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O Incidente de Deslocamento de Competência como mais um mecanismo de proteção dos direitos humanos

O Incidente de Deslocamento de Competência como mais um mecanismo de proteção dos direitos humanos

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Em que medida o Incidente de Deslocamento de Competência (IDC) concretiza as exigências de dignidade, liberdade e igualdade humanas, que formam a base de um Estado Democrático de Direito?

SUMÁRIO:1.INTRODUÇÃO. 2 DIREITOS HUMANOS. 2.1 Conceito de Direitos Humanos e o princípio da dignidade humana. 2.2 Demais princípios fundamentais do Sistema dos Direitos Humanos. 2.3 Histórico dos Direitos Humanos e o Processo de Internacionalização. 2.4 A proteção internacional dos Direitos Humanos. 2.5 História dos Direitos Humanos no Brasil. 3 O INCIDENTE DE DESLOCAMENTO DE COMPETÊNCIA: UMA NOVA TENTATIVA DE EFETIVAR A PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS. 3.1 Histórico do Incidente de Deslocamento de Competência. 3.2.A análise da Federalização enquanto solução para todos os descumprimentos de tratados internacionais por parte do Estado Brasileiro. 3.3.O caso Dorothy Stang e a decisão do Superior Tribunal de Justiça. 4.A FEDERALIZAÇÃO DAS GRAVES VIOLAÇÕES CONTRA OS DIREITOS HUMANOS: CAUSAS QUE REDUZEM O SEU CAMPO DE ATUAÇÃO. 4.1.A aplicação do princípio da proporcionalidade. 4.2.A restrição da aplicação do IDC ocasionada pelas expressões "em qualquer fase do inquérito ou processo". 4.3.Da legitimidade exclusiva do Procurador-Geral da República para provocar o Incidente de Deslocamento de Competência.. 5. CONCLUSÃO. 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


1. INTRODUÇÃO

A proposta deste estudo é demonstrar a importância dos instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos, bem como em que medida o mais recente instrumento previsto na Constituição de 1988 para a salvaguarda daqueles Direitos - o Incidente de Deslocamento de Competência (IDC) - concretiza as exigências de dignidade, liberdade e igualdade humanas existentes no plano internacional e nacional e que formam a base de um Estado Democrático de Direito.

O processo de universalização dos direitos humanos permitiu a formação de um sistema internacional de proteção destes direitos. Este sistema é integrado por tratados internacionais de proteção que refletem, sobretudo, a consciência ética compartilhada pelos Estados, na medida em que invocam o consenso internacional acerca de temas que objetivem a proteção dos direitos humanos.

O Brasil, nesse passo, aderiu a inúmeros documentos protetivos dos direitos do homem, não apenas com o fim de proteger os nacionais à luz do princípio da dignidade da pessoa humana e da prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II da CRFB/88), mas também de assegurar uma boa imagem do país no exterior através do cumprimento do disposto nos tratados internacionais dos quais é signatário.

A despeito disso, a realidade é que a violação destes direitos em nosso país tornou-se prática comum, criando um clima de revolta e de insegurança na população, além de provocar indignação internacional. De fato, o Estado brasileiro, ao cuidar de bem definir os ordenamentos que asseguram tais direitos, descurou em relação a instrumentos capazes de assegurar o seu pleno exercício. Com isso, conforme previsto na Constituição de 1988, as lesões aos crimes graves contra os direitos humanos ficaram sob a égide do aparelhamento policial e judicial dos Estados Federados que, em face de razões históricas, culturais, econômicas e sociais têm marcado sua atuação significativamente distanciada dessa temática. Esse distanciamento apresenta-se ainda mais concreto e evidente nas áreas periféricas das cidades e do campo, em que fatores econômicos e sociais preponderam indevidamente na ação do aparelhamento estatal.

Nesse contexto, o estudo do tema, por sua importância e atualidade, encontra enorme relevância, considerando que o Incidente de Deslocamento de Competência veio como resposta a esse quadro de impunidade que ora impera e que está a exigir medidas destinadas a revertê-lo, sob pena de conflitos sociais se agravarem de tal forma que venham fugir ao controle do próprio Estado.

Nesse sentido, também reveste-se de grande relevo o debate acerca da eficácia do referido instituto para atingir aquele desiderato, ou, em outras palavras, se é instrumento legítimo e idôneo de ampliação de acesso à justiça das vítimas de grave violação dos direitos humanos.

A análise adotará como ponto de partida a reflexão sobre o que devemos entender sobre direitos humanos e os antecedentes históricos do movimento de internacionalização, permitindo-se uma melhor compreensão do discurso contemporâneo de direitos, a partir do processo de universalização dos direitos humanos, deflagrado no pós-guerra. Perceber-se-á que, em face das atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial, a comunidade internacional passou a reconhecer que a proteção dos direitos humanos constitui questão de legítimo interesse e preocupação internacional e que, diante desse cenário, os direitos humanos passaram a transcender o domínio reservado do Estado ou a competência nacional exclusiva.

Assentadas essas premissas, será examinado o Incidente de Deslocamento de Competência nos casos de graves violações aos direitos humanos, seu conceito, suas características, os argumentos favoráveis e desfavoráveis à sua aplicação, à luz dos princípios constitucionais. Haverá uma explanação acerca do caso Dorothy Stang, que ocasionou a propositura do primeiro Incidente de Deslocamento de Competência, e a posterior decisão do Superior Tribunal de Justiça acerca do caso, da qual se extrai importantes elucidações para a comunidade nacional a respeito de quando aquele instituto jurídico deva guardar aplicação.

Posteriormente, e considerando o princípio da proporcionalidade, a ausência de uma ação preventiva estatal que iniba a ocorrência de graves violações dos direitos humanos, bem como o aspecto da legitimidade exclusiva do Procurador-Geral da República para propor o IDC, demonstrar-se-á que, muito embora tenhamos avançado no campo de proteção às vítimas de graves violações de direitos humanos, com a inserção no ordenamento jurídico de mais um instituto que visa a dar proteção àquelas, o Incidente de Deslocamento de Competência tende a ser usado de forma parcimoniosa, sendo aquelas as principais causas responsáveis pelo seu enfraquecimento e desuso.

Após a exposição dos argumentos pertinentes ao tema, intenta-se fazer com que a sociedade repense acerca dos direitos humanos, nas diferentes formas de assegurá-los, na maneira como se pode aperfeiçoar o Incidente de Deslocamento de Competência com vistas à sua concreta aplicação na sociedade, considerando que o princípio da dignidade da pessoa humana será protegido na exata medida em que efetivamente protegidos sejam aqueles direitos.


2.DIREITOS HUMANOS

humana.

Narra Norberto Bobbio em sua obra intitulada "A era dos direitos" [01] que um entrevistador após uma longa conversa sobre as características de nosso tempo que despertam viva preocupação para o futuro da humanidade, sobretudo três: o aumento cada vez maior e até agora incontrolado da população, o aumento cada vez mais rápido e até agora incontrolado da degradação do ambiente, o aumento cada vez mais rápido e até agora incontrolado da degradação do ambiente, o aumento cada vez mais rápido, incontrolado e insensato do poder destrutivo dos armamentos, perguntou-lhe ao final, se, em meio a tantas previsíveis causas de infelicidade, ele via algum sinal positivo. Respondeu-lhe que sim, que via pelo menos um desses sinais: a crescente importância atribuída, nos debates internacionais, entre homens de cultura e políticos, em seminários de estudo e em conferências governamentais, ao problema do reconhecimento dos direitos humanos.

Convém assinalar, entretanto, que a preocupação da humanidade com aquele tema, nos moldes como dimensionada pelo ínsito autor, passou por todo um lento e longo construído histórico.

De fato, a vontade do homem de ter uma vida digna através da garantia de direitos inerentes à própria condição humana existe desde a Antigüidade. Ocorre que, ao longo do tempo, as situações de massacre e degradação da espécie humana e do meio ambiente que a circunda foram inúmeras, o que levou ao sofrimento, ao constrangimento, à humilhação e ao total desrespeito ao bem da vida.

Cabe ressaltar que, embora desastrosos, tais momentos tiveram significativa importância para a história, tendo em vista que posteriormente a cada período de angústia, crescia no homem a pretensão de renovar a ordem vigente e criar meios para atingir o principal escopo da existência humana: o respeito à vida em todos os seus aspectos e independente de qualquer circunstância.

Consigne-se, também, que desde o início da era moderna, através da difusão das doutrinas jusnaturalistas, primeiro, e das Declarações dos Direitos do Homem, incluídas nas Constituições dos Estados liberais, depois, o problema acompanha o nascimento, o desenvolvimento, a afirmação, numa parte cada vez mais ampla do mundo, do Estado de Direito. Todavia, as principais medidas protetivas da dignidade humana tiveram origem após a Segunda Guerra Mundial, período histórico marcado pela evolução das mais desenvolvidas e abomináveis técnicas de destruição do homem. As seqüelas deixadas por esse conflito de repercussão internacional fizeram o mundo entender que algo precisava ser feito para preservar os direitos fundamentais do indivíduo.

Diante disso, é certo afirmar que não poderemos avançar no estudo das medidas protetivas dos direitos humanos, em especial no instituto que constitui o objeto deste trabalho, sem antes entendermos o conceito, a amplitude, os princípios do sistema desses direitos, aplicáveis tanto na seara nacional, quanto na internacional.

Nesse sentido, os direitos humanos podem ser entendidos como direitos Universais [02], indivisíveis e interdependentes cuja titularidade está vinculada à simples condição de ser humano. Trata-se, pois, de direitos inerentes ao homem, que se originam através da conjugação de fatores políticos, religiosos e históricos. O principal escopo de tais direitos é garantir a dignidade humana, através da limitação dos arbítrios estatais e da consagração dos princípios da igualdade, liberdade e fraternidade.

Citando Nanda [03], Carlos Japiassú afirma que, de uma maneira geral, direitos humanos são definidos, abstratamente, como dignidade humana, os direitos gerais de todos os membros da raça humana, sem distinção de tempo, lugar, cor, sexo nascimento ou grupo social.

Segundo João Batista Herkenhoff [04], por direitos humanos entende-se:

Aqueles direitos fundamentais que o homem possui pelo fato de ser homem, por sua própria natureza humana, pela dignidade que a ela é inerente. São direitos que não resultam de uma concessão da sociedade política. Pelo contrário, são direitos que a sociedade política tem o dever de consagrar e garantir.

O professor espanhol Eusébio Fernandez [05] também se dedicou a conceituar direitos humanos, afirmando, com muita propriedade, que:

La expresión que me parece más adecuada y que creo mejor delimita la situación teórica actual de los derechos humanos seria ‘derechos fundamentales del home’. Con ella se quiere manifestar que toda persona posee unos derechos morales por el hecho de serlo y que éstos deben ser reconocidos y garantizados por la sociedade, el Derecho y el poder político sin ningún tipo de discrimanción social, económica, jurídica, política, ideológica, cultural o sexual. Pero al mismo tiempo se quiere subrayar que esos derechos son fundamentales, es dicir, que se hallan estrechamente conectados com la idea de dignidade humana y son al mismo tiempo las condiciones del desarrollo de esa idea de dignidad.

O professor Luis Otavio O. Amaral [06], de maneira mais abrangente, sublinha que:

Os direitos humanos são especifidades do conceito genérico direito subjetivo, são, pois, os direitos subjetivos mais caros aos homens porque mais identificados com seus status dignitatis (nível/grau de dignidade) - na escada da dignidade (respeito devido aos seres vivos) o ser humano está no topo. São, assim, inerentes a todos os seres humanos e por toda a vida humana (com projeções para além da vida), por isso dito direitos congênitos, inatos. São direitos que pertencem ao homem já pelo simples fato dele ser humano (veja-se direitos personalíssimos, originários...), que nascem com o homem ou que pertencem ao gênero humano, independentes da raça, sexo, idade, religião, ou grau de civilização ou instrução e que são irredutíveis mesmo quando pertencentes a criminosos desumanos, eis que a rigor, são direitos absolutos sempre mais em atenção ao gênero humano que ao indivíduo humano; são, pois, garantias mínimas do respeito que todos devemos à espécie humana.

Destarte, é notória a multiciplidade de significados atribuídos à expressão direitos humanos. Todavia, importa frisar que os direitos do homem são fruto da história da humanidade, sendo que, ao longo do tempo, o rol de direitos que passaram a ser assim considerados foi sendo gradativamente ampliado e adaptado à realidade social, dentro de uma concepção global da vida humana.

Se o conceito e a historicidade dos direitos humanos não são um dado, mas um construído, há que ressaltar, parafraseando Flávia Piovesan [07], que as violações a esses direitos também o são. Isto é, as violações, as exclusões, as discriminações e as intolerâncias são um construído histórico, a ser urgentemente desconstruído. Há que assumir o risco de romper com a cultura da "naturalização" das desigualdades e das exclusões, que, enquanto construídos históricos, não devem compor de forma inexorável o destino de nossa humanidade. Há que enfrentar essas amarras, mutiladoras do protagonismo, da cidadania, da dignidade e da potencialidade de seres humanos.

Outrossim, cabe citar que após a Segunda Guerra Mundial surgiu uma nova concepção dos direitos humanos, fundamentada na dignidade da pessoa humana e introduzida pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.

Fraseia Flávia Piovesan [08] que essa nova concepção dos direitos humanos:

É caracterizada pela universalidade e indivisibilidade destes direitos. Universalidade porque clama pela extensão universal dos direitos humanos, sob a crença de que a condição de pessoa é o requisito único para a dignidade e titularidade de direitos. Indivisibilidade porque a garantia dos direitos civis e políticos é condição para a observância dos direitos sociais, econômicos e culturais e vice-versa. Quando um deles é violado, os demais também o são.

Sob o prisma histórico, a primazia jurídica do valor da dignidade humana é resposta à profunda crise sofrida pelo positivismo jurídico, associada à derrota do fascismo na Itália e do Nazismo na Alemanha. Esses movimentos políticos e militares ascenderam ao poder dentro do quadro da legalidade e promoveram a barbárie em nome da lei, como leciona Luís Roberto Barroso. [09]

Nesse contexto, ao final da Segunda Guerra Mundial emerge a grande crítica e o repúdio à concepção positivista de um ordenamento jurídico indiferente a valores éticos, confinado à ótica meramente formal.

É justamente sob o prisma da reconstrução dos direitos humanos que é possível compreender, no Pós-Guerra, de um lado, a emergência do chamado Direito Internacional dos Direitos Humanos e, de outro, a nova feição do Direito Constitucional ocidental, em resposta ao impacto das atrocidades então cometidas. No âmbito do Direito Constitucional ocidental, são adotados Textos Constitucionais abertos a princípios, dotados de elevada carga axiológica, com destaque para o valor da dignidade humana. Esta será a marca das Constituições européias do Pós-Guerra.

Na experiência brasileira - conforme adiante veremos - e mesmo na latino-americana, a abertura das Constituições a princípios e a incorporação do valor da dignidade humana demarcarão a feição das Constituições promulgadas ao longo do processo de democratização política. Basta atentar para a Constituição brasileira de 1988, em particular à previsão inédita de princípios fundamentais, dos quais destaca-se o princípio da dignidade da pessoa humana.

Intenta-se a reaproximação da ética e do direito, e, neste esforço, surge a força normativa dos princípios, especialmente do princípio da dignidade da pessoa humana. Há um reencontro com o pensamento Kantiano, com as idéias de moralidade, dignidade, direito cosmopolita e paz perpétua.

Para Kant, as pessoas devem existir como um fim em si mesmo e jamais como um meio, a ser arbitrariamente usado para este ou aquele propósito. Os objetos têm, por sua vez, um valor condicional, enquanto irracionais, por isso são chamados "coisas", substituíveis que são por outras equivalentes. Os seres racionais, ao revés, são chamados "pessoas", porque constituem um fim em si mesmo, têm um valor intrínseco absoluto, são insubstituíveis e únicos, não devendo ser tomados meramente como meios. [10] As pessoas são dotadas de dignidade, na medida em que têm um valor intrínseco.

Se, no plano internacional, o impacto desta vertente "Kantiana" se concretizou com a emergência do "Direito Internacional dos Direitos Humanos" (todo ele fundamentado no valor da dignidade da pessoa humana), no plano dos constitucionalismos locais, aquela vertente se concretizou, vale repisar, com a abertura das Constituições à força normativa dos princípios, com ênfase ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Pontue-se, ainda, que há a interação do Direito Internacional dos Direitos Humanos e os direitos locais, passando aquele a ser parâmetro e referência ética a inspirar o constitucionalismo ocidental.

Sustenta-se que é no princípio da dignidade da pessoa humana que a ordem jurídica encontra o próprio sentido, seu ponto de partida e de chegada, para a hermenêutica constitucional contemporânea. Consagra-se, assim, a dignidade da pessoa humana como verdadeiro superprincípio, a orientar tanto o direito internacional como o direito interno.

No dizer de Ana Paula Barcellos, "as normas-princípios sobre a dignidade da pessoa humana são, por todas as razões, as de maior grau de fundamentalidade na ordem jurídica como um todo. A elas devem corresponder as modalidades de eficácia jurídica mais consistentes." [11]

Consigne-se que, no caso brasileiro, se os princípios gerais do direito, de acordo com a Lei de Introdução ao Código Civil, constituíam fonte secundária e subsidiária do direito, aplicável apenas na omissão da Lei, hoje os princípios fundamentais da Constituição Federal constituem a fonte primária por excelência para a tarefa interpretativa. Dele deve decorrer todo o raciocínio jurídico interpretativo. Queremos dizer com isso que o intérprete e o aplicador da lei, bem como todo e qualquer operador do direito, e ainda o legislador e o administrador do Executivo devem ter em mente, para a prática de seus atos, esse fundamento.

É através da dignidade da pessoa humana que a nação brasileira e as pessoas que a compõem devem ser vistas, principalmente na interpretação e na aplicação da lei.

A idéia, há muito ventilada, de que o Estado soberano poderia até violar a dignidade da pessoa humana, está completamente afastada. Seja no Brasil, por força de seu mais importante fundamento, seja no mundo, por força da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

A esse propósito, muito bem colocadas foram as palavras de Alexandre de Moraes, [12] ao citar que:

O direito à vida privada, à intimidade, à honra, dentre outros, aparecem como conseqüência imediata da consagração da dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil. Esse fundamento afasta a idéia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e nação, em detrimento da liberdade individual.

2.2 Demais princípios fundamentais do Sistema dos Direitos Humanos.

Antes de adentrarmos no capítulo atinente à internacionalização dos direitos humanos, cumpre-nos destacar os princípios que regem o sistema desses direitos, que são de suma importância para o entendimento daquele tema, como também para a clara percepção do tema específico do presente trabalho.

Para tanto, destacaremos a sistematização feita por Fábio Konder Comparato [13], segundo o qual o sistema de direitos humanos é embasado por princípios de ordem axiológica e estrutural. Os princípios de ordem valorativa representam ideais buscados pelo homem ao longo da história e preconizados inicialmente pela Revolução Francesa de 1789: liberdade, igualdade e fraternidade.

O ideal de liberdade retrata a necessidade do cidadão ser representado por um governante escolhido pelo povo e de um ordenamento jurídico editado por representantes eleitos também por aquele. Em suma, a liberdade configuraria um autogoverno.

Ocorre que a descrição supramencionada do princípio em questão refere-se na realidade ao lado público da liberdade. Esta pode ser também privada, quando há a possibilidade do cidadão defender-se dos arbítrios e interferências estatais na vida particular do indivíduo.

Indagar-se-ia então: qual faceta do princípio da liberdade deve ser almejada? De acordo com Comparato, as duas. Um governo em que exista liberdade pública sem a privada é demagogo e não respeita a individualidade do cidadão. Outrossim, uma representação política em que haja respeito à liberdade privada, mas a liberdade pública é olvidada, é arbitrário e totalitário. Desse modo, a liberdade como um todo é um dos nortes do sistema dos direitos humanos.

A igualdade constitui o direito que todos têm de receber igual tratamento dos representantes políticos. Tal ideal de igualdade fez com que acabassem as diferenciações através de estamentos e as sociedades passaram a ter apenas uma grande divisão: proprietários e trabalhadores. Ocorre que, contrariando as afirmações de Marx de que o capitalismo dependia da mão-de-obra trabalhadora e um dia esta iria impor sua força, os trabalhadores ao longo dos anos foram progressivamente sendo subjugados e lamentavelmente a concepção de igualdade afasta-se cada vez mais da realidade prática.

Por fim, há o principio da solidariedade. Esta representa a responsabilidade de toda a sociedade em relação à dignidade humana de todos os cidadãos que não apresentarem condições de estruturar por si só sua própria subsistência.

Ademais, da noção de solidariedade surge o dever do governo realizar políticas públicas em prol das camadas mais desfavorecidas economicamente. A partir dessa concepção, surgiram os direitos sociais, que garantem à população o direito à educação, seguridade social, moradia, trabalho, proteção ao trabalhador assalariado, alimentação, vestimenta, dentre outros.

Os princípios de ordem estrutural são a irrevogabilidade e a complementariedade solidária.

O princípio da irrevogabilidade diz respeito à proibição da supressão de direitos humanos e à revogação de tratados internacionais desses direitos, tendo em vista que são inerentes à própria condição de ser humano, independente de positivação. Já o princípio da complementariedade solidária encontra respaldo no fato de que todo indivíduo, pelo simples fato de ser humano, merece igual respeito e tratamento, independentemente de peculiaridades políticas, regionais, sociais, econômicas e culturais.

O referido princípio foi exposto na Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada em Viena no ano de 1993, da seguinte forma:

Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos de forma global, justa e eqüitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase. Embora particularidades nacionais e regionais devam ser levadas em consideração, assim como diversos contextos históricos, culturais e religiosos, é dever dos Estados promover e proteger todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, sejam quais forem seus sistemas políticos, econômicos e culturais. [14]

2.3 Histórico dos Direitos Humanos e o Processo de Internacionalização.

Vimos que a evolução dos Direitos Humanos ao longo da História está intimamente vinculada a períodos de sofrimento do homem, em que pressões, guerras, torturas e governos centralizadores, fizeram com que em diferentes fases históricas, os seres humanos pensassem em sua integridade e reconhecessem necessidades gerais da humanidade, independentemente de determinações legais.

Salientamos, também, que a noção da existência de direitos inerentes ao homem, comuns a todos os indivíduos, se inicia na Antigüidade, mais especificamente entre os séculos II e VIII A.C. Este representa o período axial, fase histórica importante marcada pelo surgimento da democracia, filosofia e de uma conseqüente análise racional da realidade, antes compreendida apenas sob a visão mitológica. Nesse período, surge a idéia de uma igualdade essencial entre todos os homens [15], que constituirá um dos principais embasamentos para o reconhecimento dos direitos humanos.

Os períodos de Baixa Idade Média e do século XVII constituem também fases importantes na evolução dos direitos universais. Inexistia ainda a noção de afirmação e reconhecimento de direitos globais, comuns a todos os seres humanos. No entanto, crescia a noção de liberdade entre os homens e a vontade de se impor limites aos arbítrios estatais.

Os períodos supracitados, dentro de suas respectivas e diferentes conjunturas, evidentemente, representam marcos na resistência ao poder absoluto e na conquista de liberdades. Cabe ressaltar que, embora estas fossem individuais e beneficiassem principalmente o clero e a nobreza, como por exemplo, o Bill of Rights do final do século XVII, já se pode depreender daqueles momentos históricos a idéia da importância de um governo representativo, racional e descentralizador.

Entretanto, é somente no final do século XVIII, com o advento da Declaração de Virgínia de 1776 e a posterior Declaração Francesa de 1789, esta última caracterizada pela tríade liberdade, igualdade e fraternidade, que o mundo presenciou uma efetiva luta pelo reconhecimento de liberdade e igualdade entre todos os homens. As referidas declarações trouxeram mudanças radicais e significativas para a humanidade, com a idéia de que todo e qualquer poder pertence ao povo e dele deriva, conforme dispõe o artigo II da Declaração de Direitos de Virgínia.

Contudo, é importante citar que os movimentos em questão, ocorridos quase que concomitantemente, na América do Norte e na França, foram liderados pela burguesia, com o intuito de restringir os poderes estatais e os privilégios estamentais do clero e da nobreza, sem que houvesse uma verdadeira preocupação com o povo.

João Baptista Herkenhoff ratifica a afirmação anterior, dispondo que "os direitos do homem e do cidadão, proclamados nessa fase histórica, quer na América, quer na Europa, tinham um conteúdo bastante individualista, consagrando a chamada democracia burguesa. [16]

No entanto, é inegável a importância das declarações, tendo em vista que os direitos apresentados por estas representaram a primeira geração de direitos humanos, que compreende os direitos civis e políticos. Marcos Rolim [17] define essa fase embrionária dos direitos homem, afirmando que estes:

(...) assinalam, particularmente, uma separação entre Estado e não-Estado. Trata-se de um conjunto de direitos individuais universalizados pela doutrina liberal que marcam a emancipação do poder político, a superação do Estado absoluto e religioso e a liberação do poder econômico diante dos entraves feudais. A estes direitos se faz acrescentar os direitos individuais exercidos coletivamente; a liberdade de associação, reconhecida na primeira emenda da constituição norte-americana, que amparou o processo histórico de criação dos partidos políticos e dos sindicatos. Assim, o desenvolvimento do liberalismo acolhia um episódio destinado a exercer papel decisivo na consolidação das democracias modernas contribuindo para a universalização de procedimentos que apontam para a necessidade do controle político do poder político.

Fernando Barcellos de Almeida [18] considera que a evolução do processo de internacionalização da proteção de direitos fundamentais encontra suas raízes normativas nos primeiros tratados de repressão ao tráfico de escravos e à escravidão, em meados do século XIX.

Ocorre que, se por um lado, os direitos humanos de primeira geração representaram o primeiro importante passo da humanidade contra pressões e arbítrios estatais, por outro há que se considerar a situação de maior vulnerabilidade a que os indivíduos ficaram expostos. O liberalismo e a idéia de igualdade de todos perante a lei fizeram com que o homem perdesse a proteção e a segurança oferecidas pelo grupo familiar, religioso ou estamental do qual fazia parte [19], deixando-o aberto a quaisquer tipos de mazelas que pudessem aparecer. Os direitos liberais, portanto, não foram suficientes para garantir ao indivíduo necessidades básicas, tais como saúde, alimentação, segurança social, trabalho, educação, dentre outros.

Desse modo, surgiu a segunda geração de direitos humanos, que reconheceu direitos econômicos, sociais e culturais a fim de garantir o melhor aproveitamento possível dos direitos de primeira geração. Cabe ressaltar, entretanto, que a positivação dos direitos sociais se deu apenas nos primeiros anos do século XX, inicialmente nas constituições mexicana e russa.

De acordo com Fábio Konder Comparato, "o titular desses direitos não é o ser humano abstrato, com o qual o capitalismo sempre conviveu maravilhosamente; é o conjunto dos grupos sociais esmagados pela miséria, a doença, a fome e a marginalização". [20]

Marcos Rolim dispõe que "o titular desses direitos, entretanto, continuava sendo o indivíduo singular, agora mais apto a exercitar mesmo os direitos de primeira geração pelas garantias obtidas no respeito aos direitos de crédito." [21]

É imprescindível citar que ao longo do século XIX a proteção aos direitos humanos se dava pelas vias diplomáticas, através das quais cada Estado protegia os direitos de seus cidadãos, independentemente do local em que eles estivessem. Cabe sublinhar, entretanto, que o referido sistema diplomático entrou em declínio na primeira metade do século XX através da Primeira e Segunda Guerras Mundiais.

Importante ressaltar, também, que o período acima representou a fase inicial de internacionalização dos direitos humanos, marcada por institutos de relevante importância histórica, como a Convenção de Genebra de 1864, a Liga das Nações, criada após a Primeira Grande Guerra, o Ato Geral da Conferência de Bruxelas de 1890, a Organização Internacional do Trabalho.

Apesar disso, conforme já salientamos, somente após a Segunda Guerra Mundial, período em que o mundo presenciou cenas de total desrespeito e degradação da raça humana através de pressões, torturas e genocídios embasados principalmente na força dos governos totalitários, o homem voltou a pensar na importância da dignidade humana.

Nessa esteira, Cassin assevera que:

Se a Primeira Guerra Mundial foi ideologicamente lutada pela independência das nacionalidades e também pelo estabelecimento da segurança coletiva e pela organização da paz internacional, a Segunda Guerra Mundial revestiu essencialmente o caráter de uma cruzada pelos direitos humanos. [22]

A professora Flávia Piovesan afirma que "se a Segunda Guerra significou a ruptura com os direitos humanos, o Pós-Guerra deveria significar a sua reconstrução". [23]

A Carta das Nações Unidas de 1945 (Carta de San Francisco) apresentou a importância de se defender, proteger e respeitar os Direitos Humanos, sendo importante no processo de internacionalização. Deve-se ressaltar, entretanto, que a verdadeira concretização da unificação da humanidade deu-se em 10 de dezembro de 1948, quando na Assembléia Geral das Nações Unidas foi aprovada a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Além da Declaração Universal dos Direitos Humanos, pode-se também destacar como um dos marcos da internacionalização dos direitos do homem a Convenção Internacional sobre a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio.

No tocante a mais recente fase da evolução mundial dos Direitos Humanos, o que não se pode olvidar é que os novos entendimentos e compreensões acerca da necessidade de valorização da dignidade humana trouxeram como conseqüência o surgimento de uma terceira geração de direitos humanos, que tem como titulares grupos de pessoas e não consagram apenas os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais. São eles os direitos dos povos e da humanidade.

Os primeiros, consagrados na Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, garantem a todos os povos o direito ao desenvolvimento social, cultural econômico, a liberdade para dispor e explorar bens e recursos naturais, a paz e a segurança, ao passo que os segundos dizem respeito a um reconhecimento da humanidade enquanto titular de direitos, tais como preservação do meio ambiente e de monumentos considerados como integrantes do patrimônio mundial. [24]

Por fim, cabe ressaltar que a atual fase de internacionalização dos direitos humanos ainda está em desenvolvimento e já há quem afirme a existência de direitos humanos de quarta geração, decorrentes das inovações tecno-científicas, como os direitos informáticos e os ligados a operações genéticas.

2.4 A proteção internacional dos Direitos Humanos.

Norberto Bobbio afirma que "os direitos humanos nascem como direitos naturais universais, desenvolvem-se como direitos positivos particulares (quando cada Constituição incorpora Declarações de Direito), para finalmente encontrarem sua plena realização como direitos positivos universais." [25]

Conforme visto, após a Segunda Guerra Mundial o mundo convergiu para um ideal de reconstrução dos direitos humanos, que haviam sido esquecidos e desrespeitados em demasia em tempos anteriores. Assim, surgiu uma concepção contemporânea dos direitos do homem, fundamentada nos valores e princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.

Essa nova fase dos direitos humanos introduziu a noção de que a proteção desses direitos não pode se limitar exclusivamente à competência nacional, uma vez que há interesse internacional no tocante à matéria.

A esse respeito, Sylvia Helena F. Steiner acrescenta que:

Igualmente marcante, no período que se seguiu à Declaração Universal, foi a renovação de determinados conceitos, especialmente ligados aos direito internacional, na medida em que diversos tratados e convenções passam a apontar um novo sujeito passivo, um novo titular de direitos no plano internacional: a humanidade. Não mais os Estados como sujeitos típicos do direito internacional, ou mesmo os cidadãos, vis-à-vis os Estados, mas a comunidade, o coletivo heterogêneo ou difuso, a espécie humana (...) A personalização da ´humanidade` como sujeito de direitos na esfera internacional vem como principal marco divisório da história do direito das pessoas em nosso tempo. [26]

Norberto Bobbio dá continuidade às afirmações supramencionadas quando sublinha que:

Os direitos do homem são direitos históricos, nascidos de modo gradual, partindo de um caminho contínuo da concepção individualista da sociedade, pelo qual se vai do reconhecimento dos direitos de cada cidadão frente ao Estado até o reconhecimento dos direitos do cidadão do mundo, cujo primeito anúncio foi a Declaração Universal dos Direitos do Homem. [27]

Destarte, o advento de um direito internacional dos direitos humanos, dotado de regras que estabelecem os direitos que os seres humanos possuem para o desenvolvimento de sua personalidade, determinando mecanismos de proteção, acarretou na relativização da soberania estatal e na solidificação da noção de que todo cidadão deve ser protegido internacionalmente no que diz respeito a determinados direitos inerentes à condição humana.

Embora ainda seja uma questão controversa, a noção de restrição da soberania estatal encontra alicerce no fato de existir a possibilidade do sistema internacional de proteção dos direitos em questão intervir no âmbito doméstico em casos de violação dos direitos do homem.

No tocante à relativização da soberania estatal, Antônio Augusto Cançado Trindade salienta que uma das conseqüências da internacionalização dos direitos humanos é:

a erosão da autodenominada jurisdição doméstica. O tratamento dado pelo Estado aos seus próprios nacionais passa a ser assunto de interesse internacional (...). Assim, a partir da globalização da proteção aos direitos humanos e ao meio ambiente, atesta-se o crescimento de obrigações erga onmes e o conseqüente declínio do instituto da reciprocidade. As obrigações em relação aos direitos humanos de quaisquer "gerações" passam a ser entendidas como garantias de ordem pública, o que significa uma verdadeira revolução nos postulados do direito internacional tradicional. [28]

A declaração de 1948, responsável pela percepção hodierna dos direitos humanos, marcada pela universalidade e indivisibilidade dos aludidos direitos, foi o primeiro de muitos documentos internacionais de proteção.

Importante citar também a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio de 1948, tratado importante na nova concepção dos direitos do homem, uma vez que traz expressamente o conceito de humanidade como sujeito de direitos; as Convenções de Genebra de 1949, que trouxeram a noção de crimes contra a humanidade; a Convenção relativa à Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural de 1792 e a Declaração de Estocolmo sobre Meio Ambiente, as duas últimas responsáveis pela consagração de direitos da humanidade.

Flávia Piovesan expõe que o processo de universalização dos direitos humanos permitiu a formação de um sistema internacional de proteção que é integrado por tratados internacionais de proteção que refletem, sobretudo, a consciência ética contemporânea compartilhada pelos Estados, na medida que invocam o consenso internacional acerca de temas centrais aos direitos humanos. Nesse sentido, cabe destacar que, em julho de 2007, a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher contava com 185 Estados-Partes; que a Convenção sobre os Direitos da Criança contava com 193 Estados-Partes (a mais ampla adesão); que, em outubro de 2007, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais contava com 157 Estados-Partes e que a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes contava com 145 Estados-Partes. [29]

Ainda sobre o sistema internacional de proteção dos direitos humanos, deve-se lembrar que este é complementado por três sistemas regionais de proteção: Europeu, Americano e Africano e fundamentados na Declaração de 1948. Seguindo a prioridade da pessoa humana e tendo por base a idéia da existência de direitos inerentes a todos os homens, independentemente de política, cultura ou religião, os referidos sistemas, tanto o global quantos os regionais, se integram, proporcionando uma proteção mais ampla e efetiva dos direitos humanos, através da aplicação do princípio da solidariedade, obedecendo, assim, à diretriz do Direito Internacional dos Direitos Humanos.

Richard B. Bilder, citado por Flávia Piovesan, salienta que o movimento do direito internacional dos direitos humanos é baseado na concepção de que toda nação tem a obrigação de respeitar os direitos humanos de seus cidadãos e de que as nações e a comunidade internacional têm o direito e a responsabilidade de protestar, se um Estado não cumprir suas obrigações. [30]

Consigne-se, por oportuno, que os tratados internacionais representam a fonte principal do Direito Internacional, constituindo uma terminologia genérica e abrangente que inclui acordos, protocolos, convenções e documentos internacionais de consenso entre Estados em geral.

Ao longo da história diversos documentos internacionais retrataram a importância da proteção dos direitos humanos e, de modo gradativo, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, foi sendo construído um sistema normativo internacional que tem como objetivo a primazia pela dignidade humana.

Todavia, a simples existência de um conjunto normativo dos direitos humanos não é suficiente para a eficácia da proteção internacional, uma vez que a garantia efetiva dos direitos do homem se dará apenas com a existência de um instrumento de responsabilização internacional.

O desenvolvimento da responsabilidade internacional do Estado por violação dos direitos humanos não é feito através de proteção diplomática, mas sim, através do Direito Internacional dos Direitos Humanos, que fornece ao indivíduo um rol de direitos internacionalmente consagrados e, ao mesmo tempo, acesso a instâncias internacionais para que seja averiguada a lesão a esses direitos. Note-se que, no plano internacional, vige o princípio da subsidiariedade, pelo qual cabe ao Estado a responsabilidade primária no tocante aos direitos humanos, tendo a comunidade internacional uma responsabilidade secundária e subsidiária.

Outrossim, convém consignar, que, em dezembro de 1998, finalmente, o Estado brasileiro reconheceu a competência jurisdicional da Corte Interamericana de Direitos Humanos (nos termos do Decreto Legislativo nº 89, de 3 de dezembro de 1998) e, em 7 de fevereiro de 2000, o Brasil assinou o Estatuto de Roma, que cria o Tribunal Internacional Criminal Permanente, tendo este sido ratificado em 20 de junho de 2002. O Estado brasileiro começa, assim, a romper com a antiga postura de aceitar a sistemática de direitos internacionais e, ao mesmo tempo, negar as garantias internacionais de proteção. Além disso, destaca-se o intenso envolvimento do Brasil nos órgãos internacionais voltados à tutela dos direitos humanos, como na Corte e na Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

Cumpre informar que, em relação ao sistema interamericano, se a Comissão interamericana considerar que um dos Estados-partes descumpriu o disposto em seu conteúdo, a mesma tem a possibilidade de submeter o ocorrido à Corte Interamericana, de forma direta e automática, conforme o disposto no artigo 44 do Regulamento da Comissão Interamericana.

A respeito dos instrumentos internacionais sancionatórios, Flávia Piovesan ensina que para os Estados violadores de direitos humanos, estes mecanismos podem gerar situações politicamente delicadas e constrangedoras no âmbito internacional. Ao enfrentar a publicidade das violações de direitos humanos, bem como as pressões internacionais, os Estados vêem-se compelidos a apresentar justificativas a respeito de sua prática. A ação internacional e as pressões internacionais podem, assim, contribuir para transformar uma prática governamental específica, referente aos direitos humanos, conferindo suporte ou estímulo para reformas internas. Ressalta, de outro modo, que cada vez mais, o respeito aos direitos humanos tem se tornado um aspecto crucial de legitimidade governamental, tanto no âmbito doméstico, como no internacional. [31]

Após essa visão global, ater-nos-emos ao panorama da evolução dos direitos humanos no Brasil, a fim de que possamos adentrar no tema específico do presente ensaio.

2.5 História dos Direitos Humanos no Brasil.

João Baptista Herkenhoff [32] vincula o histórico de proteção dos direitos humanos no Brasil à história das constituições brasileiras. A análise deste referencial apresentado pelo autor mostra que, de fato, cada carta constitucional brasileira teve primordial participação no processo de evolução dos direitos do homem no país.

Cabe ressaltar, entretanto, que o referido processo foi marcado por períodos oscilantes entre um efetivo reconhecimento de novos direitos e outros de profundo retrocesso, em que os conceitos de unificação da humanidade e da dignidade humana foram esquecidos pelos governantes da época, conforme se pode depreender da linha histórica traçada abaixo, iniciada no Brasil Imperial.

A constituição de 1824, outorgada no Império após a dissolução da constituinte, causou a manifestação da população, em virtude de seu caráter autoritário. Tal fato fez com que certos direitos fossem reconhecidos pela Constituição imperial. Os direitos civis e políticos foram os mais protegidos pelo referido documento, através da garantia à liberdade, segurança individual e propriedade privada.

A proclamação da República trouxe como conseqüência uma nova carta constitucional em 1891. Assim como a Constituição do Império, a Republicana também atuou na área dos direitos civis e políticos, dando continuidade aos existentes na Carta anterior. Embora não tenha provocado uma mudança efetiva na vida social, o que fez com que o poder continuasse centralizado nas mãos de uma minoria privilegiada economicamente e não tenha instituído o sufrágio universal, a nova constituição foi de extrema importância, uma vez que, dentre outros fatores, extinguiu uma série de obstáculos econômicos ao exercício do voto, além de estabelecer sufrágio direito para escolha de presidente e vice-presidente da república, senadores e deputados.

Em 1930 o Brasil presenciou um período de total desrespeito e esquecimento dos direitos humanos, em virtude da revolução tenentista. A situação causou a revolta de muitos, acarretando na revolução constitucionalista de 1932, que levou à nomeação de uma comissão para elaborar uma nova constituição.

Embora tenha sido marcada pela censura à imprensa, a Constituição de 1934 teve importante participação na ampliação de direitos individuais, sociais e culturais. Essa Carta, dentre outros direitos, protegeu o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada; proibiu a prisão perpétua; concedeu garantia aos trabalhadores; instituiu a Justiça Eleitoral e o voto secreto.

Ocorre que com o advento do Estado Novo em 1937 o país voltou a presenciar cenas de tirania e as liberdades individuais foram suprimidas dos cidadãos quase em sua totalidade. Foi um período de declarado retrocesso na evolução dos direitos humanos no Brasil.

A Constituição de 1946 trouxe a redemocratização ao Brasil, garantindo direitos individuais, sociais e culturais. No entanto, a Constituição de 1967 representou mais uma vez um período de supressão dos direitos humanos, em função da conjuntura da ditadura militar.

Durante o período ditatorial o desrespeito aos direitos do homem foi gritante e progressivo. A partir de 13 de dezembro de 1968, a fase mais lamentável da história brasileira teve início, com o Ato Institucional 5, o AI-5. Enquanto vigorou o AI-5, a noção de direitos humanos inexistiu no Brasil. As arbitrariedades do governo dominavam a situação e a população ficou sujeita a torturas, pressões, assassinatos, repressão, censura, dentre outras atrocidades violadoras das liberdades individuais. Cabe ressaltar que até mesmo o advento de uma nova constituição em 1969 não fez cessar as barbaridades garantidas pelo AI-5, que caiu somente em 1978.

Após um longo período de massacres, a luta pela liberdade e pela democracia teve a primeira vitória, quanto em 1979 foi concedida a anistia. De acordo com João Baptista Herkenhoff a luta pela anistia representou "uma das páginas de maior grandeza moral escrita pela História contemporânea do Brasil." [33]

Ocorre que antes de saírem da frente do governo, os militares fizeram votar a Lei nº 6.683 de 28 de agosto de 1979, que concedia anistia por todos os crimes praticados pelos governantes durante o período ditatorial, dispondo ainda que qualquer pretensão indenizatória contra a União em função dos referidos ilícitos penais prescreveria em cinco anos. [34]

Entretanto, em razão de forte pressão da opinião pública acerca da anistia nos âmbitos nacional e internacional, foi votada a Lei 9.140 de 4 de dezembro de 1995, que garantiu indenização às famílias de pessoas desaparecidas por motivos políticos no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979 e considerou esses indivíduos como mortos. De acordo com Fábio Konder Comparato, "o direito à vida, pressuposto de todos os direitos, acabou por se impor entre nós, mesmo contra disposições expressas do direito positivo". [35]

As conquistas dos brasileiros tiveram continuidade com a convocação da constituinte e a conseqüente proclamação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a Constituição Cidadã. Flávia Piovesan sublinha que "a Constituição de 1988 é o marco jurídico da transição democrática e da institucionalização dos direitos e garantias fundamentais. O texto demarca a ruptura com o regime autoritário militar instalado em 1964, refletindo o consenso democrático pós-ditadura." [36]

A esse respeito, convém consignar que o processo de democratização iniciado no Brasil não apenas implicou transformações no plano interno, mas acenou com mudanças na agenda internacional do Brasil. Essas mudanças contribuíram para a reinserção do País no contexto internacional. Nessa quadra, percebe-se que os valores democráticos que marcaram o debate nacional, em um momento histórico de ruptura com o ciclo de autoritarismo pelo qual passou o País, invocaram uma agenda internacional renovada no âmbito brasileiro.

Diante desse cenário, pode-se afirmar que o fator principal e de maior relevância para o ingresso de um sistema normativo internacional no Brasil, complementar ao ordenamento jurídico interno e de notória importância na proteção aos direitos do homem foi o advento da Constituição da República de 1988, que introduziu na ordem jurídica nacional a primazia dos direitos humanos, conforme se pode depreender dos artigos 1º, inciso III e 4º, inciso II, ambos da Carta Maior.

De outro modo, os tratados internacionais de direitos humanos se aplicam no âmbito do ordenamento jurídico interno brasileiro, devido, sobretudo, à ênfase dos parágrafos 2º e 3º do art. 5º da Constituição de 1988, não mais se justificando, portanto, que, no presente domínio de proteção, o direito internacional e o direito interno continuem sendo abordados de forma estática e compartimentalizada, como ocorrera até então. [37]

Destarte, desde a Carta de 1988 o Brasil vivencia uma nova fase no que diz respeito à restauração dos direitos humanos através de normas que tem como principal embasamento a dignidade humana, valor supremo da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e norma maior a orientar o constitucionalismo contemporâneo, nas esferas local e global, dotando-lhe de especial racionalidade, unidade e sentido.

O marco inicial do processo de incorporação do Direito Internacional dos Direitos Humanos pelo Direito brasileiro foi a ratificação, em 1º de fevereiro de 1984, da Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher. A partir dessa ratificação, inúmeros outros relevantes instrumentos de proteção dos direitos humanos foram também incorporados pelo Direito brasileiro, sob a égide da Constituição Federal de 1988, que, como já visto, situa-se como marco jurídico da transição democrática e da institucionalização dos direitos humanos no País.

Assim, a partir da Carta de 1988, importantes tratados internacionais de direitos humanos foram ratificados pelo Brasil. Dentre eles, destaque-se a ratificação; a) da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, em 20 de julho de 1989; b) da Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, em 28 de setembro de 1989; c) da Convenção sobre os Direitos da Criança, em 24 de setembro de 1990; d) do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, em 24 de janeiro de 1992; e) do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em 24 de janeiro de 1992; f) da Convenção Americana de Direitos Humanos, em 25 de setembro de 1992; g) da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, em 27 de novembro de 1995; h) do Protocolo à Convenção Americana referente à Abolição da Pena de Morte, em 13 de agosto de 1996; i) do Protocolo à Convenção Americana referente aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador), em 21 de agosto de 1996; j) da Convenção Interamericana para Eliminação de todas as formas de Discriminação contra Pessoas Portadoras de Deficiência, em 15 de agosto de 2001; k) do Estatuto de Roma, que cria o Tribunal Penal Internacional, em 20 de junho de 2002; l) do Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de todas as forma de Discriminação contra a Mulher, em 28 de junho de 2002; m) do Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança sobre o Envolvimento de Crianças em Conflitos Armados, em 27 de janeiro de 2004; n) do Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança sobre Venda, Prostituição e Pornografias Infantis, também em 27 de janeiro de 2004; e o) do Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, em 11 de janeiro de 2007.

Além das inovações constitucionais, como importante fator para a ratificação desses tratados internacionais, acrescente-se a necessidade do Estado Brasileiro de reorganizar sua agenda internacional de modo mais condizente com as transformações internas decorrentes do processo de democratização. Esse esforço se conjuga com o objetivo de compor uma imagem mais positiva do Estado brasileiro no contexto internacional, como país respeitador e garantidor dos direitos humanos. Adicione-se que a adesão ao Brasil aos Tratados internacionais de direitos humanos simboliza ainda o seu aceite com a idéia contemporânea de globalização dos direitos humanos, bem com para com a idéia da legitimidade das preocupações da comunidade internacional no tocante à matéria.

Apesar disso, deve-se lembrar que embora os direitos humanos tenham evoluído consideravelmente no Brasil e o número de tratados internacionais e convenções dos quais o país é signatário seja razoável, ainda há na prática exemplos gritantes de violação dos direitos do homem.

Flávia Piovesan registra que, no período de 1970 a 2004, foram admitidos pela Comissão Interamericana 78 casos contra o Estado brasileiro, em razão da violação de direitos humanos garantidos na Declaração Americana, na Convenção Americana de Direitos Humanos ou ainda em outro tratado do sistema interamericano. À luz dos 78 casos levantados, foram criadas oito categorias que correspondem a casos de: 1) detenção arbitrária, tortura e assassinato cometidos durante o regime autoritário militar (10 Casos); 2) violação dos direitos dos povos indígenas (2 Casos); 3) violência rural (13 Casos); 4) violência policial (34 Casos); 5) violência dos direitos de crianças e adolescentes (9 Casos); 6) violência contra a mulher (3 Casos); 7) discriminação racial (1 Caso); e 8) violência contra defensores de direitos humanos (6 Casos). [38]

A respeito da luta pelos Direitos Humanos no Brasil, Marcos Rolim conclui que:

Vivemos, desta forma, um período onde a expressão histórica da luta pelos Direitos Humanos no Brasil encontra-se em cheque por uma mentira que, contrariando um conhecido dito popular, demonstra ter "pernas compridas". E, se Adorno tem razão ao afirmar que "a expressão do que é histórico nas coisas nada mais é do que a expressão de um tormento passado", então estamos em vias de consolidar o esquecimento da própria desolação experimentada por todos aqueles que, antes de nós, experimentaram a violação dos seus direitos mais elementares. Em outras palavras, vivemos uma época onde o mal se banalizou e onde já é possível, por decorrência conviver com ele sem sobressaltos. [39]


3. O INCIDENTE DE DESLOCAMENTO DE COMPETÊNCIA: UMA NOVA TENTATIVA DE EFETIVAR A PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS.

Conforme se pôde observar ao longo do presente estudo, a luta pela proteção efetiva dos Direitos Humanos não é recente. Foram diversas as tentativas do homem em assegurar o respeito à dignidade humana, sendo importante ressaltar que algumas lograram êxito, ao passo que outras configuraram apenas experiência para a humanidade.

Em capítulo anterior, foi traçada também a linha histórica da busca pela Direitos Humanos no Brasil, que se iniciou efetivamente no período de democratização pós-ditadura militar. Assim como outros Estados, o Brasil aderiu a inúmeros documentos protetivos dos direitos do homem, não apenas com o fim de proteger os nacionais à luz do princípio da dignidade da pessoa humana e da prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II da CRFB/88), mas também de assegurar uma boa imagem do país no exterior através do cumprimento do disposto nos tratados internacionais dos quais é signatário.

Destarte, inserida em uma conjuntura de crescente internacionalização e justicialização dos direitos humanos, ampliação dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil e a conseqüente necessidade de cumpri-los, além de uma suposta ineficácia por parte dos entes federativos na apresentação de respostas nas investigações e punições dos responsáveis por graves violações aos direitos humanos, surgiu no Brasil a idéia de federalizar os crimes praticados contra estes direitos.

3.1 Histórico do Incidente de Deslocamento de Competência.

A idéia da federalização dos crimes contra os direitos humanos, isto é, de incluir na competência da Justiça Federal o processo e julgamento de condutas violadoras de direitos humanos mantidas impunes no âmbito das agências penais dos estados-membros, começa a se desenvolver no início dos anos 90. A primeira expressão dessa idéia é encontrada no anteprojeto de lei de reformulação do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), elaborado por uma Comissão Especial constituída pelo então Ministro da Justiça, Célio Borja.

O anteprojeto, entre outras disposições, propôs a denominação de Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e a competência da Justiça Federal para processar e julgar:

I - as causas civis ou penais em que o CNDH haja manifestado interesse, nelas passando a intervir como assistente, representado pelo Ministério Público Federal;

II - os crimes praticados em detrimento de bens ou interesses sob a proteção do CNDH, bem como de sua atuação ou de seus serviços.

A idéia surgiu em decorrência da cobrança feita por organismos internacionais ao Brasil para fazer cessar a impunidade de crimes praticados no campo e na cidade.

Em outubro de 1993, o Grupo de Trabalho Agenda de Direitos Humanos, constituído após o término da Conferência de Direitos Humanos, em Viena, apresentou propostas de modificação do anteprojeto de lei e, entre muitas sugestões, propugnou que fossem apurados pela Polícia Federal os crimes de exploração da prostituição infanto-juvenil, tráfico de drogas, tortura, tráfico de crianças, exploração de trabalho escravo, extermínio de crianças e adolescentes e os crimes cometidos por funcionários dos órgãos de policiamento civil e militar.

Em maio de 1996, o Presidente da República Fernando Henrique Cardoso encaminhou ao Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional nº 368/96, para acréscimo ao art. 109 da Constituição Federal de dois incisos assim redigidos: "art. 109 (...) XII - os crimes praticados em detrimento de bens ou interesses sob a tutela de órgão federal de proteção dos Direitos Humanos; XIII - as causas civis ou criminais nas quais órgão federal de proteção dos Direitos Humanos ou o Procurador-Geral da República manifeste interesse".

A Exposição de Motivos do Ministro da Justiça justifica a Proposta de Emenda Constitucional nº 368/96 invocando o quadro de impunidade a exigir medidas urgentes destinadas a revertê-lo. Por meio dela ressaltou que a Justiça Federal e o Ministério Público da União "vêm se destacando no cenário nacional como exemplos de isenção e de dedicação no cumprimento de seus deveres institucionais" e que pela sua atuação de abrangência nacional, são "mais imunes aos fatores locais de ordem política, social e econômica, que, até agora, têm afetado um eficaz resguardo dos Direitos Humanos".

Nos debates desenvolvidos nos âmbito da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, a proposta foi considerada ofensiva à garantia constitucional do juiz natural, na medida em que atribuía a determinada autoridade ou órgão, de forma discricionária, a escolha do juízo ou tribunal para, caso a caso, julgar um ou mais processos.

Essas críticas levaram o Deputado Giolvan Freire, relator da PEC 368/96, a apresentar substitutivo com a seguinte redação do art. 109: "Aos juizes federais compete processar e julgar: (...) XII - as ações cíveis e criminais relativas a Direitos Humanos, nos termos da lei." Embora aprovado o substitutivo, a proposta ficou no aguardo da designação de Comissão Especial para a análise do mérito, que nunca foi constituída.

A PEC nº 368-A/96 acabou sendo apensada à PEC nº 96-A/92, da Reforma do Judiciário e, em setembro de 1999, a Deputada Zulaiê Cobra apresentou relatório e um outro substitutivo. Propôs acréscimo de um inciso V-A ao art. 109 incluindo: "os processos relativos a Direitos Humanos a que se refere o § 5º deste artigo" e de um § 5º com o seguinte teor: "Nas hipóteses de grave violação de Direitos Humanos, o Ministério Público poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal, na forma prevista na lei processual".

Prevaleceu na votação final da Câmara dos Deputados uma outra redação do § 5º: "Nas hipóteses de grave violação de Direitos Humanos, o Procurador Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de Direitos Humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal".

No Senado Federal, a PEC, agora sob o nº 29/2000, relatada inicialmente pelo Senador Bernardo Cabral e, depois, pelo Senador José Jorge, acabou sendo aprovada nos mesmos termos da redação dada pela Câmara dos Deputados.

Vale destacar o argumento do Senador Bernardo Cabral, em seu Parecer nº 1035/2002, quando da apreciação da Emenda nº 132, de autoria do Senador Jefferson Peres, que propunha a supressão do inciso V: "a federalização dos crimes contra os Direitos Humanos é uma necessidade e uma imposição jurídica, que tem como fundamento principal o fato de a previsão de Direitos Humanos e da necessidade de sua proteção terem por sede normativa tratados e acordos internacionais, firmados pela União em nome da República".

A redação final foi publicada pela Emenda Constitucional nº 45, de dezembro de 2004, que consagrou a Reforma do Poder Judiciário, por meio da qual foi introduzido no nosso ordenamento jurídico a possibilidade de modificação de competência para julgamento de crimes praticados com grave violação direitos humanos, deslocando-a da Justiça Estadual para a Justiça Federal.

Dessa forma, o artigo 109, inciso V-A, da Constituição Federal, ao tratar da competência da Justiça Federal, passou a dispor o seguinte:

Art. 109. Aos Juízes federais compete processar e julgar:

(...)

V-A - As causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5ºdeste artigo;

(...)

§ 5º Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o procurador-geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal.

3.2 A análise da Federalização enquanto solução para todos os descumprimentos de tratados internacionais por parte do Estado Brasileiro.

Conforme apresentado na seção supra, a inserção do Incidente de Deslocamento de Competência no ordenamento jurídico brasileiro ocorreu em uma conjuntura de crescente internacionalização dos direitos do homem, ampliação da adesão do Brasil a tratados internacionais e conseqüente aumento da responsabilidade do país no tocante ao cumprimento dos referidos documentos, além da argüição de ineficácia das justiças estaduais em relação à efetivação da proteção aos direitos do homem.

Embora seja considerável o número de opositores à transferência da competência para a justiça federal nos casos de violação aos direitos humanos, atendidos os requisitos impostos pela emenda, há também um notório grupo de defensores da questão, os quais embasam sua opinião mormente no sentido de que a medida ampliou a possibilidade de garantir a justiça, de respeitar a dignidade humana e combater a impunidade.

A seriedade da questão tem tanta relevância que a Associação dos Magistrados Brasileiros e Associação Nacional dos Magistrados protocolaram as Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 3486-3 e 3493-6, respectivamente, com pedido para o Supremo Tribunal Federal declarar a inconstitucionalidade da EC 45/04, na parte referente ao Incidente de Deslocamento de Competência.

A seguir, veremos os argumentos favoráveis à aplicação do Incidente de Deslocamento de Competência e os desfavoráveis. Esta análise será importante para melhor entendermos o porquê do uso comedido do instituto da federalização, mormente quando analisarmos a aplicação daquele à luz do princípio da proporcionalidade.

Cumpre, de início, conhecer a natureza do Incidente de Deslocamento de Competência. Vladimir Aras conceitua o instituto como:

Um instrumento político-jurídico, de natureza processual penal objetiva, destinando a assegurar a efetividade da prestação jurisdicional em casos de crimes contra os direitos humanos; uma garantia individual, tendo aplicação imediata através do art. 5º, § 1º da Constituição da República; mecanismo de sucessão ou substituição da atividade da Justiça dos Estados ou do Distrito Federal pela Justiça da União, dentro do esquema de federalismo cooperativo, nos casos de violação a direitos humanos; um instrumento político destinado a resguardar a responsabilidade do Estado soberano perante a comunidade internacional, em função de tratados de proteção à pessoa humana firmados pela União; incidente processual que tem em mira a redução da impunidade e a concreta proteção dos direitos humanos. [40]

Além disso, há que expor algumas peculiaridades referentes à federalização. A primeira diz respeito à competência do Superior Tribunal de Justiça, que encontra total guarida do art. 105, I, g da Carta Maior, que dispõe que tal órgão tem a competência originária para processar e julgar os conflitos de competência entre os entes federativos.

Ademais, foram dispostas algumas regras na Resolução nº 06/05 da Presidência do Superior Tribunal de Justiça, consoante a qual restou preconizado que o incidente deve ser apreciado pela 3ª Seção do STJ, composta pelos ministros da 5ª e 6ª Turmas do tribunal, entre as quais se escolherá o relator. Ouvida a autoridade judiciária estadual suscitada, o procedimento será submetido a julgamento colegiado.

Ultrapassadas essas premissas, e na esteira daqueles que defendem a aplicação da federalização, cumpre assentar que, de acordo com o Direito Internacional, a responsabilidade pelas violações de direitos humanos é sempre da União, que dispõe de personalidade jurídica na ordem internacional. Nesse sentido, os princípios federativo e da separação dos poderes não podem ser invocados para afastar a responsabilidade da União em relação à violação de obrigações contraídas no âmbito internacional. Em outras palavras: um Estado Federal é também responsável pelo cumprimento das obrigações decorrentes de tratados no âmbito de seu território inteiro, independentemente das divisões internas de poder. Exceções a esta regra podem ser feitas pelo próprio tratado ou em determinadas circunstâncias.

A esse respeito, Flávia Piovesan informa que, dos 68 casos formalmente admitidos contra o Brasil, até 2004, pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, apenas 2 casos apontam para a responsabilidade direta da União em faze da violação de direitos humanos. Um deles se atém a trabalho escravo (Caso José Pereira - que, aliás, foi objeto de solução amistosa) e, o outro caso, refere-se à morte de indígena Macuxi em uma delegacia em Roraima (na época, território federal). Nos demais casos - 97% deles - a responsabilidade é do Estado. [41]

Todavia, paradoxalmente, em face da sistemática até então vigente até a Emenda, a União, ao mesmo tempo em que detinha a responsabilidade internacional, não era responsável em âmbito nacional, já que não dispunha de competência de investigar, processar e punir a violação, pela qual internacionalmente estaria convocada a responder. Portanto, a medida está em absoluta consonância com a sistemática constitucional vigente, que consagra, como princípio fundamental, a dignidade humana.

Desse modo, o novo mecanismo permite ao Procurador-Geral da República, nas hipóteses de grave violação de direitos humanos e com a finalidade de assegurar o cumprimento de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil, requerer ao Superior Tribunal de Justiça o deslocamento de competência do caso para as instâncias federais, em qualquer fase do inquérito ou processo, nos casos em que as instituições locais se mostrarem falhas, ineficazes ou omissas para a proteção dos direitos humanos.

Por meio da federalização, assim, encoraja-se a atuação estatal sob o risco do deslocamento de competência em razão da matéria, e, também, aumenta a responsabilidade das instâncias federais para o efetivo combate à impunidade das violações dos direitos humanos.

Sob outro prisma, ainda, a federalização não prejudica a soberania dos entes federados, uma vez que está inserida em um sistema de cooperação de competências jurisdicionais [42], que se dá quando há ineficácia na atuação estadual e, subsidiariamente, a União é convocada a desempenhar as funções investigativas, processuais e/ou sancionatórias.

De outro modo, acerca da federalização apontam os seus defensores que diante da previsão contida no artigo 34, VII, b da CRFB/88, que prevê o instituto da intervenção federal [43], não há razão para se considerar que aquele instituto esteja eivado de inconstitucionalidade.

É que, conforme esclarece Alexandre de Moraes:

A intervenção consiste em medida excepcional de supressão temporária da autonomia de determinado ente federativo, fundada em hipóteses taxativamente previstas no texto constitucional, e que visa à unidade e preservação da soberania do Estado Federal e das autonomias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. [44]

Ora, se a própria Constituição autoriza uma restrição da autonomia dos entes federados para garantir a proteção aos direitos humanos, por que haveria óbice à possibilidade de deslocamento de competência, se os efeitos da intervenção são muito mais impactantes que os da federalização, considerando que confere limitação circunstancial à promulgação de emendas constitucionais, de acordo com o disposto no art. 60, § 1º da CRFB, além de poder impedir o livre exercício de funções de governo, conforme determinação do art. 36, § 1º ? [45]

Ainda a respeito da intervenção federal nos casos de afronta a direitos da pessoa humana, cumpre salientar que não há definição específica desta expressão, nunca tendo sido questionada, entretanto, a constitucionalidade da norma, o que abre um precedente para que a definição "graves violações contra os direitos humanos" também possa existir sem critérios objetivos, estando em conformidade com a ordem constitucional.

Destarte, em função da inevitável comparação entre ambos os institutos ora em questão, é imprescindível enfatizar que a constitucionalidade da intervenção nunca questionada constitui um dos pilares da conformidade constitucional da EC 45/04, além de predominar, no caso, a máxima de quem pode mais pode menos.

Outrossim, a conformidade do incidente em questão com a Carta Magna pode ser fundamentada na existência de outros instrumentos de deslocamento de competência, cuja constitucionalidade é clara e inquestionável. Dentre eles, destaca-se o previsto no artigo 144, § 1º, inciso I da Constituição, que dispõe que a Polícia Federal tem competência para atuar em investigações de crimes que tenham repercussão em níveis interestadual e internacional.

Cabe lembrar também da Lei 10.446/2002, que mesmo antes da Reforma do Judiciário, por força de seu art. 1º, inciso III, atribuiu à Polícia Federal a possibilidade de participar da investigação de infrações penais ligadas à violação de direitos humanos, que o Brasil assumiu o compromisso de reprimir em função da ratificação de tratados internacionais.

Ademais, também merece destaque que a ação penal subsidiária configura também instrumento de modificação de competência, estando prevista no artigo 5º, XXXV da Constituição da República e no artigo 29 do Código de Processo Penal. Outro instituto que se enquadra no presente caso é o da conexão entre crimes da competência das justiças estadual e federal, cuja questão foi sumulada pelo STJ no sentido de que a Justiça Federal é competente para processamento e julgamento dos crimes previstos neste caso, além das situações de remoção ex officio pelo Conselho Nacional de Justiça, consagrada também pela Reforma do Poder Judiciário no art. 103-B, § 4º, inciso III da Carta Maior.

Outra semelhança do Incidente de Deslocamento de Competência, que comprova além da compatibilidade do instituto com a Constituição, a total conformidade com o sistema processual vigente, encontra-se na comparação com o instituto do desaforamento, que representa o deslocamento de competência do tribunal do júri, tendo pressupostos extremamente parecidos com os da federalização, além de ambos constituírem medidas de interesse público dos mais relevantes, de acordo com o disposto no art. 427 do Código de Processo Penal. [46]

A conformidade do instituto da federalização com a Constituição de 1988 é observada também no fato de existirem juízes e procuradores federais antes da prática do ato ilícito, o que afastaria uma possível argüição de afronta aos princípios do juiz e do promotor natural, além de evitar comparação da federalização com os tribunais de exceção, já que não se trata de criação de órgãos criados posteriormente à ocorrência do fato, mas de reservar a determinados órgãos, inseridos na estrutura judiciária fixada na Constituição, o julgamento de determinadas matérias.

É importante que não se olvide que há compatibilidade do incidente de deslocamento de competência com a Carta Constitucional no que se refere ao art. 5º, LXXVIII, que diz respeito à necessidade de celeridade dos processos. Esta pode ser garantida com o instituto em questão tendo em vista a possibilidade que as vítimas têm de provocar a federalização dirigindo-se ao Procurador Geral da República, que tomando conhecimento dos fatos poderá suscitar o incidente perante o STJ. [47]

Há compatibilidade da federalização dos crimes contra os direitos humanos também com o sistema internacional de proteção dos direitos humanos, que permite a subsunção de um caso à análise de organismos internacionais quando o Estado é ineficaz ou omisso na proteção aos direitos em questão.

Em relação ao Direito Internacional dos Direitos Humanos, é importante a remissão ao requisito do esgotamento dos recursos internos para a posterior procedência das cortes internacionais. O Incidente de Deslocamento de Competência é instrumento importante para atender tal requisito, uma vez que permite a possibilidade de mais uma tentativa nacional para combater a impunidade, evitando a exposição negativa da imagem do país no cenário internacional por descumprimento dos tratados de direitos humanos.

A esse respeito, convém registrar que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos - CIDH, um dos órgãos principais da Organização dos Estados Americanos - OEA, aceitou, em maio de 2008, denúncia contra o Brasil pela morte de um adolescente no complexo da (extinta) FEBEM e da atuação falha do Estado de São Paulo na apuração do caso. Foi a primeira vez que a Comissão se manifesta sobre a federalização de um caso.

O Brasil alegou que a possibilidade de federalização das graves violações de direitos humanos, instituída pela Emenda Constitucional nº 45/2004, seria ainda um recurso a ser utilizado na jurisdição interna e, em razão do princípio da subsidiariedade, o esgotamento dos instrumentos internos seria uma condição para que os casos sejam aceitos no sistema interamericano de proteção aos direitos humanos.

Contudo, a CIDH decidiu que a mera previsão do instituto no ordenamento jurídico pátrio não tem o condão de afastar a incidência do sistema interamericano, o que somente ocorria se o deslocamento de competência fosse realmente concretizado. Segundo aquele órgão, o esgotamento dos recursos internos é, de fato, pressuposto para o recebimento de denúncia de violação de direitos humanos pelos órgãos da OEA. No entanto, essa regra não alcança a federalização, vez que não compete às partes provocá-la, mas sim, ao Procurador-Geral da República. Trata-se de legitimidade exclusiva deste e, como tal, não há como aplicá-la em detrimento dos interessados, já que tal situação caracterizaria uma nova violação aos seus direitos. [48]

Flávia Piovesan especifica, ainda, que a federalização da competência para julgar e processar crimes graves contra os direitos humanos pode assegurar maior proteção à vítima, melhor funcionamento das instituições locais em casos futuros, maior expectativa de resposta efetiva das instituições federais e, no caso de falha ou omissão de ambas as instituições, a União poderá fornecer respostas em relação ao ocorrido, esgotando-se, desse modo, a responsabilidade primária do Estado e ensejando a subsidiária da comunidade internacional. [49]

A respeito dos aspectos positivos trazidos pela federalização dos crimes tipificados em tratados internacionais, Francisco Rezek manifestou-se afirmando que:

Em geral, nas federações os crimes dessa natureza, os crimes previstos por qualquer motivo em textos internacionais, são crimes federais e da competência do sistema federal de justiça. Isso tem várias vantagens, como uma jurisprudência uniforme, uma jurisprudência unida, a não tomada de caminhos diversos segundo a unidade da federação em que se processe o crime. É vantajoso e é praticado em outras federações. [50]

Acrescente-se a isso, o fato de que a federalização é um mecanismo que se mostrará profícuo na eliminação ou atenuação de costumes locais contrários à lei, que se evidenciam, mais concretamente, nas áreas periféricas das cidades e do campo, em que fatores econômicos e sociais preponderam indevidamente na ação do aparelhamento estatal. Relativamente às graves violações contra os direitos humanos ocorridas no campo, mais que oportuno trazer à colação os dados mencionados por Flávia Piovesan, obtidos junto à Comissão Pastoral da Terra: no período de 1985 a 2003, de um total de 1.003 crimes relativos a conflitos da terra, só 75 foram a julgamento. De um universo de 1.349 pessoas assassinadas, só houve a condenação de 64 pistoleiros e 15 mandantes. E mais: há hoje 13 casos de violência rural submetidos à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA), e 6 deles ocorreram no Estado do Pará. [51]

Nesse quadro marcado pela criminalidade constante e crescente, mormente no campo, em que o uso arbitrário e destemido da força é assegurado pela ausência do Estado de Direito, mais que justificável a adoção do instituto da federalização, que, in casu, funciona como um verdadeiro antídoto contra o coronealismo.

Cabe ratificar que a simples ocorrência de uma violação aos direitos humanos não enseja por si só a possibilidade do Procurador Geral da República suscitar o Incidente de Deslocamento de Competência: é indispensável que seja grave. Essa gravidade não é aferida abstratamente, com base somente no fato, nas qualidades da vítima ou do agente, mas sim, em razão de sua repercussão internacional, ou seja, quando resultar na violação de obrigações internacionalmente assumidas. Há de estar também presente a ineficácia ou omissão da justiça estadual.

De uma forma suscinta, apontaremos as opiniões dos juristas que fazem oposição ao instituto por considerarem um retrocesso na democracia brasileira e por entenderem que aquele está fundamentado em impropriedades jurídicas e gritantes violações constitucionais.

Inicialmente, cumpre informar que de acordo com os que preconizam a inconstitucionalidade da federalização dos crimes graves contra os direitos humanos, a EC nº 45/04 ressuscita a avocatória, instituto que era ligado a determinadas situações nas quais, por diversos motivos, um tribunal poderia chamar para si a decisão de causas que haviam sido iniciadas em instâncias inferiores. Ocorre que, em função do alto caráter de subjetividade que lhe era peculiar, a avocatória foi extinta, uma vez que abria espaço para discricionariedades e arbítrios decorrentes de interesses pessoais e políticos.

Antes mesmo da aprovação da proposta de federalização, Cláudio Baldino Maciel já havia se manifestado a respeito do assunto afirmando que: "Funcionará a norma proposta como "avocatória", pela União Federal, de quaisquer processos propostos regularmente ante a Justiça dos Estados em matéria de direitos humanos". [52]

Ocorre que, além de gerar grande insegurança jurídica, a retomada de um instituto intimamente semelhante à avocatória viola os princípios constitucionais do juiz e promotor naturais, permitindo a existência do abominável tribunal de exceção, que segundo Boddo Dennewitz "implica uma ferida mortal ao Estado de Direito, visto que sua proibição revela o status conferido ao Poder Judiciário na democracia". [53]

Os principais escopos do juiz natural são a imparcialidade e a independência do órgão julgador, que são alcançadas, principalmente, através da proibição da instituição dos tribunais de exceção e do respeito a regras objetivas de distribuição de competência. Cabe destacar, também, que o deslocamento de competência, por ocasionar a supressão dessas garantias, acarreta no prejuízo do princípio da igualdade de justiça, uma vez que se há dependência ou parcialidade de uma decisão, uma das partes indubitavelmente será beneficiada em detrimento de outra.

O princípio é proclamado pela Carta Maior de 1988 no art. 5º, incisos XXXVII, que diz respeito à proibição de juízo ou tribunais de exceção, e LIII, referente a processamento e julgamento por autoridade competente, constituindo uma garantia para a imparcialidade do Poder Judiciário e para a segurança dos cidadãos contra os arbítrios estatais.

No tocante à proibição de tribunais de exceção, insta afirmar que esta determina que não há possibilidade de um caso ser julgado por um tribunal especial, criado posteriormente à ocorrência do fato. Nesse sentido, portanto, o instituto da federalização não poderia ser aplicado, pois permitiria a mudança de juízo após a ocorrência do fato delituoso ou ainda posteriormente à propositura da ação penal, o que configuraria, conforme visto, retomada do tribunal de exceção.

Por outro lado, a competência para processamento e julgamento de crimes contra os direitos humanos que, via de regra, é do tribunal do júri, de acordo com o artigo 5º, XXXVIII da Constituição da República, pode, obedecidos os requisitos da federalização, ser transferida para a Justiça Federal, bem como as atividades do Ministério Público Estadual, o que seria um retrocesso na democracia.

A esse respeito, Cláudio Baldino Maciel afirma que:

Os julgamentos de crimes contra direitos humanos são, salva rara exceção, de competência dos tribunais do júri que, no Brasil, têm previsão constitucional. A tal respeito, possuem as partes inúmeros mecanismos para rejeitar jurados impedidos ou suspeitos, inidôneos ou comprometidos. Há todo um sistema recursal para corrigir decisões eventualmente equivocadas. O tribunal do júri não será mais ou menos infenso a pressões acaso presidido por juiz federal ou estadual. No júri, quem julga não é o juiz, mas a própria comunidade através de um conselho de sentença formada por leigos. [54]

Sustentam, ainda, os opositores da federalização que a magistratura federal não tem muita capilaridade pelo território do Brasil, o que pode acarretar na necessidade de utilizar os serviços da justiça estadual para auxílio na colheita de provas. Desse modo, não há sentido na mudança de competência, uma vez que há a possibilidade da justiça estadual continuar participando do processo. [55]

Ademais, além de todos os aspectos constitucionais, sustentam ser notória a situação de constrangimento a que são submetidos os representantes da Justiça Estadual, tendo em vista que suas atividades estão sujeitas a uma interrupção a qualquer tempo, ao contrário do disposto na Lei 10.446/02, que permite uma atuação conjunta da Polícia Federal com a Polícia Civil, nos casos de grande repercussão internacional de violações a direitos humanos protegidos por tratados internacionais dos quais o Brasil faça parte. Assim, é inconsistente a comparação feita pelos defensores da federalização entre a lei supracitada e o Incidente de Deslocamento de Competência.

Outro fator de crucial relevância está relacionado à imprecisão do conceito de graves violações contra os direitos humanos, o que pode acarretar em violação ao princípio da legalidade. Neste sentido, aponta Marcus Vinícius Amorim Oliveira para o fato de que "não há como estabelecer parâmetros suficientes para definir qualquer nível de gravidade. Melhor dizendo, toda violação a direitos humanos, na essência, é algo grave, porque fere a dignidade do homem, sem a qual ele se reduz à condição de animal ou de coisa." [56]

O autor supracitado alerta ainda para a imprecisão da redação que pode gerar discussões em relação ao âmbito de aplicabilidade da medida. Em nenhum momento está explícita a restrição às causas criminais, o que pode abrir um precedente para as causas cíveis. Assim, questiona-se se alguns casos ligados à omissão do Estado no fornecimento de saúde, educação e cultura poderiam ser também considerados graves violações aos direitos humanos. [57]

No entanto, ainda assim houve tentativa de delimitar quais seriam os casos que podem ser enquadrados nas hipóteses da emenda. Uma comissão de estudos composta por procuradores da República e procuradores do Estado de São Paulo sugeriu um rol de crimes que podem estar sujeitos a uma futura alteração de competência. São eles: tortura; homicídio doloso qualificado praticado por agente funcional de quaisquer dos entes federados; crimes praticados contra as comunidades indígenas e seus integrantes; homicídio doloso, quando motivado por preconceitos de origem, raça, sexo, opção sexual, cor, religião, opinião pública ou idade ou quando decorrente de conflitos fundiários de natureza coletiva; uso, intermediação e exploração de trabalho escravo ou de criança e adolescente em quaisquer das formas previstas em tratados internacionais. [58]

Vladimir Aras considera entre as hipóteses de crimes que devem ser federalizados:

todos os delitos previstos nos tratados internacionais de direito humanitário de que o Brasil seja parte, sempre que a vítima for uma pessoa humana ou um grupo de pessoas. Nesta categoria, estão inseridos os crimes de tortura, genocídio, racismo, os delitos contra crianças e adolescentes, exploração de trabalho escravo, entre outros. Quanto ao adjetivo (...) ‘graves violações’ a direitos humanos são todas as ofensas aos bens jurídicos tutelados em tais convenções internacionais, quando, conforme a lei penal brasileira, a pena máxima cominada ao delito for superior a um ano, de reclusão ou detenção.

Outra noção que também pode auxiliar na construção de um conceito objetivo de graves violações contra os direitos humanos é a dos crimes de guerrra, contra a paz e contra a humanidade, que são definidos pela autora portuguesa Maria Leonor Assução:

Tortura ou actos desumanos, incluindo a realização de experiências biológicas, genocídio e práticas de discriminação racial, actos praticados no decurso de um conflito armado, contra as pessoas ou bens protegidos, homicídio doloso, atentados graves contra a integridade física ou saúde, provocação deliberada de grandes sofrimentos, destruição e apropriação de bens não justificada por necessidades militares e efectuadas em grande escala, ilícita e arbitrariamente (...) venda e fabrico, de armas proibidas, armas químicas e biológicas, minas, ou outras armas que causem sofrimentos ou danos indiscriminados, não compreendidos necessariamente, nos objectivos militares. [59]

Outrossim, alegam os opositores da federalização que não se sustenta a comparação feita entre o deslocamento de competência e a intervenção federal, cumprindo destacar, inicialmente, a diferença existente sob a perspectiva teleológica dos institutos. Assim, enquanto a intervenção objetiva a correção de uma situação de violação de normas constitucionais, a federalização apenas substitui o ente federativo, inexistindo qualquer preocupação em buscar as explicações para a ausência de respostas no caso concreto e, tampouco, em resolver o problema na esfera estadual e qualificá-la. [60]

Ademais, enquanto a intervenção federal é temporária, cessando quando há alteração do status quo que a deu origem, a federalização tem caráter permanente, uma vez que após a transferência da competência para a justiça federal, não há retorno do caso para a justiça estadual, o que viola o princípio da autonomia, pilar do pacto federativo, e, ipso facto, cláusula pétrea, na exata medida em que o artigo 60, § 4º, I da Constituição da República dispõe que a forma federativa de Estado não pode ser alterada por emenda constitucional.

Insta consignar, contudo, que ao contrário do federalismo dual, cuja característica é a definição rígida de competências, surge no início do século XX o federalismo cooperativo em função da crise do liberalismo clássico e a conseqüente necessidade do Estado garantir o Welfare State. Assim, o rol de competências da União é ampliado e surge a noção de cooperação entre as áreas federativas, que passam a atuar em prol do benefício comum. Cumpre destacar que o federalismo predominante hoje é o cooperativo, inclusive no Brasil.

Esta noção de federalismo cooperativo serve de base para os defensores da federalização dos crimes contra os direitos humanos afirmarem que, na realidade, o deslocamento não viola o pacto federativo, mas configura aplicação de um sistema de cooperação recíproca, em que havendo falhas na atuação dos estados federados, a União seria convocada para atuar.

Analisados os aspectos constitucionais, cabe também frisar alguns fatores administrativos que são prejudicados, segundo os opositores da federalização, pela mudança do deslocamento de competência.

Inicialmente, cumpre afirmar que o acesso à justiça pode ser drasticamente reduzido, em função de diversos fatores, como por exemplo, o menor número de unidades judiciais da Justiça Federal, em relação às justiças estaduais.

A quantidade menor de defensores públicos que são disponibilizados aos cidadãos de baixa renda no caso de federalização será menor também, uma vez que esses cargos, via de regra, são criados de acordo com a quantidade de unidades judiciais e, como as varas federais são menos numerosas em relação às estaduais, as pessoas pobres terão assim menos acesso à justiça. [61]

Ademais, outro aspecto provocado pelo uso do incidente de deslocamento de competência que pode ser uma barreira ao acesso à justiça, é a possibilidade de processamento e decisão de um caso distante do local em que ocorreu. Segundo João Ricardo dos Santos Costa "o envolvimento do juiz com sua comunidade é uma via de democratização do Poder Judiciário e afasta uma concepção de onipresença do magistrado, que mais funciona como um elemento alienante do processo decisório". [62]

Por fim, é imperioso destacar que um dos fatores que mais geram a revolta daqueles que se opõe ao deslocamento de competência é a afirmação de que as justiças estaduais teriam marcado sua atuação distanciada da temática relativa às lesões de direitos humanos em face de razões históricas, culturais, econômicas e sociais, ao passo que a Justiça Federal seria exemplo de isenção e de dedicação no cumprimento de seus deveres institucionais. [63]

Consideram ser constrangedor e vergonhoso para a justiça estadual ser submetida a uma situação de supressão de suas atividades sob argumentos não jurídicos, imprecisos e que questionam a idoneidade de seus funcionários, sem ao menos ter a garantia do contraditório e da ampla defesa. A esse respeito Cláudio Baldino Maciel afirmou que:

As ditaduras no Brasil não ousaram tanto no atentado às regras mais comezinhas do direito processual e na vulneração das prerrogativas da defesa em processos criminais. Houve juízos de exceção para crimes políticos, mas os brasileiros ao menos sabiam previamente a competência estrita de cada tribunal antes do ajuizamento da ação penal e mesmo da existência dos fatos criminosos.

A despeito do que sustentam os opositores do instituto da federalização, lembramos que, malgrado tenham sido ajuizadas as ADIN’s mencionadas alhures, o instituto da federalização encontra-se, até o momento, integrado no ordenamento jurídico e, portanto, merece toda guarida o estudo sobre o dimensionamento do efeito protetivo que exerce sobre os direitos humanos. A aparente incompatibilidade do IDC, criado pela Emenda Constitucional nº 45/2004, com qualquer outro princípio constitucional ou com a sistemática processual em vigor deve ser resolvida pela ponderação do peso relativo de cada uma das normas em tese aplicáveis e aptas a fundamentar decisões em sentidos opostos, conforme preleciona o voto vencedor proferido pelo Ministro Gilmar Mendes, do STF, quando do julgamento da Intervenção Federal nº 2.915-5/SP, citado pelo relator do Incidente de Deslocamento de Competência nº 01 (2005/0029278-4).

Há, sem dúvida, o desafio de verificar em cada caso a ocorrência dos requisitos constitucionais: a grave violação de direitos humanos, a afronta a tratado internacional de proteção de direitos humanos, a ineficácia ou omissão das instituições locais. A doutrina vem contribuído em muito para o estabelecimento de parâmetros que devem ser considerados quando da aplicação da federalização. O Poder Judiciário, quando julgou o caso Dorothy Stang, também deu seu passo firme no sentido dar àquele instituto interpretação conforme aos princípios constitucionais. Por sua enorme contribuição ao instituto da federalização, estudaremos mais detidamente o caso em questão, do qual se extrai, também, fundamento para a assertiva de que o deslocamento de competência é instrumento excepcional que deve ser analisado e aplicado considerando-se os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.


3.O caso Dorothy Stang e a decisão do Superior Tribunal de Justiça.

Quanto aos requisitos, o Superior Tribunal de Justiça explicitou que são três e cumulativos: 1) grave violação a Direitos Humanos; 2) necessidade de assegurar o cumprimento, pelo Brasil, de obrigações decorrentes de tratados internacionais; 3) incapacidade (oriunda de inércia, negligência, falta de vontade política, de condições pessoais, materiais etc.) de o estado-membro, por suas instituições e autoridades, levar a cabo, em toda a sua extensão, a persecução penal.

Analisando o primeiro requisito, afirmou que todo homicídio doloso, independentemente da condição pessoal da vítima e/ou da repercussão do fato no cenário no cenário nacional ou internacional, representa grave violação do maior e mais importante dos direitos do ser humano, o direito à vida, declarado no art. 4º, nº 1, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, por força do Decreto nº 678, de 06/11/92.

Em segundo lugar, afastou a necessidade de prévia lei definidora do rol de crimes, sob pena de vir a restringir o texto constitucional. Anotou que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, por força do disposto no § 1º do art. 5º da CF.

Em terceiro lugar, ressaltou a semelhança do instituto do deslocamento com o de desaforamento, hipótese que, segundo a Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, não ofende ao princípio do juiz natural, nem enseja a formação do tribunal de exceção.

Em quarto lugar, assentou que o deslocamento, por ser considerada "medida extrema" deve atender ao princípio da proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), com demonstração concreta de risco de descumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais firmados pelo Brasil, resultante da inércia, negligência, falta de vontade política ou de condições reais do estado-membro, por suas instituições em proceder à devida persecução penal.

No exame do caso concreto, reconheceu a grave violação de direito humano e a necessidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais. Rejeitou, porém, o risco de descumprimento, pois considerou demonstrado o empenho das autoridades estaduais, com o auxílio da Polícia Federal e do Exército, em dar resposta eficiente à violação. Sem dúvida, pesou na decisão o fato de o processo penal já estar na fase de alegações finais.

Assim, aplicando o princípio da proporcionalidade ao caso em questão, o STJ entendeu que não há o concurso de todos os requisitos necessários para deslocar a competência para a justiça federal, inexistindo, pois, adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Desse modo, o pedido de deslocamento de competência foi indeferido, sem prejuízo, entretanto, da aplicação do art. 1º, III da Lei 10.446/20002, que, sem retirar a responsabilidade dos órgãos de segurança pública arrolados no art. 144 da Constituição, em especial das Polícias Militares e Civis dos Estados, autorizou a Polícia Federal a proceder à investigação acerca de infrações penais relativas à violação a direitos humanos, que a República Federativa do Brasil se comprometeu a reprimir em decorrência de tratados internacionais de que seja parte.

Por oportuno, cumpre consignar que o fazendeiro Vitalmiro Moura Bastos, condenado, em 2007, a trinta anos de prisão por ter encomendado o assassinato da freira Dorothy Stang, conseguiu se livrar dos efeitos da sentença. É que, em razão de ter sido levado a cabo o protesto por novo júri [67], Moura foi julgado pela segunda vez, em maio de 2008, no Pará, e acabou absolvido depois que uma testemunha (mediante suborno de cem mil reais, segundo denúncia do Ministério Público), voltou atrás em seu depoimento e o inocentou. [68]

Tendo sido apresentados os principais e mais relevantes argumentos favoráveis e desfavoráveis à inserção no ordenamento jurídico brasileiro do Incidente de Deslocamento de Competência, bem como enfrentada a questão de sua conformidade com a Carta Magna, impende constatar que se trata a federalização de mais um importante instrumento que objetiva dar maior possibilidade de segurança à vítima e combater a impunidade. Assim sendo, por que razão, então, nenhum requerimento foi aceito até o momento?

De fato, o Procurador-Geral da República recebeu nove solicitações de federalização. Admitiu uma, rejeitou cinco, restando três para análise. Ela Wiecko V. de Castilho defende que os principais fundamentos para que não tenha sido solicitada a jurisdição subsidiária são: (a) ausência de inércia injustificada das autoridades públicas locais responsáveis pela persecutio criminis; (b) o não exaurimento das possibilidades do estado-membro em adotar medidas, em tempo hábil, para apuração dos fatos e (c) a falta de leniência ou descomprometimento do Poder Público na busca da verdade. [69]

Aliadas àquelas circunstâncias, defendemos que o desuso do instituto da federalização tem se tem se dado em razão da aplicação do princípio da proporcionalidade, do estrito campo de sua aplicação pautado pelas expressões "em qualquer fase do inquérito ou processo", contidas no artigo 109, § 5º da CRFB, além da legitimidade exclusiva do Procurador-Geral da República para provocar o incidente. A seguir, veremos cada uma dessas causas limitadoras do uso do instituto em questão.


4. A FEDERALIZAÇÃO DAS GRAVES VIOLAÇÕES CONTRA OS DIREITOS HUMANOS: CAUSAS QUE REDUZEM O SEU CAMPO DE ATUAÇÃO.

Apreciadas as maiores vantagens da inserção no ordenamento jurídico brasileiro da possibilidade de federalização da competência para processamento e julgamento de graves violações aos direitos humanos, cabe apresentar, a partir do presente momento, a noção que ora impera na seara jurídica de que o instituto deva ser aplicado de forma parcimoniosa.

A idéia da aplicação do princípio da proporcionalidade surge no momento em que se faz o reconhecimento da importância do instituto jurídico em estudo, mas com ressalvas. O Incidente de Deslocamento de Competência não pode ser banalizado, segundo os juristas que defendem a presente argumentação, sob pena de restarem violados diversos princípios constitucionais.

Com efeito, não se discute que o novo instituto é instrumento a ser utilizado em situações especialíssimas, quando devidamente demonstrada a sua necessidade, a sua imprescindibilidade, tal como acontece, semelhantemente, com o pedido de desaforamento (CPP, art. 427) ou com a intervenção federal (CF, art. 34), observadas, é claro, as peculiaridades e finalidades de cada instituto e considerando qual das medidas a ser aplicada alcança o resultado desejado de forma menos gravosa.

Vetores basilares para se saber, concretamente, qual a regra ou garantia constitucional deva prevalecer resulta, assim, da observância dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

A preocupação em aplicar a proporcionalidade tem origem nos grandes impactos que a infração de um princípio pode causar. Celso Antônio Bandeira de Mello se manifesta a respeito do tema, admitindo que infringir um princípio implica:

ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. [70]

Desse modo, a partir dos conflitos que a violação de um princípio constitucional pode ocasionar, é sugerida a aplicação do princípio da proporcionalidade. A fim de assegurar um melhor entendimento desta afirmação, cumpre apresentar uma breve exposição acerca do princípio em questão.

O princípio da proporcionalidade teve origem nos Estados Unidos sob a nomenclatura de "razoabilidade", vinculado ao processo de transição da concepção do "procedural due process of law". Cabe ressaltar que os primórdios do princípio se encontram também no direito germânico, aí conhecido como proporcionalidade, ligado à idéia de Estado de Direito. O que importa citar é que em ambos os países o princípio surgiu para defender a democracia e os direitos fundamentais, sendo sinônimas as expressões "razoabilidade" e "proporcionalidade". [71]

O princípio da proporcionalidade, existente no Brasil, principalmente após a promulgação da Carta de 1988, é um princípio implícito da Constituição, podendo ser observado na ordem jurídica brasileira nos artigos 1º e 5º, LIV da Carta Magna; art. 111 da Constituição de São Paulo; arts. 13, 74 e 76 da Constituição de Minas Gerais; art. 25 da Constituição de Sergipe e na lei 9.784/99, referente ao processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. [72]

Uma das maiores dificuldades apresentadas pelos doutrinadores diz respeito à conceituação do princípio, tendo em vista que está ligado a uma concepção axiológica, o que não afasta, entretanto, sua importância e sua força normativa.

Fábio Corrêa de Souza Oliveira sublinha o que garantiria a concretização do princípio da proporcionalidade afirmando que: "A concretização do princípio se faz no exame da relação triangular entre motivo meio e fim. A medida estatal deve ser apropriada ao motivo que a impulsiona e ao fim almejado". [73]

Seguindo essa concepção, a doutrina alemã desmembrou o princípio da proporcionalidade em três subprincípios, cujo conhecimento é primordial para o entendimento da aplicação do Incidente de Deslocamento de Competência. Os três subprincípios são: adequação, necessidade e proporcionalidade stricto sensu.

O subprincípio da adequação, também chamado de pertinência, conformidade ou aptidão, diz respeito à relação entre o fim que se pretende alcançar e o meio utilizado; ou seja, a medida que fora adotada deve ser suscetível de atingir o objetivo pretendido. Já o subprincípio da necessidade, conhecido como exigibilidade ou menor ingerência possível, está ligado ao fato de que a medida empregada seja indispensável, imprescindível, inexistindo outra que seja menos prejudicial. Caso contrário, se houver outro meio para atingir o resultado desejado, que implique menos ônus, este deve ser usado.

Quanto à proporcionalidade stricto sensu denominada também de subprincípio da justa medida, Fábio Corrêa Souza de Oliveira afirma que "A providência adotada deve ser proporcional ao conjunto e interesses (bens) em jogo. O que se ganha com a medida deve ser mais vantajoso do que aquilo que se perde. [74]

O ministro Gilmar Mendes encerra a exposição acerca do princípio da proporcionalidade afirmando que este:

Se dá quando verificada restrição a determinado direito fundamental ou conflito entre distintos princípios constitucionais de modo a exigir que se estabeleça o peso relativo de cada um dos direitos por meio da aplicação das máximas que integram o mencionado princípio da proporcionalidade. São três as máximas parciais do princípio da proporcionalidade: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito (...) há de perquirir-se na aplicação do princípio da proporcionalidade, se em face do conflito entre os dois bens constitucionais contrapostos, o ato impugnado afigura-se adequado (isto é, apto para produzir o resultado desejado), necessário (isto é, insubstituível por outro meio menos gravoso e igualmente eficaz) e proporcional em sentido estrito (ou seja, se estabelece uma relação ponderada entre o grau de restrição de um princípio e o grau de realização do princípio contraposto). [75]

Analisado o princípio da proporcionalidade, fica mais evidente a sua relevância no que se refere à aplicação do instituto da federalização. Assim, a competência deve ser deslocada da justiça estadual para a justiça federal quando tal medida puder assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte (subprincípio da adequação); quando tal procedimento for insubstituível, sendo adotado somente em caráter expcepcional (subprincípio da necessidade) e, por fim, quando o resultado alcançado com o uso do incidente for mais vantajoso que a garantia de alguns princípios constitucionais que poderão ser suprimidos (subprincípio da proporcionalidade stricto sensu).

Arrematando esse raciocínio, Jorge Assaf Maluly conclui que:

Cumprirá à jurisprudência estabelecer os critérios que justifiquem a provocação do incidente de deslocamento de competência, porque os parâmetros estabelecidos na Constituição Federal são insuficientes e, para evitar a banalização de sua adoção, é imprescindível que se sujeite ao princípio constitucional da proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade). [76]

Portanto, forçoso concluir, após as breves considerações acerca do princípio da proporcionalidade, que o Incidente de Deslocamento de Competência, considerado como medida extrema, encontrará mera aplicação subsidiária no ordenamento jurídico, quer em razão da existência de outros mecanismos tidos como menos intervencionistas e que acarretam menos polêmica acerca da infração de aspectos constitucionais (juiz e promotor naturais, pacto federativo, princípio da legalidade em razão de não haver previsão do que sejam graves violações etc.), quer porque esses outros mecanismos deixam de comprometer a harmonia das relações entre os órgãos do Judiciário, Ministério Público e Polícias.

Nesse diapasão, destaca-se, novamente, a hipótese exemplificativa em que não há um comprometimento do Ministério Público ou da Justiça Estaduais, mas apenas ineficiência ou demora das investigações conduzidas pela Polícia Civil do Estado. Para este caso, o ordenamento jurídico apresenta uma medida alternativa, menos gravosa ao pacto federativo e apta a produzir o mesmo resultado desejado, isto é, o esclarecimento do fato delituoso, que é a possibilidade de intervenção da Polícia Federal na fase investigativa, consoante previsão inserta na Lei 10.446/02.

Sob outro prisma, ainda, a confiabilidade nas instituições públicas, constitucional e legalmente investidas de competência originária para atuar nos graves crimes contra os direitos humanos - Polícia, Ministério Público, Judiciário - deve, como regra, prevalecer, ser apoiada e prestigiada, só afastando a sua atuação, a sua competência, expcepcionalmente, ante provas induvidosas que revelem descaso, desinteresse, ausência de vontade política, falta de condições pessoais ou materiais etc. em levar a cabo a apuração e julgamento dos envolvidos na atuação criminosa. Afinal, parece claro que a cobrança - nacional ou internacional - é no sentido da pronta, adequada e eficaz atuação estatal, sendo irrelevante que o seja por órgão do judiciário do Estado-membro ou da União. Não sendo a matéria de alçada desta, em termos de divisão de competência, deve respeitar a competência do Estado, não só em atenção ao pacto federativo, mas até mesmo levando-se em consideração a própria divisão do trabalho. Tal não obsta, naturalmente, que a União dê apoio ao primeiro, como faz, através da Polícia Federal, reservando-se, no entanto, a assumir diretamente aquela competência Estadual somente quando se fizerem presentes aqueles três requisitos anteriormente mencionados. Aí, sim, é imperiosa a sua presença direta, deslocando-se a competência por absoluta inoperância do Estado-membro, na forma do § 5º do art. 109 da CF.

4.2.A restrição da aplicação do IDC ocasionada pelas expressões "em qualquer fase do inquérito ou processo".

O Direito Internacional dos Direitos Humanos não rege as relações entre iguais; opera precisamente em defesa dos ostensivamente mais fracos. Nas relações entre desiguais, posiciona-se em favor dos mais necessitados de proteção. Não busca obter um equilíbrio abstrato entre as partes, mas remediar os efeitos do desequilíbrio e das disparidades. É, pois, o direito de proteção dos mais fracos e vulneráveis, cujos avanços em sua evolução histórica se têm devido em grande parte à mobilização da sociedade civil contra todos os tipos de dominação, exclusão e repressão. Nesse sentido, espera-se que as normas jurídicas sejam interpretadas e aplicadas tendo sempre presentes as necessidades prementes de proteção das supostas vítimas.

Contudo, numa sociedade complexa e hierarquizada, dita as leis a classe que dispõe de poder. E, obviamente, armará a ordem legal de sorte a garantir a permanência das desigualdades existentes, das quais decorrem as vantagens que lhes bafejam os membros, tanto quanto os ônus suportados pelas massas oprimidas. Ou seja: a ordem jurídica, elaboram-na os grupos predominantes em termos de poder, com o propósito político de assegurar a conservação do status quo sócio-econômico. Portanto, a lei entremostra caráter arbitrário e discriminatório ainda na sua formulação abstrata. [77]

Assentadas essas premissas, lancemo-nos na análise do que dispõe o artigo 109, § 5º da CRFB, in verbis:

Art. 109 Aos juízes federais compete processar e julgar:

(...)

5º Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou do processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal. (sem grifos no original).

O fim daquela norma, repise-se, é disponibilizar instrumento capaz de conferir eficiente resposta estatal às violações aos direitos humanos e evitar que o Brasil venha a ser responsabilizado por não cumprir os tratados internacionais, por ele firmados, que versem sobre esses direitos internacionalmente protegidos.

Todavia, convém alertar que a medida é tardia, se considerarmos os termos restritos supratranscritos em que aquela encontra aplicação. É que, diante da possibilidade da federalização se dar somente na fase do inquérito ou do processo, tal instituto indubitavelmente funcionará muito mais para o opressor do que para o oprimido, porque assegura a impunidade do primeiro, na exata medida em que concentra a sua atuação somente nessas duas fases.

Já se disse que, constitucionalmente, as lesões aos direitos humanos ficaram sob a égide do aparelhamento policial e judicial dos Estados Federados e que fatores econômicos e sociais têm marcado sua atuação significativamente distanciada dessa temática. Essa fragilidade institucional criou clima propício para cada vez mais freqüentes violações dos direitos humanos em nosso país, que ficam imunes à atuação fiscalizadora e repressora do Estado. Ou alguém acredita que o IDC será instrumento suficiente para influir decisivamente na realidade existente de escravidão, prostituição forçada, exploração sexual, tortura, detenções arbitrárias, violência rural, violação dos direitos das populações indígenas, exploração de trabalho de criança e adolescente ou na prática da tortura nas delegacias de polícia em cada canto do país, verdadeiro habitus que configura uma afronta explícita à Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, de 1985? [78]

Augusto Thompson defende que não são os comportamentos (delitos) que contam, uma vez que o importante, de fato, para o agir efetivo da justiça criminal, reside na posição social do autor. O status do delinqüente é atribuído às pessoas não pelo que fizeram, mas pelo que são. [79] Segundo essa ordem de idéias, O Incidente de Deslocamento de Competência, porque atua na fase do inquérito ou do processo, não seria instrumento idôneo para atingir os delitos mencionados, já que contra os opressores dificilmente seria lavrado qualquer tipo de ocorrência policial.

Isso porque, ainda segundo aquele autor, a Justiça criminal é discriminatória, sendo perfeitamente identificável o norte da bússola que orienta a condução de seus afazeres.

Nesse sentido, afirma que o vestíbulo de ingresso de um delito no templo da ordem formal (ciência do fato até a indiciação do autor) situa-se na área policial; a formalização completa da rotulação do criminoso (que não será viável sem a passagem pelo vestíbulo de ingresso) dá-se pelo judiciário (ministério público e magistratura). Contudo, há quatro fatores preponderantes cuja existência impulsionam o binômio crime/criminoso para o caminho da condenação e evita que consiga saltar fora dos trilhos durante a viagem, de sorte a mergulhar nas sombras da cifra negra, são elas: a) Maior visibilidade da infração; b) Adequação do autor ao estereótipo do criminoso construído pela ideologia prevalente; c) Incapacidade do agente quanto a beneficiar-se da corrupção ou da prevaricação; e d) Vulnerabilidade do agente a ser submetido a violências e arbitrariedades. [80] Veremos que os quatro fatores mencionados por Augusto Thompson privilegiam as classes avantajadas (os mais fortes e, de regra, os opressores) e, também, estão a indicar que as referidas classes, somente excepcionalmente, serão autuadas em inquérito policial. Senão vejamos.

a)Maior visibilidade da infração.

De duas formas uma concreta violação à lei penal chegará à ciência da polícia de molde a ser instaurado o inquérito policial: a) seus agentes vêem o delito; ou b) são para ele alertados por alguém que lhes transmita notícia a respeito.

Quanto à primeira hipótese, o crime será mais visível na medida em que ocorra num lugar com respeito ao qual a polícia dispõe de maior facilidade de acesso, tanto em termos de espaço quanto de tempo. Especialmente vulneráveis à fiscalização do órgão de segurança mostram-se os logradouros, tais como as ruas, praças, parques, praias etc. Neles são postados os guardas fardados. Por eles transitam as viaturas de policiamento - radiopatrulhas, camburões, carros de ronda. Quanto a eles inexistem obstáculos impeditivos de circulação ampla e desenvolta por parte de investigadores, detetives e demais funcionários encarregados de coibir a prática de atos ilícitos. Logo a seguir aos logradores públicos, também se apresentam extremamente devassáveis dados tipos de prédios que abrigam instituições populares, cuja franquia se permite a quase todo o mundo e onde a polícia pode penetrar independentemente de contar com a aquiescência dos respectivos proprietários e usuários - tais como botequins, supermercados, estações ferroviárias e rodoviárias, escolas e hospitais públicos e assim por diante. Na mesma categoria estão as moradias situadas nas favelas, barros de madeira destituídos de proteção sequer razoável contra violações.

O oposto se dá quanto a outros tipos de recintos, aonde só têm ingresso pessoas portadoras de atributos especiais. Se os indivíduos de baixa renda vivem a céu aberto, as classes média e alta tendem a passar a maior parte do tempo em locais fechados. Mostram aparelhamento adequado para fazer respeitar a seleção desejada. A eles a polícia carece de livre acesso, pois uma barreira institucional defende a indevassabilidade de seus interiores. O acontecimento de alguma ilicitude lá, como parece óbvio, encontra dificuldade quase invencível quanto a ser "visto" pela polícia - a qual, praticamente, só conhecerá da infração se for dela cientificada pro alguém "da casa". A imunidade institucional, assegurada em nome do direito à privacidade e das garantias individuais insculpidas na Constituição e na legislação ordinária - guarda-chuva que não protege os segmentos mais humildes do povo - impede que se possa estabelecer um cotejo esclarecedor.

Compreende-se, por tais circunstâncias, haver muito mais probabilidades de serem os delitos dos miseráveis "vistos" pela polícia do que aqueles perpetrados pela gente de posição social mais elevada e, em razão, disso, parece sensato reconhecer que há maior vulnerabilidade dos membros das camadas inferiores do que daqueles das camadas superiores quanto a ter seus crimes fulminados pelos raios de luz da ordem formal.

b)Adequação do autor ao estereótipo do criminoso construído pela ideologia prevalente.

O primeiro traço básico da imagem do criminoso que representa para si mesma a ideologia dominante, diz respeito a seu baixo status social. Pedindo a uma pessoa que descreva a figura de um delinqüente típico, teremos, em função da resposta, o retrato preciso de um representante da classe social inferior, de tal sorte se tende a estabelecer o intercâmbio entre pobreza e crime. A teoria lombrosiana outro mérito não teve senão o de dar cunho científico a esse sentimento do senso comum. Aliás, os sinais morfológicos do "criminoso nato", descritos pelo pai da criminologia, casavam-se harmoniosamente com aqueles referentes aos parias da sociedade italiana da época. Ao afirmar que o criminoso é, caracteristicamente, pobre, abre-se facilmente a possibilidade de inverter os termos da equação, para dizer: o pobre é, caracteristicamente, criminoso.

Ora, o aparecimento de uma quantidade muito maior de delitos envolvendo gente miserável do que remediados e ricos - conseqüência necessária da "visibilidade" do crime, de que cuidamos anteriormente - vem reforçar as idéias preconcebidas a respeito dos delinqüentes. Isso, por seu turno, funciona como eficiente justificativa no sentido de concentrar a vigilância sobre os indivíduos considerados como mais propensos a desrespeitar as leis. A maior fiscalização sobre dados grupos do que relativamente a outros vai determinar uma taxa diversa entre quanto à quantidade de infratores que ficarão escondidos na cifra negra. As estatísticas oficiais, em decorrência, ostentarão um número elevado de criminosos oriundos das classes baixas, enquanto o relativo aos situados nas camadas superiores se mostrará ínfimo. Tal indicador é tomado como prova a respeito da correta orientação que preside o trabalho da polícia, a qual se sentirá estimulada em manter o mesmo critério de seleção tradicionalmente empregado.

c) Incapacidade do agente quanto a beneficiar-se da corrupção ou da prevaricação.

No processo de decantação a que são submetidas as práticas criminosas, com o objetivo de livrar de perseguição os agentes pertencentes às castas privilegiadas e destinar à punição formal aqueles oriundos da baixa classe social, impõe-se o emprego de variados filtros, dentre eles o fator discriminatório enfocado neste item.

De fato, só pode subornar quem dispõe de recursos (corrupção); só pode pedir que seja atendido quem goza de prestígio (prevaricação). Dinheiro, importância, poder são os atributos que mais agudamente extremam os grupos superiores dos inferiores numa sociedade dividida. Como a principal peneirada incumbe à polícia realizar, e como, para que o dado discriminatório em pauta funcione a contento, impõe-se exigir do operador aptidão para se deixar comprar e/ou intimidar em larga escala, fica fácil compreender que, para o sistema, só interessa contar com uma polícia tanto venal quanto submissa ao jogo das pressões.

Nessa ordem de idéias, Augusto Thompson sustenta que "a pretensão de reformar a polícia, purificá-la, aperfeiçoá-la, dignificá-la, transformá-la num órgão reto, honesto, equilibrado, traduz aspiração ingênua, desligada da realidade". E arremata: "Somente sendo corrupta e prevaricadora, a polícia satisfará as expectativas nela depositadas pelo sistema". [81] Enquanto se atenta para o que se pretende seja um caso de mau funcionamento, perde-se a perspectiva para perceber que o problema reside nos próprios fundamentos do sistema.

Na matéria sob exame, a presença de advogado patrocinando a defesa do acusado implica conseqüências altamente favoráveis para o último, embora, de acordo com a sistemática legal, afora exceções desimportantes, nenhum espaço está previsto para a atuação de causídico no inquérito. Por obedecer ao denominado "procedimento inquisitorial", a autoridade que o conduz age da maneira que melhor lhe aprouver na coleta dos elementos de prova. O equilíbrio de ações entre as partes (princípio do contraditório) só vigora quando o feito tem curso já em juízo. O delegado, na atividade preliminar, dirige seu trabalho como lhe parecer mais acertado, dispensado de fornecer explicações ou deferir requerimentos das partes e de seus patronos.

Inobstante tal circunstância, raro é o caso em que uma pessoa de médias posses para cima deixa de se fazer acompanhar de advogado na polícia. Por quê? Obviamente, há um papel reservado pelo advogado, o qual pode ser definido de acordo com as seguintes atribuições: impedir que o constituinte sofra violências e arbitrariedades; manipular convenientemente os frutos de pedidos de pistolões e do fornecimento de gratificações (devem saber a quem e com quanto se deve gratificar), de sorte a retirar o máximo proveito de tais fatores (mercê da competência e experiência, sabe o que deve constar ou ser omitido dos autos).

Quem funciona na área penal conhece sobejamente a importância da presença do advogado no inquérito. Da simples leitura dos autos, com um pouco de prática, distingue-se, sem possibilidade de erro, os casos em que o indiciado deixou de contar com ela.

Como, porém, oficialmente, inexiste um papel definido para o advogado na fase policial, que, por suposição, seguirá os mesmos rumos com ou sem a interveniência de causídico (a lei presume, também, o respeito da polícia aos direitos de todos os indiciados), a Assistência Judiciária, instituição encarregada de prover a defesa dos réus pobres, não prevê designação de advogado para assisti-los nas delegacias. Com isso, mais uma vez, executa-se o jogo duplo da repressão penal: mantém-se a observância da igualdade de todos (no plano formal), enquanto se desequilibra a posição dos membros das classes desfavorecidas relativamente à dos indivíduos bem situados (no plano concreto). A polícia está "podre"? A Justiça está "podre"? Não, o sistema está atingindo seus objetivos.

d) Vulnerabilidade do agente a ser submetido a violências e arbitrariedades.

A denominada "polícia científica" perde longe, em qualquer parte do mundo, para o emprego da coação imposta ao suspeito ou indiciado, com vistas ao fornecimento de elementos de prova contra ele próprio. Ou se obtém tal resultado, ou dificilmente se armará um satisfatório conjunto probatório de sua culpabilidade. O constrangimento por parte da vontade do acusado para obrigá-lo a dizer o que não quer pode realizar-se através de meios muito vulneráveis, desde pressões de caráter puramente psicológico até a aplicação de choques elétricos e do pau-de-arara ou, em menor grau, por meio de maus-tratos - que sempre há -, tais como berros, ameaças, empurrões cascudos. E quanto mais baixo estiver na escala social, mais indefeso estará o padecente com relação a tais práticas.

Dão-nos notícia os autores, que não gastam o tempo fazendo criminologia de gabinete, que esses postulados são verdadeiros para os Estados Unidos, a França, a Alemanha, a Inglaterra. Parece lícito acreditar que o sejam, também, para a Rússia ou a China. [82] E no nosso caso?

A maioria avassaladora dos delitos elucidados o são com base na confissão do autor. O ponto nevrálgico da investigação concentra-se no interrogatório do indiciado ou suspeito. O resto da atividade policial vai gravitar em torno daquele núcleo. Obter a confissão, pois, de forma quase absoluta, importa em resolver o caso; não consegui-la, deixá-lo insolúvel. Coagir o acusado significa, por seu turno, também de forma quase absoluta, obter a confissão. Do que é lícito concluir: a possibilidade da coação representa a alma de uma investigação com sucesso. O resto consubstancia mero complemento.

A indicação dos impedimentos aptos a inviabilizar a coação fornece a chave capaz de explicitar que delitos serão ou não adequadamente resolvidos.

Três óbices podem ser apontados como principais: a) movimentação, por parte do investigado ou de pessoas a ele ligadas, dos instrumentos capazes de impedir ou fazer cessar a violência; b) receio dos policiais de que venham a responder penal ou disciplinarmente, formal ou informalmente, pelos atos praticados; c) ausência de interesse dos policiais em coagir, em razão de receberem vantagem do criminoso.

Relativamente a esses itens, há uma relação direita deles com o nível social a que pertença o indiciado e com sua capacidade econômica. Tendo recursos, poderá contratar um bom advogado, o qual não saberá agir eficientemente para garantir a integridade do cliente como, também, por sua presença, infundirá receio aos policiais de virem a ser punidos pelo emprego da tortura. De outro lado, no círculo de conhecimento dos familiares do acusado, se tal se dá num padrão de médio para cima, forçosamente há de haver pessoas situadas em posição de mando, capazes de inspirar respeito, tais como oficiais das forças armadas, desembargadores, procuradores da justiça etc., os quais, independentemente daquilo que estiver sendo imputado ao suspeito ou autor, sentir-se-ão à vontade para mexer-se de sorte a lhe dar proteção contra a violência, uma vez que, de qualquer maneira, essa prática se reconhece formalmente como ilegal.

Tratando-se, porém, de um elemento marginalizado, provindo de meio miserável, carece ele de qualquer recurso para opor à brutalidade dos policiais, que, dessa forma, se sentem animados e encorajados para usar e abusar da prepotência. Sabem que, se dela extraírem como resultado o esclarecimento do fato, ninguém se importará em perquirir a respeito dos métodos que conduziram ao sucesso da investigação, os quais ficarão esquecidos em face da prova da culpa do criminoso. Em verdade, embora raramente ou nunca isso se reconheça expressamente, todo o mundo concorda em que a única via que se mostra segura para a elucidação de um delito é a da arbitrariedade, que, por isso, ganha foros de institucionalidade, no plano operacional.

Por tudo isso, as prisões estão ocupadas, de 95% a 99%, por gente das camadas marginalizadas da sociedade. E a criminologia tradicional recebe decidido amparo oficial, porque logra sustentar "cientificamente" a irrepreensibilidade do fato. [83]

Conclui-se, portanto, que, para assegurar o adimplemento das obrigações assumidas em Tratados de Direitos Internacionais, as ações do Poder Público devem ser tomadas em caráter preventivo, e não só quando formalizado o inquérito ou processo, geralmente instaurado, como vimos, contra os oprimidos e não contra os opressores. Nessa ordem de idéias, merece retoque a norma constitucional que restringiu somente para as fases do inquérito ou do processo o campo de atuação do Incidente de Deslocamento de Competência. Com efeito, chegando ao conhecimento do legitimado a propor o IDC de que se encontram presentes as condições para a sua propositura e, ainda que a formalização do inquérito não tenha se dado - e que não se dará - em razão de forte indício de leniência das instâncias locais, deveria ainda sim poder ajuizá-lo. Dessa forma, acreditamos que o instituto cumpriria de forma mais eficiente o fim a que se destina: dar proteção aos manifestamente mais fracos, vítimas de graves violações contra os direitos humanos.

Ou, sob outro prisma, para que as violações contra os direitos humanos entrem, efetivamente, na ordem formal com a instauração de inquérito que objetive apurá-las, necessário a articulação de vários setores governamentais com o Judiciário e o Ministério Público.

Ao nosso ver, ainda, poderiam ser celebrados convênios de cooperação institucional, como conseqüência do diálogo com setores da sociedade civil engajados na difusão dos valores dos direitos humanos, com o objetivo de não só articular ações concretas de intervenção na realidade social, mas também de mudar os paradigmas existentes da política criminal, de modo que aqueles que praticam os crimes contra os direitos humanos mereçam exibição no claro e venham a compor as estatísticas que servirão de base para o desmantelamento do sistema construído pela ideologia prevalente, consoante a qual o primeiro traço básico da imagem do criminoso diz respeito a seu baixo status social.

4.4.Da legitimidade exclusiva do Procurador-Geral da República para provocar o Incidente de Deslocamento de Competência.

A Emenda Constitucional nº 45/2004, que introduziu no ordenamento jurídico o Instituto de Deslocamento de Competência, poderia ter previsto outros legitimados para sua propositura, como o próprio Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, além de outras pessoas jurídicas e físicas, e não ter optado por centrar tal legitimidade exclusivamente no Procurador-Geral da República. É fundamental que se democratize o acesso ao pedido de deslocamento a outros relevantes atores sociais. Desse modo, restaria aumentada a possibilidade de que o uso daquele importante instrumento jurídico fosse disseminado.

De outro modo, sabido que o sistema de proteção internacional dos direitos humanos é adicional e subsidiário e, nesse sentido, pressupõe o esgotamento dos recursos internos para seu acionamento, ao se alargar o rol de legitimados a propor o incidente dois aspectos positivos adviriam para o Brasil: a) sinalizaria para o cenário interno e internacional que existe uma preocupação legítima com os direitos humanos e, em razão disso, a legislação que assegura a sua proteção está sempre sendo revista e aperfeiçoada; e b) afastaria a alegação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos - CIDH de que a regra da subsidiariedade não alcança a federalização, se esta não foi realmente concretizada, já que não compete às partes provocá-la, mas sim, ao Procurador-Geral da República. Com isso, evitar-se-ia uma maior exposição do Brasil na seara internacional.


CONCLUSÃO

A Constituição de 1988 preocupou-se, como não poderia deixar de ser, com os direitos básicos do homem (Título II - arts. 5º a 17), tanto que, de início, ao tratar dos princípios fundamentais, o constituinte originário deixou consignado que: "A República Federativa do Brasil, formada pela União indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de direito (Título I - art. 1º), tendo entre os seus 5 (cinco) principais fundamentos "a dignidade da pessoa humana" (art. 1º, inc. III).

Não há dúvida quanto à importância dada pelo constituinte à questão dos direitos humanos ao prescrever, como cláusula pétrea, que: "Não será objeto de deliberação a proposta de emenda constitucional tendente a abolir os direitos e garantias individuais" (art. 60, § 4º, inc. IV).

A par disso, o constituinte inclui a prevalência de tais direitos dentre os princípios que devem reger as relações internacionais da República Federativa do Brasil (art. 4º, inc. II).

Nessa linha, a EC nº 45/2004 - aprovada e promulgada pelo Congresso Nacional, publicada no dia 31/12/2004, decorrente da PEC nº 96-A, de 1992, à qual foram apensadas as PECs nº 112-A/95, 127-A/95, 215-A/95, 368-A/96 e 500-A/97, todas tratando da reforma do Poder Judiciário - inseriu no nosso ordenamento jurídico a possibilidade de deslocamento da competência originária para a investigação, processamento e julgamento das graves violações de direitos humanos, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais firmados pelo Brasil, acrescentando ao artigo 109 da Constituição o inciso V-A e o § 5º, com a seguinte redação, verbis:

Art. 109 - Aos Juízes federais compete processar e julgar:

V-A - as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste artigo;

§ 5º Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal.

A criação do Instituto de Deslocamento de Competência decorreu, dentre outros motivos, da percepção de que, em vários casos, os mecanismos até então disponíveis para a apuração e punição dessas infrações demonstraram-se insuficientes e, até mesmo, ineficientes, expondo de forma negativa a imagem do Brasil no exterior, que, freqüentemente, por meio de diversos organismos internacionais, além da mídia, tem sofrido severas críticas quanto à negligência na apuração desse tipo de crime, que resulta quase sempre em impunidade, não obstante os diversos compromissos por ele firmados, com relação à proteção desses direitos, como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) e a declaração de reconhecimento da competência obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que podem colocar o Estado Brasileiro como sujeito passivos nos casos impunes a elas comunicados.

Por outro lado, não há como negar a grande dificuldade do Governo Federal, no que tange às reiteradas omissões na apuração e punição dos crimes praticados internamente com grave violação aos direitos humanos, uma vez que a competência originária para a investigação, processamento e julgamento encontra-se no âmbito dos Estados, que, muitas vezes, por questões histórico-culturais e sócio-econômicas, mostram-se insensíveis às violações desses direitos os quais o Brasil comprometeu-se, inclusive no plano internacional, a respeitar e proteger e é, de resto, dever elementar e essencial do Estado, como um todo, coibir e punir severamente os seus infratores, sempre com observância da legalidade estrita.

Nessa quadra, o instituto da federalização dos crimes de direitos humanos está em absoluta harmonia com a racionalidade e a principiologia constitucional, sobretudo, ao aprimorar a defesa e a salvaguarda da dignidade da pessoa humana. Contribui, ainda, para o aperfeiçoamento da sistemática de responsabilidade nacional e internacional em face das graves violações dos direitos humanos, o que permitirá aprimorar o grau de respostas institucionais, nas diversas instâncias federativas.

Para os Estados cujas instituições responderem de forma eficaz às violações, a federalização não terá incidência, tão-somente encorajará a importância da eficácia das respostas. Para os Estados, ao revés, cujas instituições mostrarem-se falhas, ineficazes ou omissas, estará configurada a hipótese de deslocamento de competência para a esfera federal. A responsabilidade primária no tocante aos direitos humanos é dos Estados, enquanto que a responsabilidade subsidiária passa a ser da União.

Daí a relevância da federalização introduzida pela Emenda Constitucional nº 45/2004 e, também, a do caso Dorothy Stang, que, na qualidade de leading case, em muito contribuirá, juntamente com a doutrina que tem se formado, para que se consolide aquele instituto, o qual vem ampliar a garantia da justiça e o combate à impunidade, nos casos em que há graves violações de direitos humanos.

Contudo, o presente estudo apontou como causas limitadoras do uso do incidente em questão: a) a aplicação do princípio da proporcionalidade, consoante o qual o novo instituto é instrumento a ser utilizado em situações especialíssimas, quando devidamente demonstrada a sua necessidade, a sua imprescindibilidade; b) a possibilidade de deslocamento de competência somente nas fases do inquérito e do processo, restando demonstrando que a instauração do primeiro se dá, via de regra, em face daquele que deveria ser protegido contra as graves violações de direitos humanos e não contra o opressor; c) a legitimidade exclusiva do Procurador-Geral da República para provocar o incidente, sendo fundamental que se democratize o acesso ao pedido de deslocamento a outros relevantes atores sociais.

Nesse sentido, portanto, a conclusão inarredável que se impõe é que a consolidação do Instituto de Deslocamento de Competência como mais um instrumento de proteção dos direitos humanos não impedirá o seu uso parcimonioso. Todavia, o instituto poderá aumentar o seu espectro de atuação se forem realizadas alterações legislativas tendentes a corrigir as distorções acima mencionadas, de modo que o Estado possa contar, de fato, com uma estrutura sólida e eficaz de recursos jurídicos para reparar as graves violações aos direitos humanos e, ipso facto, encontrar-se plenamente harmonizado com as normas previstas nos instrumentos internacionais de proteção daqueles direitos.


6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Notas

(...)

VII - assegurar a obsrvância dos seguintes princípios constitucionais:

b) direitos da pessoa humana.

"Se o interesse da ordem pública o reclamar ou houver dúvida sobre a imparcialidade do júri ou a segurança pessoal do acusado, o Tribunal, a requerimento do Ministério Público, do assistente, do querelante ou do acusado ou mediante representação do juiz competente, poderá determinar o desaforamento do julgamento para outra comarca da mesma região, onde não existam aqueles motivos, preferindo-se as mais próximas".

"O protesto por novo júri é privativo da defesa, e somente se admitirá quando a sentença condenatória for de reclusão por tempo igual ou superior a vinte anos, não podendo em caso algum ser feito mais de uma vez."

  1. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 2004, p. 49.
  2. Apesar dos direitos humanos terem sido consagrados internacionalmente como direitos universais, não se pode olvidar da acirrada discussão existente hoje acerca de considerá-lo ou não universal. Trata-se do debate entre a universalidade e relatividade cultural dos direitos humanos.
  3. NANDA, Ved. P. Implementation of Human Rights by the United Nations and Regional Organizations. In: De Paul Review, Chicago, v. XXI: 307, p. 308, set. 1998 apud JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. A Corte Criminal Internacional e a tutela dos direitos humanos. Revista da Faculdade de Direito de Valença, Valença, v. 2, nº 2, p. 19-32, dez. 1999, p. 21.
  4. HERKENHOFF, João Baptista. Direitos Humanos - A construção Universal de uma utopia. São Paulo. Ed. Santuário, 1997, apud SAMANIEGO, Daniela Paes Moreira. Direitos Humanos como utopia. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, nº 46, out. 2000. Disponível em <http://jus.com.br/artigos/76>.Acesso em: 31 maio. 2006.
  5. FERNANDEZ, Eusébio. Teoria de la Justicia y Derechos Humanos. Madrid: Editorial Debate, 1991, p.78 apud FERREIRA JÚNIOR, Celso Rodrigues. Os direitos humanos e o multiculturalismo. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, nº 489, 8 nov. 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/5898>. Acesso em: 01 jun. 2006.
  6. AMARAL, Luiz Otavio O. Direitos Humanos e violência policial - Uma polícia menos letal: o profissionalismo policial. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, nº 63, mar. 2003. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/3794. Acesso em: 04 nov. 2008.
  7. PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. [I]. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, nota à 7ª Edição, p. XXII.
  8. PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o princípio da dignidade humana. [II]. Revista do Advogado, São Paulo, v. 23, nº 70, p. 34-42, jul. 2003, p. 35.
  9. BARROSO, Luis Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós modernidade, teoria crítica e pós-positivismo), Revista Forense, v. 358, p. 104.
  10. A teoria moral Kantiana exerceu enorme influência nos fundamentos de diversas teorias sobre direitos. A respeito, consultar Jeremy Waldron, Theories of rights. Oxford - New York, Oxford University Press, 1984 apud PIOVESAN, Flávia. Op. Cit. [I], p. 29.
  11. BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais - o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 202-203.
  12. MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos fundamentais. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 60.
  13. COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 49-54.
  14. Art. 5º da Declaração e Programa de Ação de Viena, de 1993.
  15. HANNA, Arendt. As origens do totalitarismo. Tradução de Roberto Raposo. Rio de Janeiro, 1979 apud PIOVESAN, Flávia. Op. Cit. [II], p.35.
  16. HERKENHOFF, João Baptista. Op. Cit.
  17. ROLIM, Marcos. Atualidade dos Direitos Humanos. Marcos Rolim, Brasília, 1998. Seção Ensaios. Disponível em: <http://www.rolim.com.br/ensaio5.htm.> Acesso em: 01 jun. 2006.
  18. ALMEIDA, Fernando Barcellos. Teoria Geral dos Direitos Humanos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editores, 1996, p. 47 apud STEINER, Sylvia Helena de Figueiredo. Tribunal Penal Internacional: a proteção dos direitos humanos no século XXI. Revista do Advogado, São Paulo, v. 22, nº 67, p. 71-80, ago. 2002. p. 71.
  19. COMPARATO, Fábio Konder. Op. Cit., p. 41.
  20. Ibid, p. 42
  21. ROLIM, Marcos. Op. Cit.
  22. CASSIN, R.. La Declaration Universelle et la mise em oeuvre des droits de l`homme. In: Recueil de Cours de Lácademie Internacionalle de Haie, v. 79. p. 41, 1947 apud ALMEIDA, Guilherme Assis de. A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948: matriz do direito internacional dos direitos humanos (DIDH). In ALMEIDA, Guilherme Assis de, PERRONE-MOISÉS, Cláudia (coords.). Direito Internacional dos Direitos Humanos. São Paulo: Atlas, 2002, p. 13.
  23. PIOVESAN, Flávia. Op. Cit. [II], p. 35.
  24. COMPARATO, Fábio Konder. Op. Cit., p. 45.
  25. BOBBIO, Norberto, A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1988, p. 30 apud PIOVESAN, Flávia. Op. Cit. [II], p. 37.
  26. STEINER, Sylvia Helena de Figueiredo. Tribunal Penal Internacional: a proteção dos direitos humanos no século XXI. Revista do Advogado, São Paulo, v. 22, nº 67, p. 71-80, ago. 2002, p. 72.
  27. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 5 apud STENEIR, Sylvia Helena de Figueiredo. Op. Cit., p. 72.
  28. TRINDADE, Antonio A. Cançado. The contribution of intenational human rights law to enviromental protection, with special reference to global environmental change. In: Environmental change ante international law. Tókio: Edith Brown Weiss ed., United Nations University Press, p. 245 apud STEINER, Sylvia Helena de Figueiredo. Op. Cit, p. 73.
  29. PIOVESAN, Flávia. Op. Cit. [I], p. 174-202.
  30. BILDER, Richard B. An Overview of international Human Rights law. In HANNUM, Hurst (Editor). Guide to international human rights practice. 2. ed. Philadelphia: Univesity of Pennsylvania Press, 1992. p. 3-5 apud PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. São Paulo. Max Limonad, 1998, p. 23.
  31. PIOVESAN, Flávia. A Jurisdicionalização dos direitos humanos. Revista da Escola Paulista da Magistratura, São Paulo, v. 3, nº 2, p. 59-72, jul./dez. 2002, p. 67.
  32. HERKENHOFF, João Baptista. Op. Cit.
  33. Idem.
  34. COMPARATO, Fábio Konder. O papel do juiz na efetivação dos direitos humanos. In Direitos Humanos: visões contemporâneas. São Paulo: Associação Juízes para a Democracia, 2001, p. 18.
  35. Idem.
  36. PIOVESAN, Flávia. Op. Cit. [II], p. 39.
  37. MOREIRA, Nelson Camatta. Sistema normativo de proteção dos direitos humanos: a interação entre os tratados internacionais de direitos humanos e o ordenamento jurídico brasileiro. Revista de Estudos Criminais, Porto Alegre, v. 3, nº 11, p. 124-137, 2003, p. 134.
  38. PIOVESAN, Flávia. Op. Cit. [I], p. 303-326.
  39. ROLIM, Marcos. Op. Cit.
  40. ARAS, Vladimir. Federalização dos crimes contra os direitos humanos. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, nº 687, 23 maio 2005. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/6762. Acesso em: 04 nov. 2008.
  41. PIOVESAN, Flávia. Op. Cit. [I], p. 300.
  42. MALULY, Jorge Assaf. A Federalização da competência para julgamento dos crimes praticados contra os Direitos Humanos. Boletim IBCRIM, São Paulo, v. 12, nº 148, p. 4-6, mar. 2005, p. 4.
  43. Art. 34 A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:
  44. MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 12ª ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 304.
  45. PIOVESAN, Flávia, VIEIRA, Renato Stanziola. Federalização de crimes contra os direitos humanos: O que temer? [III]. Boletim IBCCRIM, São Paulo, v. 13, nº 150, p. 8-9, mai. 2005, p. 8.
  46. CPP, Art. 427 (com redação dada pela Lei 11.689, de 2008):
  47. ARAS, Vladimir. Op. Cit.
  48. ALMEIDA, Patrícia Donati. In A Notícia (fonte: www.ultimainstancia.uol.combr). Disponível em 16/05/2008.
  49. PIOVESAN, Flávia. Federalização dos crimes contra os direitos humanos. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 13, nº 54, p. 169-183, mai./jun. 2005, p. 183.
  50. ARAS, Vladimir. Op. Cit.
  51. PIOVESAN, Flávia; VIEIRA, Renato Stanziola. Op. Cit. [III], p. 9.
  52. MACIEL, Cláudio Baldino. Crime contra os Direitos Humanos. Revista Direito Militar, Florianópolis, v. 8, nº 45, jan./fev. 2004, p. 5.
  53. DENNEWITZ, Boddo. Kommentar Zum Bonner Grundgesetz: Bonner Kommenar. Hamburgo: Joachin Hestmann, 1950, art. 101 apud Moraes, Alexandre de. Princípio do juiz natural como garantia constitucional. Revista da Escola Paulista da Magistratura, São Paulo, v. 5, nº 2, p. 17-27, jul./dez. 2004. p. 17.
  54. MACIEL, Cláudio Baldino. Op. Cit., p.5.
  55. Idem.
  56. OLIVEIRA, Marcus Vinícius Amorim de. A Falácia da Federalização dos Crimes contra os Direitos Humanos. Boletim IBCCRIM, São Paulo, v. 12, nº 142, set. 2004, p. 2.
  57. Idem.
  58. PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos Internacionais e Jurisdição Supra-Nacional: A exigência da Federalização. Boletim dos Procuradores da República, São Paulo, v. 2, nº 16, p. 16-17, ago. 1999, p. 16.
  59. ASSUNÇÃO, Maria Leonor. Introdução ao tema crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Coimbra, v. 6, nº 1, p. 61-69, jan./mar. 1996. p. 63/68.
  60. COSTA, João Ricardo dos Santos. Federalização dos denominados crimes contra os direitos humanos: equívoco baseado em casuísmos e falsos paradigmas. Revista Cidadania e Justiça, Rio de Janeiro, v. 5, nº 12, p. 115-128, jul/dez. 2002, p. 117.
  61. Ibid, p. 122-123.
  62. Ibid, p. 123.
  63. Ibid, p. 126.
  64. PIOVESAN, Flávia; VIEIRA, Renato Stanziola. Op. Cit. [III], p. 8
  65. Folha Online, 15 fev. 2005 apud Conflito agrário no Pará e o caso Dorothy Stang. "Anistia Internacional condena morte de freira americana no Pará". Consciência.Net. Disponível em: http://consciência.net/2005/mês/04/dorthy.html. Acesso em: 31 de maio de 2006.
  66. Cf. nota de rodapé nº 46.
  67. CPP. Art. 607 (revogado pela Lei nº 11.689, de 2008):
  68. Revista Veja, 21 de maio de 2008. Edição 2061 - Ano 41 - nº 20, p. 70-71.
  69. CASTILHO, Ela Wiecko. A federalização de violações de direitos humanos. Disponível em: http://www.buscalegis.ufsc.br/arquivos/250920061.pdf. Acesso em: 23 nov. 2008.
  70. MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 12. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 748.
  71. OLIVEIRA, Fábio Corrêa Souza de. O Princípio da Razoabilidade e a sua Relação com o Princípio da Presunção de Constitucionalidade das Leis e dos Atos do Poder Público. [Syn] Thesis: Cadernos do Centro de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 1, nº 1, p. 11-22, 1996, p. 13.
  72. Idem.
  73. OLIVEIRA, Fábio Corrêa Souza de. Op. Cit., p. 14.
  74. Ibid. p. 15.
  75. STF, Intervenção Federal nº 2.915-5; SP, Tribunal Pleno, rel. p/ o acórdão min. Gilmar Mendes, j. 03/02/2003 e publicado no DJU de 28/11/2003 apud MALULY, Jorge Assaf. A Federalização da competência para julgamento dos crimes praticados contra os Direitos Humanos. Boletim IBCCRIM, São Paulo, v. 12, nº 148, p. 4-6, mar. 2005, p. 5-6.
  76. MALULY, Jorge Assaf. Op. Cit., p. 6.
  77. Thompson, Augusto. Quem são os criminosos? Rio de Janeiro: Lúmen Júris, p. 45-94, 1998, p. 47.
  78. OLIVEIRA, Marcus Vinícius Amorim de. Op. Cit., p. 3.
  79. Thompson, Augusto. Op. Cit., p. 54-55.
  80. Ibid, p. 59-60.
  81. Ibid, p. 76.
  82. Ibid, p. 80.
  83. Ibid, p. 94.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PICORELLI, Fernanda Estevão. O Incidente de Deslocamento de Competência como mais um mecanismo de proteção dos direitos humanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2195, 5 jul. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13102. Acesso em: 30 abr. 2024.