ou minorias, em termos de poder político, a exemplo do feminismo e da igualdade real de direitos e de oportunidades. Também se incluem no rol que acolhe as mulheres em sua luta justa, os interesse individuais homogêneos de deficientes físicos, como a observância da reserva legal de vagas, por meio das cotas (ações afirmativas).

Em determinados casos, pode-se alegar ou indicar a luta ou envolvimento pessoal de determinados líderes, como alavanca, ainda que localizadas, pois que obtém alto impacto sócio-político: de Thoreau a Thomas Paine (nos EUA e na França), de Malcolm X a Dalai Lama. No exemplo adotado a seguir, evidencia-se a via judiciária, o aprofundamento democrático (desde a Constituição Mexicana, de 1917) que nos legou a possibilidade da coletivização dos conflitos, a partir do inusitado da ação individual.

Em campos menos formais: debates e inclusão política de novas ou outras formas de engajamento político-cultural, incluindo novas mídias. O exemplo mais conhecido é a luta por reconhecimento do Partido Pirata [06], na Suécia, na tentativa de se validar um partido virtual, mas com presença legislativa real e, evidentemente, com temas polêmicos: abolição em território sueco da legislação protetiva/projetiva dos direitos autorais, a liberação da Internet como meio de comunicação, a não-restrição de mensagens políticas que não violem a mesma tolerância política que as carreou até aquele ponto (Martinez, 2001).

A luta contra a xenofobia, intolerância, preconceito, racismo de quaisquer cores e bandeiras, enfim, estão neste amplo rol do reconhecimento, pois, trata-se de reconhecer o Outro — e reconhecimento implica em aceitação e afirmação. Portanto, é preciso dar voz aos sitiados de todo gênero.


Reconhecimento: "toda luta de classes é uma luta política"

Com o uso do método dialético e materialista, Marx percebeu que a divisão social do trabalho tanto gerou o chamado Homo Faber (O Prometeu e Patrono do Trabalho), quanto esta divisão do trabalho se aprofundaria (além da primitiva divisão sexual), entre trabalho intelectual e manual, e assim viria à própria modernidade. Do mesmo modo, levar o projeto da modernidade á plena extensão revelaria o consumismo (para além do iluminismo) e este projeto requer exatamente a subjugação do trabalho intelectual e manual na mesma atividade produtiva. Seria exatamente o fim das especializações.

No aspecto político, se a modernidade fosse ao seu termo (consumismo= modernidade futura), então a revolução proletária também deveria apoderar-se do Estado Moderno. Este projeto modernista-futurista requer a revolução proletária. Por isso, vivemos uma constante sensação de Modernidade Interrompida, uma vez que, no sistema capitalista, o principio da igualdade, por exemplo, jamais se tornaria igualdade real.

É possível ver, portanto, que o verdadeiro projeto iluminista e libertário, universalista, é o comunismo proposto. Para Marx, o projeto da modernidade tem dois pólos: o Iluminismo, anterior e o comunismo posterior; o Iluminismo, idealista e o comunismo, utópico. A modernidade é também uma ficção, utopia ou ideologia e, por isso, também chamaremos esta segunda fase da modernidade, a modernidade iluminista do século XIX, de Modernidade Interrompida ou Tardia, uma visão inspirada, sobretudo no jovem Marx.

Se as relações entre ambas as classes não podem ser pacíficas (ainda que pacificadas mediante o uso de alguns suplementos, como democracia representativa, Estado de Direito, ideologias pacíficas), então, é em meio à luta de classes que, principalmente, o proletariado aprenderá. É assim que se vemos no Manifesto:

Mas toda luta de classes é uma luta política [...] A burguesia mesma, portanto, fornece ao proletariado os elementos de sua própria educação, isto é, armas contra si mesma [...] com o progresso da indústria frações inteiras da classe dominante são lançadas no proletariado [...] Também elas fornecem ao proletariado uma massa de elementos de educação (Marx, 1993, p. 75).

Em duas notas de rodapé, remetendo à edição de 1888, ainda lemos que tratavam de "elementos de sua própria educação política e geral" e de "elementos de instrução e de progresso" (Marx & Engels, 1993, p. 75). Em texto de 1913, nos preparativos da Revolução de 1917, Lênin seguiu esse mesmo pensamento: "O proletariado instrui-se e educa-se travando a sua luta de classe; liberta-se dos preconceitos da sociedade burguesa, adquire uma coesão cada vez maior e aprende a apreciar os seus êxitos pelo seu justo valor, retempera as suas forças e cresce irresistivelmente" (Lênin, 1978, p. 75).

Desse modo, no século XX, o projeto libertário-proletário do consumismo proposto por Marx, seria suspenso, outra vez, em 1983. Assim, novamente, não se concretizava o apelo humano para se constituir em realidade objetiva, o empírico universal (o "cidadão do mundo" por outra tentativa: Kant, 1990). Como vimos pela história, o agente dessa transformação não se configurou plenamente — o proletariado não se viu como cidadão do mundo.

No comunismo ou modernidade futura, transformando-se o proletariado em cidadão do mundo, a autonomia real em relação aos meios de produção (apropriação coletiva) e não só como ficção jurídica, seria exigência máxima desse projeto de modernidade. O próprio método do materialismo histórico, único recurso que permite perceber essa transformação, (materialismo dialético) é também fruto da modernidade e dessa transformação, mas já será um olhar crítico a partir de sua origem, pondo-se além e como meio propenso à superação.

Portanto, Marx faz a crítica de uma modernidade retraída, tardia, interrompida, na medida em que, queria ver estendido, empírica e universalmente, os valores de muitos dos movimentos de grande força que o precederam ou com os quais ainda iria conviver: Iluminismo, socialismo, comunitarismo, igualitarismo, evolucionismo (por exemplo, da barbárie à civilização). Neste sentido de Iluminismo interrompido, Engels (no texto Sobre a autoridade) reforçou o sentido dado pelo jovem Marx nos Manuscritos (1989), de que o trabalho sob a máquina não permite autonomia: "Para as horas de trabalho, pelo menos, pode inscrever-se sobre a porta da fábrica: hasciate ogni autonomia voi Che entrate!" (Engels, 1975, p. 55). Aqui, Engels cita a Divina Comédia, de Dante, Inferno: "Vós que entrais, abandonai toda a autonomia.

Assim, da forma como foi exposta no texto, e adaptada ao nosso contexto, a consciência para si é uma consciência para o Outro. Mas, quem é o Outro, pergunta-se Honneth (2003)? O Outro é aquele-um insatisfeito, quando limitado a si mesmo. O Outro, portanto, sempre procura o Outro, e nem sempre a-si-mesmo. Porque ver-a-si é desvelar para si o que não pode ser contido em-si-mesmo, isto é, o que precisa ser expandido. Então, como consciência expandida-de-si, o outrora limitado a-si-mesmo, agora é capaz de perceber e de se abrir ao Outro. Pois, vê o Outro quem deixou de só ver-a-si-mesmo, ou seja, o Outro é um para além-de-si: em perspectiva ampliada, do aqui ao aí, e deste ao ali e ao acolá.

Ver-a-si é necessário, mas insuficiente; ver-o-Outro também é necessário, mas incompleto, se não se revela a-si-mesmo e aos outros. Educar com os clássicos, portanto, sempre é virtuoso, porque é como ir do real em diante, mas para além do real, buscando sua transcendência crítica. Aliás, não há nada mais virtual (Lévy, 1996) — como um pós-real, pós-moderno — do que a célebre afirmação de Marx, de que "tudo que é sólido, desmancha no ar". Mas, foi, exatamente, esta frase que abriu a modernidade (Berman, 1986)?

A luta pelo (re)conhecimento não é só luta política, pois a militância pode seguir o vai da valsa da conveniência do jogo político ou do próprio determinismo realista da política. Por isso, passa antes pelo trabalho decente, consciente, realizado de forma profissional e humanizante. Como luta pelo (re)conhecimento funciona/atua como um (re)conhecer a si mesmo, um tipo de outra-vez-estou-me-vendo (e não por meio de Narciso), daí que é um (re)conhecer a si mesmo como luta inerente pelo reconhecimento-do(a)-Outro(a). Diz-se que, quem se conhece um pouco que seja (conhece-te a ti mesmo), está prestes/perto de conhecer o(a) Outro(a).

Este trabalho bem realizado, como luta pelo conhecimento e pelo "ensinar certo" (Freire, 2000), imprime seus efeitos na alma/aura — revela o EU por dentro, isto é, desvela, trespassa o egoísmo. Como educação (revelare), revela o EU para o(a) Outro(a). Mas, a grande diferença entre a militância e o trabalho sério, desalienado [07] (retomando-se as rédeas) é que, no caso do trabalho comprometido com a educação, suas inscrições são feitas no córtex cerebral [08], no lóbulo central — e isto é irreversível. Como parte do processo de aprendizagem/aprendizado, autonomia e civilizatório, a educação é uma vocação (vocacio = trabalho) destinada a servir ao desencantamento do mundo (Weber, 1979). Como vemos nesta passagem de Enrique Dussel:

A posição ereta do primata superior permitiu ao Australopithecus, que culminará com a espécie Homo, acelerar o processo evolutivo [...] Os hominídeos, aos quais pertencemos, têm mais de quinze milhões de anos; há uns quatro milhões existe o Homo habilis. Nesse tempo foi se desenvolvendo a "cooperação e coordenação de conduta aprendida" através da linguagem, que propiciou recursos para acumular criativamente uma indefinida quantidade de novas distinções de "objetos" que sem a linguagem não teriam podido ser manejados – em primeiro lugar a distinção entre entorno e linguagem (Dussel, 2002, pp, 100-101).

Por isso, o clássico pode ser contemporâneo. Para o Outro, aquele que ainda virá, o clássico contemporâneo será um pensador do passado, mas que, olhando muito bem o seu e o nosso presente, pode estar atento ao futuro do Outro: o vir-a-ser.


Luta por Conservação

Para melhor esclarecer os fundamentos ou argumentos que procuram dar sustentação a este trabalho, vamos entender Luta por Conservação, como sinônimo de Razão de Estado. Portanto, não se trata de qualquer luta por sobrevivência, uma vez que poderia ser facilmente confundida (até mesmo para desqualificar a luta pelo reconhecimento) com a luta justa de todos nós, no dia-a-dia. Em suma: exclui-se desse debate a própria legítima defesa, quando individual (que estaria melhor posicionada como reconhecimento do direito à vida, como afirmação do ser-ético), e também porque poderia ser facilmente confundida com a reação a agressão indevida e injusta.

Em outras palavras, luta por conservação pode incluir a reação, mas não se limita a isto. Ainda adentrando ao tema da legítima defesa, pode-se dizer que haveria certa validade em determinados casos, mas, excluindo-se a posição reativa do Estado, no curso da resposta por meio da Razão de Estado. Esses seriam os casos daqueles que se batem pelo próprio direito ao/do trabalho, à educação, saúde etc.

Veja-se que, neste caso, a consciência está toda em si, ensimesmada, não se abrindo a nenhuma oportunidade de se agir para si, mas tendo o Outro como parâmetro. Portanto, não se fala em consciência para si (Marx, 1983), se não se falar em ação para si — enquanto coletivo, é inegável pela lógica simples que o Outro não foi descoberto.

Como ensina Honneth (2003), se não há o Outro, é porque não há o EU ou porque só há o eu-mesmo-e-nada-mais. A luta por conservação, não raramente, portanto, vê-se repleta de obstáculos, estranhamentos, negações ou ofendículos para que não se converta ou se metamorfoseie em luta pelo (re)conhecimento.

Normalmente, a luta por auto-conservação é empregado no contexto do individualismo metodológico para sugerir que indivíduos isolados lutem pela sua auto-conservação de forma utilitarista. Tal enfoque se liga sobretudo à dimensão material da vida social. Contudo, o paradigma do reconhecimento de Honneth (2003) opõe-se a isso.

A questão não é tanto de distribuição (renda), mas moral, entendendo que lutas por reconhecimento (re)escrevem relações sociais de um ponto de vista normativo, isto é, reformulam normas e instituições sociais. Se bem sucedida, tal reescrita significa reconhecimento nos planos afetivo, jurídico e da solidariedade.

Um exemplo clássico é a luta das mulheres: ao longo do tempo e a partir do desenvolvimento de uma semântica coletiva, as mulheres foram sendo mais reconhecidas nas sociedades capitalistas. Algo similar ocorre antes com o movimento operário.

Numa linha derradeira: nunca houve equivalência entre essas esferas de ação, individual ou socialmente falando. Porém, é esta zona movediça em que se encontram traços/restos da tradição, da modernidade e de uma situação para além da própria modernidade geradora (pós-modernidade).

Entre tradição, moderno e pós-moderno, a luta pelo (re)conhecimento é uma luta pela afirmação do presente-legítimo, mas sobretudo uma forma de educação para o (re)conhecimento, para o conhecimento revigorado e sem verdades inabaláveis, postas à luz do meio-dia. Ao contrário, além da certeza de que a Modernidade Tardia não deposita suas crenças em afirmações retóricas (tem a ironia por método), não restaram tantas certezas infensas. Há verdades que ressoam dos clássicos e de sua telecinésia, que (n)os transcendem.


Outras Formas de Validação e de Reconhecimento

Inicialmente, em vias, em prol da luta pelo reconhecimento do Outro, é possível afirmar-se a necessidade de um "compromisso ético regulador da democracia, de um dever-ser, também re-configurado pela ação individual e social (mas, sempre política), vê-se modificado na plenitude da própria ação ética do agora-ser-sendo. Assim, da tensão entre autoridade e liberdade, pode surgir uma ética-em-si (mas, sobretudo, para verter-se na ética-para-si) como meio de condução democrática da ação educativa (do direito à educação como luta, se for o caso) e da vida social. A ética, enfim, seria o resultado da ação pedagógica democrática, a síntese da assunção consciente e legítima da autoridade civil e não de sua mera imposição. O reconhecimento, a seguridade e a internalização da autoridade e da autonomia individual [09].

Como exemplo concreto desta assertiva, vejamos uma ação trabalhista que conjuga da 1ª à 5ª gerações de direitos fundamentais. No caso, trata-se de Direito de Imagem de professor/pesquisador [10] e da exploração do chamado trabalho imaterial (Negri, 2001) ou vivo [11], não-remunerado e que constitui estelionato intelectual (na alçada criminal). Juridicamente, ainda é chamado de teletrabalho [12] ou de sobreaviso no teletrabalho [13], mas para uma interpretação sobre novos direitos autorais [14]:

Una vez refinadas las licencias, Ito y Creative Commons proponen ahora convertirlas en parte de La infraestructura de la Red. De hecho, bajo la dirección de Ito, la idea es que Creative Commons se convierta en una especie de organización de estándares del copyright, creando los formatos tecnológicos por los que los creadores, el público, los buscadores, los gestores de derechos, los programadores de navegadores y todos los demás agentes de Internet se comuniquen entre sí qué derechos están disponibles sobre las obras, e incluso qué derechos están reservados [15].

Os meios de prova, neste exemplo, também se baseiam no mundo real/virtual (no passado, no presente e no futuro-presente: novos direitos). Há afirmativa de documento obtido em cartório atestando a veracidade das informações virtuais e quanto à exploração indevida da imagem do professor. O documento ratifica o compromisso do Estado, em determinados momentos e circunstâncias, na luta pelo reconhecimento e seguridade de direitos — como se fosse uma virtualização (Lévy, 1996) constante da Luta pelo Direito (Ihering, 2002).

A Fé Pública pertence ao âmbito da 3ª geração de direitos (Wolkmer, 2003), à formação do Estado de Direito, no século XIX (Canotilho, 1999) e à célebre disposição política ou salvaguarda jurídica da intitulada regra da bilateralidade da norma jurídica, também vista pelo provérbio latino do "suportas a lei que criastes" (Malberg, 2001).

O referido processo e seus meios de prova foram gestados por aproximadamente um ano, incluindo ainda e-mails, documentos oficiais da instituição reclamada, declarações de boa-fé de terceiros, testemunhas e outros. A Fé Pública, no exemplo tomado, reflete-se no documento denominado de Ata Notarial. Isto também se chama, doutrinariamente, sair da abstrata/ainda-que-legítima expectativa do direito (Dallari, 1999) e propugnar pela construção de outro saber jurídico [16]. Outro recurso adotado foi elaborar um parecer técnico-jurídico [17], detalhando-se o alcance da referida imagem profissional ou pública do autor prejudicado, naquele momento.

Então, na Modernidade Tardia temos a passagem/conversão da luta por conservação (a sobrevivência advinda do trabalho intelectual ou, genericamente, "o trabalho como o primeiro ato histórico" — Marx, 2002) à luta pelo reconhecimento de novos e outros direitos, outros sujeitos, outras/novas demandas individuais e sociais, no aqui chamado mundo real/virtual.

No próprio exemplo indicado, temos direitos de 1ª geração: a imagem associada à identidade, intimidade, integridade e (re)produção essencial da personalidade. O "trabalho real" e/ou imaterial (vivo), reclamado como hora-extra, refere-se à 2ª geração de direitos: à época áurea das lutas sociais e populares pelo reconhecimento de direitos: da Revolução Russa, de 1917, à Constituição de Weimar, de 1919, ou ainda a Revolução Mexicana, a partir de 1910.

Nesta fase da luta pelo reconhecimento do direito a ter direitos (Bobbio, 1992), a 3ª geração deve ser atualizada, pois nem o Estado, nem o movimento sindical mostram-se preparados para os novos desafios: o Judiciário sofrerá variadas provocações. No caso, são espécies de direitos individuais e sociais que rebatem/repicam no Estado e provocam a insurgência de direitos políticos mais legítimos. São exemplos disso, desde as décadas de 1970-80, no movimento sindical e como fonte social e jurídica do pluralismo, a coletivização dos conflitos, a politização das lides (Faria, 1989), e, mais genérica e recentemente, a judicialização da política [18].

Quanto à quarta geração, notabiliza-se, ainda pelo exemplo da RT, a luta pelo reconhecimento e seguridade dos direitos sociais (Verdú, 2007), mas, mais amplamente, os direitos coletivos, difusos e os interesses individuais homogêneos. Já a quinta geração [19], inerente ao cotidiano do mundo real/virtual, entrelaça as várias gerações quanto ao direito personalíssimo — na luta pelo direito do trabalho e no reconhecimento do ser, de sua imagem e persona [20].

Nesta época de crise e descobertas, a Modernidade Tardia e o mundo real/virtual também metamorfoseiam e mascaram formas simbólicas de obtenção e de exploração de direitos de outrem, sem a devida compensação. Empresas utilizam-se indevidamente do nome de muitos professores titulados — já demitidos, nunca contratados ou contratados só de fachada — para (a)trair alunos e obter grandes vantagens materiais. Portanto, neste curso do debate, o direito na Modernidade Tardia é tanto processo/produto ideológico (Filho, 2002) quanto é um medium propício à requisição de legitimação social (Schumacher, 2000).

Por isso, contrariando a objetividade extremada [21], o positivismo do meio-dia, não há um método claro-escuro.


Marcas(os) da Educação do Futuro

É difícil dizer com precisão se ainda é possível definir modernidade com tanta clareza, como faria Ortega Y Gasset, à procura ou já propondo um método claro-escuro. Ao contrário, talvez seja possível apenas um tipo de método de meio-fio, em que clareza e precisão, por exemplo, não sejam tão claramente expostas à luz do meio-dia:

Eu sou um homem espanhol que ama as coisas em sua pureza natural, que gosta de recebê-las tal e como são, com claridade, recortadas pelo meio-dia, sem que se confundam umas com outras, sem que eu ponha nada sobre elas: sou um homem que quer, antes de tudo, ver e tocar as coisas e que não se contenta imaginando-as: sou um homem sem imaginação (Ortega y Gasset, 1991, p. 9 – grifos nossos).

Hoje, sabemos que não há um método do meio-dia, notadamente quando pensamos em tratar desta fase da Modernidade Tardia. Assim, a luta pelo reconhecimento acaba intrinsecamente vinculada à luta pelo conhecimento do Outro e de si. Portanto, trata-se de uma luta por (re)conhecimento, mas, infelizmente, talvez o exemplo que melhor caracterize esta Modernidade Tardia seja mesmo a reincidência do Estado de Exceção, pelo menos, nos últimos três séculos.

Quem sabe talvez seja preferível dizer o que não é moderno, o que é tradição:

É voltar à Idade Média para tomar o ponto em que se inicia essa ruptura. Quando vemos uma grande catedral antiga, observamos, em primeiro lugar, que não se conhece o nome de seu arquiteto nem o nome de seus construtores. É que a catedral antiga era uma obra coletiva. Em segundo lugar, notamos que somos nós, hoje em dia (a partir do fim do século XVIII), que dizemos que a catedral é uma obra de arte, pois quando foi feita ela era uma obra religiosa, uma celebração das relações entre os homens e Deus. Em terceiro lugar, essa obra coletiva e anônima, essa obra religiosa também possui um aspecto político importante, pois era construída para mostrar o poderio dos papas e dos reis – nelas, além das celebrações comuns a todos os fiéis, ocorriam as coroações, os casamentos, os enterros dos reis, a coroação de papas. A catedral era, ao mesmo tempo, um espaço sagrado e um espaço político (Chauí, 1984, p. 12 – grifos nossos).

Ou, então, definir algo tão complexo, como a modernidade, mas a partir de situações, coisas, objetos, relações mais setorizadas. Por exemplo, moderno é este típico amor romântico ou a famosa paixão juvenil — estilo Romeu/Julieta. Modernos são determinados objetos, como o astrolábio, ou invenções e técnicas, como a quilha mais aguda dos navios (rebaixando o ponto ou eixo de equilíbrio, permitindo maior velocidade e estabilidade).

Modernas são as relações institucionais, políticas, culturais que têm o Estado-Nação e a laicização da política como âncora. Modernas são as relações sociais que têm a ética protestante (Weber), mas também a ética pagã (Maquiavel) por base. Modernas são as relações em que se prima pela qualidade do trabalho especialista e pela observância da peritagem:

Entre os três principais fundadores da sociologia moderna, Weber foi o que viu com mais clareza o significado da perícia no desenvolvimento social moderno e usou-o para delinear uma fenomenologia da modernidade. A vivência cotidiana, segundo Weber, retêm seu colorido e espontaneidade, mas apenas no perímetro da gaiola de "aço rígido" da racionalidade burocrática (Giddens, 1991, p. 139).

Mas também é este conjunto complexo que irá definir a modernidade na sociedade altamente complexa (século XX), com contradições, e ainda plena de seus projetos de racionalidade e eficiência (Weber, 1979):

Modernizar é melhorar a eficiência da administração pública, das instituições políticas, dos partidos. É um conceito funcional de modernidade, no sentido próprio da palavra: numa sociedade moderna as instituições funcionam melhor que numa sociedade arcaica [...] Na dimensão da modernidade funcional não há vestígios de qualquer regressão a um estado de coisas em que a ciência e a técnica deixem de ser incorporadas ao processo produtivo, em que as relações feudais entre suseranos e vassalos sejam consideradas desejáveis e em que seja obrigatório ensinar nas escolas a doutrina bíblica de que o Sol gira em torno da Terra (Rouanet, 2002, pp. 238-239 – grifos nossos).

Desse modo, a modernidade se estende até nós ou nos ultrapassa, radicalizando certos preceitos que lhe são inerentes, como diz Giddens (1991). A modernidade é essencialmente capitalista e o Iluminismo lhe emprestou o método e a razão ("a justificativa para assim ser"):

Mas certamente faz sentido ver isso como "a modernidade vindo a entender-se a si mesma" ao invés da superação da modernidade enquanto tal [...] O pensamento iluminista, e a cultura ocidental em geral, emergiram de um contexto religioso que enfatizava a teologia e a obtenção da graça de Deus [...] e a providência divina foi substituída pelo progresso providencial [...] se a esfera da razão está inteiramente desagrilhoada [...] mesmo as noções mais firmemente apoiadas só podem ser vistas como válidas "em princípio" ou "até ulterior consideração" (Giddens, 1991, p. 54 – grifos nossos).

Giddens está nos dizendo que, na modernidade, a razão sempre foi instrumentalizada. A dita razão desagrilhoada é uma manifestação transparente do uso instrumental da própria razão. Neste curso, Giddens segue Weber e o "desencantamento do mundo". Moderno também é o paradigma que muda, revoluciona, o direito de educar, em direito à educação:

...no primeiro, o ser humano é um objeto de educação, exercida como direito do homem sobre o homem, cujo princípio de legitimidade e de método é a autoridade, com seus meios e efeitos de subjugação e menorização; no segundo, o ser humano é o sujeito da educação, usufruída como um "direito do homem", cujo princípio de legitimidade e de método é a liberdade, com todo o seu poder de humanização e autonomização (Monteiro, 2006, contracapa).

São dois paradigmas distintos e opostos: "do antigo paradigma holístico ao paradigma individualista da educação". Moderna é a educação pública no Renascimento, entendido como o momento histórico que elevaria o desejo de consumo do novo:

Por volta do ano 1000, introduziu-se uma nova tecnologia agrícola [...] A maior produtividade permitiu à população agrícola pagar maiores quantidades de tributos aos senhores que reclamavam direitos hereditários [...] A acumulação de grandes excedentes forneceu a base para uma consolidação econômica [...] Essa consolidação foi acompanhada por certa unificação dos códigos legais que regiam as relações entre tributários e senhores [...] Um conjunto definido, complicado e rígido de normas regia a produção dos excedentes tributados, assim como também seu consumo dividindo a população agrícola em muitos grupos socioculturais com diferente localização, com diferentes normas de deveres e privilégios (Wolf, 2003, p. 203 – grifos nossos).

Como se de certo modo a tecnologia também antecipasse o próprio Renascimento, pois esta demanda crescente é que os enviou de encontro ao Oriente Próximo. De outro modo, com a derrocada do Império Romano (século V), as escolas municipais disseminadas no Ocidente sofreram um grande refluxo. Na seqüência, a Igreja foi quem se incumbiu da instrução por toda a Idade Média [22] e, assim, por sua vez, o Cristianismo — "Religião da Boa Nova" — seria a própria manjedoura do Renascimento, já vindo a cultivar sua germinação: "A Boa Nova evangélica era exigência de renascimento, apelo ao homem velho para a conversão, pelo batismo, em homem novo" (Monteiro, 2006, p. 40).

Neste contexto, o Direito à Educação nasceria sob a ação/intervenção do Estado. Não é, portanto, uma ocorrência histórica como conquista individual ou social, mas sim de rearticulação política do Estado, tendo-se em conta a satisfação de algumas de suas principais necessidades da época: expandir e sedimentar o aporte/suporte de meios de reprodução ideológica e de controle social. Também deve-se dizer que antecedeu ao Education Act, de 1870.

Historicamente, a luta na Grã-Bretanha para tornar a educação gratuita, obrigatória e universal, e para mantê-la fora do controle exclusivo das organizações religiosas, foi longa e áspera [...] Martinho Lutero apelou "para os vereadores de todas as cidades da Alemanha, para que estabeleçam e mantenham escolas cristãs [...] A educação obrigatória e universal foi estabelecida na Genebra calvinista em 1536 e o discípulo escocês de Calvino, John Knox, "plantou uma escola e uma igreja em cada paróquia." Na puritana Massachusetts, a educação primária gratuita e obrigatória foi introduzida em 1647. Frederico Guilherme I da Prússia tornou a educação primária obrigatória em 1717 e uma série de decretos régios de Luís XIV e XV instituiu a freqüência escolar na França. A escola comum [...] não é um produto tardio da democracia do século XIX; ela desempenhou um papel necessário na fórmula absolutista-mecânica [...] Por outras palavras, tendo minado a iniciativa local, o Estado agia agora em seu próprio interesse. A educação obrigatória está vinculada, historicamente, não só à invenção e desenvolvimento da imprensa, à ascensão do protestantismo e do capitalismo, mas também ao crescimento da própria idéia de nação-estado (Ward, 1973, pp. 62-63 – grifos nossos).

Como parte do legado humanista (pré-renascentista) a educação, entretanto, ocupa lugar de destaque e tem presença marcante no Renascimento.

Moderno é o método da dúvida metódica (Descartes), em oposição à metafísica, Escolástica. Porém, contraditoriamente, também se apresenta o positivismo como método moderno, como nova religião (Comte), como método mais metódico. Neste sentido, o Positivismo será eficaz. Mas, o Positivismo ainda é positivo:

O termo positivo designa:

- o real em oposição ao quimérico,

- o útil... ............. ao desnecessário,

- a certeza... ........ à indecisão,

- o preciso... ....... ao vago,

- aptidão para organizar... . ao negativo, a aptidão para destruir,

- o relativo... ...... ao absoluto (este último caráter está implícito no precedente, pois o absoluto é negativo) (Comte, 1990, p. XIX).

Entretanto, façamos aqui uma breve pausa, pois a idéia de negação pressupõe um apartamento, uma seleção, uma separação indiscriminada ou aleatória e, por fim, a exclusão do indivíduo. Contudo, moderno é ver o mundo como faria um clássico, mas procurando subir em seus ombros, alargando os horizontes e navegando mundo afora. Moderna é esta soma (que não é zero) entre Newton e Fernando Pessoa ("navegar é preciso", porque deve ser exato, não comporta falhas, mas também é a urgência humana de deslocar-se de si mesmo). Moderno é quem procura ser exato:

A METÁFORA MAIS FAMOSA na obra de Galileu — e que encerra em si o nó górdio da nova filosofia — é a do livro da natureza escrito em linguagem matemática. A filosofia está escrita nesse imenso livro que continuamente se acha aberto diante de nossos olhos (falo do universo), mas não se pode entender se antes não se aprende a compreender a língua, e conhecer os caracteres nos quais está escrito. Ele vem escrito em linguagem matemática e os caracteres são triângulos, círculos e outras figuras geométricas, sem as quais é impossível para os homens entender suas palavras; sem eles é rodar em vão por um labirinto escuro. (Saggiatore, 6) (Calvino, 2007, p. 90).

Mas, igualmente moderna foi a Rota da Seda. Na Dinastia Ming (1368-1644), a Rota da Seda chegou a movimentar consecutivamente 27 navios cargueiros e contabilizar milhares de pessoas em transações econômicas. O período Ming, foi uma via de mão dupla, encontro de civilizações, especialmente a Europa e o Oriente, e seria conhecida como o berço econômico e cultural do desenvolvimento científico e tecnológico para o Renascimento europeu.

Com os relatos de Marco Polo, no século XIII, viajantes e comerciantes excluídos da sociedade feudal se enveredaram ainda mais pela rota, trazendo tecnologias e produtos variados. Na Alta Idade Média, este intercâmbio aprimorou e levou à incorporação de muitas outras formas técnicas, a exemplo da imprensa, pólvora, astrolábio e compasso. Além disso, na Era da Exploração, os mapas chineses e a cartografia islâmica (os Fenícios foram navegadores por excelência) influenciaram decisivamente na elaboração dos primeiros mapas-múndi. Mas, há ou houve algo mais inseguro do que navegar pelos sete mares, dominados por piratas e corsários (estes, em busca de lenha para aquecer o capitalismo mercantilista). Por tudo isso, também é moderno o renascimento do homem, do mundo, da cultura.


Uma Renascença política

Assim, também percebemos que os literatos são muito perceptivos em relação ao ideário de suas épocas, sendo capazes de captar o "senso comum" do povo. No caso específico do Renascimento, percebemos a preocupação clara com a política e com a negação desta, seja pela via da corrupção (O Paraíso Perdido), seja pela via da exceção (no caso de O cerco de Numância). Ainda podemos "ler" outras conquistas da humanidade, a exemplo da tolerância liberal que, já à época de Hobbes (e depois em Locke), vinha tecendo os princípios da igualdade e da liberdade — valores também requisitados e presentes tanto em Cervantes quanto na história de John Milton. Mas, há Shakespeare (1564-1616) e seu Hamlet.

Hamlet, a seu modo, consegue capturar a desfiliação moral da política, sua dessacralização e laicização, ou seja, percebe e diz bem o que é a racionalização da política. Também se fala em dessacralização, deixando de ser sacro-santo. Desse modo, há uma separação entre o poder temporal e o poder espiritual, pois ambos passaram a ser tratados como esferas distintas da vida civil. Portanto, os sacerdotes deixaram de ser agentes políticos do Estado.

Em todo caso, Hamlet é um homem do bem ou do mal?

Hamlet é um homem político, ainda que não seja um homem de Estado, como Maquiavel preocupado com a Razão de Estado. Hamlet é político, na medida em que o político possa trazer reconhecimento às condições da vida moderna.

Hamlet é um personagem de virtù? A virtù de Hamlet o leva a procurar criar situações, oportunidades, condições favoráveis ao desfecho de seu drama: a sua loucura é apenas uma das estratégias.

A virtù de Hamlet indica que precisamos, para viver a modernidade, de uma visão de mundo bem articulada, que disponha de um razoável senso de oportunidade, capaz de uma leitura com lateralidade e profundidade das coisas. Portanto, a virtù de Hamlet deve nutrir-se desse senso de oportunidade — em síntese, a virtù, daqui por diante, será considerada sinteticamente como senso de oportunidade.

O mais importante é ver em Hamlet uma metáfora do mundo moderno. Assim, Hamlet se passa por louco: essa idéia de se passar por louco não indicaria a astúcia de Hamlet em manipular a atenção e ao mesmo tempo desviar o foco daquilo que não lhe agradava?

A virtù, neste sentido, seria esta habilidade de criar situações e manipular a atenção pública para focar (ou desfocar) o olhar, dependendo de sua vontade: "Fingindo ser louco e, de fato, bastante perigoso, esse Hamlet é, ao mesmo tempo, pré-shakesperiano e pós-moderno e, certamente, sente-se bem à vontade com a retórica do provérbio e da fábula" (Bloom, 2004, p. 115).

O que indica o louco do Tarô, pela leitura hermetista (estuda a Alquimia) que estaria por trás de Hamlet? Curiosamente, representa o mesmo Hamlet que quando voltou do mar, voltou reformado, renascido, um Hamlet como novo homem. O Louco ou Coringa indica o novo que vem do velho, a modernidade que surge das tradições, mas que ainda não sabe perfeitamente ser/portar-se como a modernidade. Por isso, será preciso aguardar a chegada do Fausto (de Goethe), para anunciar definitivamente, lavrando a escritura, formalizando um novo pacto de sangue.

Mas, em suma, mesmo em se tratando de o Hamlet-Louco, a loucura é falsa, por isso bem calculada, com intenção claramente de despistar a atenção e de remover a vigilância sobre os reais fatores que o movem. Na loucura forjada, Hamlet é senhor da situação, controlando a todos, como vemos neste diálogo entre Rosencrantz e Guildenstern:

ROS. Ele confessa que a razão lhe foge,

Mas de nenhuma forma diz por quê.

GUIL.Nem se mostra disposto a ser sondado;

Com uma hábil loucura, vais distante

Se queremos trazê-lo à confissão

Do que ele sente.

(Shakespeare, 2004. p. 215)

No fundo, a loucura é só um pretexto para encobrir o real objetivo, que é vingar a morte (ou homicídio presumido) do pai (o rei Hamlet) pelo próprio tio (Cláudio, atual rei da Dinamarca) – daí a expressão, há algo de podre no reino da Dinamarca. E como se não bastasse o fedor do poder usurpado, o tio Cláudio ainda teria levado a mãe (a rainha Gertrudes) para o casamento, meses após o enviuvamento.

A verdade sobre o homicídio presumido teria sido contada pela própria vítima, o rei Hamlet, ressurgindo como fantasma diante de seus soldados e levando-os a procurarem o jovem príncipe Hamlet — seu filho. O príncipe Hamlet, por sua vez, precisaria apenas encontrar provas ou indícios seguros de que o trono havia sido usurpado e assim poder vingar o rei (o seu pai) defenestrado.

HAM. Vilão cruel, traidor e incestuoso

Oh, vingança! [...]

Esses atores, diante de meu tio,

Repetirão a morte de meu pai [...]

Preciso encontrar provas menos duvidosas.

É com a peça que penetrarei

O segredo mais íntimo do rei.

(Shakespeare, 2004, pp. 212-213).

Portanto, casara-se com a cunhada. Depois, no núcleo da loucura, Hamlet revela mais uma vez, nas entrelinhas, que seu objetivo é a vingança, uma vingança que se alterna entre familiar e política, pois não deixa de ser a vingança pela morte do rei (além do pai). No núcleo da loucura, Hamlet se dirige a Ofélia, tentando ser convincente:

HAM. Entra para um convento. Por que desejarias conceber

Pecadores? [...]

Sou muito orgulhoso, vingativo, ambicioso, com

Mais erros ao meu alcance do que pensamentos para

Expressá-los, imaginação para dar-lhes forma, ou

Tempo para cometê-los [...] Somos todos uns

Rematados velhacos; não acredites em nenhum de nós. Entra para um convento [...]

OFÉ. Oh, poderes celestiais, curai-o!

(Shakespeare, 2004, pp. 220-221).

É interessante notar como a virtù permite a Hamlet manipular os sentidos e os sentimentos, para melhor conduzir seus adversários/inimigos e as circunstâncias de acordo com seus fins: uma hábil manipulação do seu entorno. Por outro lado, se a manipulação dos sentidos é típica da loucura, então, a ideologia não lhe é assim tão diferente — agora como manipulação da consciência. A vingança, por seu turno, também será apenas mais um recurso da teatralidade hamletiana para revelar a alma humana mais profunda, como a viam os humanistas-realistas do final do século XVI e início do século XVII — Hamlet foi escrito exatamente em 1600. A vingança, portanto, não é o foco, mas tão-só o meio.

Sob esse aspecto do Louco, daquele que vem do que já havia anteriormente, da inconsciência que se dirige à consciência, das tradições que buscam a modernidade, da magia e do mito em direção à racionalidade e à ciência, Hamlet é um precursor de Fausto: o homem empreendedor do mundo capitalista (Berman, 1986). Não é à toa, portanto, como diz Weber, que a racionalidade científica é uma crença (irracional).

Assim, a virtù é fáustica: inovadora, empreendedora: "A imitação que Goethe faz de Hamlet, Fausto, ao morrer, expressa satisfação, sendo sepultado tranquilamente, ao contrário de Goethe, que especulava a isenção da morte, suposto mérito de uma consciência tão criativa quanto a sua" (Bloom, 2004, p. 112).

Miguel de Cervantes (1547-1616) teve uma relação interessante com esta visão da política de conquista (prudência versus exceção), porque além de produzir exatamente na época em que se engendravam as mais fortes teorias sobre a Razão de Estado, ele mesmo foi seqüestrado, esteve preso e encarcerado. Entrou para o Exército e lutou na Batalha de Lepanto, quando foi ferido e quase perdeu uma das mãos. Depois, de 1575 a 1580, permaneceu retido em Argel, então parte do Império Otomano, sendo libertado despois de pagar seu resgate. A única peça teatral trágica de Cervantes que sobreviveu é O cerco de Numancia, em que se encena a resistência desesperada da população contra as forças romanas que queriam conquistá-la. O trabalho mais conhecido de Cervantes é certamente Don Quixote de La Mancha; porém, o conteúdo político está mais presente no Cerco. Pode-se entender o cerco, como o Estado de Sítio.

Uma outra referência bibliográfica da época é John Milton (1608-1674) e seu livro O Paraíso Perdido. Alguns temas que podemos destacar no texto, seguindo indicações do próprio Hobbes, são: o livre arbitrio nasceu de um descuido de Eva? E como pode o mal gerar tantas formas de vida na Terra?

O texto de John Milton tem início com Satanás "erguendo a cabeça" depois da rebelião frustrada: tudo o que é sinistro está à sua volta, girando em turbilhões. Para seu alento, eis que surge Belzebu, o "segundo príncipe do inferno" e seu lugar-tenente, reanimando, reorganizando, instruindo até ver disciplinado novamente o exército do inferno. Após longas deliberações dos demônios, abriram as portas do Pandemonium, a capital, para que o conselho do exército pudesse novamente se reunir. Sobre este Congresso Infernal, dizia John Milton que muito se assemelha a uma assembléia de homens ou sessão de um parlamento qualquer.

Desse modo, os demônios de Milton apenas indicariam que as paixões humanas são próximas das intenções perdidas: ali se agiganta a "necessidade de poder". Suas discussões versavam sobre a melhor tática de se combater um adversário mais forte e poderoso (Deus): se por meio da guerra declarada ou se fazendo uso da fraude e da mentira. Todos os demônios-soldados resistiram à idéia de novos duelos e combates porque ainda lambiam suas feridas.

Ao saber disso, Satanás escolheu o "melhor momento psicológico" para lhes anunciar que Deus criara outro mundo, muito mais frágil e vulnerável e assim surgiria a idéia de ferir Deus atingindo suas criaturas. Satanás manipulou habilmente a assembléia para que fizesse o que ele queria. Com esse intuito, saiu do Inferno e, para chegar à Terra, cruzou o espaço do Caos.

Na Terra, Adão e Eva viviam em perfeita harmonia, mas de perto eram vigiados pelo demônio-mor, que morria de raiva, inveja, sendo abrasado pelas mais abjetas paixões. Nessa secura, Satanás atingiu Eva no sonho. Na manhã seguinte, Eva acordou atormentada enquanto Adão a confortava para que juntos enfrentassem o mal. Temendo mal maior, Deus enviou o arcanjo Gabriel para orientá-los sobre o livre arbítrio (base de sua vida e dos direitos individuais), tal qual o relato da Criação. Após essa conversa, Adão se mostrava pronto para enfrentar o mal, porque conhecia os detalhes do pecado.

Porém, logo no início do diálogo com Gabriel, Eva se afastou para cuidar de suas flores e não ouviu as recomendações (o Inferno está cheio de boas intenções e, por isso, boas ações, mas ingênuas, conduzem ao mal). No dia seguinte, enquanto Satanás tomava forma de Serpente, Eva propôs a Adão que ambos se separassem para cuidar de suas atividades mais prazerosas, sem a interrupção das conversas e da troca de carícias rotineiras quando estavam juntos. Adão não quis deixá-la só, mas Eva retrucou, discursando, insistindo no problema da liberdade individual e Adão acabou cedendo.

A seguir, ocorreu o inevitável e Eva veio lhe oferecer uma maçã — Adão não se enganou com a oferta, pois bem sabia que Satanás estava por trás da armação. Então, por que comeu consciente e deliberadamente a fruta? Por amor. Se Eva se perdeu, ele iria junto. Como é sabido, a sentença por tal gesto de pecado, foi a expulsão do Paraíso Terrestre (como destino da humanidade). Por fim, a perda da riqueza do Éden não se tornaria desespero, mas sim tristeza do passado e esperança no futuro.

Fábulas de Leonardo da Vinci (1452-1519)

O imaginário social renascentista (retratado nas fábulas do artista) já indicava a necessidade de se ver na vida social (assim como na política) a ação da prudência e não só da conquista. As "necessidades" são melhor enfrentadas com calma, prudência, bom senso, do que de modo afoito e áspero ou com "força excessiva".

A idéia de utilizar a literatura é para reforçar um sentido político clássico: a sabedoria política está em colocar em movimento forças políticas que eram aparentemente apenas potências (ou potencialidades que estavam em repouso), isto é, usar da força com prudência e moderação. Neste caso, as fábulas agora utilizadas são todas do texto Bestiário, fábulas e outros escritos (Da Vinci, 1995):

- Avareza: "o sapo alimenta-se de terra e está sempre magro porque não se enche; tamanho é o temor de que a terra lhe falte" (p. 17). Também deve-se recomendar prudência ao avarento, para não cair no ridículo. Ou para que a riqueza possa ser posta em circulação novamente, retornando ao mercado e estimulando a produção (de toda forma, o lucro não se equipara à usura).

- Prudência: "A formiga, por natural conselho, provê-se no verão para o inverno, matando as sementes colhidas, porque não renascem; e delas depois se alimenta" (p. 18). Desde a fábula da formiga e da cigarra, a precaução indica vida longa.

- Falsidade: "A raposa, quando vê algum rastro de garça ou gralha ou aves semelhantes, deita-se logo no chão, com a boca bem aberta, parecendo morta, e essas aves pretendem bicar-lhe a língua e ela corta-lhes a cabeça" (p. 19). A astúcia, ao tempo de Da Vinci, revelava-se nos ditados populares.

- Escorpião: "A saliva cuspida em jejum sobre o escorpião mata-o. Igualmente a abstinência da gula expulsa e mata as doenças que da gula dependem e abre caminho às virtudes" (p. 26). Não há veneno no mundo que se assemelhe às ações de clara má-intenção. Nem sempre, como nos indicava Hobbes, pode-se dizer que "do mal, vem o bem": muitas vezes, do mal vem um mal ainda maior.

No "estado de natureza", com liberdade total de ação, o homem provocava temor nos demais e vice-versa. Sua natural agressividade lhe rendia outras e mais fortes ameaças. Com o uso da "reta razão", provou a si mesmo que "o seu mal lhe rendia mais mal ainda", e logo pensou que fazer as pazes lhe traria sossego. Moisés, com seus dez mandamentos, é a revelação da sabedoria humana — "não faço mal ao Outro, não porque me importe com o Outro, mas porque não quero que façam mal a mim". Com isso, vê-se que o bem veio do mal.

- Lagarta: "A lagarta, que por meio do continuado estudo de tecer com admirável arte e delicado trabalho à sua volta a nova habitação, sai depois dela com belas e coloridas asas, com estas erguendo-se a voar para os céus" (p. 27). Os comedidos devem agir ainda com mais vigor e dedicação, pois os impetuosos podem destruir seu intuito num só golpe.

- Aranha: "A aranha gera de si mesma a artificiosa e engenhosa teia, a qual em recompensa lhe entrega a presa que apanhou" (p. 27). Para o movimento do meccano (antigo brinquedo de meninos, imitando autômatos), que se afirmava na Renascença, "a vida é um engenho": o que não está de todo errado, pois não é do engenho que provêm o trigo e deste o pão? Não é do "engenho humano que vieram as melhores obras humanas? Se bem que as piores também...

- Doninha: "esta quando caça ratos, come primeiro arruda" (p. 36). Em política, todo cuidado é pouco.

- Camaleão: "Este apanha sempre a cor da coisa onde pousa; por isso, juntamente com os ramos onde pousam, muitas vezes são devorados pelos elefantes" (p. 37). A metamorfose na política é a arte da esperteza, mas pode ser prejudicial por sua própria natureza, especialmente se com tanta mudança se desfaz todo laço social ou afetivo, se rompe a lógica da fidelidade partidária ou toda relação de identidade.

- Lealdade: "...Amor, temor e reverência: escreve isto nas três pedras dos grous" (p. 37). Isto revela bem o pensamento renascentista sobre o poder.

- A rede: "A rede, que costumava apanhar os peixes, ficou presa e foi levada pelo furor dos peixes" (59). O furor pode ser um "remédio" (virtù) contra as necessidades, mas se não bem conduzido/controlado pode levar à exceção do bom uso, à ruína do bom senso.

- O fogo e a vela: "O lume é guloso fogo sobre a vela. Ao consumi-la consome-se a si mesmo" (p. 59). A precaução é o remédio que pode evitar a conversão do bom senso em excipio (exceção).

- O papel e a tinta: "Vendo-se o papel todo manchado pela escura negridão da tinta, fica irritado; e esta mostra-lhe que são as palavras por ela escritas a razão da conservação dele" (p. 59). O Estado de Necessidade é uma mostra da nossa incapacidade de lidar com o natural — equivale ao papel que não se convence de sua função secundária.

Por fim, apenas mais uma de suas profecias: "Acontecerá à geração humana não se entender ao falar um com o outro. — Isto é, um alemão com um turco" (Da Vinci, 1995, p. 72). Tem-se uma eterna xenofobia que alimenta as investidas constantes da segurança nacional e daí surgem medidas de contenção e de exceção. Como isto se repetiu por toda história pós-quinhentista, até hoje, num processo sem fim, a Razão de Estado surgiu como a mais importante criação do Renascimento. E de lá para cá, o que continuou ou deixou de ser moderno?

O que não é moderno?

Desse modo, esse é o nosso prisma, a modernidade nunca foi segura, estável, inabalável (como queriam os teóricos da Razão de Estado), em oposição à idéia de fragmentação do que se convencionou chamar de pós-modernidade. A modernidade, portanto, desde suas origens ou amarras mais profundas (no contato com o Oriente Próximo) já acenava/acentuava, claramente, a inquietação, o incômodo, o desejo de convulsionar o ethos e o telos. A techné (técnica, arte, perícia) se perderia definitivamente diante do moderno mundo da técnica. A própria arte viria a ser objeto da técnica, como o sfumato:

Ao significado que tiveram Brunelleschi para a arquitetura  e Donatello para a escultura, corresponde a importância de Masaccio para a pintura [...] Ele percebeu como os objetos e paisagens mais distantes perdem a definição de sua silhueta e vão assumindo uma coloração mais diluída e desbotada. Seria a introdução da técnica do esfumaçamento (sfumato), pela qual o artista representa o fundo  do quadro  com uma paisagem que se perde no infinito e cujas formas  e coloração tendem progressivamente para um esmaecimento em que parece diluir-se por complete, fundindo-se com o céu nos planos mais distantes e profundos do quadro (Sevcenko, 1994, pp. 57-8 - grifos nossos).

Contudo, seria lícito dizer não há aí uma razão suficiente para vermos suas fissuras? Tanto há uma reta razão (Hobbes), quanto há brechas e furos (bastante intensos e intencionais): o Iluminismo de 1793 trouxe o Estado de Exceção.

Todavia, foi esse mesmo revigoramento, Renascimento, que trouxe a moderna comunicação. Os correios inventados por um senhor chamado Taxis, mas a comunicação global, do próprio capital, entre metrópole e colônias, centro e periferia, foi obra da revolução burguesa:

Os mercados das Índias Orientais e da China, a colonização da América, o intercâmbio com as colônias, o aumento dos meios de troca e das mercadorias em geral deram ao comércio, à navegação, à indústria, um impulso jamais conhecido antes e, em conseqüência, favoreceram o rápido desenvolvimento do elemento revolucionário na sociedade feudal em decomposição [...] Em lugar da antiga auto-suficiência e do antigo isolamento local e nacional, desenvolve-se em todas as direções um intercâmbio universal, uma universal interdependência das nações (Marx & Engels, 1993, pp. 67- 70).

Marx, ao que parece, também destacou o Renascimento e a insuficiência do Estado-Nação para guardar o próprio capital. Mas, que projetos ou herança, teríamos recebido disso tudo? Talvez a ponderação de Morin nos ajude a pensar uma racionalidade para além da "gaiola de ferro" (Weber, 1979). A citação é longa, mas necessária, porque é auto-explicativa:

O que permite a distinção entre vigília e sonho, imaginário e real, subjetivo e objetivo é a atividade racional da mente, que apela para o controle do ambiente (resistência física do meio ao desejo e ao imaginário), para o controle da prática (atividade verificadora), para o controle da cultura (referência ao saber comum), para o controle do próximo (será que você vê o mesmo que eu), para o controle cortical (memória, operações lógicas) [...] A racionalidade é a melhor proteção contra o erro e a ilusão [...] A racionalização se crê racional porque constitui um sistema lógico perfeito, fundamentado na dedução ou na indução, mas fundamenta-se em bases mutiladas ou falsas e nega-se à contestação de argumentos e à verificação empírica. A racionalização é fechada, a racionalidade é aberta. A racionalização nutre-se nas mesmas fontes que a racionalidade, mas constitui uma das fontes mais poderosas de erros e ilusões [...] O racionalismo que ignora os seres, a subjetividade, a afetividade e a vida é irracional. A racionalidade deve reconhecer a parte de afeto, de amor e de arrependimento. A verdadeira racionalidade conhece os limites da lógica, do determinismo e do mecanicismo; sabe que a mente humana não poderia ser onisciente, que a realidade comporta mistério. Negocia com a irracionalidade, o obscuro, o irracionalizável. É não só crítica, mas autocrítica. Reconhece-se a verdadeira racionalidade pela capacidade de identificar suas insuficiências [...] Os sábios atomistas, racionais em sua área de competência e sob a coação do laboratório, podem ser completamente irracionais em política ou na vida privada [...] Em nossas sociedades ocidentais estão também presentes mitos, magia, religião, inclusive o mito da razão providencial e uma religião do progresso [...] Daí decorre a necessidade de reconhecer na educação do futuro um princípio de incerteza racional (Morin, 2000, pp. 22-24).

Está claro, entretanto, que a racionalidade é humana (inclusive partindo de Weber) e a racionalização é produto histórico: como foi Ausschwitz.

Nossa herança está baseada no mundo/tempo que é (ou foi) repleto de incertezas, como é para nós nosso cotidiano. Mas, como vimos, isto não implica que se tenha errado em tudo.

Promessas foram feitas, a exemplo do próprio Iluminismo? Dúvidas pairam sobre as vãs certezas e/ou dívidas ainda esperam o devido reembolso? Tudo isto é certo ou correto, tal qual tudo que era produtivo se tornou especulativo e aí se desmaterializou. Aliás, como a antiga cantilena de que apostando, algum se ganha (no popular: "quem não chora, não mama").

Hoje vemos que muito ou quase tudo se perde(u). Porém, não foi o livro Fausto quem primeiro quebrou o contrato moderno? Mefistófeles ainda se ressente:

CORO DOS ANJOS

Santa flamância!

[...] Mística aliança.

[...] Limpa a atmosfera,

A alma se expanda!

(Elevam-se às alturas, levando a alma imortal de Fausto).

MEFISTÓFELES

Que é isso? – Aonde se foram? voaram? Como!

[...] Foi-se o tesouro!

[...] Foi-me abstraída a posse única e rara,

A alma sem par, que se penhorara,

[...] E pra dar queixa agora, aonde, a quem me dirijo?

De quem meu bom direito exijo? [...]

(Goethe, 1997, p. 443)

Nossa hipótese, portanto, é que as aflições, os desafios, as inseguranças e indeterminações, não resultam das mesmas especulações e racionalidade (desencantada, certamente) que nos move há muito tempo. O que nos leva a pensar uma Modernidade Tardia, em termos de alguns resultados, mas muito acesa e viva em suas conseqüências: boas ou más; reais ou virtuais; pagãs ou cristãs (como as Cruzadas); tradicionais ou ultramodernas (Giddens, 1991).

Talvez por isso, devido a tantos porquês e talvez, Morin prefira falar do futuro ou presente-futuro, como um conjunto de saberes mínimos necessários e não em um saber como poder (Bacon) ou como disciplina e controle. Também, talvez por isso, Canário fale neste futuro, mas não como chute ou aposta. Pelo contrário, como compromisso imediato. O futuro da escola, diríamos da sociedade global, precisa ser o resultado de uma escolha e não a conseqüência do destino (Canário, 2006).

O que ainda permite indagar se a luta pelo (re)conhecimento, como aprendizagem/aprendizado, individual e coletivo, não poderia agora se converter em luta política emancipadora, integrada, intercalada com o próprio (re)conhecimento do humano. Cremos que esta seria a luta pelo reconhecimento e afirmação da República: o que exclui a privatização do saber, porque não há inteligência privada, mas sim um constructo social cognitivo como resultado da desmagificação (desencantamento, em Weber).


Educar para o século XXI

Pelo título do subitem, pode-se pensar que a discussão se resume ao uso cada vez maior e mais progressivo das tecnologias. Mas, a que se propõe o artigo?

São reflexões simples, mas sérias: ver na política um instrumento de conquista de poder popular; procurar compreender de que forma os meios políticos podem favorecer a formação para a vida social ou pública; priorizar, a partir dos próprios meios políticos, os conteúdos pedagógicos (educativos) que daí emergem, como: tolerância, direitos humanos, democracia comunitária e cidadania radical (ativa).

Para o filósofo-educador americano John Dewey (1859-1952), é impossível separar a educação do mundo da vida, porque a educação não é preparação nem conformidade: "Educação é vida, é viver, é desenvolver, é crescer". Para Dewey, a escola é uma micro-comunidade democrática, o ponto de partida para a socialização democrática da sociedade como um todo.

A sociedade democrática é mais plural e, por isso, pode haver igualdade de oportunidades dentro dum universo social de diferenças individuais. A diversidade leva à diferença, mas não à desigualdade, porque devem atuar mecanismos compensatórios, como ações afirmativas, "discriminação positiva". No Brasil, por exemplo, Dewey influenciou bastante o educador Anísio Teixeira.

Para Dewey, uma das tarefas da "educação para a vida" é exatamente preparar o sujeito para a liberdade e igualdade. Um desses caminhos seria alavancar resistências ao mal - o pior dos males provém das ameaças e do enfraquecimento do modelo democrático, ao mesmo tempo em que há um recrudescimento do uso/abusivo da coerção: uma espécie de Estado de Exceção Permanente. Portanto, a "educação para a liberdade" é toda "educação contra as exceções (espúrias)", é toda "educação após Auschwitz", isto é, uma educação que está sempre agindo contra o "direito à exclusão".

No texto Democracia como Cooperação Reflexiva, Axel Honneth (2001), procurou recuperar Dewey para traçar dois perfis de democracia: liberal e radical. Os dois módulos seriam antagônicos se as posições se acirrassem na defesa "intransigente" de que só um modelo poderia sair vitorioso: aquele que fosse o detentor do "método mais metódico".

Honneth também diferenciou dois modelos políticos complementares: o Republicano (no qual se filia Hannah Arendt) e o Procedimentalista (este formulado por Habermas). O modelo republicano (de Arendt) retoma a "virtus", de definição clássica, como meio/instrumento de educação/formação de valores/virtudes. O que propõe Habermas é que a democracia tome assento nos meios ou nos procedimentos, em que se forma ou se educa o cidadão para a política. Neste caso, poder-se-ia pensar na educação política de modo prático, pragmático ou até militante, mas de acordo com os procedimentos dispostos anteriormente pelo próprio pacto político-constitucional.

O que nos propõe Honneth é exatamente retomar Dewey por completo, não em partes, como nas proposições de Arendt e de Habermas. Honneth então incorpora Dewey para um modelo unificador, inclusivo, estendido, entre: meios e fins; valores e ações; planejamento e instrumentos; educação e política; Estado e Sociedade. Assim, em Dewey e Honneth, há um modelo político de cooperação e superação dos conflitos, e constante na forma de se educar para uma "cidadania radical, expansiva e ativa".

Dewey nos apresenta um modelo de democracia comunitária e a idéia de que o povo americano, literalmente, encarna a soberania popular, como se cadenciasse a ontologia da política republicana. Talvez hoje, com Bush, Dewey pudesse ver de forma bem diversa.

Por fim, Dewey "articula procedimentos reflexivos e comunidade política", como forma de deliberação democrática a partir de valores quanto aos fins da comunidade, como cooperação social capaz de combinar comunidade democrática e deliberação racional. Daí surge a possibilidade de uma integração de cidadãos em uma determinada comunidade auto-organizada, unificando-se a idéia de autopoiésis (auto-organização do ser) e sua própria ontologia político-social. Porém, como ser social, o homem não conhece o Estado antes da comunidade – e disto pode-se concluir que a democracia é uma forma reflexiva de cooperação comunitária.


Educação por apreço

Uma educação com apreço é uma educação sem preço!

O que quer dizer tal afirmação?

Este é um exemplo típico de adjetivação do sentimento mantido em uma relação pessoal ou social em que se quer destacar, tipicamente, uma conotação ou significado anticapitalista. Aliás, este sentimento anti-burguês está contido na própria palavra apreço, pois, o a implica em negação, ou simplesmente no não. Logo, o entendimento da expressão poderia ser transformado em a-preço ou algo que não-tem-preço. Também podemos entender como Fausto: Também não tenho bens, muito menos dinheiro. É o drama bem conhecido dos milhões de professores mal-remunerados do país.

Isto ainda lembra a importância de se refletir sobre as palavras, seus usos e significados, e do método simples de decomposição das mesmas para em suas partes encontrar alguns segredos da etimologia.

Ao contrário da manifestação de vontade de consumir ou ter para condições para tal, inclusive demonstrando certa arrogância ao se dizer: "— coloque preço!". A educação deveria ser/ter uma relação de apreço, muito mais do que de autoridade ou de expansão de conteúdos ou aplicação de métodos. Porém, o mercado e a mercantilização de praticamente todos os aspectos da vida social levam a tratar os sujeitos no exato sentido contrário, quando se diz, por exemplo, que os alunos são clientes. Uma e captura e de subordinação das subjetividades, aliás, há muito denunciado e já bastante conhecido:

Onde quer que tenha chegado ao poder, a burguesia destruiu todas as relações feudais, patriarcais, idílicas [...] Fez da dignidade pessoal um simples valor de troca e no lugar da inúmeras liberdades já reconhecidas e duramente conquistadas colocou unicamente a liberdade de comércio sem escrúpulos [...] Transformou em seus trabalhadores assalariados o médico, o jurista, o padre, o poeta, o homem de ciência [...] A burguesia rasgou o véu de comovente sentimentalismo que envolvia as relações familiares e as reduziu a meras relações monetárias (Marx, 1993, pp. 68-69).

Da mesma forma Goethe (1997 & 2001), logo na primeira página do seu Fausto já indicava a insatisfação, a depreciação do médico-professor:

FAUSTO Ah, estudei até a exaustão

[...] Tudo com a maior paciência.

Mas eis-me aqui, pobre ignorante

[...] Sou professor, doutor até,

Há dez anos eu fico atrás

Dos meus alunos sem parar.

Estudar, estudar, estudar!

Mas vi que não é possível saber

E isso dilacera o meu coração

[...] Não tenho mais a ilusão de saber,

Não tenho mais a ilusão de poder ensinar

[...] Também não tenho bens, muito menos dinheiro,

Nem honra, nem glória no mundo.

Nem mesmo um cão viveria desse jeito!

(Goethe, 2001, p. 15).

Todavia, não bastasse a relação de clientela (ou clientelismo, que seria ainda pior) temos que, em latim, cliente deriva de cliens e quer dizer basicamente vassalo. Logo, as relações de ensino-aprendizagem se imiscuem com a vassalagem.

No exemplo do ensino privado, restaria saber quem é o vassalo e quem é o Senhor! De todo modo, não pode haver aí uma educação sem preço, desmedida, sem medida monetária, sem conotação lucrativa. Quando, na verdade, a única conotação lucrativa deveria ser aquela natural de se agregar valores culturais, informações, (re)conhecimento.

Como se diz, a atenção, a perícia, a sensibilidade do professor/educador deveriam ser suficientes para perceber o progresso do conhecimento em seu alunado: "A perícia do professor e o progresso do aluno — e os deveres do aluno — começam todas as vezes que ocorre a comunicação de até mesmo um único elemento do conhecimento de um espírito ao outro" (Hutchens, 2007, p. 09 – da epígrafe).

Lévinas ensinava isto na tentativa de combater a instrumentalização do saber e da razão, pois ele próprio fora vítima (com toda sua família) do símbolo maior da racionalização como burocratização da vida cotidiana (Adorno, 1995): os campos de extermínio e de trabalhos forçados no regime nazista.

Nessas circunstâncias extremas ou na mercantilização da educação (da vida, porque não há social ou sociedade sem educação), o eu subsume-se na totalidade burocratizante e por isso o Mesmo ocupa o lugar do Outro. Quando a formalidade (racionalização) ou o valor de troca capturam as subjetividades, a vida como um todo deixa de ser interessante, repetindo-se, torna-se medíocre: "É bem possível que nenhuma individualidade ou especificidade, nenhum enigma ou transcendência pura seja capaz de sobreviver [...] Poderíamos dizer que a vida, então, perderia aquele sabor picante que faz com que valha a pena viver..." (Hutchens, 2007, p. 32).

Contrariamente a este sentido, entretanto, Lévinas procura ver caminhos e saídas que levem ao encontro do Outro(a). O mesmo mundo é capaz desse encontro e daí a idéia de que o Outro inunda a mesmice e dessa ruptura nasce uma ética da responsabilidade. Assim, pode-se dizer que o eu é o-ser-no-Outro. O eu é um ser (responsável) no Outro (eticamente). Em outros termos:

Lévinas denunciou os efeitos que a ânsia de perfeita inteligibilidade produz na interação entre as pessoas. Seus textos nunca cessam de mostrar um fascínio com as maneiras misteriosas pelas quais os seres humanos expressam sua singularidade no intercâmbio social (Hutchens, 2007, p. 33).

Portanto, é como se procura por um escape em que a própria educação não fosse apêndice do mundo do trabalho ou de um Know-How que levasse ao sucesso, à fortuna pessoal. Pode-se dizer que é uma educação de virtudes aquela que não procura e muito menos contentasse com pouco.

A inteligência que advém da educação está em não se contentar, com um saber de tipo ready made ou empacotado, comprado pronto e pronto para ser usado: "De fato, o conhecimento não pode ser considerado uma ferramenta ready made, que pode ser utilizada sem que sua natureza seja examinada" (Morin, 2000, p. 14).

A razão desse descontentamento com a educação que leva ou traz o pouco ou coisa nenhuma, decorre do simples fato de que o saber não é neutro, todo saber é poder, seja para Bacon, seja em Foucault: "Trata-se de armar cada mente no combate vital rumo à lucidez" (Morin, 2000, p. 14). Paulo Freire (2000) diria que é preciso ensinar (e aprender) o certo.

Este conhecimento desmesurado de mero valor de troca seria o ideal em que docentes e discentes fossem sujeitos complementares de um longo e cauteloso processo. Mas, como ver tal realidade em meio à mercantilização do saber, com salas de 100 alunos e apostilas para vencer?

Infelizmente, ao contrário do saber sem-preço, o Know-How adquirido na relação de ensino-aprendizagem monetarizada, em que os próprios atores são transformados em coisas, é claro que não permitirá o reconhecimento dos outros sujeitos do conhecimento, daí que também não haverá reconhecimento do Outro.

Isto nos leva a pensar no diferencial que o ensino público tem a oferecer, ou seja, o Princípio Republicano. Basicamente, implica em dizer que, se tratamos de instituições baseadas no consenso democrático de que se regem pela acuidade, pela soberania da coisa pública, então, o resultado almejado (pela lógica) seria a formação de um pensamento republicano de semelhante configuração. De certo modo, esta é a posição/opinião de Juliana Neuenschwander, doutora pela universidade pública, leciona e concluiu toda sua formação em instituições públicas:

A lógica do mercado é incompatível com a qualidade do ensino. Não há quem me convença que educação seja mercadoria de fácil consumo. Isto não significa que eu desconheça instituições privadas de excelência. Mas certamente prefiro o ensino público, por um princípio republicano, pois acredito na educação como tarefa do Estado, em seu compromisso na formação das futuras gerações. O mercado não tem esse compromisso: seu objetivo é o lucro. As duas coisas não combinam... (Júnior, s/d, p. 62).

Juliana Neuenschwander, atualmente, é diretora da Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro. De certa forma, também podemos dizer que este trabalho intelectual do professor-pesquisador seja parte do trabalho vivo, criativo, daquele profissional que se dedica à pesquisa, não estando refém das 40 aulas semanais ou da burocracia das coordenações ou escritórios e/ou consultórios, laboratórios particulares.

Seguindo a dica de Antonio Negri (1999), este professor-pesquisador não está voltado ao Know-How, mas a um savoir faire-savoir vivre (viver intensamente o prazer do trabalho da criação), diante de uma atividade natural e essencial ao bom desempenho do seu trabalho e, portanto, igualmente específica e destinada à própria atividade laboral do educador: pesquisa/ensino/extensão (Martinez, 2003).


Bibliografia

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Notas

  1. A dissolução do pensamento mágico é um processo muito mais cultural do que político (Weber, 1985).
  2. Veja-se mais, em: http://jus.com.br/revista/texto/4613.
  3. Para uma definição do conceito, veja-se: http://www.gobiernoelectronico.org/node/5831.
  4. E que Marx conhecia e teria aliançado à dialética que transforma quantidade em qualidade. Entropia e luta de classes podem estar associadas em analogia, mas como metáforas do ciclo vicioso/virtuoso entre passado-presente e presente-futuro.
  5. Com alterações, este item do texto foi publicado em: http://www.gobiernoelectronico.org/node/6439.
  6. Mais detalhes, veja-se: http://www.gobiernoelectronico.org/node/5013.
  7. Verbete: alienação. Este conceito está relacionado à idéia de alienado ou alheamento. Para Hegel, a consciência infeliz (conceito hegeliano) é "a alma alienada" ou "alma alheada", isto é, "a consciência de si como natureza dividida" ou escondida. Hegel supõe que a consciência pode ser vista como separada da realidade a qual pertence. Surge então um sentimento de dilaceração ou desunião, um sentimento de afastamento, alienação, alheamento e de despossessão. O termo alienação pode ser usado, num sentido muito geral, como estado no qual uma realidade se encontra fora de si. Este último designa o estado da liberdade em sentido positivo, isto é, não como libertação de algo, mas como libertação para si mesmo, ou seja, como auto-realização (Abbagnano, 2000).
  8. Corresponde à camada mais externa do cérebro, sendo rico em neurônios, é onde se dá o processamento neuronal mais sofisticado.
  9. A íntegra deste debate está postada em: http://www.gobiernoelectronico.org/node/6434.
  10. A ação foi interposta na Justiça do Trabalho, em Marília, sob processo nº, em 2008.
  11. Vejamos em Marx: "Trabalho não-objetivado, um não-valor – se o considerarmos positivamente, ou negativamente em relação a si mesma, eis o que é a existência não-objetivada, isto é, não objetiva, - em outras palavras, subjetiva – do próprio trabalho. É o trabalho não como objeto, mas como atividade (Tätigkeit); não como auto-valor, mas como a fonte viva do valor (lenbendige Quelle dês Werts). (... O trabalho vivo é) a riqueza universal – comparada com o capital, dentro do qual existe objetividade, - como possibilidade universal, possibilidade que se realiza na atividade enquanto tal" (Dussel, 1995, p. 39).
  12. Veja-se, em: http://www.alfa-redi.org/rdi-articulo.shtml?x=10743.
  13. Consulte-se mais, em: http://www.alfa-redi.org/rdi-articulo.shtml?x=10743.
  14. Há muitas referências atuais: http://www.alfa-redi.org/rdi-articulo.shtml?x=10745.
  15. Mensagem enviada por e-mail, de Erick Iriarte Ahron, mas também disponível em: http://www.consumer.es/web/es/tecnologia/internet/2008/10/02/180170.php.
  16. Veja-se em: http://jus.com.br/revista/texto/7692.
  17.  
  18. Veja-se mais, em: http://www.urutagua.uem.br//006/06martinez.htm.
  19. Como incessante processo de (re)fabricação da realidade do próprio direito, veja-se exemplos oficiais e também alguns curiosos, em: http://www.gobiernoelectronico.org/node/6422.
  20. Os gregos antigos já sabiam disso, desde que utilizaram a famosa Persona: o nome da máscara usada pelos atores do teatro grego clássico. Sua função era dupla: aproximar o ator à aparência exigida pelo papel e amplificar sua voz, permitindo que fosse bem ouvida pelos espectadores. A palavra deriva do verbo personare, ou "soar através de".
  21. É óbvio que sempre há objetividade, a partir de um projeto, mas isto não implica em total controle do objeto. É em relação a este controle que nos referimos, quando falamos em objetividade extremada.
  22. A Idade Média é o período histórico compreendido entre os séculos V, ano de 476 (queda de Roma), e XV, no ano de 1453, com a queda de Constantinopla. O período como um todo pode ser visto em três fases: Idade Média Antiga ou Alta Idade Média ou Antigüidade Tardia, que decorre do século V ao X; Idade Média Plena ou Idade Média Clássica e que se estende do século XI ao XIII; Idade Média Tardia (ou Baixa Idade Média), correspondente aos séculos XIV e XV.

Autor

  • Vinício Carrilho Martinez

    Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

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Informações sobre o texto

Uma versão sintética do artigo foi publicada em: http://www.gobiernoelectronico.org/node/6441

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINEZ, Vinício Carrilho. Modernidade tardia e/ou "tempos modernos". Direito ou negação, autonomia ou excipio?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2012, 3 jan. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12145. Acesso em: 2 maio 2024.