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O "jus sanguinis" como critério de determinação da nacionalidade da pessoa natural segundo o direito internacional

O "jus sanguinis" como critério de determinação da nacionalidade da pessoa natural segundo o direito internacional

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Cresce a importância do "jus sanguinis", em face do considerável número de brasileiros descendentes de oriundos de países europeus e Japão, que adotam este critério na determinação de seus nacionais.

SUMÁRIO: RESUMO. INTRODUÇÃO. 1. NACIONALIDADE: BREVES CONSIDERAÇÕES. 1.1.Conceito. 1.2.Espécies de nacionalidade. 1.3.Critérios de determinação da nacionalidade. 1.3.1.Nacionalidade originária. 1.3.1.1.O jus solis. 1.3.1.2.O jus sanguinis. 1.3.1.3.Nacionalidade originária: o sistema misto. 1.3.2.Nacionalidade secundária. 1.3.2.1.Por benefício da lei. 1.3.2.2.Pelo casamento. 13.2.3.Cessão ou anexação. 1.3.2.4.Jus laboris. 1.3.2.5.Naturalização. 1.4.Nacionalidade versus cidadania. 2 O JUS SANGUINIS COMO CRITÉRIO DE DETERMINAÇÃO DA NACIONALIDADE. 2.1 Breve histórico: o direito do sangue como fator de preservação das populações de países tradicionalmente emigrantes. .2 Conflitos de nacionalidade: o jus sanguinis gerando a figura do polipátrida e do apátrida. 3 A NACIONALIDADE ORIGINÁRIA NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E AS EXCEÇÕES JUS SANGUINIS. 3.1 Histórico: a nacionalidade originária na legislação anterior a 1988. 3.1.1 Constituição de 1824. 3.1.2 Constituição de 1891. 3.1.3 Constituição de 1934. 3.1.4 Constituição de 1937. 3.1.5 Constituição de 1946. 3.1.6 Constituição de 1967. 3.1.7 A Constituição de 1988, a Emenda de Revisão nº 3/94 e a EC nº 54/2007. 3.2 A Constituição de 1988. 3.3 O jus sanguinis na legislação brasileira: princípio da extraterritorialidade. 4 JUS SANGUINIS: TENDÊNCIA ATUAL NO DIREITO INTERNACIONAL. 4.1 Princípios sobre nacionalidade no Direito Internacional. 4.2 O jus sanguinis em países selecionados. 4.2. Itália. 4.2.2 Alemanha. 4.2.3 Portuga. 4.3 O jus sanguinis e o Direito Comunitário. 4.4 O fator econômico: o jus sanguinis e o endurecimento das legislações dos países do Norte. CONCLUSÃO . REFERÊNCIAS


RESUMO

Tendo em vista a crescente importância no mundo jurídico sobre a nacionalidade determinada pelo jus sanguinis, em face do considerável número de brasileiros descendentes - sobretudo de oriundos de países europeus e Japão, que adotam este critério na determinação de seus nacionais - e que têm direito à nacionalidade originária -, faz-se necessário um estudo mais específico sobre o direito do sangue no âmbito do Direito Internacional. Será abordada a questão da nacionalidade e do exercício da cidadania, do jus sanguinis como critério de determinação da nacionalidade e os conflitos gerados, o instituto sob o ponto de vista da legislação pátria e a tendência atual atinente ao jus sanguinis segundo os princípios gerais e a legislação alienígena.

PALAVRAS-CHAVE: Jus sanguinis – Atribuição - Nacionalidade - Direito Internacional.


INTRODUÇÃO

O critério inicial que nos norteou na escolha do assunto proposto para este estudo foi a busca, dentro dos diversos ramos do Direito, de um tema que proporcionasse possibilidades de enriquecimento jurídico e cultural tanto para o autor quando para aquele que vier a ler este trabalho monográfico.

Nesse sentido, a adoção do critério do jus sanguinis como determinante na aquisição da nacionalidade da pessoa natural tem diversos desdobramentos jurídicos e é objeto de interesse do Direito Internacional.

Além disso, a problemática é extremamente atual, no mundo globalizado em que vivemos, em que a Era da Informação impera, em que o avanço tecnológico encurta distâncias e onde a formação de blocos econômicos derruba fronteiras históricas entre as Nações, com a livre circulação de nacionais e onde até a política econômica é comum.

O estudo da determinação da nacionalidade pelo jus sanguinis, certamente, não é inédito, nem é esse o objetivo do estudo. Todavia, o que aqui se propõe é que seja dada uma abordagem menos usual ao tema, visto que o aluno constatou que a escassez bibliográfica específica não se coaduna com o fato de o Brasil ser um país que sofreu intensa imigração de países que adotam o jus sanguinis e onde o interesse pelo assunto é flagrante e crescente.

Dessa forma, o trabalho não pretende esgotar o tema da nacionalidade sob o prisma do jus sanguinis, mas lançar luzes na discussão sobre os desdobramentos jurídicos e as problemáticas trazidas pela adoção desse instituto, de modo a dar uma pequena contribuição, dessarte, à bibliografia existente sobre esse o assunto.

Para a realização do estudo, as consultas recaem na bibliografia jurídica sobre Direito Internacional Público, Direito Constitucional, Direito Comunitário, e de outras ciências como História, Geografia e Economia, bem como em artigos disponíveis em sítios da internet específicos sobre os temas abordados, tendo sido utilizado o método indutivo.

Nos capítulos seguintes, são desenvolvidas as seguintes abordagens: no primeiro, faz-se um breve, mas necessário estudo sobre a nacionalidade, apresentando-se conceitos, demonstrando-se a distinção entre os critérios de atribuição e confrontando-se o instituto da nacionalidade com o da cidadania.

No segundo capítulo, é proposto um estudo mais detido sobre o critério do jus sanguinis, apresentando-se um breve histórico da adoção do direito do sangue ao longo do tempo e sua importância na preservação das populações. Também os conflitos gerados pela adoção de múltiplos critérios de nacionalidade são abordados, como é o caso das figuras do apátrida e do polipátrida.

O terceiro capítulo propõe contextualizar a nacionalidade segundo a legislação pátria, apresentando-se a evolução constitucional na legislação brasileira, especialmente no que toca à exceção do jus sanguinis.

No quarto e último capítulo, a abordagem se divide em quatro subtemas, exclusivamente sob o aspecto do Direito Internacional e da legislação alienígena. Inicialmente, apresentam-se os princípios norteadores da nacionalidade e as principais Convenções e Tratados sobre o tema. Depois, faz-se um breve estudo da legislação de três nações européias com grande número de descendentes no Brasil, com enfoque no jus sanguinis: Itália, Alemanha e Portugal. A seguir, uma análise sobre o jus sanguinis sob o ponto de vista do Direito Comunitário. E, finalmente, a monografia se detém sobre a mitigação do jus sanguinis provocada pelo fator econômico da globalização.

Em linhas gerais, são essas as abordagens deste trabalho, jamais se olvidando de que o Direito, enquanto ciência jurídica, é essencialmente uma ciência de cunho social.


1 NACIONALIDADE: BREVES CONSIDERAÇÕES

Inicialmente, para que possamos entender os desdobramentos jurídicos do princípio do jus sanguinis ou direito do sangue, objeto deste trabalho monográfico, necessário se faz compreender os conceitos de nacionalidade, bem como fazer um breve estudo sobre os demais critérios e formas de determinação da nacionalidade da pessoa natural.

Nacionalidade, consoante leciona Celso D. de Albuquerque Mello [01], tem dois sentidos diversos, a saber: o sociológico e o jurídico.

No sentido sociológico, nacionalidade corresponde "[...] ao grupo de indivíduos que possuem a mesma língua, raça, religião e possuem um ‘querer viver em comum’[...]". Atenhamo-nos, aqui, ao sentido jurídico do conceito de nacionalidade, cuja figura proeminente, para o doutrinador, não é a da nação, mas a do Estado.

Assim, pode-se definir nacionalidade como sendo o vínculo jurídico-político que une o indivíduo ao Estado.

Os nacionais são, pois, aquelas pessoas que se submetem à autoridade direta do Estado. Este, por outro lado, confere-lhes direitos civis e políticos, um vínculo de fidelidade que as subordina. E, nesse contexto, pode o ente estatal invocar o referido vínculo a seu favor.

1.2 Espécies de nacionalidade: originária e secundária

Compete ao Direito interno a prerrogativa de adotar legislação sobre nacionalidade. Por outro lado, deve observar alguns princípios de Direito Internacional. Segundo Verdross [02] , é vedado ao Estado aplicar o jus solis aos filhos de pessoas extraterritoriais nascidos em seu território, como é o caso dos cônsules de carreira e funcionários públicos. O princípio da extraterritorialidade age, assim, para facilitar as relações diplomáticas entre os entes estatais no âmbito internacional.

A nacionalidade primária ou originária é a resultante do nascimento do indivíduo, independente de sua vontade.

Em contrapartida, a nacionalidade secundária, também denominada impropriamente adquirida, é a que a pessoa natural adquire por sua própria vontade após o nascimento, por manifestação volitiva.

1.3 Critérios de determinação da nacionalidade

Os critérios norteadores da determinação da nacionalidade segundo o Direito interno são basicamente o jus solis – ou direito do território – e o jus sanguinis – ou direito do sangue.

1.3.1 Nacionalidade originária

1.3.1.1 O jus solis

O jus solis é o critério de determinação da nacionalidade que considera nacional o indivíduo nascido no território de um Estado específico, contrapondo-se ao jus sanguinis. Isto é, pelo critério do jus solis, o indivíduo terá a nacionalidade do Estado em que tiver lugar seu nascimento, independentemente de sua ascendência.

Em regra, o jus solis tem sido adotado ao longo da História por países que sofreram intensa imigração, como aqueles das Américas e do continente australiano. Aliás, este é o critério predominante no ordenamento jurídico pátrio, conforme veremos mais à frente, no capítulo dedicado ao tratamento da nacionalidade na Constituição Federal.

1.3.1.2 O jus sanguinis

O jus sanguinis, objeto deste trabalho, considera nacional de um Estado um indivíduo baseando-se na filiação, isto é, na nacionalidade de seus genitores, descartando o local do seu nascimento.

Este princípio, adotado preferencialmente pelos Estados com tradição emigratória durante séculos, visa, na essência, a conservar os laços de nacionalidade tendo por fundamento a consangüinidade.

Dessa forma, em qualquer lugar do mundo em que fisicamente encontre-se a pessoa, será ela considerada um legítimo nacional do Estado que adota esse critério. Os países europeus, malgrado as tendências atuais, como será visto no capítulo quarto, têm dado preferência a este critério para a determinação da nacionalidade tradicionalmente.

1.3.1.3 Nacionalidade originária: o sistema misto

Poderíamos considerar um outro critério para a determinação da nacionalidade, que, em verdade seria a conjugação dos princípios do jus solis e do jus sanguinis. É o que leciona Celso D. de Albuquerque Mello [03]:

O sistema misto combina os dois sistemas enunciados acima. É o adotado na Colômbia, EUA, etc. Na verdade, o que se pode concluir é que praticamente nenhum Estado adota o jus solis ou o jus sanguinis de modo exclusivo. Todos abrem exceções ao sistema que adotam como regra geral.

1.3.2 Nacionalidade secundária

1.3.2.1 Por benefício da lei

A nacionalidade secundária por benefício da lei se apresenta de duas formas: pela vontade da lei e pela permissão legal. Consoante esta forma de aquisição de nacionalidade, qual seja, por vontade da lei, o indivíduo a adquire tendo em vista a manifestação de vontade.

No Brasil, o benefício da lei teve lugar na Constituição de 1891, em que a Carta do novo regime previa a concessão da nacionalidade brasileira aos estrangeiros residentes no país que não opusessem formalmente a esse benefício legal no prazo de seis meses (art. 69, 4ª), resultando em protesto no âmbito internacional [04].

Previa o art. 69, em sua alínea 4ª, que "[...] os estrangeiros que, achando-se no Brasil aos 15 de novembro de 1889, não declarem, dentro em seis meses depois de entrar em vigor a Constituição, o ânimo de conservar a nacionalidade de origem;".

Já a espécie de nacionalidade secundária por permissão legal, o indivíduo há de manifestar sua vontade para a conservar ou adquirir a nacionalidade. Tal espécie foi prevista na Constituição de 1967, mas alterada pela atual, que não mais dispôs no texto da lei o prazo de quatro anos para a referida opção.

1.3.2.2 Pelo casamento

Embora não admitido no Direito interno pátrio, essa figura é prevista no Direito Internacional. Ocorre quando a mulher adquire, pelo matrimônio, a nacionalidade do marido.

1.3.2.3 Cessão ou anexação

Ocorre na hipótese das mutações territoriais, em que o indivíduo pode ter sua nacionalidade alterada. Nesse caso, em geral, lhe é conferida a oportunidade de conservar a nacionalidade que já possuam ou adquirir a do Estado anexante.

1.3.2.4 Jus laboris

Vários Estados prevêem o jus laboris, ou seja, a possibilidade de o indivíduo adquirir uma nacionalidade tendo em vista determinada função profissional que exerça, seja ela pública ou na esfera privada.

Embora no Brasil não exista [05] esse modo de aquisição de nacionalidade, atualmente os efeitos jurídicos do jus laboris têm sido mencionado nos meios de comunicação de massa envolvendo cidadãos brasileiros. É o caso dos jogadores de futebol residentes em países como Espanha e Itália, que adquiriram a nacionalidade daqueles países, de modo a facilitar a atuação profissional dos atletas, tendo em vista as regras internas que regulam o esporte na Europa limitam o número de estrangeiros por agremiação desportiva.

Assim, para lhes ser garantido o direito ao trabalho, adquirem nova nacionalidade, sem, entretanto, perder as suas originárias.

1.3.2.5 Naturalização

Consoante Celso D. de Albuquerque Mello, a naturalização é intrínseca à soberania estatal e regulamentada pelo Direito de cada país, havendo poucos princípios no Direito Internacional norteadores da naturalização [06]:

No DI existem poucos princípios sobre ela. O primeiro a que devemos nos referir é o fixado no caso Nottebohm pela CIJ, de que a nacionalidade deve ser efetiva, aplicando-se, evidentemente, esta regra à naturalização. O segundo princípio é que o indivíduo não pode adquirir a nacionalidade de um Estado estrangeiro por naturalização, se residir no Estado de que já é nacional. O terceiro princípio é que a naturalização não tem efeito retroativo, isto é, ela produz efeitos a partir da sua concessão.

Ao adquirir uma nova nacionalidade pelo processo da naturalização, o indivíduo perde aquela originária. É um princípio consagrado na Convenção de Montevidéu de 1933, arts. 1º e 2º.

Em nosso país, a naturalização é um ato do Poder Executivo, mas em outras nações, pode ser prerrogativa de outros poderes, como o é do Judiciário – na Argentina e nos Estados Unidos da América – ou do Legislativo, no caso da Bélgica.

1.4 Nacionalidade versus cidadania

Nacionalidade e cidadania são estatutos que têm ao longo dos anos sido modificados, conforme o momento histórico. E especialmente em relação à conceituação de cidadania "[...] hoje, assim como o de Estado e de política nacional, está sendo revisto. Afirma-se como um fenômeno político-jurídico em crise". [07]

A cidadania, diferentemente do conceito de nacionalidade, que surge no século XIX, remonta à Antiguidade. Conforme traduz Naiara Posenato [08]:

[...] O direito romano – de forma mais evidente a partir da última fase da República – a caracterizava [a experiência romana da civitas] como uma relação ‘vertical’ entre indivíduo e autoridade. Tal relação era fundada sobre um status, cuja ratio seria a diferenciação entre cidadãos e não-cidadãos (diversas categorias de peregrini, inimigos, escravos etc) e, principalmente, a sujeição ao ordenamento jurídico romano, com atribuição de direitos e deveres, relativos inclusive à esfera privada do cidadão.

Já no mundo grego – aqui representado pelo exemplo da cidade-Estado Atenas, durante a idade clássica, no período das revoluções oligárquicas (século V) – a cidadania era um valor: o valor da participação a uma comunidade política. Este modelo de cidadania ‘horizontal’ arrogou-se como o modelo inspirador dos filósofos iluministas.

Após um período em que a cidadania afasta-se do sentido dado pelo Direito Romano – no momento em que o poder público perde o sentido patrimonialista e personalista, isto é, no Feudalismo, é que o sentido clássico grego de cidadania é retomado pelos iluministas e pelos revolucionários franceses [09].

Naquele conturbado período, a cidadania foi inicialmente concebida em termos de exclusão (afirmação da burguesia), à qual sobreveio a tese da universalização, superada pelo fanatismo da virtude jacobina (o bom revolucionário), culminando, enfim, com o abandono de qualquer interesse pela cidadania política, até a negação da relevância constitucional à cidadania durante o período napoleônico.

Durante o século XVIII, na fase liberal, o poder burguês dominante, livre das restrições históricas feudais ou absolutistas, construiu, na Europa, um sistema político voltado a garantir os direitos fundamentais como liberdades civis. Com isso, assegurava a hegemonia econômica dos diferentes Estados, neutralizando politicamente o instituto da cidadania, que deixou de ser um instrumento de participação política para transformar-se em uma garantia dos direitos fundamentais, reconhecidos ao indivíduo como burguês, não como cidadão, retomando-se, assim, o sentido ‘vertical’ da cidadania, como prevalecente no período romano.

Doutrinariamente, enquanto a nacionalidade, sob o ponto de vista conceitual jurídico, consoante já visto, representa o vínculo entre o indivíduo e o Estado que cria um elo entre eles, ligando-os pelo fundamento do exercício de direitos e deveres recíprocos, conquanto na hipótese de afastamento geográfico do nacional de seu Estado - em que conservará a proteção estatal e permanecerá submetido a ele -, a cidadania comporta mais especificamente o vínculo político que os une.

A cidadania, ao representar esse vínculo político entre cidadão e Estado, é que propicia àquele intervir na organização do ente estatal, na medida em que está apto a votar e ser votado, ou seja, é ela um dos principais requisitos para o exercício de direitos políticos.

Mas paradoxalmente, conforme destaca Naiara Posenato [10] é o exercício de direitos econômicos - e não políticos – que é considerado mais próximo dos interesses indivíduo:

A idéia de cidadania como identificação depara-se com um Estado cada vez mais envolvido em processos de integração, que pressupõem a criação de organismos políticos supranacionais possuidores de quotas consistentes de soberania, transferidas pelos seus Estados-membros. A existência de fenômenos como cidadanias regionais e cidadanias comunitárias representam a crua resposta a necessidades prementes. A teorização, mais uma vez, é lenta.

Para José Afonso da Silva, nacionalidade e cidadania não se confundem, pois aquela é o vínculo ao território estatal pelo nascimento ou pela naturalização, enquanto que esta é um status ligado ao regime político. Assim, cidadão, no direito brasileiro, seria o indivíduo titular de direitos políticos de votar e ser votado e suas conseqüências. Dessa forma, assinala o doutrinador, o conceito de nacionalidade seria mais amplo do que o de cidadania, visto que apenas o titular da nacionalidade brasileira pode ser cidadão [11].

Poderíamos afirmar, assim, não existir cidadania sem nacionalidade, visto que a perda dessa última importaria na perda do exercício da cidadania. A exceção entre nós respeita aos portugueses, que podem exercer certos direitos políticos sem, contudo, serem considerados nacionais (tampouco cidadãos), a teor do Estatuto de Igualdade entre brasileiros e portugueses. [12]

A idéia de cidadão, assim, é mais limitada do que a de nacional, uma vez que pode haver indivíduos nacionais de um Estado que, em virtude de idade, sexo ou outras causas, como a punição, não são cidadãos deste ente estatal. Por outro lado, o instituto da nacionalidade acentua o aspecto internacional, na medida em que distingue os nacionais dos estrangeiros, ao passo que a cidadania é mais atinente ao âmbito nacional. [13]


2 O JUS SANGUINIS COMO CRITÉRIO DE DETERMINAÇÃO DA NACIONALIDADE

Primeiro critério de atribuição de nacionalidade empregado pelas civilizações, o jus sanguinis foi durante a maior parte da história humana um fator decisivo para a preservação das populações dos países tradicionalmente emigrantes.

O jus sanguinis remonta à Antiguidade Oriental e Clássica. Na Grécia e em Roma, "a atribuição da nacionalidade se alicerçava na filiação, o mesmo ocorrendo no Egito e na Índia (Código de Manu), bem como entre o povo hebreu" [14].

Nesse período histórico, a família era a instituição basilar da sociedade, sendo o Estado, apenas, uma extensão das famílias, que vinculavam um número bem maior de indivíduos. A família antiga, conceitualmente, agregava centenas de pessoas, conceito sócio-jurídico anacrônico comparado ao da família na sociedade contemporânea, que reúne grupos menores, em geral reduzidos ao núcleo familiar.

Na Grécia antiga, quem quisesse naturalizar-se deveria, precipuamente, ingressar em uma família de quem quisesse obter a nacionalidade.

No Império Romano, para um indivíduo ostentar o gentílico romano, era mister que fosse filho de pai romano. As conquistas do Império ao longo dos séculos teriam disseminado também a prática da adoção do critério do jus sanguinis especialmente na Europa.

Conforme discorre Florisbal de Souza Del’Olmo, a preferência pela adoção do critério jus sanguinis, especialmente nos países europeus, fortalece o sentido de pertinência do descendente com o Estado originário de seus ascendentes:

A emigração diminui o número dos nacionais residentes no país e o emprego do jus sanguinis no ordenamento jurídico desses Estados vai propiciar que os descendentes, nascidos nas novas terras, continuem ligados pela nacionalidade à pátria de seus genitores, aonde ao chegarem estarão capacitados para uma integração mais fácil.

Por isso o jus sanguinis é o critério admitido, existindo países, como a Itália, que nem mesmo limita o número de gerações dos descedentes para continuarem nacionais [...] [15].

A adoção do jus sanguinis só perderia força durante o período medieval, em que o jus solis passaria a predominar como critério de atribuição de nacionalidade. O fator preponderante para essa mudança de preferência foi a organização sócio-econômica da época. Tendo em vista que a terra era uma riqueza e símbolo de poder, o nascimento em determinado território dava prestígio e valorizava o sentido de pertinência do indivíduo.

Com a Revolução Francesa, que rompe com o statu quo ante feudal, o jus sanguinis retorna à ordem do dia jurídica no que se refere à atribuição da nacionalidade, sendo ele consagrado especificamente no Código Napoleônico de 1804. Com a promulgação do Code, passam a ser disciplinadas as primeiras normas jurídicas sobre a aquisição, posse, perda e reaquisição da condição de francês [16].

Entretanto, a partir da independência dos Estados Unidos, no século XVIII, o jus solis renasce no mundo jurídico. É que os novos países americanos têm elevado grau de interesse na adoção do direito do território, tendo em vista serem focos intensos de imigrações européias e asiáticas.

Por outro lado, as nações européias não abandonam o interesse na adoção do jus sanguinis. Visando a manter os vínculos e algum controle estatal sobre os cidadãos emigrados e os eventuais descendentes, esse critério continuaria a ser preservado, visto que, naquele momento histórico, a Europa continuava a ser grande pólo emigratório.

Fenômeno interessante que se solidifica especialmente a partir do século XIX é o sentido de pertinência dos indivíduos que comungam, em geral, da mesma língua, cultura, raça e costumes. Com a formação dos Estados nacionais, origina-se o termo nacionalidade.

[...] E desse, no século XIX, surgiu o princípio das nacionalidades, enfaticamente defendido por Mancini, na Universidade de Turim, em 1851, segundo o qual, a cada nação deveria corresponder um Estado, ou seja, o direito natural que teria essa nação de se constituir em um país soberano no concerto da sociedade internacional. Esse princípio tem sido apontado como o impulsionador dos movimentos, afinal vitoriosos, das unificações da Itália e da Alemanha, na segunda metade do século XIX.[...] Luis Ivani de AMORIM ARAUJO observou que ‘a preocupação máxima de Mancini era imprimir conteúdo jurídico ao movimento em prol da unidade da Nação italiana, espalhada por vários Estados. [17]

Alemanha e Itália, as duas últimas grandes nações européias a se organizarem em Estados-nações, seriam também, a partir da metade daquele século, focos intensos de emigração, sobretudo para países como Estados Unidos, Canadá, Argentina, Uruguai e Brasil.

O forte sentido de nacionalidade que tem seu ápice na unificação desses dois países europeus, certamente é reforçado pela adoção do critério do direito de filiação na determinação da nacionalidade dos descendentes dos imigrantes alemães e italianos que se deslocam às Américas até a primeira metade do século XX.

2.2 Conflitos de nacionalidade: o jus sanguinis gerando a figura do polipátrida e do apátrida

A adoção de critérios diversos de atribuição de nacionalidade originária pelo ente estatal pode levar, em muitos casos, a anomalias, conhecidas como conflitos de nacionalidade: o positivo (ou plurinacionalidade) e o negativo (ou apatrídia).

Isso pode ocorrer tendo em vista a prerrogativa que cada Estado tem de determinar quais aqueles indivíduos que contarão com sua proteção no que se refere à determinação da nacionalidade.

Quando o nascimento de um indivíduo tiver relação intrínseca com dois critérios de determinação da nacionalidade, o jus solis e o jus sanguinis, tem-se o conflito positivo, surgindo, dessa forma, a figura do polipátrida, pois terá esse indivíduo mais de uma nacionalidade.

Aliás, em tese é possível que um mesmo indivíduo tenha três ou mais nacionalidades, conforme ilustra Florisbal de Souza Del’Olmo:

[...] Assim, na hipótese de um casal italiano que visitasse o Brasil e nessa ocasião nascesse seu filho, estar-se-ia diante de um caso de dupla nacionalidade: a criança seria italiana por seus pais possuírem essa nacionalidade, já que a Itália adota o jus sanguinis, e seria brasileira, porque o Brasil admite o jus soli. Por outro lado, caso a mãe fosse francesa, o recém-nascido teria tripla nacionalidade, uma vez que seria legalmente cidadão francês, país que também adota o jus sanguinis. Ainda, nesse hipotético parto, poderia algum dos genitores ser detentor de dupla nacionalidade, o que tornaria a criança um ser humano com diversas nacionalidades [18].

Embora para alguns indivíduos a plurinacionalidade – equivocadamente denominada dupla nacionalidade pelo mundo leigo, não gere, a priori, nenhum problema para o polipátrida, pelo contrário, pode lhe assegurar benefícios, como facilidade para o exercício profissional, franquear-lhe o ingresso e a permanência em determinados países ou até mesmo evitar transtornos nos consulados e aeroportos, a polipatrídia pode criar constrangimentos no âmbito das relações diplomáticas.

Não pode o indivíduo valer-se de sua condição de multinacional para utilizar indistintamente benefícios para esquivar-se do cumprimento de obrigações impostas aos compatriotas de um dos Estados de que seja nacional. Exemplo disso é o caso específico do cumprimento do serviço militar e a proteção diplomática [19].

Conforme a Convenção de Haia, de 1930 [20], relativa a questões atinentes a conflitos de leis sobre a nacionalidade, fixaram-se alguns princípios sobre a polipatrídia:

[...] a) a proteção diplomática não pode ser exercida por um Estado de que o indivíduo é nacional em relação a outro Estado de que ele também seja nacional; b) cada Estado tem o direito de considerar o polipátrida como seu nacional; em um terceiro Estado o polipátrida deverá ser tratado como tendo apenas uma nacionalidade; c) o polipátrida pode renunciar a uma nacionalidade que ele tenha adquirido sem manifestar a sua vontade, se o Estado permitir, d) e esta autorização deve ser dada quando ele tiver a sua residência habitual no exterior.

Já em 1963, o Conselho da Europa concluiu uma convenção versando sobre a redução dos casos de plurinacionalidade e sobre a obrigação militar em caso de polipatrídia e a obrigação de prestar serviço militar. Estabeleceu-se, entre outros, que o polipátrida de duas ou mais nacionalidades só estaria obrigado á prestação do serviço militar em apenas um Estado [21].

Entretanto, indivíduos polipátridas que cometam crimes, em um dos países de que sejam nacionais, têm se valido do fato de terem mais de uma nacionalidade para se beneficiarem das brechas no Direito interno e no Direito Internacional, inclusive, para se esquivarem de condenações judiciais ou julgamentos políticos.

Nesse sentido, três casos recentes no âmbito do Direito Internacional ilustram bem essa problemática, quando pessoas que detêm a dupla nacionalidade ou a múltipla nacionalidade necessitam invocar apenas uma delas.

O ex-presidente peruano Alberto Fujimori, acusado de corrupção no país sul-americano, cujo critério de determinação de nacionalidade adotado é o direito do território, valeu-se do fato de ter ainda a nacionalidade japonesa para livrar-se de uma prisão no Peru.

Tendo em vista que o Japão, um país que foi, até o século XX, uma zona de intensa emigração, especialmente para o continente americano, ser um dos Estados que adota o jus sanguinis, o presidente peruano, ao ingressar em território japonês, não pôde ser extraditado para responder pelos crimes praticados em solo peruano. Isso porque, em geral, segundo o Direito interno de vários países, em obediência a princípio de Direito Internacional, é vedado ao ente estatal extraditar seus próprios nacionais.

Caso semelhante ocorreu no Brasil com o banqueiro Salvatore Casciolla, que também se valeu da nacionalidade italiana para não responder por crimes praticados no Brasil, ao transferir seu domicílio para a Itália.

Também o recente caso envolvendo a estudante Suzane von Richtoffen, acusada em participação de homicídio e que responde a processo criminal no Brasil, requereu em São Paulo, ao Consulado da Alemanha, país que também adota o critério jus sanguinis, a nacionalidade alemã, de molde a não ser impelida a permanecer no Brasil e submeter-se ao julgamento pela Justiça brasileira [22].

Em cortes internacionais, quanto à proteção diplomática, a solução encontrada parece ser a da nacionalidade efetiva. Coincidente em regra com a nacionalidade do Estado em que o cidadão encontra-se efetivamente vinculado. Exemplo citado na doutrina é o chamado Caso Canevaro [23]:

"[...] Refere-se o mesmo a Rafael Canevaro, peruano pelo jus soli e italiano pelo jus sanguinis, que, ante um processo na área tributária no Peru, e na iminência de expropriações em seus bens, invocou proteção diplomática da Itália. Sentença arbitral, em 1912, não recepcionou seu preito por não se admitir ação de um dos Estados de que o indivíduo é nacional contra o outro, podendo, entretanto, qualquer deles agir contra terceiro país em seu favor".

No que concerne aos conflitos negativos, ou seja, quando por força da lei o indivíduo não se vincula a nenhum dos critérios de determinação da nacionalidade, surge a figura do apátrida ou do heimatlos.

Em alguns casos, a legislação interna pode corrigir a distorção, visando a obediência aos ditames do Direito Internacional e, principalmente, respeitando um direito fundamental da pessoa humana, que é o de obter uma nacionalidade.

Nesse sentido, a atual Constituição argentina procura resolver uma questão jurídica criada quando um filho de argentinos – a Argentina em regra adota o jus solis – nasce em território da Espanha, país de tradição jus sanguinis. Em tese, a criança não terá nacionalidade da Argentina, pois não nascida em território argentino, nem será nacional da Espanha, por não possuir ascendência espanhola. [24]

O artigo 20 da Carta Argentina de 22.8.1994 adentra ao mundo jurídico para evitar a figura do heimatlos, facilitando, assim a naturalização do indivíduo [25].

É o que dispõe o artigo 20 daquele diploma: "Os estrangeiros gozam no território da Nação de todos os direitos civis do cidadão [...] Obtêm nacionalização residindo dois anos contínuos na Nação[...] [26] (tradução nossa).

Outro fator importante que pode gerar a apatrídia é quando ocorre a perda da nacionalidade, sem que o indivíduo adquira uma outra.

A perda da nacionalidade pode ocorrer por diversas razões: quando o indivíduo adquire uma outra por meio da naturalização, em geral perde a sua originária; quando adquire uma outra por benefício legal; quando o indivíduo é súdito de Estado que sofreu cessão ou anexação territorial; pela renúncia; por punição da lei.

A apatrídia, bem como assevera Celso D. de Albuquerque Mello, é um dos problemas que o Direito Internacional visa a eliminar. Conquanto a figura do apátrida seja reconhecida no âmbito internacional, ela é uma distorção que viola nada menos que um dos direitos fundamentais do homem, qual seja o de ter uma nacionalidade.

Entretanto, o Direito Internacional proíbe os Estados de confeccionarem legislações que promovam a apatrídia. E, nesse sentido, baseia-se em um aspecto social. É que em meio aos apátridas eram no passado recrutados anarco-terroristas, que, em geral, não nutrem sentimento algum de pátria.

O mundo jurídico internacional, conforme bem esclarece Celso D. de Albuquerque Mello tem procurado eliminar a condição de apátrida, por meio de convenções internacionais. O doutrinador também propõe um a sistema para se terminar com a polipatrídia, que seria aquele que obrigasse os plurinacionais a optarem por uma de suas nacionalidades, de modo que esta opção haveria que ser válida para todos os Estados. E cita o caso da Espanha, onde se admite a renúncia à nacionalidade espanhola quando o polipátrida tenha outra nacionalidade.

Já Penna Marinho [27], em seus estudos sobre a apatrídia, há mais de meio século, propunha:

Que se esforcem as legislações por suprimir as causas da apatridia; que se limitem, nos casos de naturalização, os efeitos de perda da nacionalidade à pessoa naturalizada; que se facilitem às pessoas desnacionalizadas uma reaquisição rápida da cidadania perdida; que se prescrevam, nas anexações parciais, cláusulas de opção, impedindo a desnacionalização; que se estenda, nas anexações totais, a nacionalidade do Estado anexante a todos os habitantes do território incorporado e que, por fim, se submetam os apátridas remanescentes à nacionalidade do país onde estão domiciliados, observadas certas condições, e ter-se-á livrado os Estados de um dos seus grandes flagelos.

Sem dúvida, a questão da apatrídia configura-se no maior problema provocado pela adoção de variados critérios de determinação de nacionalidade, especialmente do jus sanguinis, o que afronta visceralmente um dos direitos fundamentais do homem, que é o de possuir uma nacionalidade.


3 A NACIONALIDADE ORIGINÁRIA NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

A nacionalidade na legislação constitucional brasileira tem sido contemplada desde a Constituição do Império, de 1824, tendo-lhe sido dedicado, na atual Constituição de 1988, o artigo 12 que dispõe sobre o tema.

Convém aqui trazer à baila a evolução constitucional [28] do tema para melhor compreensão.

3.1.1 Constituição de 1824

A Carta Imperial trazia no seu bojo, como regra geral, o critério do jus solis e dispunha em seu art. 6º que "[...] são cidadãos brasileiros os que no Brasil tiverem nascido, quer sejam ingênuos ou libertos, ainda que o pai seja estrangeiro, uma vez que este não resida por serviço de sua nação".

Como já prenunciava a primeira constituição brasileira, o que seria adotado nas subseqüentes, também estava previsto o critério jus sanguinis como determinante da aquisição da nacionalidade da pessoa natural no país. Nesse caso, o critério do direito do sangue estava associado ao jus domicilii. Dessa forma, seriam nacionais do Império os filhos de pai brasileiro e os filhos ilegítimos de mãe brasileira, nascidos no exterior, que viessem a residir no Brasil.

A Constituição outorgada também previa que seriam brasileiros os filhos de pai brasileiro que estivesse em um país estrangeiro, a serviço do Império, embora não viessem a estabelecer domicílio no Brasil.

3.1.2 Constituição de 1891

Dando seguimento ao que se configuraria como tradição na abordagem do tema pelo legislador pátrio, a primeira constituição republicana previa como regra a adoção do critério do jus solis, mas com exceções jus sanguinis.

Em conformidade com a Constituição de 1891, cidadãos brasileiros seriam os nascidos no Brasil, ainda que filhos de pai estrangeiro que não estivesse a serviço do país de origem; os filhos de pai brasileiro e os ilegítimos de mãe brasileira, nascidos no exterior, desde que estabelecem domicílio no território da República; os filhos de pai brasileiro, nascidos no exterior, desde que a serviço do Brasil, embora não viessem a estabelecer domicílio no país.

3.1.3 Constituição de 1934

Nessa Carta, mais uma vez o legislador optou por trazer como regra geral o critério do jus solis, excepcionando-o com hipóteses jus sanguinis. O tema era disciplinado no art. 106, que considerava brasileiros: os nascidos no Brasil, mesmo se filhos de pai estrangeiro, desde que não estivesse ele a serviço do governo de seu país; os filhos de brasileiro ou brasileira, nascidos no exterior, desde que os pais estivessem a serviço público, e, afora esta condição, se ao atingirem a maioridade optassem pela nacionalidade brasileira.

3.1.4 Constituição de 1937

A Constituição do Estado Novo disciplinava o tema no art. 115 e, mais uma vez, norteava a determinação da nacionalidade brasileira tendo o jus solis como regra e o jus sanguinis como exceção.

A Carta considerava brasileiros todos os nascidos no Brasil, conquanto filhos de pai estrangeiro, que não estivesse em território brasileiro a serviço de seu país de origem; os filhos de brasileiro ou de brasileira, nascidos no exterior, estando os pais a serviço do Brasil e, afora este caso, se atingida a maioridade optassem pela nacionalidade brasileira.

3.1.5 Constituição de 1946

A Constituição do período mais democrático da República, até então, estabelecia que brasileiros seriam todos os nascidos em território pátrio, ainda que filhos de pais estrangeiros que não estivessem a serviço de seu país; os filhos de brasileiro ou brasileira, nascidos no exterior, se os pais estivessem a serviço do Brasil, ou, na hipótese de não estarem em serviço oficial, os filhos viessem a residir no país. Nesse caso, pela primeira vez o legislador constituinte fixava um prazo para a opção, 4 anos após atingida a maioridade, para conservar a nacionalidade brasileira então latente.

3.1.6 Constituição de 1967

A Carta que vigeu durante os governos militares trazia a previsão de que brasileiros natos seriam aqueles nascidos em território brasileiro, embora filhos de pais estrangeiros que não estivessem a serviço de seu país de origem; os nascidos no exterior, de pai ou mãe brasileira, mesmo que não estivessem a serviço do Brasil, desde que registrados em repartição brasileira competente no exterior ou, na hipótese de não se proceder ao registro, viessem a residir em território nacional antes de atingirem a maioridade. Neste caso, uma vez alcançada a maioridade, necessária seria a opção pela nacionalidade brasileira no prazo de 4 anos.

3. 1.7 Constituição de 1988, Emenda de Revisão nº 3/1994 e EC nº54/2007

A nacionalidade potestativa, conforme esclarece Alexandre de Moraes [29], sofreu fundamentais alterações com a vigência da Constituição de 1988 e posteriormente com a Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 7.6.1994 e Emenda Constitucional nº 54, de 20.9.2008.

Esta Carta alterou um dos requisitos do art. 145 da constituição antecessora, no que se refere à aquisição de nacionalidade aos filhos de brasileiro ou brasileira nascidos no exterior que não estivessem a serviço do Brasil.

O constituinte de 88 deixou de fixar o prazo para a opção. Assim, tal hipótese de aquisição de nacionalidade originária passou a ter os seguintes requisitos: filho de brasileiro ou brasileira; pai ou mãe brasileira que não estivesse a serviço do Brasil; inocorrência do registro na repartição competente; fixação de residência antes da maioridade; realização de opção a qualquer tempo.

A Emenda de Revisão nº 3 alterou, mais uma vez, a referida hipótese de aquisição de nacionalidade, deixando de exigir-se prazo para a fixação de residência no país e do prazo para opção.

A referida emenda também suprimiu a hipótese tradicional de aquisição originária da nacionalidade. No texto original, na alínea "c" do inciso I do art. 12 da Carta Magna, estava prevista a aquisição da nacionalidade originária aos nascidos no exterior, filhos de pai ou mãe brasileira, conquanto fossem registrados em repartição brasileira competente.

Dessa forma, adotava-se o critério jus sanguinis, somando-se ao requisito do registro em repartição brasileira no exterior competente, ou seja, em Embaixada ou Consulado, a despeito de quaisquer outros procedimentos ulteriores confirmativos dessa condição de nacionalidade suspensiva.

Tendo a emenda constitucional suprimido essa hipótese, não há mais como um filho de brasileiro, nascido em país estrangeiro, vir a ser registrado em Consulado ou Embaixada com o fito de aquisição de nacionalidade. O dispositivo constitucional revisado exige agora, para tanto, que ele resida no país e faça a sua opção – é a chamada nacionalidade potestativa.

Observe-se que as inovações trazidas pela Emenda de Revisão nº3/1994 trouxeram consigo ao mundo jurídico um problema combatido pelo Direito Internacional, o qual abordou-se mais detidamente no capítulo anterior. O texto constitucional brasileiro passou a admitir, a partir da aludida alteração pela emenda revisional, a possibilidade de cidadão brasileiro gerar um filho sem pátria. Dessarte, nascido em país estrangeiro que adotasse tão-somente o jus sanguinis puro e cujos pais brasileiros não estivessem a serviço do Brasil, se jamais fixasse residência no Brasil e não optasse pela nacionalidade brasileira, restaria apátrida.

Até 2007, estimava-se que cerca de 200 mil brasileiros nascidos no exterior, a partir de 1994, detinham a condição de apátridas, em face das supressões trazidas ao texto constitucional pelas impropriedades técnicas trazidas com a Emenda de Revisão nº 3/1994.

Num esforço de solucionar essa anomalia jurídica e garantir um direito fundamental aos filhos de brasileiros comuns nascidos em terras estrangeiras, após anos de tramitação no Congresso Nacional, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 272/2000 [30], de autoria do então Senador Lúcio Alcântara, do Ceará, com substitutivo do Senador Cristovam Buarque, do Distrito Federal, foi finalmente aprovada em 20 de setembro de 2007. A PEC visou devolver ao texto constitucional a mesma previsão que havia no texto original de 1988, atinente ao simples registro do filho de brasileiro que não esteja a serviço da Nação, em repartição brasileira competente, para a concessão automática da nacionalidade brasileira.

Nesse contexto, a EC nº 54/2007, alterou o art. 12, I, "c", dispondo que são brasileiros natos "[...]os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira".

Outra alteração relevante no sentido de evitar a apatridia em face da das distorções da emenda revisional de 1994, diz respeito ao acréscimo, pela EC nº 54/2007, do art. 95 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Consoante tal dispositivo, os desafortunados "brasileirinhos apátridas" – aqueles filhos de pai ou mãe brasileiro, nascidos entre 7 de junho de 1994 e a data da promulgação da emenda (20.9.2008) no exterior, poderão finalmente ser registrados em repartição diplomática ou consular brasileira competente ou em ofício de registro, se vierem a residir na República Federativa do Brasil.

3.2 Constituição de 1988

O reconhecimento da nacionalidade originária no Brasil dá-se exclusivamente em nível constitucional, segundo os ditames estabelecidos no art. 12 do Título II do Capítulo III da Constituição Federal.

A atribuição da nacionalidade originária no Brasil pauta-se pela adoção dos dois critérios, jus solis, como regra geral, e exceções jus sanguinis, a partir do fato natural do nascimento.

Consoante o texto da Lei Maior, serão brasileiros natos os indivíduos que preencham os requisitos dispostos no inciso I do referido artigo, verbis:

[...] a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço do seu país;

b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil;

c) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira.

Nesse sentido, a alínea "a" do inciso I do art. 12 estabelece a regra geral, jus solis. Serão brasileiros os nascidos em qualquer parte do território pátrio. Por outro lado, peremptoriamente exclui a nacionalidade brasileira para os nascidos no país, mas que sejam filhos de estrangeiros a serviço de seu Estado de origem.

O critério jus sanguinis faz-se presente na Constituição do Brasil ao nortear a determinação da nacionalidade originária brasileira na alínea "b". Nesse sentido, o texto constitucional condiciona a atribuição da nacionalidade ao fato de que pelo menos um dos pais seja brasileiro e esteja a serviço do Brasil.

Uma outra hipótese jus sanguinis prevista na Carta Magna atual está incluída na alínea "c". O dispositivo refere-se ao filho de cidadão brasileiro comum, não se tratando aqui de diplomatas ou servidores em missão oficial, como é o caso da alínea "b".

A alínea "c" contempla a hipótese de atribuição da nacionalidade originária para filhos de qualquer cidadão brasileiro, por qualquer razão, que nasça em território estrangeiro, desde que observados os prazos e opções previstas no dispositivo.

3.3 O jus sanguinis na legislação brasileira: princípio da extraterritorialidade

O direito do sangue não foi adotado pela Carta de 1988 em sua forma pura, sendo exigível um outro requisito. Sempre será necessário, porém, conforme salienta Alexandre de Moraes, "[...] estar presente uma relação de contemporaneidade entre a condição jurídica do ascendente e o momento do nascimento, ou seja, aquele deverá ser brasileiro nato ou naturalizado à época do nascimento deste". [31]

No art. 12 da Lei Maior, contempla dois casos em que o brasileiro será nato, mesmo não tendo nascido em nosso território.

O primeiro, é o previsto na alínea "b" do inciso I, qual seja o indivíduo nascido no exterior, em que, ao menos um dos pais seja brasileiro, desde que, ao tempo do nascimento, o pai ou a mãe estiver a serviço do país. [32]

É o caso de determinação na nacionalidade originária pela adoção do jus sanguinis, combinado com a exigência do critério funcional. O critério funcional abarca o serviço diplomático; o serviço consular; o serviço público de outra natureza prestadoa órgãos da Administração centralizada ou descentralizada (autarquias, sociedade de economia mista e empresas públicas) da União, dos estados, dos municípios, do Distrito Federal ou dos territórios brasileiros.

A segunda hipótese é a contemplada na alínea "c" do inciso I do artigo retrocitado e refere-se à nacionalidade potestativa: indivíduos nascidos em território estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, registrados em repartição competente, e que fixem residência residir no Brasil e optem, em qualquer tempo, após a maioridade, pela nacionalidade brasileira.

Nesse caso, determina-se a condição de brasileiro nato advém da adoção do jus sanguinis somado aos critérios residencial e à opção confirmativa.

Da evolução constitucional apresentada, no que se refere à determinação da nacionalidade originária, interessante observar que da Carta de 1824 até a atual Constituição, a opção do legislador pouco mudou: o jus solis, como regra geral, e duas exceções jus sanguinis – como prevê hoje o art. 12, I, da Constituição de 1988, apenas com ínfimas modificações.


4 JUS SANGUINIS: TENDÊNCIA ATUAL NO DIREITO INTERNACIONAL

A nacionalidade é assunto que durante muito tempo pertenceu à órbita da jurisdição doméstica dos Estados. Entretanto, conforme esclarece Celso D. de Albuquerque Mello, as convenções sobre o tema nacionalidade têm se sucedido a partir da década de 1930 [33]. Esse fato, contudo, não acarretou a internacionalização do instituto, mas tão-somente alguns de seus aspectos passaram a ser regulados pelo Direito Internacional.

Nesse sentido, a nacionalidade é regulada pelo Direito interno de cada país. A ordem jurídica internacional vai, apenas, exercer um controle sobre essas leis de Direito interno quando surgir litígios internacionais.

Esse instituto é do mais alto relevo para o Direito Internacional, visto que a nacionalidade determina que certas normas internacionais sejam ou não aplicadas ao indivíduo. A nacionalidade, assim, vai ser preponderante para que se determine a qual ente estatal cabe a proteção diplomática do indivíduo [34].

Dessa forma, para o Direito interno a nacionalidade também apresenta importância considerável. Somente o nacional é titular de direitos políticos e tem acesso às funções públicas; somente ele é obrigado a prestar serviço militar; apenas o nacional tem a plenitude dos direitos privados e profissionais; o nacional não pode ser extraditado ou expulso [35].

Existem princípios gerais que funcionam como elemento norteador da determinação da nacionalidade pelo Direito interno, conquanto não são eles absolutos. Cita o doutrinador os principais [36]:

[...] a) todo indivíduo deve ter uma nacionalidade e não mais que uma. Foi enunciado pelo Instituto de DI, na sessão de Cambridge, em 1895. Esse, na prática, não é respeitado, constituindo-se em um ideal da sociedade internacional;

b) a nacionalidade é individual. Tem-se abandonado as ‘nacionalizações’ e desnacionalizações coletivas. Ela atinge apenas o indivíduo e não se estende a seus dependentes ou parentes;

c) a nacionalidade não é permanente, tendo o indivíduo, em conseqüência, o direito de mudar de nacionalidade;

d) é assunto, de um modo geral, da competência do Estado, sujeito em certos casos ao ‘controle’ e às normas internacionais.

Aliás, talvez seja este último um dos mais relevantes no que concerne ao próprio Estado, visto que não se pode conceber um Estado governado por estrangeiros.

Merece nota também o princípio da efetividade, com fulcro na aquisição de nacionalidade primária e secundária. Esse princípio estabelece que o vínculo patrial não deve ser fundado em formalidade ou artifício puros e simples, mas no fato de que deve efetivamente existir laços sociais substanciais entre o indivíduo e o seu Estado.

Quanto aos princípios estabelecidos em Declarações, Tratados e Convenções internacionais que orientam o assunto, merecem registro os destacados a seguir, conforme leciona Augusto César Ramos [37]:

A Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 prevê, no seu artigo 15 que "I – Todo ser humano tem direito a uma nacionalidade; II – Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade".

Estatuído no artigo 4º da Convenção sobre Nacionalidade, de 12 de abril de 1930, o princípio segundo o qual "um Estado não pode exercer proteção diplomática em favor de algum dos seus nacionais, contra outro Estado do qual o mesmo indivíduo seja também nacional".

Some-se a esse o princípio extraído do artigo 1º daquela Convenção que estatui que cabe ao Estado determinar por meio de suas próprias leis os indivíduos que terão direito a sua nacionalidade.

Celso D. de Albuquerque Mello lembra que o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, determina, em seu artigo 24, que "toda criança tem direito a adquirir uma nacionalidade" e que a Convenção Interamericana de Direitos do Homem [Convenção de San José da Costa Rica] também trouxe à baila o tema, à luz dos Direitos Humanos:

[...]a) toda pessoa tem direitos a uma nacionalidade;

b) toda pessoa tem direito à nacionalidade do Estado em cujo território nasceu se não tem direito a outra nacionalidade;

c) ninguém será privado arbitrariamente de sua nacionalidade, nem do direito de mudá-la [38].

A Convenção de San José também estabelece que ninguém pode ser expulso do território do Estado do qual é cidadão, nem ser privado de ingressar nele [39].

A Convenção Européia sobre Nacionalidade, de 1997, prevê, entre outras determinações, que a legislação sobre nacionalidade é da competência estatal; que cada indivíduo tem direito a uma nacionalidade; que o casamento não será modo de aquisição e tampouco de perda de nacionalidade; que o estado deverá dar a sua nacionalidade aos recém-nascidos em seu território de modo a evitar a figura do apátrida [40].

Por último, convém lembrar o que prevê o artigo 1º da Convenção de Haia sobre Nacionalidade, segundo a qual os Estados não podem extrapolar em seu direito, visto que a lei interna de cada ente estatal só é reconhecida pelos demais Estados na hipótese de estarem em consonância com os princípios gerais do direito, o direito consuetudinário e as convenções internacionais.

A propósito, quanto às normas costumeiras que orientam a nacionalidade nas legislações internacionais, merecem destaque dois costumes que, em geral, são largamente observados pelas legislações internas dos países que compõe a comunidade internacional: a vedação do banimento de seus nacionais e o princípio da extraterritorialidade.

A vedação do banimento de seus nacionais é regra do Direito Internacional que se faz presente na maior parte das legislações de Direito interno das nações do mundo, presente, inclusive, na Constituição brasileira, em seu art. 5º, inciso XLVII: "Não haverá penas: [...]d) de banimento".

Já a extraterritorialidade aplicada aos filhos de agentes diplomáticos também se faz efetiva e em geral é observada pelas diversas legislações. Assim, exclui-se da atribuição de nacionalidade o filho de agente diplomático em razão do nascimento em seu território estrangeiro, não devendo ser atribuída a nacionalidade à criança cujos pais gozem de imunidades diplomáticas no país de nascimento.

4.2 O jus sanguinis em países selecionados

Para melhor compreensão do critério jus sanguinis aplicado à determinação da nacionalidade da pessoa natural, propomos uma breve análise do regramento jurídico sobre nacionalidade em três países europeus.

Nesse sentido, elege-se três dos países de grande interesse para o estudo na nacionalidade no Brasil e que adotam majoritariamente o jus sanguinis: Itália, Alemanha e Portugal. Isso porque são Estados com estreitos laços históricos com nosso país e que devido às ondas migratórias, especialmente até a década de 1950, contribuíram intensamente para a formação étnica brasileira.

4.2.1 Itália

Após 80 anos sendo disciplinada pela Lei nº 555 de 1912, a República Italiana promoveu uma reforma em sua legislação sobre nacionalidade por meio da Lei nº 91 de 1992.

No estudo proposto, ficaremos adstritos ao critério do jus sanguinis, tema deste trabalho monográfico.

A atribuição automática da cidadania italiana no momento do nascimento, em virtude do vínculo de sangue, mantém a posição central e caracterizante do sistema italiano, que continua considerando secundário o fato de que o nascimento não se verifique na península, segundo Bruno Barel [41].

Destarte, italiano é o indivíduo desde o nascimento, cujo pai ou a mãe sejam de origem italiana, independentemente do território em que tenha nascido.

Por outro lado, os nascidos na Itália não têm automaticamente a nacionalidade italiana se filhos de pais estrangeiros. Nesse sentido, a legislação italiana prevê excepcionalmente a adoção do jus solis, para atribuir a cidadania italiana aos nascidos na Itália, filhos de cidadãos que não possam seguir a nacionalidade dos pais, desde que haja a comprovação, para a atribuição da cidadania italiana, de que o "filho não segue a cidadania dos pais segundo a lei do próprio Estado" [42]. É uma forma de evitar-se a figura do heimatlos ou apátrida, que o Direito Internacional pretende combater.

Em linhas gerais e segundo as considerações realizadas, poder-se-ia afirmar que a legislação da Itália direciona-se a consentir que a nacionalidade italiana seja perpetuada por gerações. É o que afirma Francisco Leita, ao comentar a atribuição do jus sanguinis e o fenômeno da duplicidade: "E o faz, em primeiro lugar, como resposta à aspiração pessoal dos italianos residentes no exterior, que ratificaram o seu destaque na comunidade territorial com a aquisição da cidadania do país de estabelecimento" [43].

A transmissão automática da cidadania italiana entre gerações dos descendentes de imigrantes não se interrompe. Atualmente, com lei de 1992, mesmo os italianos que se naturalizam conservam a nacionalidade italiana, acumulando-a com aquela adquirida no país em que vivem [44].

4.2.2 Alemanha

A nova legislação sobre nacionalidade em vigor na Alemanha unificada data de 1º de janeiro de 2000, oriunda da reforma que teve lugar no ano anterior. Com a nova lei, o princípio do jus sanguinis, que, historicamente, norteava a determinação da nacionalidade alemã, é mitigado pela adoção do jus solis. Dessa forma, também é possível um indivíduo adquirir a cidadania alemã tendo nascido no território da Alemanha.

O indivíduo torna-se alemão pela lei atual por uma das três possibilidades: pelo nascimento, pela naturalização ou pela etnia alemã do leste europeu e dos estados sucessores soviéticos. No caso em tela, o que nos interessa é o estudo sob a perspectiva do jus sanguinis.

Com o advento da reforma do direito de nacionalidade, as principais mudanças que passaram a vigorar na Alemanha são descritas por Astrid Wallrabenstein [45]:

_ A Lei da Nacionalidade do Império (RuStAG) passa a chamar-se Lei da Nacionalidade (StAG);

_ O parágrafo quarto, alínea 3, da Lei da Nacionalidade dá a possibilidade, às crianças nascidas em território alemão, de adquirir a cidadania através do critério ius soli. O parágrafo 29 da mesma lei impõe o instituto da obrigatoriedade de decisão [46];

_ O parágrafo 40b da Lei da Nacionalidade concede, através de regulamentação transitória, a obtenção da nacionalidade para crianças abaixo de 10 anos;

_O parágrafo quarto, alínea 4, da Lei da Nacionalidade não permite a transmissão via ius sanguinis à segunda geração nascida no exterior [...]"; (grifo nosso)

Das alterações trazidas pela lei de 2000, importante salientar duas: a previsão jus solis e a limitação da transmissão via jus sanguinis à segunda geração nascida no exterior.

A inovação do jus solis como critério de determinação da nacionalidade alemã é um esforço dos legisladores daquele país em combater a apatrídia, visto que cerca de 2% da população da Alemanha é composta por imigrantes turcos e seus descendentes. Entretanto, a lei exige que o descendente turco opte pela nacionalidade alemã, abdicando da turca, o que gera um outro conflito: a Turquia é um país de maioria islâmica, em que Estado e religião se confundem, o que dificulta a integração efetiva desses imigrantes e pode tornar a previsão jus solis menos eficaz como fator de integração.

No que se refere à limitação da transmissão jus sanguinis aos teuto-descendentes nascidos no exterior, a nova lei alemã sobre nacionalidade também dificulta a integração e o reconhecimento da nacionalidade do país. Dessa forma, a partir da lei de 2000, os netos de alemães nascidos no exterior não mais terão direito à nacionalidade alemã pós-unificação. A segunda geração nascida fora da Alemanha adquirirá a nacionalidade somente quando os pais anunciarem o nascimento no respectivo consulado alemão.

4.2.3 Portugal

A determinação da nacionalidade portuguesa é regulada pela Lei nº 37/1981, com alterações introduzidas pela Lei 25/1994.

Os critérios de determinação da nacionalidade portuguesa originária estão disciplinados no artigo 1º da lei de nacionalidade.

Como regra geral adotada nos países europeus, também em Portugal o critério prevalente é o jus sanguinis. No que se refere à atribuição da nacionalidade pelo jus sanguinis, se um filho de um cidadão português originário solicitar a atribuição da nacionalidade portuguesa, os seus filhos podem exercer o mesmo direito e posteriormente os netos e demais sucessores na linha reta. "E isso sem que o Estado se lhes possa opor e sem que tenham que fazer qualquer outra prova para além da filiação. O mesmo não acontece com os filhos dos que adquiriram a nacionalidade por efeito da vontade, seja pelo casamento ou pela naturalização". [47]

Dessa forma, a atribuição da nacionalidade advém pela ascendência. Todavia, uma vez que é interrompida a cadeia, o descendente da segunda geração não pode mais solicitar o reconhecimento da nacionalidade portuguesa. Assim, só a vinculação direta em relação ao português de origem permite a sucessão na nacionalidade originária pelo jus sanguinis.

Interessante notar que, ainda que a legislação portuguesa tenha se esforçado para contribuir com a eliminação da figura do apátrida - como se verifica pela previsão de determinação da nacionalidade portuguesa pelo jus solis (art. 1º, "d", da Lei de Nacionalidade, "São portugueses de origem os indivíduos nascidos em território português quando não possuam outra nacionalidade"), o próprio aludido artigo, em sua alínea "c", [48] facilita a ocorrência da anomalia jurídica. Nesse caso, filhos de imigrantes estrangeiros, que, apesar de nascidos em solo de Portugal, são obrigados a viver no país como estrangeiros ou clandestinos. Isso porque, esses indivíduos têm que fazer prova que os pais vivem legalmente em Portugal há pelo menos seis anos, se oriundos de países de língua portuguesa, ou dez anos, na hipótese de outros países.

4. 3 O jus sanguinis e o Direito Comunitário

Com a instituição do Tratado de Maastricht, adentrou ao mundo jurídico o fenômeno designado por Federico de Castro [49] como "supranacionalidade ou nacionalidade comum", atinente à concessão de um estatuto jurídico comum, que abarca um conjunto de direitos e deveres a todos os cidadãos que possuam uma das nacionalidades dos Estados que constituem a União Européia.

Até a entrada em vigor do Tratado de Maastricht, a esfera jurídica do Direito Comunitário não reconhecia aos cidadãos da União mais do que os direitos atinentes à cidadania de mercado, que abrangia a livre circulação de trabalhadores.

Como esclarece Arno Dal Ri Júnior, o Tratado de Maastricht transcendeu às situações apenas econômico-comerciais:

Procurou-se incorporar no sistema jurídico comunitário a necessidade de incrementar a tutela dos direitos e interesses dos cidadãos dos Estados-membros. Para este fim, foram instituídas situações objetivas e, com estas, direitos que garantissem uma dimensão política, cessando de identificar-se exclusivamente com o mercado comum [50].

Com a superveniência da integração comunitária, todos os cidadãos europeus da Comunidade são detentores, no mínimo, de dupla nacionalidade: a de seu Estado originário – que, aliás, também pode ser dupla, dependendo do respectivo regime constitucional de atribuição da nacionalidade -, e a cidadania européia ou comunitária.

Convém observar, entretanto, que a cidadania da União Européia é subsidiária, complementar à cidadania dos países-membros, e não substitui esta. Destarte, considera-se cidadão comunitário o indivíduo que é reconhecido como nacional pela legislação do Direito interno do Estado integrante da União.

O vínculo da supranacionalidade resulta, pois, da ligação do cidadão com país-membro, fazendo dele um sujeito de um conjunto de direitos que se somam aos de seu estatuto nacional, segundo Rui Moura Ramos [51]:

A condição nacional transforma-se assim na fonte de um estatuto especial, cujos titulares o podem exercer no interior dos Estados membros da entidade jurídico-política assim formada, e que ultrapassa o quadro estadual – a União Européia. Cria-se desta forma uma condição de estrangeiro privilegiado, que goza nos Estados membros de direitos em princípio reservados aos nacionais respectivos e que os exercerá em condições idênticas às destes. E que resulta da assimilação desse estrangeiro privilegiado ao nacional, independentemente de qualquer alteração do seu estatuto de nacionalidade, e que lhe permite, sem aquisição da nacionalidade de um dado Estado, ser nele titular de direitos que são em princípio conseqüência deste vínculo e por isso são em geral reservados aos seus nacionais." [sic]

A União, pois, respeita a identidade nacional de seus Estados-membros. Contudo, as nações comunitárias "[...]Não podem restringir os direitos e deveres dos cidadãos da União, previstos nos Tratados de Maastricht e Amsterdã, pois se o fizessem não seriam Estados Democráticos de Direito e tampouco poderiam continuar a ser membros da UE". [52]

Dessa forma, pode-se afirmar que todo cidadão comunitário é titular de duas nacionalidades, sendo uma – a da União, de caráter subsidiário. E o conflito positivo de nacionalidade pode, ainda, ser mais intenso, se consideramos que, tendo em vista que a tradição européia na atribuição da nacionalidade dá-se, em geral, pela filiação – jus sanguinis –, a polipatridia dos cidadãos nascidos nos 25 Estados-membros da União Européia é fenômeno jurídico inerente ao cidadão comunitário.

4.4 O fator econômico: o jus sanguinis e o endurecimento das legislações dos países do Norte

O interesse e a necessidade de um Estado em um período histórico específico podem determinar - e efetivamente determina – a variação de relevância no conceito e alcance jurídico do instituto do jus sanguinis.

Nesse sentido, o critério jus sanguinis foi um importante fator de preservação das populações de países tradicionalmente emigrantes. Nos países retro mencionados e, de resto, em toda a Europa, em geral, assim como no Japão, os laços consangüíneos sempre tiveram grande importância na atribuição da nacionalidade dos súditos desses Estados.

Isso porque, tendo em vista a tradição emigratória de seus povos, a adoção do critério do jus sanguinis visava a conservar os laços de nacionalidade pela consangüinidade, em qualquer local do planeta em que se encontrasse o nacional emigrado.

Não fosse a adoção do direito do sangue, grande seria a probabilidade, por exemplo, de que, nos dias atuais, um país como Portugal - pioneiro das expansões marítimas no século XV, que ocupa uma área territorial cinco vezes mais reduzida [53] que a do estado de Minas Gerais e que abriga em seus limites uma população quase duas vezes mais diminuta que a do estado brasileiro – não chegasse ao século XXI tendo sobrevivido culturalmente ao próprio fenômeno expansionista do qual foi protagonista, há séculos, e que hoje tem lugar no que se chama de globalização [54].

A tradição jus solis dos países-destino de migrantes, especialmente verificada nos Estados americanos é tendente a integrar o imigrante a quem acolhe no seu próprio processo civilizatório, quer facilitando as naturalizações, quer impingido-lhe a nacionalidade por benefício legal, quer criando mecanismos atrativos para o imigrante estrangeiro fixar raízes e contribuir com a construção das nações do Novo Mundo. Nesse sentido, o Brasil foi, no século XIX, um expoente, com a naturalização compulsória determinada pela Constituição de 1891 e com as políticas públicas que incentivaram a substituição do trabalho escravo pelo trabalho do imigrante, em meados daquele século, fator esse que provocou intenso fluxo migratório para o Brasil imperial a partir de 1870 [55].

Daí porque indivíduos oriundos de países nômades, como Portugal, mereceram de seus legisladores a preocupação com a preservação do direito à nacionalidade, ainda que seus descendentes tenham nascido em terra estrangeira.

O fenômeno da migração dos povos sempre existiu. Entretanto, nas últimas décadas, os movimentos migratórios se intensificaram, especialmente em razão da globalização da economia e dos conflitos localizados. Some-se a isso o fato notório de que a desigualdade social que ocorre nas diversas regiões do mundo tem aumentado em progressão geométrica [56].

A Organização das Nações Unidas estima que entre 1990 e 2000 o número de imigrantes no âmbito internacional tenha superado a marca de 21 milhões. A ONU também estima que atualmente mais de 175 milhões de indivíduos vivam fora dos domínios dos países em que nasceram, o que representa 2,7% da população mundial. Amaior parte dos emigrados, 60% do total, residem nos países do Norte. Estima-se, ainda, que nos próximos 50 anos o fluxo migratório tende a se intensificar [57].

Do quadro apresentado, verifica-se que a globalização econômica tem sido a maior responsável pela mitigação da adoção do jus sanguinis, sobretudo, nos países europeus. Nesse sentido, dois são os fatores mais contundentes para dificultar o reconhecimento da nacionalidade originária dos descendentes e, inclusive, para promover a integração de imigrantes, pela via da naturalização.

Em primeiro lugar, a mudança nos fluxos emigratórios verificada nos últimos anos. Estados como Itália, Portugal, Espanha e Grécia, tradicionalmente fornecedores de mão-de-obra imigrante, passaram a receber estrangeiros oriundos de países do Sul, especialmente da África, da América Latina, do Leste Europeu e dos países árabes, que oferecem, em geral, mão-de-obra menos qualificada e ainda trazem consigo o choque cultural e étnico.

Em segundo lugar, o desenvolvimento e a integração intensa de blocos econômicos. No caso União Européia, a possibilidade de usufruto dos direitos civis, nos diversos países da União, tem sido, sem dúvida, o principal fator que tem provocado a avalanche de pedidos de reconhecimento de nacionalidade originária dos descendentes de europeus nascidos nos países do Sul, como o Brasil.

As mudanças recentes nas legislações sobre nacionalidade de países como Portugal e Alemanha sinalizam para o fato de que o pragmatismo econômico típico da globalização superou o aspecto afetivo da tradição e do interesse em preservar o sentido de pertinência a uma Nação pela herança consangüínea.

No caso de Portugal, país com milhões de descendentes nascidos no Brasil e na África, o regime da nacionalidade portuguesa sofreu no último meio século profundas alterações, marcadas numa primeira fase por uma concepção expansionista, ligada à idéia do Império e à necessidade de crescimento da população e nas últimas duas décadas por uma concepção restritiva, conexa com a idéia de país pequeno que Portugal agora assume no contexto da União Européia e comprometida com a própria política européia, cada vez mais marcada por restrições ao acesso de cidadãos de outros espaços [58].

Na Alemanha, a reforma na legislação de nacionalidade de 1999 dificultou o reconhecimento da nacionalidade primária de descendentes nascidos no exterior a partir da segunda geração, o que tem um impacto considerável na perda do direito ao reconhecimento da nacionalidade de brasileiros netos e bisnetos de alemães nascidos no país.

Já a Itália tem dificultado pedidos de reconhecimento de nacionalidade originária de ítalo-brasileiros, conforme esclarece Luís Fernando Sgarbossa, para quem a omissão do governo italiano intenta, em verdade, evitar uma suposta onda de imigração, com a repatriação dos descendentes dos expatriados.

A situação chegou a atingir pontos críticos, como na Circunscrição Consular do Paraná e Santa Catarina, quando, em janeiro de 2005, o então Cônsul-Geral em Curitiba sustou, por prazo indefinido, o recebimento dos pedidos de reconhecimento, sob a alegação de carência de pessoal e estrutura, bem como alegando que a demora prevista para os processos em trâmite seria de 15 a 20 anos.

A postura do Governo Italiano, no particular, é violadora de direitos humanos fundamentais, tanto inscritos em convenções e acordos internacionais de direitos humanos de que faz parte a República Italiana, quanto inscritos na própria Constituição Italiana de 1948 [59].

Nesse sentido, assinala o autor que a Itália é signatária da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, que conceitua o significado da expressão discriminação racial para o Sistema Global de Direitos Humanos (ONU), em seu art. 1º, verbis:

Artigo 1º - 1. Para os fins da presente Convenção, a expressão ‘discriminação racial’ significará toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto ou resultado anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício em um mesmo plano (em igualdade de condição) de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública (grifos do autor).

Dessa forma, a denegação do reconhecimento da nacionalidade originária de indivíduos que preenchem os requisitos para tê-la reconhecida parece fundar-se na origem do italiano-descendente, ainda que isso não seja expressamente declarado, o que contraria o ordenamento jurídico e assinala para a configuração da prática de discriminação racial.

Conforme esclarece Cristovam Buarque [60], o processo atual de globalização se diferencia do iniciado há centenas de milhares de anos porque o mundo se tornou um só e instantâneo, de modo que o conhecimento das informações, o acesso às coisas e a influência do poder ficaram internacionais e chegam ao mesmo tempo em todas as partes do planeta. Globalização é, pois, essa simultaneidade totalizante, que se instalou sem uma integração entre os homens. Para surpresa de todos que observam o mundo, a globalização torna iguais os seres, não importando o grupo a que pertençam, mas faz com que dentro de cada grupo as pessoas sejam mais diferentes entre elas do que no passado.

Nesse sentido, o fator econômico da globalização contamina todas as relações humanas, inclusive no que tange ao ordenamento jurídico. E essa parece ser a razão fundamental que tem provocado o recrudescimento das legislações sobre nacionalidade de países tradicionalmente emigrantes, para promoverem reformas que mitigaram a atribuição de nacionalidade originária pelo jus sanguinis a seus súditos nascidos em terras estrangeiras.


CONCLUSÃO

Neste trabalho, vimos como a nacionalidade, um direito fundamental de todo ser humano, conforme disposto na Declaração Universal dos Direitos do Homem, pode ter diversos desdobramentos se o critério utilizado para atribuí-la a determinado indivíduo é o jus sanguinis.

O jus sanguinis, enquanto um mecanismo arbitrário da prerrogativa do Estado de determinar quem são seus nacionais é o critério que remonta tempos imemoriais na determinação da nacionalidade – vínculo entre o indivíduo e o Estado, que se diferencia do conceito de cidadania, mais atinente ao exercício de direitos políticos.

Também vimos que os conflitos positivo e negativo de nacionalidade interessam ao Direito e geram desdobramentos e problemáticas que merecem atenção do mundo jurídico, pois, conforme o embate dos critérios atributivos de nacionalidade originária, o jus solis e o jus sanguinis, poderá o indivíduo ter mais de uma nacionalidade – o polipátrida – ou quiçá nenhuma – o apátrida ou heimatlos. Este, grande preocupação do Direito Internacional.

A possibilidade de aquisição de outra nacionalidade originária pelo jus sanguinis pode trazer benefícios ao polipátrida na esfera civil e até mesmo na área penal, haja vista a proibição que as legislações dos Estados adotam, no que tange à extradição de seus nacionais natos, em observância a princípio de Direito Internacional.

Países como a Itália, Alemanha e Portugal, pertencentes à União Européia e que apresentaram intensa emigração para o Brasil, por exemplo, até o fim da primeira metade do século XX, são Estados que adotaram o jus sanguinis e que possuem milhões de descendentes nascidos no Brasil.

Atualmente, esse fato tem gerado enorme interesse pela legislação interna dessas Nações em nosso país, no que se refere à atribuição da nacionalidade, mormente na época atual em que a pujança econômica da União Européia atrai cada vez mais o interesse de brasileiros descendentes de italianos, alemães e portugueses em fazerem o retorno aos países de origem de seus ascendentes.

Para um brasileiro com o que vulgarmente convencionou-se denominar dupla nacionalidade, a circulação nesses países é livre, pois são considerados nacionais natos. A situação jurídica favorável, por exemplo, consubstanciada nas facilidades que um neto de italianos nascido em São Paulo, situação corriqueira atualmente, tem para estudar ou trabalhar na capital italiana, sem a necessidade de autorização para trabalho ou do visto de permanência, exigidos dos estrangeiros que não fazem parte da União Européia, pode lhe conferir vantagens ante a ausência de entraves burocráticos para determinadas atividades.

A legislação brasileira sobre nacionalidade apresenta-se constitucionalizada e, conquanto a Carta Magna adote o critério do jus solis, como é tradição nos países americanos, tal critério é amainado na Lei brasileira com a adoção excepcional do jus sanguinis.

Diversos princípios norteiam a determinação da nacionalidade e ainda que muitos deles, presentes em convenções e tratados internacionais, nem sempre sejam observados pelas leis do Direito estatais, a maioria dos Estados observam-nos na confecção de suas legislações. Malgrado haver a possibilidade de burla das regras do Direito Internacional para proteção do ilícito, sem dúvida, a adoção do jus sanguinis é essencial como fator de facilitação da Diplomacia, haja vista que a regra geral é o respeito ao princípio da extraterritorialidade na atribuição de nacionalidade aos filhos de agentes diplomáticos.

Vimos também que outros aspectos essenciais e de cunho histórico, jurídico e estratégico, motivados pela adoção do jus sanguinis nos países do Norte têm sido mitigados pela globalização da economia. O fato de que países de grande tradição emigratória, como Alemanha e Portugal, adotaram o jus sanguinis com o intuito de preservar o elemento fundamental de seus Estados - a população -, terem recrudescido suas leis sobre nacionalidade nos últimos anos é sintomático e parece ser mais um efeito colateral da febre globalizante do pragmatismo econômico que assola o planeta nas últimas décadas, à qual nem mesmo o Direito ficou imune.

Dessa forma, a nova realidade da União Européia pode ter contribuído para que esses países revisassem suas legislações sobre nacionalidade nas duas últimas décadas, com o fito de evitar a imigração de afro e latino-descendentes.

Os ascendentes de nacionais alemães e portugueses nascidos na África e na América Latina, por exemplo, poderiam representar a importação de problemas sociais, com a conseqüente queda nos indicadores econômicos e sociais daqueles membros da pujante União Européia.

Resta claro que a simples previsão de adoção do jus sanguinis como critério de determinação de nacionalidade embute conflitos de nacionalidade. Isso porque tanto a polipatrídia quanto a apatrídia trazem desdobramentos que interferem no ordenamento jurídico dos Estados, na atuação do Direito Internacional e na própria organização da sociedade.


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Notas

Acesso em 30 ago 2003.

Rev. Esc. Direito, 2005, p. 135-136.

  1. MELLO, Celso D. De Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. II Volume. 14ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 953.
  2. Apud SILVA, Roberto Luiz. Direito Internacional Público. Del Rey, 2ª ed. Belo Horizonte: 2002, Renovar, p. 189-190.
  3. MELLO, Celso D. De Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. II Volume. 14. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 954.
  4. Idem, p. 958.
  5. Contudo, a Carta Magna considera, em seu art.12, II, "b", que não perderá a nacionalidade brasileira o nacional que adquira outra nacionalidade em razão da imposição da naturalização, pela norma estrangeira, como condição de permanência do brasileiro no exterior ou para o exercício de direitos civis, dentre os quais, pode-se incluir o direito ao trabalho.
  6. MELLO, Celso D. De Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. II Volume. 14. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 961.
  7. DAL RI, Jr, Arno; DE OLIVEIRA, Odete Maria (Org.). Cidadania e nacionalidade. Ijuí: Ed. Unijuí, 2003, p. 214.
  8. Idem, p. 212.
  9. DAL RI, Jr, Arno; DE OLIVEIRA, Odete Maria (Org.). Cidadania e nacionalidade. Ijuí: Ed. Unijuí, 2003, p. 213.
  10. DAL RI, Jr, Arno; DE OLIVEIRA, Odete Maria (Org.). Cidadania e nacionalidade. Ijuí: Ed. Unijuí, 2003, p. 215.
  11. DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 346-347.
  12. Convenção sobre igualdade de direitos e deveres entre brasileiros e portugueses, assinada em Brasília em 7 de setembro de 1971.
  13. BORRALHO, Flávia Aranha. A anomalia da nacionalidade expressa na apatrídia. 2001. p. 9. Monografia (Graduação em Direito). Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais, Centro Universitário de Brasília, Brasília.
  14. DEL’OLMO, Florisbal de Souza. Curso de Direito Internacional Público. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.228.
  15. DEL’OLMO, Florisbal de Souza. Curso de Direito Internacional Público. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 228.
  16. DAL RI, Jr, Arno; DE OLIVEIRA, Odete Maria (Org.). Cidadania e nacionalidade. Ijuí: Ed. Unijuí, 2003, p. 75.
  17. DEL’OLMO, Florisbal de Souza. Curso de Direito Internacional Público. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.226
  18. DEL’OLMO, Florisbal de Souza. Curso de Direito Internacional Público. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.234
  19. Idem, p.238.
  20. MELLO, Celso D. De Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. II Volume. 14. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 963.
  21. Idem.
  22. PENTEADO, Gilmar. Em liberdade, Suzane pediu cidadania alemã. Disponível em: <http//:www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u120325.shtml> Acesso em 12 abr 2006.
  23. DEL’OLMO, Florisbal de Souza. Curso de Direito Internacional Público. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.235.
  24. SILVA, Roberto Luiz. Direito Internacional Público. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p.191.
  25. SILVA, Roberto Luiz. Direito Internacional Público. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p.193.
  26. Idem.
  27. Apud DEL’OLMO, Florisbal de Souza. Curso de Direito Internacional Público. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.238.
  28. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/principal.htm >. Acesso em 4 mai. 2006.
  29. DE MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p.217.
  30. BRASILEIRINHOS APÁTRIDAS. Disponível em http://www.brasileirinhosapatridas.org. Acesso em 8 ago 2006.
  31. DE MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p.219.
  32. LISBOA, Carolina Cardoso Guimarães. Proposta de emenda constituicional quer impedir a possibilidade de filhos brasileiros serem apátridas. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/2133>
  33. MELLO, Celso D. De Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. II Volume. 14. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 955.
  34. Idem.
  35. MELLO, Celso D. De Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. II Volume. 14. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 955.
  36. Idem.
  37. RAMOS, Augusto Cesar. Nacionalidade: breves considerações. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/4128> Acesso em 5 jul 2006.
  38. MELLO, Celso D. De Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. II Volume. 14. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 955.
  39. DAL RI, Jr, Arno; DE OLIVEIRA, Odete Maria (Org.). Cidadania e nacionalidade. Ijuí: Ed. Unijuí, 2003, p. 196.
  40. MELLO, Celso D. De Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. II Volume. 14. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 955.
  41. DAL RI, Jr, Arno; DE OLIVEIRA, Odete Maria (Org.). Cidadania e nacionalidade. Ijuí: Ed. Unijuí, 2003, p. 113.
  42. Idem, p. 115.
  43. DAL RI, Jr, Arno; DE OLIVEIRA, Odete Maria (Org.). Cidadania e nacionalidade. Ijuí: Ed. Unijuí, 2003, p. 124.
  44. Idem, p. 126.
  45. DAL RI, Jr, Arno; DE OLIVEIRA, Odete Maria (Org.). Cidadania e nacionalidade. Ijuí: Ed. Unijuí, 2003, p. 170.
  46. Idem, p. 181.
  47. PORTUGAL EXPRESSO. Nacionalidade. Disponível em: <http//:www.portugal-expresso.com/conteúdos/notas_sobre_nacionalidade.htm> Acesso em 30 ago 2003.
  48. PORTUGAL EXPRESSO. Nacionalidade. Disponível em: <http//:www.portugal-expresso.com/conteúdos/notas_sobre_nacionalidade.htm> Acesso em 30 ago 2003.
  49. Apud DAL RI, Jr, Arno; DE OLIVEIRA, Odete Maria (Org.). Cidadania e nacionalidade. Ijuí: Ed. Unijuí, 2003, p. 292-293.
  50. DAL RI, Jr, Arno; DE OLIVEIRA, Odete Maria (Org.). Cidadania e nacionalidade. Ijuí: Ed. Unijuí, 2003, p. 310.
  51. DAL RI, Jr, Arno; DE OLIVEIRA, Odete Maria (Org.). Cidadania e nacionalidade. Ijuí: Ed. Unijuí, 2003, p. 294.
  52. FERREIRA, Marcelo Poetsch. Cidadania européia. Pelotas:
  53. Segundo dados de 2005, Portugal ocupa uma extensão territorial de 91.985 km2 , com 10,5 milhões de habitantes. Já o estado de Minas Gerais possui uma área de 586.528,3 km2, em que vivem cerca de 19,2 milhões de habitantes.
  54. ALMANAQUE ABRIL. Enciclopédia de Atualidades, Brasil e Mundo. São Paulo: Abril: 2006, p. 276 e 389.
  55. CALDEIRA, Jorge. História do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2. ed.1997, p. 229.
  56. Segundo o relatório do PNUD, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, divulgado em 7 de setembro de 2005 sobre a desigualdade no mundo, uma grande concentração ajuda a travar a expansão econômica e torna difícil que os pobres sejam beneficiados pelo crescimento. O relatório analisou o Índice de Desenvolvimento Humano em 177 países. O IDH considera a longevidade, a educação e a renda das populações.
  57. ALMANAQUE ABRIL. Enciclopédia de Atualidades. São Paulo: Ed. Abril, Brasil, 2006, págs. 62.
  58. PORTUGAL EXPRESSO. Nacionalidade. Disponível em: <http//:www.portugal-expresso.com/conteúdos/notas_sobre_nacionalidade.htm> Acesso em 30 ago 2003.
  59. SGARBOSSA, Luís Fernando. Impedimentos ao reconhecimento da cidadania italiana. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/7937> Acesso em 7 jul 2006.
  60. BUARQUE, Cristovam. Admirável mundo atual. São Paulo: Geração Editorial, 2001, p.173-174.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Márcio José Coutinho dos. O "jus sanguinis" como critério de determinação da nacionalidade da pessoa natural segundo o direito internacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2046, 6 fev. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12298. Acesso em: 26 abr. 2024.