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Modernidade tardia e/ou "tempos modernos".

Direito ou negação, autonomia ou excipio?

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03/01/2009 às 00:00

Resumo:


  • A modernidade é marcada por riscos e incertezas, mas também por oportunidades de reconhecimento e fortuna.

  • O conceito de Razão de Estado evoluiu desde o Renascimento até formas contemporâneas, influenciando o poder e a política.

  • A luta pelo reconhecimento se entrelaça com a história do Estado e a busca por validação e direitos em contextos modernos e virtuais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O objetivo geral do trabalho é indicar algumas formas (teóricas ou ideológicas) ou momentos históricos (remotos ou contemporâneos) em que ocorre a passagem da luta por conservação à luta pelo (re)conhecimento.

Exatamente onde os riscos são maiores a fortuna tende a voltar

Giddens

De quem meu bom direito exijo?

Mefistófeles – n’O Fausto

Soberano é quem decide sobre o Estado de Exceção Permanente

Carl Schmitt

Não tenho mais a ilusão de saber,Não tenho mais a ilusão de poder ensinar

[...] Também não tenho bens, muito menos dinheiro, Nem honra, nem glória no mundo.

GoetheFausto Zero

RESUMO: O objetivo geral do trabalho é indicar algumas formas (teóricas ou ideológicas) ou momentos históricos (remotos ou contemporâneos) em que ocorre a passagem da luta por conservação à luta pelo (re)conhecimento. Não se trata de (re)contar toda a história de formação da Razão de Estado, até porque o seu curso é desigual, heterogêneo e alternado, com altos e baixos, sobretudo no conturbado cenário europeu. O objetivo, então, sinteticamente, seria apenas a indicação dos momentos e/ou inflexões históricas mais significativas de sua trajetória: da origem no Renascimento às formas variadas de sua atualização do que aqui chamamos de mundo real/virtual, no centro da Modernidade Tardia.

PALAVRAS-CHAVE: Razão de Estado; Luta pelo (re)conhecimento; Modernidade Tardia; mundo real/virtual.

OBJETIVO ESPECÍFICO: Examinar alguns recortes acerca do(s) modo(s), como a Razão de Estado forneceu os indicativos de que o sistema iria, rapidamente, instrumentalizar o poder. Neste sentido, a Razão de Estado teria sido a primeira manifestação clara de que "a política se converteria em razão instrumental", a serviço do Estado e dos grupos de poder hegemônicos. Weber foi, talvez, o autor que não só percebeu esse movimento, como perscrutou por seus caminhos mais inconfessáveis. A ética desse sistema, portanto, era (e é) a ética do poder instituído - mas instituído como poder ou soma de poderes em que se plasmaria toda a sociedade.

Em análise conjunta ou em paralelo ao desencantamento do mundo, (re)vigoram os riscos e os perigos da vida moderna. Por isso, a ética protestante desempenhou um esforço notável a serviço do espírito do capitalismo:

Entre os três principais fundadores da sociologia moderna, Weber foi o que viu com mais clareza o significado da perícia no desenvolvimento social moderno e usou-o para delinear uma fenomenologia da modernidade. A vivência cotidiana, segundo Weber, retém seu colorido e espontaneidade, mas apenas no perímetro da gaiola de "aço rígido" da racionalidade burocrática (Giddens, 1991, p. 139).

Mas, é exatamente este o momento em que a fortuna volta a sorrir (diante do realismo impiedoso): "O risco e o perigo, como vivenciados em relação à segurança ontológica, tornaram-se secularizados juntamente com a maior parte dos outros aspectos da vida social [...] Exatamente onde os riscos são maiores [...] a fortuna tende a voltar" (Giddens, 1991, pp. 112-113). Portanto, sob este prisma, a Razão de Estado é uma conseqüência, uma parte da esfera política (Weber, 1979), inerente ao desencantamento do mundo.

METODOLOGIA: A seqüência metodológica/ideológica, subentendida, seria esta: I) um elogio (prudência nos antigos) e uma crítica iniciais (Renascimento e Razão de Estado: esta razão diz que os fins do Estado justificam os meios - ainda que contraditoriamente, pois sem a opressão inicial, geradora do próprio direito de sedição, não haveria nem Estado, nem Direito, nem reconhecimento algum). II) um elogio intermediário, porque o desencantamento do mundo fortaleceu-se muito com o Renascimento e isto permitiu que o Estado de Direito se visse sob a forma do Estado Racional [01] (ou Estado Democrático de Direito Social [02]). III) muitas interrogações finais: a modernidade tardia lamenta as oportunidades perdidas, mas não fecha as portas do futuro e, por isso, não é pós-modernidade. Então, se as portas não estão fechadas (ao menos no todo), é viável pensarmos/buscarmos novas ou outras formas de validação e de reconhecimento.

ARGUMENTO: O foco do texto não está em discutir a posição de determinados autores sobre a temática, mas o percurso que nos trouxe, e isto em grandes passos, até a Modernidade Tardia e à luta pelo reconhecimento de sujeitos, demandas e direitos. Este é centro da discussão, do tema, convergindo da luta por conservação à luta pelo reconhecimento, da Razão de Estado à aplicação de recursos (materiais e cognitivos) e mecanismos de obstrução ao uso imponderado de meios de exceção.

A trajetória histórica trata da luta por conservação, no começo com prudência, depois com a força do Estado. No miolo, vemos Weber e Marx, e teremos a metamorfose do Estado Moderno que se transforma em dominação racional, Estado Racional e depois em Estado de Direito (ainda que com a previsão do Estado de Exceção). Ao final, a idéia é dar destaque ao Estado Democrático de Direito (onde entram seus textos e a luta pelo reconhecimento). Porém, há as promessas não-cumpridas da democracia e da modernidade, como diz Bobbio, e aí chegamos à contemporânea Modernidade Tardia.


Da luta por conservação (Razão de Estado) à luta pelo (re)conhecimento

A Modernidade Tardia é um conceito/realidade amplo e complexo — complexus: "algo que se tece em conjunto" (Morin, 2000) — de utopias/entropias; contradições e distopias; afirmações ou "promessas descumpridas da democracia e da modernidade" (Bobbio, 1986). Tanto é uma fase de retomada quanto de negação, de afirmação e de interrogações, mas, é do domínio do real ou, melhor dizendo, pertence ao mundo real/virtual [03]. É o ultramoderno posto em evidência:

A modernidade econômica implica a livre mobilidade dos fatores de produção, o trabalho assalariado, a adoção de técnicas racionais de contabilidade e de gestão, a incorporação incessante da ciência e da técnica ao processo produtivo. A modernidade política implica a substituição da autoridade descentralizada, típica do feudalismo, pelo Estado central, dotado de um sistema tributário eficaz, de um exército permanente, do monopólio da violência, de uma administração burocrática racional. A modernidade cultural implica a secularização das visões do mundo tradicionais [...] e sua diferenciação em esferas de valor [...] até então embutidas na religião: a ciência, a moral, o direito e a arte (Rouanet, 2002, pp. 237-8).

Além disso, os bens culturais agora também poderão se movimentar com mais independência em razão da laicização e da secularização do espaço público. Isto é o que vemos com os indícios trazidos pelo tema insurgente da modernidade já no século XVII. Também por isso prefere as expressões Ultramodernidade e Modernidade Radical (Giddens, 1991) à idéia de pós-modernidade (Sevcenko, 1987) ou mesmo modernidade tardia.

A Modernidade Tardia, em uma ampla hermenêutica, ainda corresponde à mudança da luta por conservação em luta pelo reconhecimento (Honneth, 2003). Assim, é um mix entre negação e vir-a-ser; é a negação ou a véspera da utopia; é a entre-safra entre o esperar, calcular (estratégia) e a ação (da tática à prática); é uma espera, mas como um quefazer: "Não te esperarei na pura espera / Porque o meu tempo de espera é um / Tempo de quefazer" (Freire, 2000 - frontispício). É um ir e vir pela história, a exemplo da entropia, que atua como eixo da Teoria do Caos (e da pós-modernidade: indeterminação, instabilidade, dúvida metódica), mas que tem suas bases na termodinâmica de Newton [04]:

Por que existe a entropia? Antes, muitas vezes se admitia que a entropia não era senão a expressão de uma fenomenologia, de aproximações suplementares que introduzimos nas leis da dinâmica. Hoje sabemos que a lei de desenvolvimento da entropia e a física do não-equilíbrio nos ensinam algo de fundamental acerca da estrutura do universo: a irreversibilidade torna-se um elemento essencial para a nossa descrição do universo, portanto devemos encontrar a sua expressão nas leis fundamentais da dinâmica [...] De qualquer forma [...] é do caos que surgem ao mesmo tempo ordem e desordem (Prigogine, 2002, pp. 79-80 – grifos nossos).

Portanto, não se trata nem da teleologia, nem do fim da história; sequer de uma filosofia da história ou mesmo da modernidade, uma vez que, todo o século XX e o breve século XXI indicam e fazem sobressair o realismo cotidiano das variadas formas de luta e de conflituosidades que cercam o poder no âmbito do Estado Moderno (tanto lá, no pós-Renascimento, quanto cá, diante dos dilemas da Modernidade Tardia). Se observarmos através de um largo lapso histórico, podemos dizer que a Modernidade Tardia remonta à Rota da Seda, visto que sem esta não teríamos o Renascimento, o Iluminismo, o Estado-Nação e o Mercantilismo como forças do capitalismo e da sociedade moderna.

Talvez, tendo-se algumas mudanças ou inversões mais bruscas na rota da luta pelo reconhecimento (agora perdendo terreno para a mera conservação do poder) — especialmente com a criação (legislação) de formas e meios de agir de exceção, no Iluminismo que já se via convertido em Jacobinismo — possamos dizer que lá onde havia um estado da Razão, veio a vigorar ainda mais fortemente uma Razão de Estado. Mais especificamente, datam 1793 as primeiras bases do Estado de Exceção, e que tanto nos assombra desde então (Agamben, 2004). Todavia, a chave teórica para o entendimento de seu alcance e dimensão iremos encontrar em meados do século XX, no esforço retórico-constitucional de Carl Schmitt (2006). Desse modo, ainda podemos analisar o trabalho em seu argumento central e, muito genericamente, quanto à metodologia empregada.

O que era: Razão de Estado — O que é: Modernidade Tardia e naturalização da necessidade.


O passado reascende no futuro pelos clássicos

Sempre que retomamos um pensamento clássico, o objetivo é aprender. Assim, idéias tão caras a um determinado autor ou conjunto de temas a ele associados, sempre são fonte de (re)aprendizado.

O pensamento clássico não está livre da história, pois é fruto da mesma força germinal de sua época, porém, por ser genial, é capaz de perceber mais nitidamente a essência do movimento, naquela fase, a maneira como as pessoas se organizavam ou viviam e trabalhavam. Isto nos dá a sensação de que foi capaz de ver adiante de seu tempo, como se tivesse adivinhado o que viria depois.

De fato, seu poder de sondagem o transportou para tempos futuros, mas porque soube perscrutar profundamente o presente – não se afogou no cotidiano, como ocorre com a maioria de nós.

Esta liberdade de inquirir o presente é que lhe deu forças para ter suas idéias ainda prenhes de novidades, para quem o retomasse/recuperasse, e mesmo que no futuro mais distante.

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Sua teleologia o levou adiante, não como místico, mas, sobretudo, como crítico de si-mesmo, do seu entorno, dos limites impostos pelo tempo e suas circunstâncias mentais, sociais, científicas, culturais, políticas. Sua teleologia, com força para olhar para frente, para procurar pelo futuro-presente, investigando o presente-futuro, é o que lhe permite se desprender da miopia ou das amarras que cercam a maioria ensimesmada, silenciada. É de sua profunda capacidade crítica e analítica que vem a força da telecinésia que o leva mundo afora.

O clássico é aquele que soube melhor do que qualquer outro, em sua época, apreender o presente, a fim de libertar o futuro, quando positivamente nós realizássemos a análise do nosso presente. Por isso, resgatar o clássico é restaurar, não só as forças móveis do passado, mas especialmente reviver as forças que sós, nós não conseguiríamos apreender, para aí sim melhor aprender com elas mesmas. Portanto, quem consegue aprender com o clássico, acaba por apreender, pois foi o que o passado germinal nos legou. Alguns ainda serão capazes de aprender a apreender, a olhar tanto para o passado, quanto para o futuro, mas sempre em busca de reviver/reinventar o presente.

No exemplo deste artigo, tentaremos uma demonstração do que apresentamos como hipótese, no parágrafo superior. No caso, voltar ao passado de Marx e de Weber é (re)aprender com ambos, não apenas quanto ao passado, em si importante, mas que, sem se respaldar na pretensão do futuro, seria inócuo. Então, trata-se de ver no passado o que se desdobra no presente e que, contraditoriamente, ao mesmo tempo, serve para nos moldar e nos mover. Este será nosso objetivo: olhar o passado para aprender sobre o presente e ver/imaginar, daí de forma crítica e criativa, como poderia ser o futuro-construído, e não essa idéia de futuro em que somos meros espectadores do tempo que passa e eles, os seus habitantes, quando sua hora chegar, simples seres sobreviventes e desalojados. Um futuro-construído seria um antídoto a esse tempo estranho em que se sentem desconfortáveis, os seus próprios viventes.

Hoje, nesta época de imagem (quase sempre sem conteúdo), seria um antídoto à miserabilidade de se sentir um tele-espectador da própria vida, porque é um tempo em que os navegantes não ajudaram a produzir. O objetivo específico, então, é ver como Marx aplicou esta perspectiva de dinâmica ao seu tempo (aprender), para ali buscar alguma inspiração que combata esta sensação de estarmos relegados à condição de tele-espectadores de nós mesmos (isto seria apreender). Aqui, novamente, temos o cruzamento entre investigar, criticar e desvelar, como ato revelador, mas igualmente como educação, porque educar é educare, ou seja, exatamente revelar. Desse modo, quem educa, revela, e só é capaz de se educar ou de ser educado, aquele que soube aprender a revelar, porque precisa revelar a si próprio.

Assim, quem revela a si e ao seu entorno, o faz porque também soube ser capaz de apreender. O aprendizado, o apreender, é essa capacidade de tomar para si o curso das coisas, de trazer para si as circunstâncias. É este o momento/movimento que o mobiliza a NÃO ser mais um inerte espectador ensimesmado. Este sentido, em Marx, está nas classes sociais e na capacidade de verter a consciência em si, em uma consciência para si, mas em Honneth está na capacidade de manter e de empreender novas formas de Luta pelo (re)conhecimento (2003).

Ter a consciência para si é apreender o curso, as sutilezas, as circunstâncias e eliminar a inocência da alma espectadora da história. Ter a consciência para si, portanto, é agir, mas para agir é preciso aprender (educar), para não agir sem que tenha capacidade de revelar.

Logo, somente a educação leva a esta consciência para si, como se fosse um ato consciente e diretivo em meio aos caminhos (não-simplificados) do futuro-construído e arquitetado em conjunto. Ora, todo conjunto é complexo e complexus é a arte de tecer em conjunto, e quem tece em conjunto para os clássicos das Ciências Sociais são os atores sociais, em meio a ações e relações sociais (Weber, 1979), o indivíduo como síntese social (Rousseau, 1988), as classes sociais (Marx, 1989). Tecem apenas o presente (ensimesmado) se só há consciência em si, limítrofe ao contorno do espectador.

Tecem, sobretudo, o futuro, não mais como destino, mas como intenção, intencionalidade e racionalidade próprias se já conseguiram revelar o(s) sentido(s) do presente. Porém, agora já possuidoras da consciência para si, pois ao agir desse modo, transformam e se transformam. Só assim podemos entender a frase que diz: "o futuro está aqui". De outro modo, é mera utopia, expectativa complacente: uma virtualidade que não existe em si ou por si mesma (por isso há a utopia de uma rede que não se fecha).

Enfim, as classes sociais estão presentes nesta rede (Marx fala em edifício social: hierarquizado?) ou apenas sobrevivem ao mundo formal e administrado do cotidiano (Adorno, 1995) que habitamos?


A luta pelo (re)conhecimento da autonomia

Ao contrário disso tudo, também há formas de luta por emancipação, afirmação e reconhecimento. Historicamente, a humanidade produziu a cultura da curiosidade – sem o que, ainda tatearíamos o mundo desconhecido de nós mesmos. Historicamente, conta-nos o mito de Prometeu – primeira tentativa de racionalização do saber – que o homem teve muito que aprender, apreender (como esforço e capacidade de mediação/subsunção do real/conhecimento), para aí poder ensinar.

Esta forma de pensar vê que a educação provém de uma rigorosa intersecção entre curiosidade, dúvida metódica e rigor (ético) no método, na forma de enfrentar o problema/objeto (na vida e na escola), para que não se esmoreça nas dificuldades.

A anti-pedagogia de Paulo Freire (combatente da pedagogia oligárquica) ensina dois verbos críticos, e isto a partir de sua consciência acerca da própria vida: denunciar (a realidade) e anunciar (outro mundo, como utopia possível).

O homem sobrevive à sua saga, graças à astúcia e à inteligência (objetividade), mas só sobrevive para criar a cidade e a política (a Pólis), graças à intervenção não-neutra, isto é, como ação e intenção política e pública que passa a exercer no mundo.

Somos totalmente questionáveis, mas nossa presença no mundo nos torna inesgotáveis, porque negociamos a vida com o real a todo instante: do ar que respiramos ao direito ao trabalho, à educação, à intensa negociação política com o Outro.

Neste longo curso de iniciação política, pode-se dizer que, de um estágio de pura adaptação chegamos a uma fase de profundas transformações (desde o mito de Prometeu). No caso das teorias contratualistas, por exemplo, trata-se da partida do ponto zero, do chamado estado de natureza.


O repique da democracia e do (re)conhecimento

Com as transformações ou poder de nos modificarmos e de interferirmos no meio, ainda aprendemos que a democracia é a metamorfose do ser: do ser despótico que se desdobra em um sujeito de vontade limitada. O déspota é exatamente o sujeito de vontade ilimitada.

Da tensão entre liberdade e autoridade é que nasceria a ética desse ser-social; antes, como freio daquela vontade inaugural; depois, afirmativamente, como leme da ação educativa necessária e como repouso da consciência, mesmo diante da realização de tarefas árduas e, inicialmente, até a contragosto. Mas, como diziam os antigos, atribulações essenciais para se repousar a cabeça e dormir com tranqüilidade, com o senso do dever cumprido, o sono dos justos.

Assim, o compromisso ético regulador da democracia, de um dever-ser, também re-configurado pela ação individual e social (mas, sempre política), vê-se modificado na plenitude da própria ação ética do agora-ser-sendo. Assim, da tensão entre autoridade e liberdade, pode surgir uma ética-em-si (mas, sobretudo, para verter-se na ética-para-si) como meio de condução democrática da ação educativa (do direito à educação como luta, se for o caso) e da vida social. A ética, enfim, seria o resultado da ação pedagógica democrática, a síntese da assunção da autoridade civil e não de sua imposição. O reconhecimento, a seguridade e a internalização da autoridade e da autonomia individual.

A prudência democrática, neste caso, não está somente em recusar os extremos, mas, muito mais, em assegurar o contraditório e assim não mais se pautar pela contradição das próprias ações: críticas-destrutivas ou licenciosas demais. Portanto, a escolha correta, derradeira, não pode estar no meio termo; pois, não há que se escolher entre indiferença e autoritarismo, entre abuso e descompromisso.

Esse tipo de escolha não pode existir, porque a democracia é a própria gestação da autonomia, mas complementarmente, a democracia é também uma economia de vontades, uma vez que, é preciso formar seres–para–si e seres–para–os–Outros. Também a prudência não estará no meio termo, no entre-choques da tensão, se num dos lados se posta o fariseu e, no outro, o puritano - ou entre o cínico e o autoritário voluntarioso.

A ética, agora como um ser–em/para–si, certamente, não nos põe à frente de escolhas simples ou sempre óbvias. Ao contrário, as escolhas democráticas (equilibrando-se em contradições, antagonismos, oposições) são sempre duras e difíceis, porque as opções são decisivas e de alto valor/custo para muitos. Por isso, a educação só tem sentido, se nós mesmos tivermos projetos para o futuro.

Enquanto tivermos/fizermos sentido para o mundo (como projetos em aberto), a educação permanece viável, e é um ato móvel que queremos implementar no projeto de vida social: o entorno que permeia nossa própria vida pessoal. Mas também a mudança necessária (ou sua recusa) são móveis ou dialéticas, mas aí já há negação entre si, os meios, os termos, os fins, e este não é o sentido que abordamos.

A inteligibilidade com o mundo, esta politicidade, anima nossa própria linguagem de acesso ao conteúdo social de que somos parte. A conjectura extraída da conjuntura (como análise já mais sistematizada) ainda permite a formulação de um projeto cognoscível do realismo político e agora como análise já problematizada(dora), e como negação da prática democrática que almejamos modificar. Com isso, novamente, temos a denúncia e o anúncio, além de sonhar com este direito que é subjacente ao projeto transformador. Isto seria anterior até mesmo à expectativa de direito que se quer, doutrinariamente, verificar na luta social pelo direito à educação.

Este é o momento de encontro entre o sonho e o projeto de futuro com um presente não reificado. Neste instante, há fruição da expectativa do direito em torno da luta política e, por isso, caminhamos no âmbito do direito à educação, numa espécie de repique entre vir-a-ser e entropia. É este o momento em que a luta política pelo direito justo e popular ultrapassa a realidade que só glorifica quem acumula poder. Também é o momento da luta política pelo direito (à educação) contra o frenesi pessoal pelo poder.

No repique entre utopia e distopia está o direito à educação de qualidade, com conteúdo clássico e não só performance, isto é, com massa crítica e não acomodada. O verdadeiro progresso do educador está em diminuir a distância entre sua fala e sua ação, entre a utopia do direito e o direito real à educação não-massificada ou massacrada pela má formação.

O progresso está no futuro ético, na edificação de um projeto em que o Outro também participe da direção, do leme da história. Neste direito à educação há, como vimos, uma clara tensão (entropia/utopia), mas corresponde igualmente a uma verdade erga-omnes, solidária com o(a) Outro(a) ainda solitários(as) e praticamente sem projeto(s), sem sonho(s) ou ambição.

Esta vontade de ser ético ou democrático nasce, então, da raiva mais profunda à injustiça, à ignorância em não querer a modificação, da complacência em não ser um ser-ético - aqui, a apatia logo se verá como amiga da revolta social. Isto tanto vale para a vontade pessoal de abandonar o vício de fumar, quanto para a vontade necessária que deve nos impelir à luta pelo direito à educação, como constructo da consciência de cada um, além da construção social.

O que vimos, enfim, seguindo Paulo Freire, é que "ninguém supera a fraqueza sem reconhecê-la". Não há vontade e não se luta se não há amanhã, se não esperamos por um projeto de transporte para o futuro progressista. Portanto: "Está errada a educação que não reconhece na justa raiva, na raiva que protesta contra as injustiças, contra a deslealdade, contra o desamor, contra a exploração e a violência um papel altamente formador (Freire, 2000b, p. 45).

Na mesma página, em nota de rodapé, ainda se lê acerca de que raiva se trata: "A dos progressistas contra os inimigos da reforma agrária, a dos ofendidos contra a violência de toda discriminação, de classe, de raça, de gênero. A dos injustiçados contra a impunidade. A de quem tem fome contra a forma luxuriosa com que alguns, mais do que comem, esbanjam e transformam a vida num desfrute" (Freire, 2000b, p. 45).

Precisamos, acima de tudo, de uma democracia ética e castradora do mal-querer humano. Precisamos de um contrato conosco, a fim de que modismos, modernismos, pós-modernismos exuberantes, não se entrelacem ainda mais com o poder e, injustamente, às custas da injustiça social.

É por tudo isso que o sucesso desta luta política para que o direito à educação reconheça a escola como espaço sócio-cultural, democratizável, exige empenho e desempenho, brio e confiança, altivez intelectual, autonomia e trabalho árduo do educador.

Esta é nossa conclusão, e veremos que só nos interessa um legado, como aprendizado, como educação com/para a política, a fim de revelar, indicar um caminho comum ao futuro. Este devir é nosso dever. E nosso dever é lutar pelo (re)conhecimento de novos(as)/outros(as) atores(as), sujeitos, demandas e direitos [05].

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Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINEZ, Vinício Carrilho. Modernidade tardia e/ou "tempos modernos".: Direito ou negação, autonomia ou excipio?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2012, 3 jan. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12145. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Uma versão sintética do artigo foi publicada em: http://www.gobiernoelectronico.org/node/6441

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