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Júri: a controvérsia na quesitação da inimputabilidade e dos excessos culposo e exculpante

Júri: a controvérsia na quesitação da inimputabilidade e dos excessos culposo e exculpante

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INTRODUÇÃO

Em agosto de 2008 o processo penal brasileiro passou por importante reforma, que, mesmo pontual, quanto ao procedimento do júri foi extremada, afastando, de vez, o Decreto Lei 167/38, que, sabidamente, suprindo a omissão da Carta de 1937, foi editado para regulamentar a instituição, sendo integralmente trasladado ao Código de Processo Penal de 1941.

A amplitude da alteração está desafiando cuidados e provocando controvérsias. Os movimentos iniciais para aplicar o novo texto ainda são tímidos, e o segmento do texto legislativo que mais tem afligido os operadores de direito, em face dos debates e desencontros de uma melhor e mais consentânea interpretação, relaciona-se com o novo sistema de quesitação, especialmente naquilo omitido pelo legislador.

No objetivo específico das considerações que seguem, entendi de destacar o estudo do questionário quando ocorrem situações que demandam a quesitação no julgamento de inimputável (doente mental), das teses de excesso culposo e exculpante nas excludentes da ilicitude, que, com certeza, é a maior fonte de controvérsia na inovação reformadora.

Eis a contribuição para o debate.


1. A INIMPUTABILIDADE E A ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA.

Não é desconhecido que, equivocadamente, a inimputabilidade decorrente de doença mental, atestada por laudo técnico e acolhido pelo juiz, é considerada causa de ‘absolvição’ (imprópria) pela simples localização topográfica no sistema processual penal (art. 386, VI, CPP [01]). Resulta da conclusão ‘absolutória’ que será aplicada ao inimputável medida de segurança, tal como dispõe o art. 97 do Código Penal: "Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (art. 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial".

Todavia, essa concepção (absolvição) merece ser repensada. E não sem razão, haja vista as graves repercussões delas imanentes (prescrição, prazos, etc), do qual não se exclui as decorrentes das decisões do Conselho de Sentença no Tribunal do Júri e seu reflexo no questionário.

O e. STF, em histórico julgamento, afirmou que, pela natureza da ‘absolvição imprópria’, o juiz presidente do Tribunal do Júri, na fase da judicium accusationis, não poderia subtrair ao acusado (doente mental) seu julgamento pelo plenário, absolvendo-o sumária e impropriamente. Leia-se o excerto do voto do Relator (vencedor) no HC 87614:

É que a medida de segurança – repita-se - consubstancia sanção penal, sendo imprescindível, então, que haja o crivo, em termos de julgamento, do órgão competente, do Tribunal do Júri. Eis a interpretação do artigo 411 do Código de Processo Penal compatível com a regência maior decorrente da Constituição. De duas,uma: ou se tem situação concreta em que se concluiu que, à época dos fatos, não havia a capacidade de autodeterminação, vindo esta a ser recuperada posteriormente, e, aí, cabe observar o referido artigo 411, ou a situação concreta é conducente a entender-se pela persistência da insanidade, não havendo como chegar-se, sem a atuação do Tribunal do Júri, à isenção da pena e imposição da medida de segurança, a menos que se endosse o julgamento, quanto à culpa do acusado, quanto à autoria relativamente ao crime, por órgão manifestamente incompetente.

Como é a realidade dessa sentença, o magistrado singular estaria elaborando juízo de censura penal equiparável às decisões condenatórias e, assim, autorizado a aplicar a sanção ‘medida de segurança’. Contrario sensu, se estivesse, por exemplo, ao abrigo de uma excludente da ilicitude, seria simplesmente absolvido e não sofreria qualquer sanção.

1.2 – Absolvição sumária imprópria e medida de segurança

Na esteira da decisão da Corte Suprema, importa considerar que a medida de segurança nada mais é que uma espécie do gênero sanção. Aplica-se em face da isenção de pena do inimputável, mas, repita-se, com indisfarçável juízo de censura na sentença, à cuja conclusão resulta em uma reprimenda penal, o que expõe claramente que ela é meio de exercício do jus puniendi do Estado e que se manifesta por causa do crime. Ela é - como o é a pena - consequência jurídica do delito.

Conforme o tratadista gaúcho Cesar Bitencourt, as penas e medidas de segurança "... constituem duas formas semelhantes de controle social e, substancialmente, não apresentam diferenças dignas de nota" (Tratado de Direito Penal, Vol 1. p. 641).

Todavia, percebe-se que o legislador, ao cuidar na reforma de 2008 da situação do inimputável na fase da judicium accusationis, manteve-se indiferente a este entendimento e àquela moderna orientação da Corte Suprema. Leia-se:

"art. 415.  O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando:

(...)

IV – demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime.

Parágrafo único.  Não se aplica o disposto no inciso IV do caput deste artigo ao caso de inimputabilidade prevista no caput do art. 26 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, salvo quando esta for a única tese defensiva.

Com isto, o doente mental será julgado pelo Conselho de Sentença apenas se concorrer com a tese da isenção da pena outra que não tenha os mesmos efeitos (aplicação da medida de segurança).

Pelo disposto na norma (parágrafo único), se sustentar a defesa apenas a inimputabilidade do agente, estaria legitimado o julgador singular a ‘absolver’ sumária e impropriamente o acusado, aplicando a sanção medida de segurança. A norma, afrontando a orientação do STF, será, por certo, confrontada na Corte para ver de sua validade constitucional.

O texto legal deixa evidente que o inimputável só será julgado pelo Tribunal Popular se concorrer com a inimputabilidade tese que possa resultar em absolvição própria ou condenação em plenário. Não se perde de vista que, abstraindo a hipótese examinada, o doente mental pode ser absolvido sumariamente se estiver ao abrigo de circunstância absolutória própria.

De concluir, então, que será pronunciado se afastadas essas hipóteses ou, de difícil configuração, se o julgador entendesse que, mesmo presente laudo técnico, o acusado não seria inimputável.

1.3 – Inimputabilidade e reflexos no questionário

Com a decisão de pronúncia, os reflexos no questionário são deveras interessantes, pois o art. 482, CPP, em seu parágrafo único, dita que na elaboração dos quesitos, "(...) o presidente levará em conta os termos da pronúncia ou das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação, do interrogatório e das alegações das partes".

Portanto, ex vi legis a decisão de pronúncia é fonte primária dos quesitos. Se assim é, o inimputável verá integrar no questionário a tese, de absolvição própria apontada nessa decisão interlocutória (e que autorizou a pronunciação), concorrente à da inimputabilidade. Relembra-se que, fosse a inimputabilidade tese única no fim da instrução preliminar (judicium accusationis), seria ela acolhida com absolvição sumária imprópria e, assim, estaria alijado o julgamento perante o Conselho de Sentença. Se, por outro lado, o magistrado pronunciasse o acusado sustentando que ele não era doente mental, não haveria, então, a preocupação em estudo.

Tendo presente que a absolvição imprópria, pela distribuição no sistema normativo, é solução absolutória exclusivamente no plano processual, a sua repercussão é a mesma de uma sentença condenatória, com conseqüente restrição a liberdade do acusado, pois, como concluiu o Min. Lewandowski no HC 87614 (ementa acima) que "(...) a isenção de pena (CP, art. 26) incide quando existente culpa formada".

Se a absolvição sumária resulta de um juízo de censura penal à conduta que se diferencia da condenação pela inaplicabilidade de pena e, ao reverso, impõe a aplicação de medida de segurança, torna-se óbvio que a definição da opção sancionatória pressupõe a resposta negativa ao quesito decisivo ("O jurado absolve o acusado?).

É que, necessariamente, estará concorrendo com a tese da inimputabilidade, outra que versará sob a absolvição própria (relembro o parágrafo único do art. 482, CPP), sendo lógico admitir que, se afirmado o quesito, o acusado estará, pura e simplesmente, absolvido.

Mas, se a opção for pela negativa do quesito e, assim, condenado o acusado, estará sendo elaborado um juízo censório que, se for o caso, legitimará a aplicação da medida de segurança.

Assim, se alegada pela defesa a inimputabilidade do agente, vencida a tese de absolvição própria, é imperativo verificar se os jurados reconhecem a possibilidade de aplicação de medida de segurança pela inimputabilidade, alternativa única à isenção de pena do acusado. Seria, com a devida licença literária e para agradar os ouvidos mais renitentes, a consumação da ‘absolvição imprópria’.

1.4 – Inimputabilidade: modelo de quesitação

O quesito que elegeria a opção pelos jurados seria o correspondente à redação do art. 26, caput, do Código Penal:

O acusado, por doença mental (ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado), era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento?

Se a resposta for majoritariamente afirmativa, o juiz, então aplicará medida de segurança. Contrario sensu, aplicará a pena.

Com isso, assegura-se a oportunidade absolutória irrestrita ao acusado e, na hipótese condenatória, se for o caso, a aplicação de medida de segurança (absolvição imprópria).

Com certeza não pode ser aplicada a medida de segurança quando os jurados votarem afirmativamente o quesito decisivo ("O jurado absolve o acusado?"), pois se estaria interpretando a vontade dos jurados temerariamente e, assim, sonegando ao doente mental a chance de ser absolvido irrestritamente.

Nada impede que aqueles que defendem que ocorre absolvição imprópria, por sua vestimenta formal, que assim denominem o resultado da votação afirmativa do quesito da inimputabilidade (art. 26, CP).


2. O EXCESSO CULPOSO

Consta da legislação penal (art. 23, CP) que não há crime quando o agente pratica o fato em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito, mas o agente responderá pelo excesso doloso ou culposo (excesso punível) que tiver empregado no seu exercício.

Tem-se, assim, que "toda ação típica é ilícita, salvo quando justificada. Com acerto se distingue que as causas justificantes têm implícita uma norma permissiva ou autorizante que, ao interferir nas normas proibitivas ou preceptivas, faz com que a conduta proibida ou a não-realização da conduta ordenada sejam lícitas ou conforme ao direito." (PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. São Paulo: RT, 1996, p. 365).

Como da própria norma pode ser extraído, o excesso no emprego dos meios, imoderada e desnecessariamente, culposa ou dolosamente, rompe com o caráter de licitude da reação defensiva.

A verdade é que se tem entendido, ao menos nas decisões do tribunal do júri, que, reconhecido o excesso culposo, ocorreria desclassificação para a modalidade culposa do delito. Percebe-se que a doutrina e a jurisprudência não têm reparado no equívoco, salvo em vozes qualificadas que, entre outras, entendem que a "única explicação plausível para o chamado "excesso culposo" é o de que se trata de uma ação dolosa, mas que, aplicando-se a regra da segunda parte do §1º do artigo 20, a lei lhe impõe a pena do delito culposo. Em face da definição de dolo do artigo 18, não se pode dizer jamais que, para a nossa lei, o chamado "excesso culposo" seja uma conduta culposa, e sim que o "culposo", no máximo, seria o excesso, mas nunca a ação que causa o resultado, posto que, a se admitir o seu caráter culposo, se estaria incorrendo numa flagrante contradição intra legem" (grifei - ZAFFARONI, Eugenio Raúl e PIERANGELLI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro – Parte Geral – Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2002, p. 597).

Portanto, não é demais repetir que o excesso - doloso ou culposo - é sempre antijurídico e, por isso, no contexto da conduta em que conflitam o agressor e o acusado, demarca o limite de licitude. Esse limite é ultrapassado quando este último não mantém a reação dentro dos limites definidos pela necessidade e moderação dos meios para repelir a ação daquele. O esforço excedente no momento da repulsa é voluntário e dirigido contra quem lhe agride injustamente.

Pelas circunstâncias do fato – a existência de uma agressão injusta, atual ou iminente – pode ocorrer que o agredido, com a agressão contida um primeiro momento, voluntária e conscientemente amplia a reação, convertendo-se, então, em agressor, o que identificaria o excesso doloso; mas, se dramaticamente ultrapassa os limites da licitude por destempero emocional, com franca redução de sua capacidade de agir com racionalidade, a conduta continua sendo ilícita, mas, então, autorizando a aplicação de pena ou seja, o apenamento corresponderá ao previsto para o delito em sua modalidade culposa, se existir.

O que não pode ser aceito é que o acusado tenha, em tais constâncias, cometido um crime culposo, ou seja, afirmado o excesso culposo, haveria uma insólita desclassificação, o que contrasta com conceitos jurídicos dos mais elementares dentro do Direito Penal.

É que, na dicção do art. 18 do Código Penal, o crime é culposo "quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.

Iniludivelmente, não é aceitável admitir que o agente, defendendo-se desesperadamente da agressão que pode custar-lhe a vida, caracterize uma conduta imprudente, negligente ou imperita. Age conscientemente no sentido de conter a vítima, mesmo que tenha que abater-lhe.

É fácil concluir, então, que é equivocada a conclusão de que, comprovado o excesso culposo, seu resultado seja a desclassificação do delito doloso para culposo. Trata-se, apenas, de política criminal para manter a proporcionalidade - no apenamento - entre uma ação de quem jamais esteve defendendo-se e a daquele que reage excessivamente a uma agressão injusta.

2.2 – Excesso culposo como privilegiadora

A verdade é que o legislador poderia incluir este agir entre as modalidades privilegiadora do art. 121, § 1º, do Código Penal (" Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, ou juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço"). Mas não o fez!

Com a reforma, a realidade do Código impõe reflexões para superar algumas perplexidades, mormente quando se vê presente regras específicas e reducionistas na elaboração do questionário a ser levado aos jurados no julgamento pelo Tribunal do Júri.

O texto reformador omitiu, para o questionário, previsão de quesitos específicos sobre excesso doloso ou culposo ou, mesmo, exculpante. Elaborar quesito indagando sobre a espécie do excesso, sem que conste do rol do art. 483, CPP, implicaria que o juiz estaria legislando. A solução deve ser buscada no sistema e a partir de interpretação que possível de ser feita ao viés da garantia processual.

Em relação ao primeiro (excesso doloso), pouco refletiria no julgamento - como jamais refletiu - o seu reconhecimento, após as respostas afirmativas dá pois, se denunciado por homicídio doloso, o reconhecimento do excesso não implicava/implicaria em mais que o resgate da imputação original.

Diferente, pela intensa repercussão no apenamento, com o segundo (excesso culposo). É que, conforme majoritariamente acatada corrente doutrinária, em relação à qual, conforme anteriormente exposto, mantenho severa reserva, o reconhecimento do excesso culposo implicaria em desclassificação (imprópria) para o homicídio culposo (art. 121, § 3º, CP).

Conforme se comentará mais adiante, a tese de excludente da ilicitude não desafia, como ocorria no sistema revogado, quesitação específica. Tudo se resolve na votação do terceiro quesito ("o jurado absolve o acusado?"). Assim, ao optar pela condenação, respondendo negativamente a indagação, afastada, por conseqüência, estará a tese da legítima defesa sustentada pela defesa.

O aparente impasse desenha-se, todavia, porque estaria excluída, também, a possibilidade de que fosse reconhecido que o acusado tenha, apenas, se excedido culposamente nos limites da excludente.

Seria a hipótese de buscar a defesa a desclassificação para homicídio culposo? Não. É que a tese desclassificatória antecede ao da condenação e, então, ficaria sem resposta outra indagação: Como reconhecer o excesso sem condenação?

Magalhães Noronha obtempera que o "excesso significa a diferença a mais entre duas qualidades. Há, em tese, excesso nos casos de exclusão de ilicitude quando o agente, ao início sob abrigo da excludente, em seqüência vai além do necessário" (NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2003.)

2.3 – Excesso culposo: imperatividde da quesitação

A verdade é que a não se pode admitir que, por se tratar de julgamento pelo Tribunal do Júri, tenha sido abolido a possibilidade de condenação por ter o agente se excedido culposamente no exercício da descriminante. Tal entendimento determinaria a equiparação daquele agente que, em determinado momento defendia-se de agressão injusta, atual ou iminente, mata o agressor e aquele que jamais esteve em posição defensiva e simplesmente comete o homicídio.

Convence, ao meu ver em forçada e inadequada interpretação, que seja possível adotar a regra do parágrafo 4º do art. 482, CPP, para superação do impasse, ou seja, consumada a condenação, e sustentada a tese da excludente, a pedido da defesa, formular o quesito sobre o excesso culposo, mesmo que não resulte em "desclassificação da infração para outra de competência do juiz singular". Vê-se que o texto que justificaria a alternativa a veda expressamente, vez que a hipótese legal não contempla desclassificação para o juízo monocrático.

Por isso, ouso propor outra solução.

Relembro que o excesso culposo não implica em ‘desclassificação’ (entendimento que defendo), mas, sim, uma questão de política criminal para efeitos de fixação da pena.

Acresço ao já exposto, que não se consagra o excesso pelo comportamento tecnicamente culposo, pois a culpa no sistema penal brasileiro diz com comportamento imprudente, negligente ou imperito [02]. Como identificar na ação de alguém que, sofrendo agressão injusta atual ou iminente, para defender-se adote conduta meramente imprudente, negligente ou imperita?

Estou convencido que, em circunstâncias tais, o agente está emocional e racionalmente comprometido, em condições que assemelha-se, em tudo, à violenta emoção em face da agressão (injusta provocação), característica da minorante do art. 121, § 1º, do Código Penal. Essa irracionalidade parcial justifica o apenamento privilegiado.

É certo que faltou ao legislador penal a inspiração necessária para, simplesmente, reconhecer uma privilegiadora em face da condenação pelo excesso do exercício defensivo.

Por tudo isso, convence que a tese poderia ser confortada pela votação conforme o disposto no inciso I, do § 3º do art. 483, porque resulta em pena significativamente reduzida em relação à sanção prevista para imputação original. Não é demasia afirmar que se trata de uma minorante especial.

O quesito, que seria votado/respondido após o voto negativo majoritário para o terceiro quesito ("O jurado absolve o acusado?"), teria a seguinte redação (sugestão):

"O acusado, sob domínio de violenta emoção provocada por agressão injusta e atual (ou iminente) do ofendido, excedeu-se apenas culposamente nos limites da legítima defesa?"

Se a resposta for majoritariamente afirmativa, aplica-se a pena do art. 121, § 3º do Código Penal.

2.4 – Excesso exculpante

Por fim, hei que considerar, ainda, neste breve estudo, o excesso exculpante, que, no interesse do texto, apresenta solução singela, pois é ele causa absolutória e não se confunde com o doloso ou culposo, por ter como causas o pavor, o medo, a surpresa, e se opõe quando é resposta à uma agressão injusta, atual ou iminente, ultrapassando, a reação, os limites da moderação e necessidade para fazer cessar a agressão.

Na consagração jurisprudencial "(...) ainda que não incluído na parte geral do Código Penal, não se impede o seu reconhecimento como causa extralegal da exclusão da culpabilidade" (S.T.F. - H.C. 72.34).

Na doutrina encontra-se valiosa lição de Assis Toledo que admite o excesso exculpante, que denomina, também de excesso intensivo, que pode decorrer de perturbação mental, tal como medo, susto, etc. (TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. São Paulo: Saraiva, 1977).

Observe-se a lição que se extrai do seguinte julgado:

"Legítima Defesa. Excesso Exculpável Verificável. Absolvição. Embora não conste da legislação penal atual, era previsto no Código Penal de 1969, deve-se considerar não punível o excesso, praticado em legítima defesa, quando resultante de excusável medo, surpresa ou perturbação de ânimo. Isto porque as causas excludentes de culpabilidade, como as que excluem a ilicitude, não se esgotam no rol enumerado no ordenamento penal, pois são estabelecidas em favor do réu. No caso, este excesso exculpante subsiste como causa extralegal de exclusão de culpabilidade. E por excesso exculpante tem-se a reação defensiva que, por suas singularidades, não é merecedora de apenação. Muitas vezes a violência da agressão, ou sua subtaneidade, criam um estado de medo, de surpresa, ou de perturbação de ânimo que interferem de sobremodo na reação defensiva. O agredido fica sem condições de balancear adequadamente a repulsa em função do ataque. E o que pode ter, no máximo, acontecido no caso em tela, pois a reação do apelante aconteceu após a agressão da vítima contra seu (do réu) filho menor, depois de, reiteradamente, causar tumultos em seu estabelecimento comercial. Absolvição que se impõe". (Apelação Crime nº 699421871, TJRS – Rel. Des. Sylvio Baptista Neto, 11/08/1999).

Ora, em se tratando de causa absolutória, não tem, para efeitos de aferir sua existência pelo Conselho de Sentença, o mesmo destino do excesso culposo que se apresenta como causa de minoração da pena (especial) e como tal será quesitado. A proposta defensiva se resolve no quesito decisivo ("O jurado a


CONCLUSÃO

A reforma do procedimento do júri surpreendeu a comunidade jurídica desafiando, além da simples leitura de seus artigos (da Lei 11.689/08), a interpretação consentânea com o direito processual penal moderno, não sendo demasia afirmar que a adequação interpretativa da doutrina e dos tribunais resultará em intensos debates, mas que de todos eles, com certeza, resultará em conclusões que atendam aos preceitos de um verdadeiro direito processual constitucional.

Trago, como dito acima, a minha contribuição para este debate.


Notas

  1. VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1o do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência; (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)
  2. Código Penal, art. 18 - Diz-se o crime: (...) culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia. (inciso II)

É incontroversa, hoje, a competência da Justiça do Trabalho para a tutela dos direitos de personalidade do trabalhador, bem como da indenização por danos morais individuais e coletivos (art. 114, I e VI da CF), deixando de ter um caráter eminentemente patrimonialista, compensatória, presente em décadas passadas.

Para Xisto Tiago de Medeiros Neto, o dano moral coletivo corresponde à lesão injusta e intolerável a interesses ou direitos titularizados pela coletividade [36]. Trata-se de lesão da esfera moral ou extrapatrimonial a um círculo de valores da sociedade, ocasionando sentimentos negativos no seio social. A violação dos direitos fundamentais dos trabalhadores provoca sentimentos de repulsa, desvalor, descrença, desesperança, descrédito.

O dano moral coletivo é um mecanismo importante para inibir lesões de ordem transindividual e vem se sedimentando na jurisprudência trabalhista, com condenações em vultosas quantias que tem por fulcro impedir a disseminação de condutas ilegais. No seu dimensionamento, são considerados, dentre outros, a gravidade, a extensão, a natureza do dano, o patrimônio do infrator e a repercussão na sociedade. A indenização tem caráter punitivo, reparatório e pedagógico, não se confundindo ou compensando com os danos individualmente sofridos.

A reparação genérica é ressaltada pelo caráter transindividual dos valores em jogo, fundamentais para a organização social e o bem comum. O dano moral coletivo independe da comprovação de culpa, pois se evidencia pelo próprio fato violador (ipso facto). Tais valores são revertidos ao Fundo de Amparo ao Trabalhador, previsto na Lei 7.898/90 c/c art. 13 da Lei 73.47/85, como forma de compensar os danos sofridos.

Os danos morais coletivos, no âmbito do processo trabalhista, são, via de regra, revertidos ao FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), em razão da inexistência de fundo específico para recomposição dos danos sofridos.


7.Litispendência e coisa julgada nas ações coletivas

Verifica-se a litispendência, quando se reproduz ação anteriormente ajuizada. Para que uma ação seja idêntica à outra é necessário que possuam as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido (§ 2º do art. 301 do CPC).

O instituto tem por fulcro evitar decisões judiciais conflitantes e o desperdício de atividade jurisdicional (§1º do art. 301 do CPC). O art. 104 do Código de Defesa do Consumidor estabelece que:

As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva.

Não há litispendência entre as ações que tutelem interesses difusos ou coletivos e as ações individuais, em razão da diversidade dos pedidos (naquelas, normalmente, pleitea-se o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer e/ou condenação genérica, enquanto que, na ação individual, o pedido refere-se à condenação pelos danos individualmente sofridos).

O autor individual pode pedir a suspensão do seu processo, no prazo de trinta dias, conforme dispõe o art. 104 do CDC, da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva que verse sobre direitos coletivos e individuais homogêneos, a fim de ser beneficiado pelos efeitos da coisa julgada.

No caso de prosseguimento da ação individual, o autor assume os riscos da demanda autônoma, não sendo beneficiado pela decisão que acolha a tutela genérica do direito vindicado.

Caso suspenso o processo individual e julgado improcedente o pedido na ação que verse sobre direitos individuais homogêneos, retomar-se-á o curso da ação individual, salvo se o mesmo interveio na ação coletiva, quando será alcançado pelos efeitos da coisa julgada (art. 103, §2º do CDC).

O art. 472 do Código de Processo Civil estabelece que a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. No processo coletivo, essa regra clássica prevista no CPC não se adapta às exigências e peculiaridades relativas aos interesses metaindividuais.

Na realidade, tanto a CLT como o Código de Processo civil mostram-se insuficientes e inadequados para a tutela dos direitos transindividuais, notadamente quanto aos efeitos da sentença (restrita às partes formais do processo) e da qualidade da coisa julgada.

A coisa julgada tem assento na necessidade de segurança e estabilidade das relações sociais. O art. 103 do Código de Defesa do Consumidor versa acerca da coisa julgada coletiva, in verbis:

Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:

I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81;

II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81;

III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.

§ 1° Os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e II não prejudicarão interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe.

§ 2° Na hipótese prevista no inciso III, em caso de improcedência do pedido, os interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual.

§ 3° Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99.

A improcedência por deficiência de prova não faz coisa julgada para os co-legitimados de ação em defesa de interesse difusos e coletivos (coisa julgada secundum eventum probationis), podendo o mesmo autor ou qualquer outro co-legitimado ajuizar outra ação com idêntico fundamento e novas provas [37].

Caso procedente, a decisão fará coisa julgada erga omnes (difusos) ou ultra partes (coletivos), in utilibus, cabendo apenas ao interessados promover a liquidação e execução da sentença coletiva (art. 103, §2º do CDC)

Nas ações coletivas para a tutela de direitos individuais homogêneos, a coisa julgada terá efeitos erga omnes, em benefício do interessado. Caso seja julgada improcedente, por ser infundada a pretensão ou ainda por insuficiência de provas, não inibirá a possibilidade de ajuizamento de ação individual.

Adotou-se o sistema de coisa julgada secundum eventum litis, de acordo com o resultado, somente para beneficiar os interessados individuais e não para prejudicá-los.

Havendo ação individual em curso, é possível o seu prosseguimento, em face da inexistência de litispendência, mas o autor assume os riscos pelo resultado individual desfavorável, pois não será beneficiado com o provimento da sentença coletiva, excetuando a regra do transporte in utilibus em benefício do autor individual.

Se suspenso o processo no prazo legal, será alcançado pela coisa julgada favorável na ação coletiva. Se procedente por insuficiência de prova, haverá coisa julgada erga omnes, arcando o réu com o prejuízo decorrente do ônus de que não conseguiu desincumbir.

Julgada improcedente por outros motivos, que não a insuficiência de provas, fará coisa julgada erga omnes ou ultra partes para os co-legitimados, observando-se que não há impedimento de ajuizamento de ações individuais pelos interessados (art. 103, incisos I e II do CDC).

Caso o indivíduo tenha assistido o autor coletivo, será atingido pela coisa julgada, impedindo que renove o pleito em outra ação.


8.Procedimento. Ação civil coletiva

As normas processuais previstas no Código Consumerista aplicam-se, no que for cabível, à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, nos termos do artigo 21 da Lei 7.347/85, com a redação dada pelo art. 117 da Lei 8.078/90.

O procedimento adotado nas ações coletivas, no âmbito da Justiça do Trabalho, encontra-se prevista na Constituição Federal, na lei 7.347/85 (LACP), 8.078/90 (CDC) e lei complementar 75/93 (LOMPU). Carlos Henrique Bezerra Leite [38] intitula esse novo subsistema de acesso coletivo dos trabalhadores ao Judiciário como "jurisdição trabalhista metaindividual".

Somente em caráter subsidiário, no que for omisso e compatível com a tutela coletiva, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e o Código de Processo Civil (art. 769 da CLT) serão aplicados.

O rito a ser adotado é o ordinário e não o sumário (Lei 9.957/2000), aplicável somente aos dissídios individuais puros, cujo valor da causa não exceda a 40 vezes o salário mínimo.

O juiz pode conceder mandado liminar de natureza satisfativa, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo (art. 12 da lei 7.437/85), desde que presentes o periculum in mora e o fumus boni juris.

O art. 84, § 3° do CDC, aplicável por força do art. 21 da LACP, preceitua que, sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu. O juiz pode conceder a medida cautelar de ofício, pois, ao contrário do art. 273 do CPC, o art. 12 da LACP não exige o requerimento da parte, não incidindo aqui o princípio dispositivo.

No processo do trabalho, as decisões interlocutórias não são impugnadas de imediato (art. 893, §1º da CLT), inaplicável, portanto, o recurso de agravo previsto no art. 12, in fine, da Lei 7.347/85. No entanto, havendo violação de direito líquido e certo, por ato ilegal ou abusivo, é cabível a impetração de mandado de segurança.

A execução trabalhista é regida pela LACP e CDC e, no que for omissa, é regulada pela CLT, e, subsidiariamente, pela lei de execução fiscal e CPC, nesta ordem.

O art. 15 da lei 7.347/85 prevê que, decorridos sessenta dias do trânsito em julgado da sentença condenatória, sem que a associação autora lhe promova a execução, deverá fazê-lo o Ministério Público, facultada igual iniciativa aos demais legitimados.

O art. 97 do CDC estabelece que a liquidação e a execução de sentença poderão ser promovidas pela vítima e seus sucessores, assim como pelos legitimados de que trata o art. 82.

A execução poderá ser coletiva, sendo promovida pelos legitimados de que trata o art. 82 do CDC, abrangendo as vítimas cujas indenizações já tiveram sido fixadas em sentença de liquidação, sem prejuízo do ajuizamento de outras execuções. A execução coletiva far-se-á com base em certidão das sentenças de liquidação, da qual deverá constar a ocorrência ou não do trânsito em julgado.

É competente para a execução o juízo: I - da liquidação da sentença ou da ação condenatória, no caso de execução individual; II - da ação condenatória, quando coletiva a execução. (art. 98, §§1º e 2º do CDC).

O art. 11 da LACP dispõe que, na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor.

Os arts. 3º e 13 e parágrafo único assim dispõem:

Art. 3º A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.

Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados.

Parágrafo único. Enquanto o fundo não for regulamentado, o dinheiro ficará depositado em estabelecimento oficial de crédito, em conta com correção monetária.

O art. 84, §§ 1º e 2º do CDC estabelece:

Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

§ 1° A conversão da obrigação em perdas e danos somente será admissível se por elas optar o autor ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.

§ 2° A indenização por perdas e danos se fará sem prejuízo da multa (art. 287, do Código de Processo Civil).

O Código de Defesa do Consumidor prescreveu um novo procedimento para a tutela específica dos interesses individuais homogêneos, surgindo a expressão "ação civil coletiva".

A ação civil coletiva, espécie do gênero ação civil pública está prevista no capítulo II do CDC. Ela visa a uma reparação concreta pelos danos individualmente sofridos pelos lesados, mediante uma condenação genérica de obrigação de indenizar.

A doutrina diverge acerca da possibilidade de manejo de ação civil coletiva na tutela de direitos individuais homogêneos na Justiça do Trabalho, ou ainda, se seria o único instrumento cabível para a proteção dos mesmos interesses.

Para Renato Saraiva, a ação civil pública e a ação civil coletiva constituem expressões sinônimas, utilizadas com a mesma finalidade, qual seja para a proteção de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, não havendo que falar, portanto, em duas ações autônomas com objetivos distintos [39].

O art. 91 do CDC prescreve que os legitimados de que trata o art. 82 poderão propor, em nome próprio e no interesse das vítimas ou seus sucessores, ação civil coletiva de responsabilidade pelos danos individualmente sofridos.

Os legitimados são os mesmos da ação civil pública em defesa de interesses difusos e coletivos e está prevista no art. 82 do CDC.

Proposta a ação civil coletiva, será publicado edital no órgão oficial, a fim de que os interessados possam intervir no processo como litisconsortes, sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte dos órgãos de defesa do consumidor. Em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica, fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados. Cabe aos substituídos processualmente promover a liquidação, que será por artigos, dentro do prazo de um ano, demonstrando o dano sofrido e o nexo causal com a conduta lesiva (art. 94 e 95 do CDC).

Decorrido o prazo de um ano sem habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano, poderão os legitimados do art. 82 promover a liquidação e execução da indenização devida. O produto da indenização devida reverterá para o fundo criado pela Lei n.° 7.347, de 24 de julho de 1985. (art. 100 e parágrafo único do CDC)


Considerações finais

A ação civil pública é o instrumento processual constitucionalmente assegurado para a tutela judicial dos interesses ou direitos transindividuais.

A Carta Magna de 1988 permitiu a utilização da ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, na medida em que o texto constitucional não fez qualquer distinção entre os ramos do Ministério Público que estão legitimados a manejá-la.

Ademais, com a promulgação da Lei Maior, a ação civil pública, instituída pela Lei 7.347/85, ampliou consideravelmente o seu campo de atuação, uma vez que passou a admitir a sua propositura para tutela de qualquer interesse difuso ou coletivo. Em 1990, o Código de Defesa do Consumidor inovou ao prever também a defesa dos interesses individuais homogêneos.

No entanto, ainda persistem dúvidas e preconceitos acerca de seu cabimento no âmbito da Justiça laboral, bem como acerca dos legitimados para o seu ajuizamento.

O Ministério Público do Trabalho vem atuando como protagonista na ampliação do objeto da ação civil pública trabalhista, em defesa dos direitos fundamentais dos trabalhadores, manejadas com o objetivo, dentre outros, de erradicar o trabalho em condições análogas à de escravo e o trabalho infantil; a intermediação de mão-de-obra por cooperativas fraudulentas; a terceirização irregular dos cargos e empregos públicos em evidente burla ao concurso público; a discriminação sofrida por mulheres, negros, portadores de HIV; utilização de empregados sob o rótulo de pessoas jurídicas e em defesa do meio ambiente laboral saudável e equilibrado.

Infelizmente, são raras as ações que não são ajuizadas pelo Parquet trabalhista, a despeito da importância desse instrumento de solução de conflitos trabalhistas.

O processo coletivo para a defesa dos interesses metaindividuais constitui o caminho potencializado de se dirimir, em um único processo, um grande conflito social ou um feixe de direitos individuais que admitem receber a tutela coletiva em decorrência da origem comum que os une, agregando-se uma maior celeridade, efetividade e acessibilidade à prestação jurisdicional e um menor risco de decisões divergentes.


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Notas

  1. O princípio da proteção tem como sub-princípios: in dubio pro operário (em caso de dúvida, prevalece a interpretação da norma trabalhista mais benéfica ao empregado), da condição mais benéfica (as vantagens advindas do contrato incorporam-se ao patrimônio jurídico do trabalhador) e da norma mais favorável.
  2. PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o direito constitucional internacional. 7. ed. ver. , ampl. e atual. – São Paulo: Saraiva 2006. p. 27.
  3. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6 ed. ver. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 118.
  4. BARROSO, Luís Roberto. (org). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 3 ed. Revista. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 38.
  5. A doutrina prefere o emprego do termo "dimensão", pois não se concebe a substituição gradativa de uma geração por outra. Na realidade, existe um processo de acumulação e não de sucessão cronológica, tendo em vista a interdependência e a indisivisibilidade dos direitos fundamentais.
  6. Para Paulo Bonavides, há ainda uma quarta geração de direitos fundamentais, que tutela o direito à democracia direta, o direito à informação e o direito ao pluralismo. (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito constitucional. 10 ed. São Paulo: Malheiros, 2000).
  7. A Lei Complementar 40/1981 previu, inicialmente, como único legitimado para o ajuizamento de ações civis públicas, o Ministério Público.
  8. SIMÓN, Sandra Lia. Os desafios do Ministério Público do Trabalho no novo século. In: CALDAS, Roberto Figueiredo; PAIXÃO, Cristiano; RODRIGUES, Douglas Alencar (Coord.). Os Novos horizontes do Direito do Trabalho: homenagem ao Ministro José Luciano de Castilho Pereira. São Paulo: LTr, 20’05. p. 370.
  9. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 1051.
  10. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2006.p. 554.
  11. MELO, Raimundo Simão de. Ação civil pública na justiça do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2004. p. 29.
  12. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 6. ed. ampl. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 6.
  13. Apud LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ministério Público do Trabalho: doutrina, jurisprudência e prática: ação civil pública, ação anulatória, inquérito civil. 3 ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 205.
  14. REIS, Jair Teixeira dos. Ministério Público. São Paulo: Lex Editora, 2007.p. 43.
  15. COUTO, Guadalupe Louro Turos. O processo coletivo como instrumento de transformação da realidade social dos trabalhadores e o código brasileiro de processos coletivos. CAIXETA, Sebastião Vieira; CORDEIRO, Juliana Vignoli (Coord.). O processo como instrumento de realização dos direitos fundamentais. São Paulo: LTr, 2007. p. 105.
  16. SARAIVA, Renato. Curso de direito processual do trabalho. 5. ed. São Paulo: Método, 2008. p. 760-763.
  17. MELO, Raimundo Simão de. Ação civil pública na justiça do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2004. p. 33.
  18. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ministério Público do Trabalho: doutrina, jurisprudência e prática: ação civil pública, ação anulatória, inquérito civil. 3 ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 200.
  19. MELO, Raimundo Simão de. Ação civil pública na justiça do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2004. p. 159.
  20. No processo trabalhista, o local do dano será o da prestação do serviço, como regra.
  21. SARAIVA, Renato. Curso de direito processual do trabalho. 5. ed. São Paulo: Método, 2008. p. 765.
  22. MELO, Raimundo Simão de. Ação civil pública na justiça do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2004. p. 89.
  23. MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 20 ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunias, 1992. p. 140.
  24. GOMES, Domingos Taciano Lepri. Da constitucionalidade do art. 16 da Lei de ação civil pública. Limitação da coisa julgada no âmbito territorial do órgão prolator. In: SANTOS, Enoque Ribeiro dos (Coord.). Direito coletivo moderno: da LACP e do CDC ao direito de negociação do servidor público. São Paulo: LTr, 2006. p. 40.
  25. Essa discussão ganha relevância na defesa de interesse difusos e coletivos, não se aplicando aos interesses individuais homogêneos, em razão de seu pleito ser concreto e divisível.
  26. MELO, Raimundo Simão de. Ação civil pública na justiça do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2004. p. 108.
  27. LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 11 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Método, 2007. p. 596.
  28. Os interesses individuais homogêneos são definidos, de acordo com o art. 81, III da Lei 8.078/90, como de origem comum.
  29. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ministério Público do Trabalho: doutrina, jurisprudência e prática: ação civil pública, ação anulatória, inquérito civil. 3 ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 237.
  30. MELO, Luís Antônio Camargo de. Ação coletiva no Trabalho ao combate escravo. In: RIBEIRO JÚNIOR, José Hortêncio...[et al.](Org.). Ação coletiva na visão de juízes e Procuradores do Trabalho. São Paulo: LTr, 2006. p. 176.
  31. CAIXETA, Sebastião Vieira ; CORDEIRO, Juliana Vignoli (Coord.). O MPT como promotor dos direitos fundamentais. São Paulo: LTr, 2006.
  32. Apud MELO, Raimundo Simão de. Ação civil pública na justiça do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2004. p.136.
  33. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ministério Público do Trabalho: doutrina, jurisprudência e prática: ação civil pública, ação anulatória, inquérito civil. 3 ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 248.
  34. MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 20 ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunias, 1992. p. 67.
  35. MELO, Raimundo Simão de. Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador: responsabilidades legais, dano material, dano moral, dano estético, indenização pela perda de uma chance, prescrição. 3 ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 110.
  36. MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano moral coletivo. 2. ed. São Paulo: LTr, 2007. p. 137.
  37. SANTOS, Ronaldo Lima dos. Amplitude da coisa julgada nas ações coletivas. In: RIBEIRO JÚNIOR, José Hortêncio...[et al.](Org.). Ação coletiva na visão de juízes e Procuradores do Trabalho. São Paulo: LTr, 2006. p. 302.
  38. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ministério Público do Trabalho: doutrina, jurisprudência e prática: ação civil pública, ação anulatória, inquérito civil. 3 ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 196.
  39. SARAIVA, Renato. Curso de direito processual do trabalho. 5. ed. São Paulo: Método, 2008. p. 806.

Autor

  • Aramis Nassif

    Aramis Nassif

    desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

    é também professor da ESM/AJURIS, FESMP/RS, CEJUR e IDC; integrante da comissão do COJE/TJRS e subdiretor do Departamento de Valorização Professional da AJURIS.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NASSIF, Aramis. Júri: a controvérsia na quesitação da inimputabilidade e dos excessos culposo e exculpante. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2231, 10 ago. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13302. Acesso em: 19 maio 2024.