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A realidade em uma abordagem epistemológica

A realidade em uma abordagem epistemológica

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RESUMO

O estudo sobre a temática realidade sempre foi alvo de grande polêmica entre os cientistas que se dispuseram a observá-la. Entender a realidade é uma necessidade do homem, esperando desta forma dominar os aspectos da vida e alcançar a felicidade. Diversas são as áreas do conhecimento científico que se aproximam do tema referido, entretanto verifica-se que a filosofia é a que mais se identifica com o assunto. Na busca de compreender a realidade, constatou-se que não se poderá afastar alguns valores e princípios implícitos na natureza humana que se fundamentam na dignidade da pessoa. Considera-se que nossa realidade é o local onde as relações sociais humanas se desenvolvem respeitando os valores que consagramos como essenciais, fundamentais, inatos, estejam eles positivados ou não.

Palavras-chave:Realidade. Epistemologia. Dignidade da pessoa humana

SUMÁRIO: Introdução; 1 A relação entre realidade e filosofia; 2 A necessidade de conhecimento sobre a realidade; 3 Realidade e aparência; 4 O conhecimento na relação do binômio sujeito e objeto; 5 A percepção da realidade por meio de categorias; 6 A realidade nos postulados do direito natural e positivo; 7 Conclusão; Referências.


INTRODUÇÃO

A temática realidade é sempre objeto de estudo nas diferentes áreas do saber científico. Por sua dinamicidade e variedade, tanto em âmbito espacial quanto temporal e cultural, variando conforme os interesses da sociedade que a pesquisa, a realidade sofre interferências humanas e naturais. Não é à toa, portanto, que o tema é objeto de estudo em várias áreas do conhecimento científico, seja pela sociologia, filosofia, psicologia, política, dentre outras, estudando-a sob óticas e métodos diferentes, conforme cada especialidade.

Entende-se vulgarmente por realidade tudo aquilo que existe ou é, por oposição àquilo que se designa por nada, aparência, ilusão, desejo, projeto, imaginação e/ou fantasia.

O presente trabalho pretende observar o conhecimento do homem apreendido através da realidade por meio da teoria do conhecimento cientifico, ou seja, dentro de uma abordagem epistemológica.

Sabe-se que o homem também constrói sua realidade, em oposição a uma realidade que não depende dele como, por exemplo, a existência dos elementos naturais. Na realidade construída pelo homem se inclui os princípios, valores e regras relacionadas a uma determinada sociedade na busca de um fim. Dentre as finalidades está à realização o homem como pessoa.

Questiona-se sobre a possibilidade de se afastar os princípios do direito natural na busca desta realização do homem como pessoa humana, portanto portador de uma dignidade humana, pelo fato de dever ser somente considerados na aferição desta realização pessoal as regras inseridas no direito positivo.

Para tanto, verificar-se-á a importância da percepção da realidade diante de especulações filosóficas, demonstrando que o homem não simplesmente vive no mundo, mas possui uma real necessidade de compreender os fenômenos que ocorrem ao seu redor. Mostrará que existem realidades, aparências e imaginações que por vezes nos confundem e podem nos levar ao erro. Esclarecerá a relação existente entre o sujeito cognoscente e o objeto que se pretende conhecer, apresentando os graus de importância que diversos autores e doutrinas deram a estes elementos. Revelará a percepção da realidade por meio das categorias como forma de melhor compreensão da realidade. Finalmente, informará como a realidade interferiu nos postulados do direito natural e do direito positivo, fazendo breve conclusão sobre o tema abordado.


1.Relação entre realidade e a filosofia

São a religião, a arte e a filosofia que dão ao homem a convicção total sobre o sentido da realidade. A religião, como uma certeza recebida pelo homem dada por Deus gratuitamente e por Ele revelada; certeza esta que o homem não alcança por si mesmo. A arte significa certa convicção que o homem tem sobre determinado objeto, diante do qual interpreta seu sentido, transmitindo-o por meio de um dom. E a filosofia é uma certeza radical universal, que se justifica a si mesma, mostrando e provando sua verdade constantemente e nutrindo-se de evidências (Julían Marías 2004, p.4).

Até a idade média a sabedoria e a filosofia eram a mesma coisa, ou seja, era um conjunto universal de saberes que tinha por objeto a realidade em todos seus aspectos ou dimensões. Pela evolução e desenvolvimento das ciências, sobretudo a partir do século XVII efetuou-se a distinção entre filosofia e ciência sendo denominadas ciências por excelência as ciências particulares, exatas e experimentais. Assim, nasceu a matemática, a astronomia, a política, a sociologia, etc, de modo que, as ciências estudam objetos parciais da realidade e foi configurada como um saber fenomênico e positivo pelo fato de exigir a observação e sua respectiva comprovação (Javier Hervada 2008, p.4-5).

Por outro lado, a filosofia é ciência no sentido clássico da palavra, ou seja, como conhecimento pelas causas que chega a conhecimentos gerais, metódicos e sistemáticos, que se relacionam entre si por princípios, conceitos gerais e teorias. Diante destes argumentos pode-se dizer que a filosofia é a ciência das ciências na medida em que fundamenta as demais.

Não frutificaram as tentativas de construir um saber filosófico de acordo com um modelo ou método utilizado pelas ciências particulares como o tentaram Descartes e o método matemático, Newton e a física, Husserl e seu método fenomenológico, o Circulo de Viena e o neopositivismo, Gadamer e a hermenêutica existencial e Habermas e o neomarxismo, por exemplo, por tentarem reduzir o alcance do real a algum aspecto parcial e a filosofia não pretende tratar de dados parciais, mas, de generalidades e universalidades. (Hervada 2008 p.7-8).

O homem passou a filosofar no momento em que se viu cercado pelos problemas e mistérios, adquirindo consciência de sua dignidade pensante. A filosofia por ser expressão mais alta da amizade pela sabedoria tende a não se contentar com uma resposta, enquanto esta não atinja a essência, a razão última de um dado "campo" de problemas (Miguel Reale 2005, p.6-7).

A filosofia costuma tratar de conceitos universais que contêm em si conhecimento supra-sensível, pois, de uma experiência parcial chega-se a um conhecimento universal alcançando verdades que devem ser declaradas com maior grau de certeza possível (Javier Hervada 2008, p.42-44).

Os enunciados tidos como universais são o reflexo da realidade como uma imagem no espelho. Sabemos que a imagem do espelho reflete o objeto real por isso a imagem é verdadeira. Assim, o conceito homem não se refere a cada homem, mas reflete uma realidade verdadeira de todo homem.

Além dos universais, observa-se que nosso intelecto atinge conhecimentos metafísicos porque chega a conhecer, partindo da experiência sensível, entidades que escapam aos sentidos. Toda vez que nos utilizamos de um conceito estamos realizando metafísica. Toda vez que se pensa, que estabelece-se diferenças, está-se realizando metafísica, daí porque toda vez que se procura eliminar a metafísica do saber humano é produzido um abandono incorreto de uma parte fundamental do nosso saber que torna opaca uma dimensão essencial da realidade.

A filosofia ultrapassa os ciclos históricos. Sua universalidade está mais nos problemas do que nas soluções. Para o autor, a filosofia moderna marca uma mudança substancial no pensamento que começa com o humanismo e apresenta uma acentuada preocupação de explicar a natureza segundo as suas leis imanentes, situando o problema do homem no universo à luz do destino humano. A filosofia moderna irá assim, desenvolver-se cada vez mais como uma crítica do conhecimento (Miguel Reale 2005, p.8) .

A realidade apresenta um conceito extremamente complexo que merece reflexões filosóficas aprofundadas. Trata-se em última análise de questionar o sentido da vida humana. O homem construiu seus conceitos de realidade e a partir deles exerce no mundo seu domínio, alterando a cada momento a face do planeta. O homem é o construtor do mundo, edificador da realidade. Mas o homem não se sente construtor desta realidade, ao contrário, sente-se submetido à realidade, sendo conduzido por forças naturais e sobre as quais não tem controle nenhum. Para o autor, a questão da realidade e da verdade passa pela compreensão das diferentes maneiras de como o homem se relaciona com o mundo. Ciência, filosofia, arte e religião são quatro formas marcantes e especiais que esse relacionamento se dar (João Francisco Duarte Junior 2006 p.12-15) .

Quando o homem constrói realidades dá nome a tudo que constrói. Tudo o que existe para o homem possui um nome. A linguagem utilizada para expressar os objetos e sentidos que apreendemos é um elemento fundamental para comunicação de nosso conhecimento. A linguagem é o sistema fundamental e primordial de criação e significação do mundo. Assim, quanto mais palavras se conhece, maior será a amplitude da consciência do mundo (Duarte Jr. 2006, p.23-32) .

O mundo apresenta realidades múltiplas e frequentemente passamos de uma para outra realidade. Sabe-se que cada uma delas exige de nós uma forma específica de pensamento e de comportamento a respeito de como cada uma delas deve ser vivida. Entretanto, nosso cotidiano apresenta nossa realidade predominante. A linguagem que utilizamos em nosso cotidiano tende a ser também nosso meio linguístico predominante e as experiências que temos em outra esfera de realidade são traduzidas para nossa linguagem predominante e nessa atividade é inevitável que ocorra certas distorções dos significados.

Tendemos em acreditar que apenas os fatos cientificamente provados são verdadeiros. Assim, tudo aquilo que não seja cientificamente provado não deve merecer nosso respeito. Porém, faz-se necessário entender que a ciência é apenas uma das formas de se construir a realidade. Na verdade a realidade nasce de um jogo dialético entre o homem e seu mundo físico, entre a consciência e a materialidade das coisas. Assim, dependendo do tipo de pergunta que fazemos as coisas obteremos uma resposta e isso significa que as respostas são impregnadas de nosso ponto de vista e que não existe uma única realidade fechada em si mesma (Duarte Jr., 2006, p. 89-91).

A ciência funciona através de modelos. Logo, se um determinado modelo funciona, isto é, se o modelo permite que por ele determinados aspectos do mundo possam ser manipulados, então ele é considerado verdadeiro. Tais modelos vão sendo ao longo da história substituídos por outros e a realidade que a ciência constrói vai sendo modificada paulatinamente (Duarte Júnior. 2006, p. 92-94).

Percebe-se que a questão da realidade vai depender de dois aspectos: sua localização na história do conhecimento e sua validade num determinado setor da realidade. As construções científicas partem de nossa percepção da realidade e a filosofia é o ramo do conhecimento científico que melhor se ocupa desta área de conhecimento.


2.Necessidade de conhecimento sobre a realidade

Por uma tendência natural de sua inteligência, o homem não se conforma em fazer as coisas nem em conhecer a realidade de modo superficial. Tende a indagar as razões de sua atuação.

Não restam dúvidas que o homem nutre o profundo desejo de conhecer a si mesmo e o mundo em que está inserido, com o desejo de atingir o saber fundamental que dê coerência a seu agir, aquele saber que dá sentido último a sua vida e lhe forneça a mais plena explicação da realidade. (Javier Hervada 2008, p.2).

Para melhor viver, o homem necessita se ater a alguma certeza radical e universal, a partir da qual possa viver, além de outras certezas parciais a ordenar. A origem do desejo de conhecer do homem é para Aristóteles nada menos que sua própria natureza. A atitude teorética do homem o faz ver as coisas como são, com propriedades distintas e o faz despertar para as coisas numa atitude de assombro (Julían Marías (2004, p.5).

Em qualquer sociedade humana a presença do conhecimento é uma constante. A história do homem pode resumir-se na luta por aprimorar seus conhecimentos sobre a natureza, sobre a sociedade em que vive e sobre si próprio, bem como por aplicar praticamente tais conhecimentos para aperfeiçoar suas condições de vida. A história do conhecimento é, portanto, um processo permanente de retificação e superação de conceitos, explicações, teorias, técnicas e modos de pensar, agir e fazer (Agostinho Ramalho 2001, p.2).

O pensamento visa à contemplação e nela termina, onde a própria contemplação não é uma atividade, mas uma passividade; é o ponto em que as atividades espirituais entram em repouso (Hannah Arendt 2009, p.21).

Com o surgimento da Era Moderna, o pensamento tornou-se um servo da ciência, do conhecimento organizado e não mais aquele estado de contemplação. Entende que a distinção entre razão e intelecto coincide com a distinção entre pensar e conhecer e dois interesses distintos: significado e cognição. Afirma que a necessidade da razão não é inspirada pela busca da verdade, mas pela busca do significado. E verdade e significado não são a mesma coisa (Hannah Arendt 2009, p.21-29).

As ciências não se destinam à produção de um saber desinteressado e contemplativo. Elas existem para serem aplicadas e trazerem benefícios à sociedade, comprometida com a problemática que a realidade social contém onde teoria e prática se complementam (Agostinho Ramalho 2001, p.53).

Conhecimento é o processo mental pelo qual o homem se informa do mundo exterior e de si mesmo. Ao informar-se o ser humano se modifica e se reorganiza. Conhecimento é, para o autor, modo de informação peculiar do homem. Os modos de conhecimento são: sensível ou inteligível. No conhecimento sensível a informação é adquirida através de sinais recebidos pelos órgãos sensoriais. No inteligível é obtido como resultado de processos mentais de criação, organização e reorganização das ideias (José Luiz Bulhões Pedreira 2009, p.7).

O conhecimento é estruturado a partir de dois juízos: os analíticos e sintéticos. A perspectiva analítica é importante porque auxilia, a partir da decomposição e organização, na construção de aspectos efetivamente novos em relação a determinado fenômeno. A composição de juízos sintéticos apesar de buscar a aproximação com os juízos analíticos dele se afasta, pois os juízos analíticos são carregados de universalidade e generalidades capazes de abranger muito mais situações do que as construídas pela experiência (Wilson Engelmann 2007, p.59)

O pensamento de Kant revela que a intuição e os conceitos são os dois modos de conhecimento. Kant afirma que o entendimento não é uma faculdade de intuição, de modo que, o conhecimento se dá por meio de conceitos (Engelmann, 2007).

O conhecimento é organizado a partir da representação conceitual dos fenômenos que vem ao encontro do ser humano. O entendimento dentro dos contornos conceitualmente definidos busca compará-los aos fatos da vida, verificando a sua adequação ou não, e tendo em vista sua aplicação.

Na perspectiva de conhecer surge a questão de se saber qual a medida de conhecimento humano e qual a capacidade de conhecimento do homem. Sabe-se que nossa capacidade de conhecimento é limitada. Mas, limita-se a que? A limites de extensão e profundidade. Existe um conhecimento natural que parte de nossos sentidos? Sim, a experiência sensível é a porta de nosso conhecimento. Entretanto, trata-se de realidades aparentes por não serem bem conhecidos.


3. Realidade e aparência

A distinção entre realidade e aparência sempre foi um dos problemas centrais da filosofia. A questão foi colocada pela primeira vez por Parmênides no século VI a.C para quem o caminho da verdade é o caminho da razão ao passo que o caminho do erro é o caminho dos sentidos (Giovanni Reale 2007, V.1, p. 35).

Portanto, é importante não se deixar enganar pelos sentidos e pelos hábitos que eles criam. A chamada "terceira via" ou via das aparências plausíveis descrita por Parmênides consiste em entender que o erro está em não se ter compreendido que os opostos não devem ser excluídos na unidade superior do ser.

Parmênides compreende que a opinião e a aparência coincidem. Platão também possui esse entendimento e interpreta o principio expresso por Protágoras, da homo mensura, como se significasse "tal como as coisas aparecem para mim, tais elas são", portanto, como se identificasse conhecimento e sensação. Para a autora, Sócrates e Platão consideram as opiniões e as percepções sensoriais ou imagens das coisas, como fonte de erro, mentira e falsidade, formas imperfeitas de conhecimento que nunca alcançam a verdade plena da realidade (Marilena Chauí, 2002, p.39-40).

Foi no período socrático que pela primeira vez se fez uma separação radical entre a opinião e a imagem das coisas, trazidas pelos nossos sentidos, hábitos, tradições, interesses e, de outro lado, as ideias. As ideias se referem à essência íntima, invisível e verdadeira das coisas que só podem ser alcançadas pelo pensamento puro, afastando os dados sensoriais, os hábitos recebidos, os preconceitos e as opiniões.

Assim, a opinião, as percepções e imagens sensoriais são consideradas falsas, mentirosas, mutáveis, inconsistentes e contraditórias, devendo ser abandonadas para que o pensamento siga seu caminho próprio no conhecimento verdadeiro.

Os ídolos e as falsas noções que invadiram o intelecto humano, nele lançando raízes profundas, não só sitiam a mente humana, a ponto de torna-lhe difícil o acesso a verdade, mas também, continuam a nos incomodar durante o processo de instauração das ciências e os homens não se dispõem a combatê-la (Francis Bacon in Giovanni Reale 2007, V.4, p.263-271).

Assim, primeira missão dos ídolos é avisar aos homens que as falsas noções congestionam sua mente e barram-lhe o caminho para a verdade. Esses ídolos devem ser eliminados através de um método justo, ou seja, a indução.

Descongestionada a mente das antecipações da natureza, o homem pode encaminhar-se para o estudo da natureza. A obra e o fim da ciência humana estão na descoberta, estão na sua diferença. Uma vez purificada a mente dos ídolos e fixado o verdadeiro escopo do saber no conhecimento das formas, o método para alcançar tal escopo se compõe de dois procedimentos:

1. Extrair os axiomas da experiência;

2. Derivar experimentos novos.

Desta forma, os axiomas são tirados por meio de indução por eliminação da hipótese falsa. O trabalho proposto por Bacon consiste primeiramente em desconstruir, limpar a mente dos ídolos ou falsas noções existentes no intelecto humano para depois reconstruí-lo.

O conhecimento pode ser dividido em três graus Spinoza in Giovanni Reale 2007, V. 4, p.22) :

1.Opinião e imaginação, ligadas as percepções sensoriais e às imagens, sempre confusas e vagas;

2.Conhecimento racional, próprio da ciência;

3.Conhecimento intuitivo, que consiste na visão das coisas em seu proceder de Deus, ideia adequada da essência das coisas pelos atributos de Deus.

As percepções do espírito em duas classes ou espécies (David Hume 2006, p.30). Para o autor, as menos fortes são denominadas de pensamentos ou ideias e a outra espécie, as impressões. O pensamento não tem limites na natureza nem na realidade. O pensamento pode nos transportar num instante, as mais distantes regiões do universo, no entanto, nossos pensamentos estão presos as nossas impressões ou percepções da realidade alcançáveis por nossa mente.

A aparência teve dois significados diametralmente opostos: 1) ocultação da realidade; 2) manifestação ou revelação da realidade. No primeiro caso, a aparência esconde a realidade das coisas. É preciso transpô-la; no segundo caso, a aparência é o que manifesta ou revela a realidade, de tal modo que este encontra na aparência a sua verdade, a sua revelação. No primeiro caso, conhecer significa libertar-se das aparências (Sócrates e Platão); no segundo, conhecer é confiar na aparência, deixá-la aparecer (Nicola Abbagnano 2007, p.78).

Na vida quotidiana assumimos como certas muitas coisas que, se examinadas melhor, descobrimos serem tão contraditórias que só uma reflexão demorada permite que saibamos em que acreditar. Na busca da certeza é natural que comecemos pelas nossas experiências imediatas e, num certo sentido, o conhecimento que deriva delas. É, no entanto, possível que esteja errada qualquer afirmação acerca do que as nossas experiências imediatas nos permitem conhecer (Bertrand Russell, 2008, p. 69).

Deve-se admitir que não se poderá provar a existência de coisas distintas de nós mesmos e de nossas experiências. Não resulta nenhum absurdo lógico a hipótese de que o mundo se reduz a mim mesmo, a meus pensamentos, sentimentos e sensações, e que tudo o mais é pura imaginação. Nos sonhos, por exemplo, podemos ter a impressão de que existe um mundo muito mais complexo e, no entanto, ao despertar, descobrimos que se tratava de uma ilusão; ou seja, descobrimos que os dados dos sentidos do sonho não corresponderam aos objetos físicos como naturalmente inferiríamos de nossos dados dos sentidos. (RUSSELL, 2008, p. 70 -78)

O esforço fundamental do ser humano, em qualquer cultura, consiste em mover-se do mundo das aparências para o mundo da realidade. No esforço de mover-se do mundo das aparências para o mundo da realidade, a evolução do ser humano encontra três tipos básicos de objeções: o ceticismo, que nega a capacidade do espírito de atravessar as aparências; o niilismo, que nega a existência de uma realidade além da aparência; e o misticismo, que constrói realidades aparentes, negando a transcendência da realidade e impossibilitando ao espírito comunicar-se para além dos limites da aparência (Vilem Flusser, 2009)

Em metafísica, depois de Kant, o termo aparência caiu em desuso. Em seu lugar deve-se usar fenômeno. O termo aparência, hoje em dia, conserva um sentido psicológico, ou seja, toda a representação, ou melhor, toda apresentação que se considere diferente do objeto que lhe corresponde (Sergio Biagi Gregório, 2009).

Kant distinguiu aparência e ilusão. Ilusão é a ideia errônea, falsa noção da realidade. As aparências são objetos de uma intuição sensível da experiência; diferentes das realidades que o homem pode conhecer. Seria um erro transformar em mera ilusão aquilo que se deve considerar como fenômeno. Assim, os sentidos nos apresentam os objetos como eles nos aparecem; mas o intelecto os vê como eles realmente são (Nicola Abbagnano, 2007. p.79).

Kant ainda faz uma distinção entre númemo e fenômeno. Númeno é a coisa em si mesma, em sua essência inatingível pelo espírito. Fenômeno é sua aparência. Essa aparência está coberta de subjetividade, pois depende de como pode ser apreendido por nossa sensibilidade e ordenado por nosso intelecto.

Hegel vê na aparência a própria essência das coisas. A aparência é a essência em sua imediação. A fenomenologia é a ciência do aparecer do espírito. Pode ser entendida como o caminho que leva ao absoluto. A fenomenologia significa manifestar-se ou aparecer. Este aparecer é do espírito a partir da consciência empírica (Giovanni Reale 2007, V.5, p.111-113),.

Na etapa da consciência, o homem vê o mundo como algo independente de si. A consciência se desdobra em três momentos sucessivos: da certeza sensível, da percepção e do intelecto. No momento da sensação, o objeto aparece como verdade, no momento da percepção, o objeto parece ser a verdade, mas, ele possui muitas propriedades e no momento do intelecto, o objeto aparece como fenômeno, produzido por forças e leis, que depende de alguma coisa, ou seja, do intelecto, e a consciência torna-se então, autoconsciência. Para Hegel, a razão nasce no momento em que a consciência adquire a certeza da realidade.

A opinião é o primeiro obstáculo que deve ser superado no ato de conhecimento, pois aquilo que cremos saber com clareza ofusca o que deveríamos saber. Assim, a ciência opõe-se a opinião. A opinião não pensa, pensa mal ou traduz necessidades como conhecimento. Não se pode basear nada na opinião, antes de tudo é preciso destruí-la. Assim, o espírito científico nos impede que tenhamos uma opinião sobre algo que não compreendemos (Bachelard 2007, p.18).

A aparência, portanto, não tem nenhuma garantia de verdade. Só um juízo intelectual poderá refutá-la ou certificá-la. Entretanto, a aparência não deixa de ter sua importância, pois ela é considerada o ponto de partida para a pesquisa cientifica.


4.O conhecimento na relação do binônio sujeito e objeto

Para existir conhecimento sobre a realidade que se pretende verificar, é necessário que haja uma relação entre dois elementos básicos: um sujeito conhecedor (mente) e um objeto que se pretende conhecer (a realidade). No entanto, só haverá conhecimento se o sujeito conseguir apreender o objeto, isto é, representá-lo mentalmente, no caso a realidade. Mas a questão do conhecimento é tema inerente às especulações filosóficas. É conhecida pelos filósofos como gnosiologia, crítica do conhecimento ou epistemologia.

A mente do sujeito conhecedor é usada para captar o conjunto de fenômenos relacionados com o conhecimento, os sentimentos e a ação do homem, o que inclui diversas ocorrências como percepções, imagens mentais, memória, formação de conceitos, inferências e outros tipos de pensamentos (José Luiz Bulhões Pedreira, 2009, p.27).

Os fenômenos mentais são classificados em cognitivos, afetivos e volitivos. Interessa-nos os fenômenos cognitivos pelos quais o homem conhece o mundo exterior e a si mesmo, inclusive suas ideias, seus processos mentais e seus estados afetivos e volitivos, já que é a capacidade de conhecer que difere o homem dos demais seres vivos.

O processo de conhecimento compreende a formação, na mente do sujeito, da representação de símbolos mentais do objeto de conhecimento. A segunda etapa do conhecimento é aquela em que o sujeito apreende o objeto ou dele se apropria. Entretanto, alerta-se para o fato de que os fenômenos ocorridos no espaço mental são altamente subjetivos, isto é, só vale para o sujeito que os pensa.

Quanto aos objetos, podem ser reais ou ideais. São reais quando os percebemos como elementos ou fatos da realidade extramental. Neste caso, existem independentemente de sua representação na mente do sujeito que os pensa. Os objetos ideais são objetos de pensamento – somente existem enquanto representados por símbolos mentais - na mente do sujeito que os pensa: não são encontrados na realidade tal como pensados. São exemplos deste tipo de objeto os imaginários, criados pela própria mente do sujeito (José Luiz Bulhões Pedreira, 2009, p.66-67).

Os objetos também podem ser simples e compostos, conforme sejam unos ou formados de diversas partes ou elementos. A noção de elemento composto pressupõe a de relação. As relações podem ser reais ou ideais. As relações reais são as percebidas como fatos da realidade extramental, existem no mundo independentemente do sujeito, como por exemplo, as relações de espaço criadas pela força gravitacional e ainda as relações entre as partículas, moléculas, órgãos e tecidos. Relações ideais são vínculos criados subjetivamente entre partes.

O ponto central da discussão sobre o conhecimento reside no binômio sujeito-objeto. Para tanto, duas correntes surgiram para estudar o problema: empirismo e racionalismo (Agostinho Ramalho, 2001, p.1-3).

Para os empiristas, o conhecimento nasce do objeto. Ao sujeito caberia o papel de uma câmera fotográfica: registrando e descrevendo o objeto tal como ele é. O vetor epistemológico vai do objeto para o sujeito, ou ainda, do real para o racional. Ao sujeito cabe "saber ver", captando o objeto em sua essência. O momento do conhecimento é o da constatação, do contato do sujeito com o objeto.

O empirismo - que reduz todo conhecimento humano à experiência sensível – afirma que não existem dados universais, e sim generalizações que nossa mente faz a partir de dados parciais. O que diferencia um dado geral do universal é que este ocorre sempre e sem exceção, ao passo que o geral indica apenas o que normalmente ocorre, o que é comum, mas admite exceções. O geral é majoritário e o universal refere-se à totalidade (Javier Hervada, 2008, p.43).

Ao contrário do empirismo, o racionalismo coloca o fundamento do ato de conhecer no sujeito. O objeto constitui mero ponto de referência. Entendem que nem sempre as verdades dos fatos são verdades da razão. Algumas vezes as verdades da razão não se originam nos fatos (Agostinho Ramalho 2001, p.6-7)

Uma forma moderada de racionalismo é constituída pelo chamado intelectualismo, que atribui à razão o papel de conferir validade universal do conhecimento, embora, sustente que este não pode ser concebido sem a experiência. O intelectualismo caracteriza-se, pois, por racionalizar a realidade, concebendo-a como se contivesse, em si mesma, as verdades universais que a razão capta e decifra.

Kant quis conciliar empiria e razão através de uma composição, de uma síntese, vendo na razão, uma forma; e nos dados da intuição sensível, um conteúdo. Para Kant, a razão é a forma ordenadora de um conteúdo que a experiência fornece. É uma concepção estática com a qual Hegel não concordou.

O mestre da Fenomenologia do Espírito não se contentou com uma adequação estática entre o empírico e o racional, mas desenvolvendo o pensamento crítico em função da afirmada "força sintética do espírito", levou a cabo uma fusão entre o real e o racional.

O idealismo constitui ponto extremo do racionalismo. Para o idealista, o conhecimento nasce e se esgota no sujeito, como ideia pura. O objeto é posto em posição secundária ou simplesmente lhe é negada qualquer importância, como se não existisse ou constituísse mera ilusão do espírito. A tese fundamental do idealismo é a de que não conhecemos as coisas, mas sim, as representações da coisa. Esta é a posição de Descartes (Agostinho Ramalho, 2001, p.8).

Esta posição é inovadora em relação ao idealismo antigo e é representado principalmente por Platão que não coloca as ideias como momento do processo cognitivo, mas as considera como "essências existentes", isto é, como a própria realidade verdadeira da qual seriam meras cópias imperfeitas das realidades sensíveis.

O idealismo moderno apresenta uma vertente lógica (idealismo objetivo) segundo o qual tudo se reduz a um complexo de juízos, afirmações e negações, de tal maneira que ser é ser pensado. A vertente psicológica (idealismo subjetivo) entende que toda realidade está contida na consciência do sujeito, de tal sorte que ser é ser percebido. Isto implica em dizer que as coisas não têm existência independente de nosso pensamento.

O idealismo supervaloriza o sujeito e chega a, praticamente, ignorar o objeto e a própria relação que entre eles se opera. O idealismo de Kant segundo o qual "não conhecemos as coisas, mas o que de nós colocamos nelas", e o de Hegel, para quem "o mundo real é a encarnação de uma idéia eterna que o espírito humano descobre e reencontra pouco a pouco, conquistando a idéia verdadeira do mesmo", não supera a questão crucial da relação concreta entre sujeito e objeto (Agostinho Ramalho (2001, p. 20)

O criticismo de Kant, parte da correlação sujeito-objeto no ato de conhecer tentando superar e sintetizar os pontos de vista contraditórios do empirismo e do idealismo. Para tanto, são aceitos e refutados princípios de ambas as correntes. Kant entende que o conhecimento não pode prescindir da experiência, que fornece o material cognoscível; por outro lado, sustenta que o conhecimento de base empírica não pode prescindir de elementos racionais já que os dados sensoriais são ordenados pela nossa razão (Agostinho Ramalho, 2001).

Kant foi quem primeiro citou o problema da não separação entre sujeito e objeto no processo de conhecimento, ressaltando a importância, não de cada um desses elementos tomados isoladamente como fazem o empirismo e o idealismo tradicionais, mas da relação que entre eles se processa no ato de conhecer. Porém, Kant foi um racionalista, pois para ele o vetor epistemológico vai do racional para o real (Agostinho Ramalho, 2001).

A transcendentalidade de que tanto se fala na filosofia de Kant consiste essencialmente na funcionalidade que ele vê na relação entre sujeito e objeto. Conhecer é, por consequência, fazer a união entre os elementos materiais de ordem empírica e os elementos formais de ordem intelectual. Se no processo de conhecimento a razão condiciona a experiência, o conhecimento não pode deixar de ser uma adequação do objeto ao sujeito cognoscente.

Para Kant, não podemos possuir qualquer tipo de conhecimento absoluto, pois o sujeito constrói o conhecimento, mesmo ao nível elementar da sensação, pois só sentimos e percebemos nos limites de nossa capacidade.

A Escola Fenomenológica tentando romper com o realismo critico de Kant, repudia o exagerado formalismo kantiano e tenta estabelecer uma revalorização do objeto e cuja figura principal é o alemão Husserl.

Os fenomenalistas sustentam que há algo nos objetos que permite distingui-los, pois, se fossem indeterminados em si mesmos, não poderiam ser apreendidos pela razão, que evidentemente, não produz objetos do nada. Isto significa que há algo extrínseco ao pensamento.

Hegel tentou superar a dualidade sujeito-objeto concebendo a razão, não de maneira abstrata como o fez Kant, dissociada dos dados empíricos, mas como uma síntese a priori do próprio processo. É de Hegel a afirmação: "o que é real é racional e o que é racional é real" e mostra bem a trilogia da dialética idealista hegeliana: tese, antítese e síntese, onde nada pode ser fora do pensamento.

As epistemologias dialéticas veem sob um enfoque novo o problema da relação sujeito-objeto. Para tanto, rompem com a concepção metafísica, tanto do empirismo como do idealismo, segundo a qual o sujeito cognoscente é separado por alguma fronteira obscura e misteriosa, do objeto real. Para a dialética, o importante é a própria relação. (Agostinho Ramalho, 2001, p.13).

A dialética busca tomar consciência das condições reais do ato cognitivo, dentro do processo de sua elaboração. De forma que, toda pesquisa criadora é um trabalho de construção de novos conhecimentos e não uma simples captação passiva da realidade porque o conhecimento não pode ser puro reflexo do real como querem os positivistas.


5. A percepção da realidade por meio de categorias

Para conhecer a realidade precisamos pensar através de categorias. Há duas grandes categorias de seres: os seres da realidade e os seres de imaginação. Os seres imaginários repartem-se entre as entidades mitológicas, as figuras folclóricas e os personagens da literatura de ficção. Não existem em si, nem em outras coisas, mas somente como pura imagem. Nada obstante, têm participação, às vezes até decisiva, nos negócios humanos. De forma que o pensamento não pode ignorá-los. Os seres da realidade, objetos de apurada reflexão intelectual, compõem-se em duas categorias: a dos seres-substância e a dos seres-acidente. O ser-substância existe em si e por si, com plena autonomia individual – o homem. O ser-acidente existe apenas por meio de outro ser, do qual depende, embora tenha sua própria essência e possua verdadeira realidade. Ele tem natureza adjetiva, acrescentando qualidade ao ser substância (VASCONCELOS 2006, p.21-22).

Historicamente o primeiro significado das categorias está ligado as determinações da realidade e em segundo à noções que servem para indagar e compreender a própria realidade. Foi essa a concepção de Platão que as chamou de "gêneros supremos" e enumerou cinco desses gêneros: o ser, o movimento, o repouso, a identidade e a alteridade (Nicola Abbagnano, 2007, p.139).

Para Aristóteles as categorias são modos como o ser se predica das coisas, portanto são os predicados fundamentais das coisas. Aristóteles enumera as categorias em:Sustancia : Es la base primaria, invariable de todo cuanto existe, conservada pese a todas las transformaciones, a diferencia de los objetos y fenómenos concretos sujetos a cambios, es la esencia más general y profunda, cuya causa y fundamento no se hallan incluso en alguna otra cosa, sino en ella misma. substância, Cantidad : Magnitud, número, extensión, ritmo en que los procesos transcurren, grado de desarrollo de las propiedades, etc. quantidade,Cualidad : Es aquello en virtud de lo cual alguien tiene algo, es decir, para Aristóteles esto era algo que gente y los objetos tienen. qualidade,Relación : Es momento necesario de interconexión de todos los fenómenos, conducido por la unidad material del mundo, las relaciones entre las cosas son tan objetivas como las cosas mismas. relação,Lugar : Es el espacio ocupado o que puede ser ocupado por un cuerpo cualquiera. lugar,Tiempo : La materia, en su movimiento, manifiesta ciclos. tempo, Situación : Acción y efecto de situar o situarse. posição,Condición : Situación o circunstancia indispensable para la existencia de otra. posse, Acción : Es lo necesario para que se produzca un efecto en las cosas, es el argé manifestado por la materia para hacer efecto en los procesos del devenir en las personas y cosas.ação e Pasión : Se refiere a las emociones o sentimientos muy intensos. passividade.

Para Kant o intelecto unifica os pensamentos em categorias. As categorias são as condições de pensar algo como objeto de experiência. Para Aristóteles as categorias são modos de ser, enquanto que para Kant as categorias são modos de funcionar o pensamento. Assim como os conceitos puros são as categorias, analogicamente, os conceitos puros da razão são as ideias, entendidas em sentido técnico. As ideias valem como esquemas para ordenar as experiências. Elas unificam nosso conhecimento. Para Kant são categorias (Giovanni Reale 2007, p.364-370):

- Causa : Causa es todo aquello que produce o provoca un cambio en otro. Causa: qualquer coisa que produz ou provoca uma mudança em outro.

-Efecto : Es el cambio provocado por la causa. Efeito: o movimento desencadeado pela causa. Y casualidad o relación casual es el proceso mediante el cual la causa produce efecto.

La relación existente entre causa y efecto es solamente un aspecto, aunque de suma importancia, de la interdependencia existente entre todos los objetos que forman la totalidad que denominamos realidad objetiva. A relação entre causa e efeito é apenas um aspecto, embora importante, da interdependência de todos os objetos que formam o conjunto que chamamos de realidade objetiva. Es solamente en ese contexto más amplio de la interacción universal que adquieren su valor científico estas dos categorías. É somente neste contexto mais amplo de interação universal que essas duas categorias adquirem o seu valor científico.

formas subjetivas , a priori, ya que son patrimonio previo de todo entendimiento humano, o sea, de lo que Kant llama el "yo trascendental". Kant elabora a construção de juízos divididos em categorias. O primeiro está organizado a partir da magnitude do conhecimento (universais, particulares e singulares) o segundo, tendo em vista a qualidade ou o valor do conhecimento (afirmativos, negativos e infinitos) o terceiro, tomando como base a relação cognitiva (categóricos, hipotéticos e disjuntivos) e o quarto por dizer respeito ao valor do pensamento em geral (problemáticos, assertóricos e apodíticos) (Wilson Engelmann (2007, p. 63) [01].

Já Hegel considera as categorias como determinações do pensamento. A única categoria que ele reconhece é a autoconsciência ou a própria realidade. Já para Heidegger as categorias representam o ser das coisas.

Assim, as categorias são os gêneros mais gerais segundo os quais se distribuem os objetos do pensamento. As categorias nos ajudam a compreender as propriedades do objeto em análise, facilitando o raciocínio. Por meio delas, chega-se a uma conclusão com maior grau de certeza.


6. Realidade nos postulados do direito natural e positivo

Ser pessoa acarreta dimensão jurídica?

O positivismo jurídico nega a juridicidade inerente a pessoa humana ao afirmar que o fenômeno jurídico é um fenômeno cultural, produto exclusivo da vontade humana. Ao afirmar que não há norma além da positiva, nega que exista um núcleo de juridicidade da pessoa humana. Entretanto, nossa experiência e conhecimento racional demonstram ser impossível uma construção cultural que não se fundamente em um dado natural (Javier Hervada 2008, p.326).

Tudo que o homem inventou fundamenta-se ou no aproveitamento das leis naturais ou é projeção de capacidades inerentes ao espírito humano. As criações do homem são achados ou invenções de coisas possíveis contidas em uma realidade preexistente.

O positivismo foi um movimento que dominou a cultura europeia desde 1840 até a primeira guerra mundial e prometia estabilidade política, processo de industrialização e desenvolvimento na ciência tecnológica (Giovanni Reale, 2007, p.290).

Seus representantes mais ilustres são: Auguste Comte, John Stuart Mill, Herbert Spencer, Jakob Moleschott, Ernst Haeckel e Roberto Ardigò.

Seus traços característicos são:

1.O positivismo reivindica o primado da ciência; o único conhecimento válido é o cientifico.

2.Como conhecimento cognoscitivo, temos a exaltação da ciência como o único meio capaz de resolver, no curso do tempo, todos os problemas humanos e sociais anteriormente sofridos pela humanidade.

3.A positividade da ciência leva a mentalidade positivista a combater as concepções idealistas e espiritualistas da realidade humana, concepções que os positivistas rotulavam como metafísicas.

A ciência é constituída por um conjunto de enunciados que visa transmitir informações julgadas verdadeiras sobre o que existiu, existe ou vai existir. Esses enunciados são elaborados com base em constatações. Como os enunciados estão ligados a essas constatações, as provas obtidas no decorrer da história estarão sempre sujeitas a novas provas que contrariem comprovadamente a afirmativa anterior. Para o citado autor, a ciência se divide em dois grandes grupos: Naturais e humanas. Esta divisão não trata de tipos de ciência, mas de ciências diferentes no seu objeto e no seu método. O método de uma pode ser inadequado para a outra. Assim, para apreender os fenômenos humanos há necessidade do ato de compreender, isto é, o cientista procura reproduzir os fenômenos, valorando-os (Tércio Sampaio Ferraz Jr, 2009, p. 10-11).

A introdução de ato de compreender traz para a ciência o discutido conceito de valor. As ciências humanas passam a ser explicativas e compreensivas à medida que se reconhece que o comportamento humano tem também o sentido que ele mesmo se dá, sejam individuais, sejam sociais, sejam históricas, sejam ideais.

A dialética destrói um dos mitos do positivismo, ou seja, o mito do cientificismo segundo o qual todo conhecimento cientifico expressa verdades absolutas e inabaláveis e por isso constitui forma válida por excelência do saber, do conhecer. A dialética também destrói a neutralidade cientifica absoluta, pois como pode ser absolutamente neutro o cientista se observa o real à luz de um referencial teórico e que por sua vez não é neutro? O objeto do conhecimento tende a identificar-se com o objeto real sem nunca atingi-lo em sua plenitude. Todo conhecimento é essencialmente provisório e retificável (Agostinho Ramalho, 2001, p.15).

O principal defeito do positivismo é a crença de que o sujeito simplesmente capta as características do objeto, quando na realidade elas só são encontráveis neste objeto por efeito da ideologia que as nomeia em seu discurso. O conhecimento é essencialmente obra humana. O positivismo reduz o problema do conhecimento ao objeto, subestimando a importância do sujeito.

Certo é que a discussão acerca do direito natural acompanha a evolução da história do pensamento humano. O marco histórico sobre a existência de uma lei superior ditada pela natureza que rege a conduta dos homens parece ser a obra de Sófocles, em Antígona. Nesta obra, a heroína Antígona invoca a lei dos deuses que teria validade antecedida de qualquer outro decreto de mortais e faz entender que existe uma lei que vale em todos os lugares, cuja validade não depende de uma citação individual, dado seu caráter universal.

Com essa passagem, está posta a questão que acompanha a humanidade, qual seja, a disputa entre o predomínio da lei dos homens (direito positivo) e a lei natural (de forte traço metafísico, seja a vontade de Deus, a força da natureza ou o próprio caráter racional do homem, que lhe outorga certos direitos invioláveis). As variadas formas de fundamentar o direito natural podem ser chamadas de jusnaturalismo. (ENGELMANN: 2007, p. 135)

A escola do direito natural clássico foi marcada por três períodos. O primeiro, com o advento do protestantismo na religião, o absolutismo na política e o mercantilismo na economia. A segunda etapa se fez presente na modificação do estado político, aderindo ao liberalismo e ao capitalismo liberal, na economia, situando os pensamentos na proteção aos direitos naturais do indivíduo, contra a exploração governamental, prevalecendo às teorias de Locke e Montesquieu. E, num terceiro estágio, houve a caracterização na democracia, onde a decisão seria a majoritária do povo, sendo Jean Jaques Rousseau, o pensador político do período, confiando o direito natural à vontade geral (Gouveia, 2009).

É a época do jusnaturalismo abstrato, e a explicação de tudo é encontrada no próprio homem, na própria razão humana, nada de objetivo é levado em consideração, a realidade social, a história e a razão humana se tornam uma divindade absoluta.

Para Locke a lei natural é uma regra eterna para todos, sendo evidente e inteligível para todas as criaturas racionais. A lei natural, portanto, é igual à lei da razão. Para ele, o homem deveria ser capaz de elaborar a partir dos princípios da razão um corpo de doutrina moral que seria seguramente a lei natural e ensinaria todos os deveres da vida, ou ainda formular o enunciado integral da lei da natureza.

No século XVIII e XIX a guia para discernir a forma ideal e mais perfeita do direito natural foi a razão, surgindo o racionalismo, com o objetivo de construir uma nova ordem jurídica baseado em princípios de igualdade e liberdade, proclamados como os postulados da razão e da justiça.

Apesar dos difusores das ideias situarem em período diverso, é predominante em suas teorias, e, segundo seus ensinamentos, a caracterização dos princípios fundamentais do direito como imutável, unívoco sempre e em toda parte.

O direito natural tem uma pretensão universalista no sentido de que suas prescrições sejam acessíveis a todos e possam por todos ser conhecidas. Essa perspectiva é projetada na dignidade da pessoa humana. A origem da dignidade do ser humano reside em suas qualidades intrínsecas (Wilson Engelmann, 2007, p.141).

Observa-se que os ditames do direito natural de nada adiantariam se o homem não tivesse a faculdade de escolher se queria ou não obedecê-las. A liberdade dada por Deus para que se possa merecer o prêmio ou o castigo é tão importante quanto o reconhecimento de existência deste. Sem liberdade, não haveria moral, muito menos possibilidade de agir conforme alguma noção de bem.

Para poder exercer esta faculdade, o homem foi dotado de consciência, ou raciocínio acerca da moralidade de suas ações. É ela quem dirige as ações voluntárias humanas. As ações movidas pela consciência podem ser boas, se conformes à lei natural, ou más, se contrárias a ela. Como são feitas com "deliberação da alma", são morais, livres e não podem ser julgadas.

A ignorância é considerada uma inimiga do entendimento, sendo obrigação do homem combatê-la. Assim como esta, muitas são as obrigações do homem, guiando-se sempre pela moral e consciência. A consciência está diretamente ligada à moral e é basicamente utilizada pelo homem em suas relações com os demais integrantes da sociedade em que ele está inserido.

Ocorre que nestas relações é necessário que algumas proposições sejam observadas e garantidas a fim de que o homem possa viver em harmonia com seus semelhantes. É na relação social que se abre um espaço para a percepção do direito natural, e é neste espaço privilegiado que se desenvolve a dignidade humana. A dignidade da pessoa humana é a qualidade que nos identifica como titulares de direitos comuns.

A dignidade da pessoa humana é um conceito que vem sendo elaborado no decorrer da história e chega ao início do século XXI repleta de si mesma como um valor supremo. Para o autor a dignidade nasce com a pessoa. É-lhe inata. Inerente a sua essência (Rizzato Nunes, 2007, p. 46).

Como os princípios do direito natural estão preocupados com a realização do homem como pessoa, não podem ser desconsiderados quando se objetiva verificar a realidade, adquirir conhecimentos, estudar a vida em sociedade.

Todos os valores e princípios que buscam determinado fim devem ser considerados para a ação humana. Os considerados bens humanos existem desde a primeira aparição do homem, e desde então sempre o acompanham e não sofrem alteração pela passagem do tempo. Isto pelo simples fato de serem elementares ao homem, de forma que este não poderá viver sua realidade sem aqueles.

O princípio da dignidade humana mergulha suas raízes na doutrina cristã do Evangelho, no humanismo renascentista de Pico della Mirandola e acima de tudo, na filosofia iluminista que teve seu ápice em Kant (Para Daniel Sarmento, 2008, p. 87- 143).

Para Kant, o homem como ser racional dotado de autonomia moral, constitui um fim em si mesmo e não pode servir simplesmente como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade (tendo-se em vista que no direito positivo as ações não partem moralmente do individuo e sua consciência, mas de uma lei que lhe é imposta pelo direito positivo) não tendo por isso preço, mas dignidade.

Assim, o princípio em pauta desempenha papel essencial na revelação de novos direitos não escritos no catálogo constitucional e poderão ser exigidos quando se verificar que determinada prestação positiva ou negativa viola a vida humana e sua dignidade.

A maneira como os princípios naturais são recepcionados pelas diversas sociedades, ou seja, de acordo com os interesses de cada uma dessas sociedades e em cada momento histórico, não retira sua existência e validade, mas o confirma.

Na filosofia de Gaston Bachelard - filosofia não positivista da ciência - os pontos fundamentais de seu pensamento podem ser reduzidos a quatro:

1.O filósofo deve ser contemporâneo a ciência do seu tempo;

2.Tanto empirismo como racionalismo idealista são incapazes de dar conta da prática científica real e efetiva;

3.A ciência é um evento essencialmente histórico;

4.A ciência possui um inevitável caráter social.

O filósofo nos mostra que a realidade muda conforme o contexto histórico, por isso nem a razão nem a experiência vivenciada em cada época são capazes de nos oferecer uma verdade universal, de validade eterna. Revela que a ciência busca soluções para problemas sociais vivenciados na realidade de cada época, daí seu caráter essencialmente social.

Diante destes esclarecimentos considera-se que a realidade é a base, e a dignidade humana, o fundamento do direito natural. Nossa realidade é o palco onde as relações sociais humanas se desenvolvem respeitando os valores que consagramos a todos os seres humanos como essenciais, fundamentais, inatos, pelo simples fato de nascermos.

Os valores que trazemos desde que nascemos não podem ser desconsiderados simplesmente pela vontade de alguns, que em um determinado momento histórico, arbitram direitos e obrigações.


Conclusão

1 A realidade jamais poderá ser estudada por um único ramo do saber científico. Não existe apenas uma realidade, porém várias, dependendo da realidade que se quer compreender. Entretanto, pela estreita relação da realidade com a filosofia e sociologia entende-se que na abordagem epistemológica que se propôs, seria essencial saber como a filosofia compreende a realidade.

2 Costuma-se indagar sobre as diferentes realidades e sobre como elas se relacionam com objetivo de conhecer os fenômenos que nela ocorrem e desta forma dominar o mundo do saber. Entretanto, a realidade descoberta pela ciência não pára no tempo, ela se transforma a cada momento, por isso, deve ser relativizada. Além disso, nosso conhecimento sobre as realidades é sempre limitado porque o ser humano é limitado, sendo incapaz de conhecer todas as verdades deste mundo.

3 Apesar de construir conceitos, sendo edificador da realidade, o homem se sente submetido à realidade e às forças naturais sobre as quais não tem controle nenhum. Somos tendenciosos em acreditar que apenas os fatos cientificamente provados são verdadeiros e acreditamos que tudo aquilo que não seja cientificamente provado não deve merecer nosso respeito.

4 Porém, é necessário entender que a ciência é apenas uma das formas de se construir a realidade. Na verdade a realidade nasce de um jogo dialético entre o homem e seu mundo físico, entre a consciência e a materialidade das coisas, entre o ser e o estar no mundo, entre o ser e o ser percebido, entre o homem e sua própria realidade.

5 Na aferição da realidade, urge não confundi-la com sua aparência, imagem do que parece ser, mas na verdade não é, opinião trazida pelos nossos sentidos e hábitos e que podem nos conduzir ao erro.

6 Na busca pelo conhecimento da realidade hão de ser considerados dois elementos essenciais: sujeito e objeto. Mente humana e realidade. Os fenômenos mentais que nos orientam na percepção da realidade, ou fenômenos cognitivos pelos quais o homem conhece o mundo exterior e a si mesmo são altamente subjetivos.

7 Os empiristas conferem prioridade ao objeto, enquanto que os racionalistas colocam o fundamento do conhecer no sujeito. Já o idealismo supervaloriza o sujeito e para a dialética o importante é a relação entre os dois elementos. Acredito que a epistemologia dialética seja a melhor opção.

8 Para melhor compreender a realidade devemos pensar por meio de categorias, separando cada parcela da realidade para posteriormente reorganizá-la em nossa mente. O procedimento nos auxilia e nos confere maior grau de segurança e certeza em nossas conclusões.

9 No trabalho buscou-se compreender a realidade dentro de uma abordagem epistemológica, revelando que na apreensão da realidade não podemos deixar de fora os postulados do direito natural, pois é ele quem fundamenta os valores contidos no homem e são traduzidos pela dignidade da pessoa humana, que por sua vez fundamenta todos os demais direitos fundamentais, sejam eles naturais ou positivos.

10 Os princípios e valores do direito natural se preocupam com a realização do homem como pessoa e mesmo que sejam diferentes em relação ao seu contexto histórico, espacial e cultural não podem ter o condão de eliminá-los diante de uma realidade extrínseca.

11 Conclui-se finalmente, que a dignidade humana é o valor fundante que assegura todos os demais direitos essenciais do homem e como tais não necessitam estarem positivados para que sejam reconhecidos como inerentes a todo homem em sua realidade.


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Notas

  1. Para Nicola Abbagnano apodítico é um termo usado por Aristóteles, que chamava ao processo de prova que deduz uma proposição de outra, que lhe é superior, na qual se acha implicitamente incluída. Aristóteles fazia uma distinção entre as proposições susceptíveis de ser contraditadas, ou sujeitas às discussões dialéticas, e as que são o resultado de uma demonstração. Portanto, apodítico é o que é demonstrável. Kant emprega-a no sentido dos juízos necessários, acima de qualquer contradição, que são necessariamente verdadeiros. O juízo assertórico é o que afirma algo existente, uma verdade de fato, uma hipótese provável. O juízo apodíticos tem a necessidade de ser afirmado, quer por necessidade física (própria das leis, cuja negação não implica contradição), matemática ou metafísica, quer por uma necessidade incondicionada ou absoluta. O juízo problemático caracteriza-se pela contingência de seu enunciado.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SALDANHA, Ana Claudia. A realidade em uma abordagem epistemológica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2589, 3 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17107. Acesso em: 30 abr. 2024.