Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/19921
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

A tutela inibitória nas ações coletivas

A tutela inibitória nas ações coletivas

||

Publicado em . Elaborado em .

A tutela inibitória coletiva será abordada especialmente no que diz respeito às tutelas do meio ambiente e defesa do consumidor.

RESUMO: O advento das tutelas preventivas no ordenamento jurídico brasileiro trouxe uma nova concepção de tutela jurisdicional. De fato, a tutela ressarcitória, especialmente no que concerne à defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, não atende satisfatoriamente os escopos das ações coletivas. A tutela inibitória coletiva, ponto nodal do presente trabalho, será abordada especialmente no que diz respeito às tutelas do meio ambiente e defesa do consumidor. Em conclusão, verificar-se-á que a tutela inibitória melhor atende aos interesses coletivos, visto que os tutela antes de configurado qualquer dano, já que atua contra o ilícito, prescindindo a prévia configuração de dano para que surja o interesse de agir.

PALAVRAS-CHAVE: 1. Tutela inibitória. 2. Direitos difusos. 3. Ação civil pública.


INTRODUÇÃO

De tempos em tempos, o Direito se depara com novos desafios que parecem conferir-lhe ainda mais importância em seu trabalho de pacificação social. Se outrora a defesa das liberdades individuais – que hoje nos são tão caras – era o bastião dos grandes constitucionalistas, hoje a realidade nos mostra que interesses outros estão em pauta, quiçá mais ameaçados, pois carecem de instrumentos adequados à sua tutela. Os direitos difusos, ante as suas peculiaridades, não são particulares, tampouco públicos. Habitam, pois, a região pantanosa de direitos que concernem tanto ao particular individualmente considerado, quanto à coletividade propriamente dita.

De fato, as tutelas processuais sempre se preocuparam em defender direitos quando houvesse efetivas lesões. Com a evolução da doutrina processualista surgiu a tutela inibitória como uma antítese à tutela ressarcitória. Como este estudo mostra, a tutela inibitória é uma tutela de prevenção, a qual busca tutelar um direito antes mesmo de que sua lesão seja levada a cabo pelo ofensor. Essa possibilidade ganha relevo principalmente no que tange aos direitos extrapatrimoniais, aos quais não interessa tão somente a reparação, que será sempre insatisfatória, mas sim um instrumento realmente eficaz que os proteja de ofensivas quase sempre irreparáveis.

Como fácil é ver, o tema deste trabalho e justamente alinhar estes dois grandes institutos de efetivação da tutela jurisdicional: as ações coletivas e a tutela inibitória. Para alcançar aludido objetivo adotou-se como linha teórica o método dedutivo, baseado nos procedimentos da pesquisa bibliográfica e da compilação.


1.A DEFESA DOS INTERESSES COLETIVOS EM JUÍZO

Os interesses coletivos, espécie de interesses que ultrapassam a esfera individual de proteção, apesar de suscetíveis de postulação individual, são efetivamente concretizados quando postulados em benefícios de todos seus titulares. Nesse diapasão, desenvolveu-se no ordenamento jurídico brasileiro o denominado microssitema processual coletivo o qual, precipuamente, objetiva efetivar a proteção dos interesses da coletividade de modo célere e eficaz.

No presente capítulo, abordam-se, sem intuito de esgotar o tema, as principais questões atinentes aos interesses metaindividuais, suas espécies e conceitos, bem como o tema da legitimidade ativa para sua defesa.

1.1.INTERESSES METAINDIVIDUAIS

Primariamente os direitos subjetivos dos indivíduos eram divididos em públicos e privados. Essa dicotomia, contudo, não resiste a uma análise mais aprofundada sobre o tema. De fato, como nos ensina Hugo Nigro Mazzilli, foi a partir de 1974 que essa dicotomia entre interesse público e interesse privado sofreu grande crítica.

Sobre a superação da divisão simplista no tema atinente aos direitos individuais, Waldemar Mariz de Oliveira afirma:

A summa divisio encontra-se irremediavelmente superada na realidade social de nossa época, a qual é infinitamente mais complexa, mais articulada e mais sofisticada do que a expressa pela simplista dicotomia tradicional. Novos direitos e novos deveres aparecem, os quais, sem ser públicos no sentido tradicional da palavra, são todos coletivos. Pertencem eles, ao mesmo tempo a todos e a ninguém. Com efeito, tendo-se em conta que pertencem a grupos, classes ou categoria de pessoas, deles ninguém, é titular exclusivo, mas, ao mesmo tempo, todos os membros daqueles são seus titulares. [01]

Demonstrou-se, inicialmente, a existência de uma categoria intermediária, na qual se compreendiam interesses coletivos, ou seja, aqueles referentes a toda uma categoria de pessoas (como os condôminos de um edifício de apartamentos, os sócios de uma empresa, os membros de uma equipe esportiva, ou empregados do mesmo patrão). São interesses metaindividuais, porque atingem grupos de pessoas que têm algo em comum. Ora, o que as une é estarem na mesma situação de fato (por exemplo, as pessoas lesadas pela explosão da mesma usina nuclear), ora é a circunstância de compartilharem a mesma relação jurídica (como os consorciados que sofrem o mesmo aumento ilegal das prestações). [02]

Mesmo dentro dessa categoria intermediária, contudo, foi possível estabelecer uma distinção entre os interesses que atingem uma categoria determinada de pessoas (ou, pelo menos, determinável) e os que atingem um grupo indeterminado de indivíduos (ou de difícil determinação). [03]

Os condôminos, os sócios, os atletas e os empregados que foram acima mencionados, são todos determinados ou possíveis de determinar, à vista da certidão imobiliária, dos estatutos, dos registros cabíveis. O mesmo grupo de pessoas compartilha interesses, pouco importa se encontrem reunidas pela mesma relação jurídica (como os sócios e os condôminos invocados no exemplo) ou pela mesma relação de fato (como os compradores concretamente lesados na compra do mesmo produto). Convencionou-se a chamar estes interesses de coletivos (quando indivisíveis, fundados na mesma relação jurídica) ou individuais homogêneos (quando divisíveis, fundados na origem de fato comum). [04]

Os interesses difusos, por sua vez, se diferenciam dos interesses coletivos e individuais homogêneos pelo fato de que são interesses que, embora pertençam a uma categoria de pessoas, não se pode precisar com exatidão quais os indivíduos que se encontram concretamente por eles unidos. São interesses cujos titulares são indetermináveis, dispersos na coletividade. São, portanto, indivisíveis, porque não se pode determinar ou quantificar com exatidão o prejuízo de cada um dos lesados. É o que ocorre, por exemplo, quando há a veiculação de propaganda enganosa em um determinado canal de televisão. O dano, inegavelmente, existe, mas não se pode afirmar com precisão quais os consumidores em potencial que foram efetivamente lesados.

Segundo o Código de Defesa do Consumidor, são direitos ou interesses difusos transindividuais, de natureza indivisível, cujos titulares são pessoas indeterminadas e ligadas por circunstância de fato. Difusos são, pois, interesses indivisíveis, de grupos menos determinado de pessoas, entre as quais inexiste vínculo jurídico ou fático muito preciso. São como um feixe de interesses individuais, com pontos em comum. [05]

Alguns interesses difusos, pela sua abrangência, podem ser classificados como verdadeiro interesse púbico. A pretensão a um meio ambiente equilibrado e hígido, embora seja de interesse indeterminável e indivisível de pessoas (interesses difusos), é de interesse de toda a coletividade. Todavia, faz-se mister a necessária cautela, pois as duas classificações doutrinárias nem sempre se confundem, já que é possível haver interesses difusos de menos abrangência que o interesse público, com eventuais conflitos entre os interesses difusos de um determinado grupo e da coletividade como um todo.

Um exemplo desses interesses difusos pode ser a veiculação na mídia audiovisual, por determinada empresa, de propaganda enganosa ou que induza o consumidor a erro. A lesão é evidente, contudo, a determinação de quais seriam os potenciais lesados é incerta.

Os interesses coletivos são, em sentido lato, os interesses ou direitos transindividuais indivisíveis (assim como os interesses difusos) que, ao seu passo, pertençam a um grupo, classe ou categoria de pessoas determinadas, ou ao menos, determináveis.

Como exemplo, o aumento ilegal de prestações de um consórcio pode ser citado. Ora, o interesse de se ter reconhecido a ilegalidade de um aumento abusivo das prestações de um consórcio é partilhado indivisivelmente por todos os consorciados de forma não quantificável. A ilegalidade do aumento não será maior para o consorciado que possui inúmeras cotas, tampouco será menor para aquele que apenas uma possui. A ilegalidade será a mesma para todos, de forma indivisível. Evidentemente, se os eventuais prejuízos sofridos pelo grupo forem individualizáveis, e seu ressarcimento seja justamente o escopo da tutela jurisdicional pretendida, estar-se-ia diante de interesses individuais homogêneos, e não propriamente de interesses coletivos de um determinado grupo.

Os interesses individuais homogêneos não deixam de ser também interesses coletivos. Encontram-se reunidos nessa categoria de interesses as pessoas ou grupo de pessoas determinadas ou determináveis que são titulares de interesses oriundos de uma mesma relação de fato. Ocorre que os prejuízos compartilhados por essas determinadas pessoas são divisíveis.

Exemplificativamente, pode-se citar como hipótese de interesses individuais homogêneos envolvidos a compra por inúmeros consumidores de veículos de uma mesma marca com o mesmo defeito de série.

1.2 .A LEGITIMAÇÃO PARA AGIR EM TEMA DE INTERESSES DIFUSOS

Seguindo a vetusta dicotomia tradicional entre os interesses individuais e coletivos, a clássica maneira de defender interesses em juízo dá-se por meio da legitimação ordinária. Ou seja, o próprio lesado defende os seus interesses que foram afetados.

No ordenamento jurídico pátrio, a chamada legitimação extraordinária, isto é, a possibilidade de alguém, em nome próprio, defender interesse alheio, é limitada a hipóteses excepcionais. Não se confunde, no entanto, com representação, que consiste na defesa, em nome alheio,de interesse alheio.

Nas hipóteses de legitimação extraordinária configura-se verdadeira substituição processual, que ocorre, por exemplo, quando o gestor de negócios defende interesses de terceiros; quando o Ministério Público propõe ação reparatória ex delicto em favor de vítimas pobres; ou quando o curador do ofendido oferece representação contra o ofensor.

A legitimação extraordinária na defesa em juízo de interesses alheios são hipóteses excepcionais, taxativamente previstas na legislação. Isso porque, até bem pouco tempo, em regra a substituição processual destinava-se tão somente à defesa de interesses individuais, não à tutela de interesses difusos ou coletivos. Ora, acertou o legislador em restringir a legitimação extraordinária para a defesa em juízo dos interesses individuais, pois, se assim não fosse, verdadeira balbúrdia se instalaria nas demandas judiciais, posto a incerteza da legitimidade ad causam.

Com a evolução legislativa, especialmente com o advento da Lei nº. 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), passou-se a admitir a defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos por meio da legitimação extraordinária. Nessa seara, a doutrina divide-se. Há a tendência de realçar a legitimação ordinária quando alguém, ainda que legitimado extraordinariamente, a par de defender em juízo interesses de terceiros, também defende direito próprio. Mazzilli cita Trocker e Humberto Theodoro Júnior, que defendem que "o grupo juridicamente organizado, mesmo quando deduz em juízo um direito cuja titularidade pertence a outrem, está fazendo atuar, na realidade, um interesse próprio que é o de reintegração da situação garantida". [06]

Segundo esse argumento, a defesa em juízo dos interesses coletivos de uma entidade de classe, por exemplo, coincide com a defesa de interesse próprio da entidade, conforme seus fins sociais. Desta forma, ao defender, em extensão, os seus próprios interesses quando defende os interesses dos seus membros, a associação de classe teria legitimação ordinária, e não extraordinária.

Hugo Mazzilli, porém, defende posição diversa:

Ainda que reconheçamos a procedência em parte dessa argumentação, mesmo assim na defesa judicial de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, preferimos denominar o fenômeno de legitimação extraordinária ou substituição processual, para distingui-lo das hipóteses em que o titular da pretensão age apenas na defesa do interesse de que é titular. Nos casos de ação civil pública, de ação coletiva ou de ação popular, o autor (o Estado, a associação ou o cidadão) não está pedindo apenas dentro do campo de seu direito próprio, e sim busca um benefício coletivo (nem sempre público, mas ao menos transindividual), que ele, por si só, não estaria legitimado a defender a não ser por expressa autorização legal. Daí tratar-se de legitimação extraordinária. [07]

De fato, a celeuma doutrinária que cerca a questão da legitimação (ordinária e extraordinária) para a defesa dos interesses difusos e coletivos tinha grande relevância antes do advento da Lei nº. 7.347/85. , de 24 de Julho de 1985. Afinal, a legitimação extraordinária era a exceção, e não a regra. Com o advento da citada lei, o legislador tratou de ampliar significativamente o rol de legitimados ativos para a defesa dos interesses transindividuais.

Todos esses fatores somados contribuíram, indubitavelmente, para a maior proteção de interesses de toda a coletividade, (coletivos, difusos ou individuais homogêneos), seja pela maior legitimação do Ministério Público para atuação neste particular, seja pela significativa ampliação do rol de legitimados extraordinariamente conferida pela Lei nº. 7.347/85 e pela Constituição Federal de 1988.


2.AÇÃO CIVIL PÚBLICA

A ação civil pública é o instrumento adequado para a defesa de interesses que envolvam o meio ambiente, os consumidores, dentre outros interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos em juízo.

A lei que disciplina a ação civil pública não a restringiu somente à iniciativa do Ministério Público, tendência correta esta confirmada pelo legislador constituinte, que impediu que esta instituição detivesse qualquer monopólio na propositura de ações cíveis, ao contrário do que ocorre com a ação penal pública.

A rigor de terminologia a expressão ação coletiva é mais adequada para as ações cíveis propostas por quaisquer dos co-legitimados em defesa de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, enquanto ação civil pública,ao seu turno, é somente a ação promovida pelo Ministério Público.

2.1 O MINISTÉRIO PÚBLICO E A AÇÃO CIVIL PÚBLICA

O Ministério Público, antes de direito, possui o dever de agir quando se trata da propositura de ação cuja titularidade o Parquet detenha. Por corolário, pode-se afirmar, portanto, a obrigatoriedade e a conseqüente indisponibilidade da ação pelo Ministério Público. Todavia, se não tem discricionariedade para agir ou deixar de agir quando identifica a hipótese de atuação, ao contrário, tem liberdade para apreciar se ocorre hipótese em que sua ação se torna obrigatória.

O artigo 9º da Lei da Ação Civil Pública prescreve que "se o órgão do Ministério Público, esgotadas todas as diligências, se convencer da inexistência de fundamento para a propositura da ação civil, promoverá o arquivamento dos autos do inquérito civil ou das peças informativas, fazendo-o fundamentadamente". [08] Há, portanto, todo um mecanismo de controle da não-propositura da ação civil pública pelo Ministério Público, sem quebra alguma do princípio da obrigatoriedade.

Promovido o arquivamento, deverá o órgão ministerial, sob pena de incorrer em falta grave, remeter os autos ou peças de informação ao Conselho Superior do Ministério Público. Ademais, o fato de inexistir legitimação exclusiva do Ministério Público para propor a ação civil pública, por si só, constitui outro mecanismo de controle da não-propositura da ação civil pública.

No que se refere à indisponibilidade da ação civil pública o §3º do Art. 5º da Lei nº. 7.347/85 aduz, também, que cabe ao Ministério Público "assumir" a titularidade ativa, em caso de desistência ou abandono da ação por associação legitimada.

2.2 INQUÉRITO CIVIL

Criado pela Lei nº. 7.347/85 [09] e depois consagrado pela Constituição Federal [10], o inquérito civil é um procedimento investigativo promovido pelo Ministério Público para colher elementos de convicção do órgão ministerial para a propositura de eventual ação civil pública ou, fundamentadamente, promover seu arquivamento.

Embora co-legitimados para promover a ação civil pública, as associações civis e demais entidades elencadas na Lei da Ação Civil Púbica não podem instaurar, tampouco presidir o inquérito civil.

O inquérito civil não é pressuposto processual obrigatório para que o Ministério Público compareça a juízo. É instrumento extremamente útil, porém, nem sempre necessário, pois pode ser dispensado quando o órgão ministerial já disponha de elementos de convicção suficientes para a propositura da ação principal.

Quanto à publicidade, o inquérito civil deve obedecer aos mesmos princípios norteadores de todos os atos da administração pública. No mais, o inquérito civil será instaurado por portaria ou despacho do membro do Ministério Público, aplicando-se na disciplina da sua tramitação, subsidiariamente, as normas do Código de Processo penal concernentes ao inquérito policial, sempre com as devidas cautelas de conformidade com a Lei da Ação Civil Pública. Já no que tange ao seu arquivamento, o Ministério o promove, não se exigindo manifestação judicial a propósito.

O inquérito civil deve sempre terminar com a propositura da ação civil pública, ou, noutra hipótese, com o seu arquivamento pelo Promotor de Justiça; neste último caso, com a revisão do ato de arquivamento pelo Conselho Superior do Ministério Público.

Mas pode ocorrer que o inquérito civil investigue mais de um evento danoso (pluralidade de objeto) ou mais de um envolvido (pluralidade de sujeitos)e o órgão ministerial promova a ação civil pública em relação a apenas um dos objetos ou tão-somente a um ou alguns dos envolvidos. Neste caso, a restrição quanto aos limites objetivos e subjetivos da lide, sem fundamentação em relação aos outros possíveis ilícitos ou seus autores nos leva à conclusão de que houve um "arquivamento implícito".

O Ministério Público tem sua ação vinculada ao princípio da obrigatoriedade, desse modo, o arquivamento do inquérito civil deverá ser sempre expresso. Assim sendo, quando o órgão ministerial verificar a hipótese de proposição da ação em face de somente alguns dos indiciados, ou se o objeto da ação a ser proposta for menor dos que a totalidade dos fatos investigados no inquérito civil, deverá o Ministério Público promover em separado o arquivamento do inquérito ou das peças de informação em relação às pessoas investigadas que não incluiu no pólo passivo da relação processual, ou em relação aos fatos que excluiu da causa de pedir ou aos pedidos que entendeu de não fazer.

No que tange ao controle do arquivamento do inquérito civil, tem-se que esse é feito, in casu, pelo Conselho Superior do Ministério Público. Sob pena de falta funcional grave, deverá o membro do Ministério Público que promoveu o arquivamento do inquérito civil encaminhar suas peças ao Conselho Superior do Ministério Público, para que este órgão as aprecie. Neste caso, poderá o referido órgão colegiado, na forma de seu regimento: a) homologar a promoção de arquivamento; b) reformar a promoção de arquivamento, determinando que seja proposta a ação civil pública cabível; c) determinar novas diligências. Em caso de reforma da promoção de arquivamento, novo membro do Ministério Público será designado para o ajuizamento da ação.

2.3 COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA

O compromisso de ajustamento de conduta foi introduzido na Lei nº. 7.347/85, pelo Código de Defesa do Consumidor. A rigor, tratando-se de direitos indisponíveis difusos na coletividade, coletivos ou individuais homogêneos, não se permite a hipótese de transação de quaisquer de seus co-legitimados. Afinal, a defesa de tais direitos se faz por meio da legitimação extraordinária. Contudo, o legislador, sensível aos aspectos práticos que tal instituto traria ao interesse público, bem fez em positivá-lo em nosso ordenamento jurídico, com benesses indiscutíveis para a melhor solução dos litígios que versam sobre interesses metaindividuais.

Como se infere claramente na Lei nº. 7.347/85, nem todos os legitimados ativos à ação civil pública ou coletiva podem tomar compromissos de ajustamento de conduta, mas tão-somente os órgãos públicos legitimados. Ou seja, para os fins do Art. 5º, § 6º, da Lei da Ação Civil Pública, estão autorizadas a tomar compromissos de ajustamento as pessoas jurídicas de direito público interno e seus órgãos, excluídas as demais entidades da Administração indireta ou que tenham regime jurídico próprio das empresas privadas.

Em face da transação obtida, questão interessante que se impõe é a sua eficácia perante terceiros titulares dos interesses em litígio, que não participaram efetivamente da lide, mas que se viram substituídos processualmente. Em caso de discordância dos co-legitimados quanto aos termos do compromisso de ajustamento celebrado entre o órgão público e o autor do dano, ensina Hugo Nigro Mazzilli:

Versando interesses metaindividuais, o compromisso terá o valor de garantia mínima em prol do grupo, classe ou categoria de pessoas atingidas; não pode ser considerado como garantia máxima de responsabilidade do causador do dano, sob pena de admitirmos que lesados, fragmentariamente dispersos na comunidade, fiquem sem acesso jurisdicional. Entender-se o contrário seria dar ao compromisso extrajudicial que versa interesses difusos ou coletivos a mesma concepção privatista que tem a transação no direito civil, campo em que a disponibilidade é a característica principal. A admitir esse entendimento, graves prejuízos adviriam à defesa social. Não sendo os órgãos públicos referidos no dispositivo os verdadeiros titulares do interesse material lesado, o compromisso de ajustamento que tomam passa a ter o valor de determinação de responsabilidade mínima; não pode constituir limite máximo para a reparação de uma lesão ao meio ambiente ou a qualquer outro interesse difuso, coletivo ou individual homogêneo. [11]

O compromisso de ajustamento tomado extrajudicialmente não impede que quaisquer dos co-legitimados possam ingressar em juízo para discutir seu mérito e defender eventuais interesses individualmente considerados.

Quanto à necessidade de manifestação do Conselho Superior do Ministério Público em face de uma transação realizada pelo promotor de justiça e o causador do dano, a Lei da Ação Civil Pública é omissa, levando-nos a crer, em uma rápida leitura, que sua homologação seria dispensável. Todavia, tal interpretação não merece prosperar. Afinal, se até mesmo para não propora ação civil pública, o órgão ministerial é obrigado a remeter os autos de inquérito civil para que o seu Conselho Superior homologue o arquivamento, parece-nos natural que semelhantes cautelas sejam tomadas pelo promotor de justiça quando este propõe um compromisso de ajustamento.

Ora, se o órgão ministerial não pode, sem homologação do Conselho Superior, "sequer promover o arquivamento do inquérito civil, com maior razão não poderá, de forma incontrastável, concordar com a disposição do próprio conteúdo material do litígio". [12]


3.A TUTELA INIBITÓRIA NAS AÇÕES COLETIVAS

A tutela inibitória parte da premissa clássica do Direito de que a defesa do direito em juízo deve aderir da melhor forma possível, à realidade do direito material a ser protegido.

A tutela inibitória coletiva é prevista legislativamente no artigo 11 da Lei da Ação Civil Pública [13] e no artigo 84 do Código de defesa do Consumidor. [14] Em apressada leitura, depreende-se que a previsão do artigo 11 da Lei da Ação Civil Pública só admitiria a forma da tutela inibitória que visa à cessação da atividade ilícita. Entretanto, este dispositivo legal tem uma aplicação muito mais ampla, como ensina Luiz Guilherme Marinoni:

Perceba-se que o Art. 11 da Lei da Ação Civil Pública só admite, em princípio, uma das formas de tutela inibitória, aquela que visa a fazer cessar a prática do ilícito. Contudo, é certo que tal norma, ao aludir à "cessação da atividade nociva", deseja abarcar os atos nocivos suscetíveis de repetição, cujos exemplos são notórios no plano da tutela coletiva, valendo a pena lembrar, v.g., os casos de venda de produtos nocivos à saúde do consumidor. [15]

A tutela inibitória pura – que pretende a tutela do direito antes mesmo de configuração de qualquer dano – não está contemplada, a princípio, no Art. 11, pois esta norma, ao referir-se à "cessação da atividade nociva", supõe logicamente um ilícito já ocorrido.

A interpretação sistemática e teleológica da norma é, todavia, medida que se impõe. De fato, se em grande parte dos casos o ilícito já foi praticado, temendo-se somente a sua repetição ou continuação, isto não significa que não possa haver hipóteses em que a tutela inibitória coletiva seja imprescindível na sua forma pura, e assim anteriormente à prática de qualquer ilícito.

O Art. 84 do Código de Defesa do Consumidor, por seu turno, tem grande semelhança com o Art. 461 do Código de processo Civil, dispondo, em seu caput, que "na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer e de não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento". [16] Como se vê, o Art. 84 do CDC não faz a restrição do Art. 11 da Lei da Ação Civil Pública, motivo pelo qual não há razão para se discutir, nos dias atuais, a respeito da viabilidade de uma ação inibitória pura.

Lembre-se que a doutrina classifica o que se denomina um "sistema de tutela coletiva de direitos", integrado, fundamentalmente, pela Lei da Ação Civil Pública e pelo Código de Defesa do Consumidor, em razão do Art. 90 do Código de Defesa do Consumidor [17],que manda aplicar às ações ajuizadas com base neste Código as normas da Ação Civil Pública, e do Código de Processo Civil, e do Art. 21 da lei da Ação Civil Pública [18], que afirma que são aplicáveis às ações nela fundadas as disposições processuais que estão no Código de Defesa do Consumidor. Não há qualquer dúvida, portanto, que o Art. 84 sustenta a possibilidade da tutela inibitória pura para a defesa de qualquer direito difuso ou coletivo.

É fácil perceber, pois, a relevância da tutela inibitória no âmbito das ações coletivas, especialmente no que concerne aos interesses relacionados ao meio ambiente e ao consumidor.

3.1 A TUTELA INIBITÓRIA COLETIVA DO MEIO AMBIENTE

A respeito da importância da tutela inibitória coletiva para a proteção do meio ambiente preleciona Luiz Guilherme Marinoni:

Para a demonstração da importância da tutela inibitória no plano dos direitos transindividuais, torna-se adequada a análise da tutela do meio ambiente, uma vez que este é um dos lugares em que a inefetividade da tutela ressarcitória evidencia-se de modo mais claro. Se é verdade que cresce em importância, nos últimos tempos, a reparação específica do dano ecológico, e que é necessária a responsabilização, ainda que pelo equivalente, daquele que agride o meio ambiente, o certo é que não se pode admitir, no campo do direito ambiental, a troca da tutela específica preventiva do bem tutelado pela tutela ressarcitória, [...]. Para que não ocorra a degradação do meio ambiente, é imprescindível a atuação preventiva e, assim, a tutela inibitória. [19]

É fundamental, portanto, prevenir o dano, não podendo se pensar apenas em mecanismos reparatórios em termos de responsabilidade civil em matéria ambiental, tendo em vista que muitas vezes o retorno do meio ambiente ao estado anterior é difícil, quando não impossível e demorado.

Questão interessante que surge na análise das tutelas inibitórias ambientais é o estudo de impacto ambiental (EIA), do qual insurge a problemática da tutela preventiva ante o controle dos atos pelo Poder Público.

A Constituição Federal de 1988 estabelece em seu artigo 225, § 1º, IV, sobre a obrigação do Estado em exigir, para a instalação de atividade potencialmente poluidora, o estudo prévio de impacto ambiental. A Resolução nº. 001/86 do CONAMA, por sua vez, enumera, exemplificativamente, as obras e atividades que são capazes de causar significativa degradação do meio ambiente, "cabendo ao administrador apreciar in concreto se a atividade ou obra para a qual se requer o licenciamento apresenta-se como potencialmente causadora de degradação do meio ambiente". [20]

Ressalte-se que da dicção do Art. 225 da Constituição Federal [21]depreende-se, claramente, que não há qualquer discricionariedade para a administração pública quanto a exigir ou não o estudo de impacto ambiental na hipótese de pedido de licenciamento de atividade ou obra potencialmente poluidora; sempre que o administrador se deparar diante de pedido de licença para obras ou atividades com estas características, não haverá espaço para qualquer subjetividade de sua parte quanto a exigir ou não o estudo. Por isso, diz-se que há a vinculaçãodo ato administrativo.

Por outro lado, sempre haverá no estudo do caso concreto situações intermediárias nas quais não se pode afirmar ao certo se determinada obra ou atividade tem potencial capacidade de degradar o meio ambiente. Isto porque o legislador, acertadamente, não enumerou taxativamente quais seriam especificamente as atividades ou obras que teriam este caráter, deixando ao administrador, discricionariamente, decidir sobre o caso concreto.

É fácil concluir, portanto, que há clara violação da legalidade na hipótese em que o órgão responsável pelo licenciamento ambiental dispensa o estudo prévio de impacto ambiental perante obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, esteja a obra ou atividade contida ou não no rol do Art. 2º da Resolução 001/86 do CONAMA. Nesta hipótese, estando, por exemplo, uma indústria prestes a se instalar, ou mesmo pronta para começar a operar, cabe a ação inibitória.

Outro aspecto interessante a ser abordado é a questão dos atos decorrentes da omissão do Poder Público. Na questão ambiental, estes atos omissos do Estado ganham relevo, tendo em vista que, o dever de preservação do meio ambiente é, constitucionalmente, coletivo, impondo-se, inclusive, ao próprio Poder Público. Assim sendo, pode-se recorrer à tutela inibitória sempre que a administração se omite em relação a seus deveres, deixando, por exemplo, de atuar através de medidas necessárias à proteção do meio ambiente.

Nesse sentido, Luiz Guilherme Marinoni:

Ora, se o meio ambiente é considerado bem de uso comum do povo, e se o Poder Público e a coletividade têm o dever de defendê-lo, não há razão para não se admitir que o Ministério Público – ou qualquer outro legitimado à ação coletiva – possa recorrer ao Judiciário para obrigar a Administração a agir, quando a sua atividade, prevista em lei, é essencial à preservação do meio ambiente. [22]

Não há que se falar, portanto, em discricionariedade do Poder Público em agir ou não diante de um ato ofensivo ao meio ambiente. Todas as faculdades e todos os poderes outorgados ao Poder Público não o são para que deles façam o uso que quiserem. Como lembra Celso Antônio Bandeira de Mello, "todos os poderes e faculdades de que eles dispõem têm uma finalidade serviente dos deveres que lhes são cometidos e só em nome do atendimento destes podem ser exercitados". [23] E isso aplica-se, evidentemente, às competências discricionárias.

Ainda sobre o tema, ensina Luiz Guilherme Marinoni:

Portanto, se a norma regula determinado comportamento da Administração de maneira discricionária, não é por simples opção entre assim fazê-lo ou fazê-lo vinculadamente. A lei não é ato aleatório. [24] Quando o legislador regula discricionariamente o comportamento da administração, é porque lhe era impossível prefigurar qual o comportamento da administrativo que melhor atenderia à finalidade da norma, pois de outra forma a lei certamente se expressaria em termos de vinculação do comportamento. Quando é possível ao legislador saber de antemão qual o comportamento que melhor atenderá à finalidade da norma, ele regula a matéria de forma vinculada e torna tal comportamento obrigatório. Só se regula determinada matéria discricionariamente quando não é possível saber qual o comportamento que melhor atenderá à finalidade legal, e, desta maneira, muito mais do que eventual liberdade de escolha, surge para o administrador o dever de atuar de forma que a finalidade da lei seja atendida, com a escolha da melhor solução possível diante do caso concreto. O administrador tem o dever jurídico de adotar, sempre, a melhor solução, porque como já se disse, exerce função [25]. [26]

Nota-se que não apenas o ato, mas também a omissão do Poder Público, no que concerne à matéria ambiental, gera a possibilidade de qualquer legitimado a ingressar com a ação inibitória coletiva ambiental. Sabe-se que para uma melhor gestão da coisa pública, é imprescindível uma participação mais intensa do cidadão no poder; não é por outra razão, como lembra Marinoni, "que a Constituição da República afirma, logo no § 1º, do seu Art. 1º, que ‘todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente’, nos termos da própria Constituição". [27]

É cediço que a tutela inibitória nem sempre é uma indicativa de um não fazer. De fato, percebe-se que muitas vezes no caso concreto uma conduta omissiva por parte do agente ofensor pode ser tão nociva ao meio ambiente quanto uma atitude comissiva.Nessas hipóteses, o instituto da tutela inibitória pode se revestir em uma obrigação de fazer, que acarrete um dever de abstenção. Por exemplo, traz-se à baila o caso de uma fábrica que tem o dever de não poluir o meio ambiente. Para haver a efetivação desse comando [abstenção de não poluir], pode-se impor à fábrica uma obrigação positiva, qual seja, instalar um filtro. Na verdade, o que se pretende impedir é a prática do ilícito, isto é, o não poluir. E isso poderá ser feita com a exigência de uma conduta comissiva ou omissiva, dependendo das circunstâncias do caso em concreto.

A tutela inibitória foi construída com o propósito de dar mais efetividade à proteção jurisdicional dos direitos difusos, especialmente concernentes ao meio ambiente, sendo certo que não se encontram respostas satisfatórias para a sua devida defesa na velha relação estabelecida entre a tutela do direito e a ação ressarcitória.

3.2 A TUTELA INIBITÓRIA NA DEFESA DOS DIREITOS DO CONSUMIDOR

A proteção do consumidor contra cláusulas abusivas é um dos mais importantes instrumentos de defesa do consumidor, em razão da multiplicação de contratos de adesão, concluídos com base nas cláusulas contratuais gerais.

Os contratos de adesão, em sua implementação de contratação em massa, trazem consigo as chamadas cláusulas gerais dos contratos, que têm sido largamente utilizadas em contratos bancários, de seguros, planos de saúde, consórcios, operadoras de telefonia, etc. Estas cláusulas, como lembra Nelson Nery Junior, "são marcadas pela ‘abstração’, o que significa que têm por fim permitir que qualquer pessoa possa a elas aderir, de modo que a contratação possa realmente se dar em larga escala". [28]

Em que pese a praticidade e economicidade de tal instituto, não restam dúvidas que estas cláusulas, por serem preestabelecidas pelo estipulante para que o consumidor [a parte mais fraca da relação contratual] as aceite sem prévia discussão, podem ser abusivas e, portanto, lesivas a seus direitos. A doutrina brasileira define as cláusulas abusivas como as notoriamente desfavoráveis ao consumidor, parte mais fraca na celebração do contrato.

O Art. 51 da Lei nº. 8.078/90 enumera, exemplificativamente, uma série de cláusulas abusivas, declarando-as nulas de pelo direito, até mesmo porque o próprio Art. 51, caput, alude a outras cláusulas que podem ser abusivas, mas também porque o seu inciso XV fala expressamente em cláusulas que "estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor". [29]

Se de acordo com o Art. 6º, IV, do Código de Defesa do Consumidor, constitui direito do consumidor a proteção contra "práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços" [30], é corolário que ele também tenha a tutela deste direito de forma preventiva, através da tutela inibitória coletiva.

Sempre é bom ressaltar que os contratos de adesão dizem respeito, em sua maioria, a produtos e serviços essenciais, o que lhes confere uma ampla relevância social. Sendo assim, forçoso seria concluir que o consumidor que necessita aderir a um plano de saúde, participar de um consórcio para adquirir sua casa própria ou contratar uma operadora de telefonia fixa ou celular, tenha que se submeter a uma cláusula flagrantemente abusiva para apenas depois ter a oportunidade de discuti-la em juízo. É obvio que uma tutela preventiva seria muito mais efetiva e satisfatória ao direito do consumidor.

Luiz Guilherme Marinoni assim aborda o tema:

Pouco adianta tratar das cláusulas abusivas sem se pensar em uma tutela coletiva inibitória capaz de impedir a sua difusão. Uma das questões mais atuais, em termos de tutela jurisdicional, nos países da Comunidade Européia, é justamente a da tutela que tem por fim inibir o uso de cláusulas gerais reputadas abusivas ao público consumidor. O Código Civil italiano, aliás, em razão da Diretiva 93/13 do Conselho das Comunidades Européias, "concernente às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores", recebeu, em fevereiro de 1996, uma norma (Art. 1.469-sexies) que confere legitimidade às associações e às câmaras de comércio, indústria, artesanato e agricultura para requerer tutela inibitória contra o uso de cláusulas gerais abusivas. [31]

Os Arts. 83 e 84 do Código de Defesa do Consumidor, que trazem a idéia de que o consumidor tem que ser protegido, através da tutela preventiva (Art. 5º, XXXV, CF, e Art. 6º, VI, CDC), contra o uso de cláusulas gerais abusivas (Art. 6º, IV, CDC), nos levam a concluir, portanto, que se afirme que os legitimados à ação coletiva (Art. 82, CDC) podem propor ação inibitória coletiva para coibir o uso de cláusulas gerais abusivas.


CONCLUSÃO

Os interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos nunca foram satisfatoriamente defendidos pelo sistema processual baseado unicamente na tutela repressiva. A tutela inibitória surgiu neste contexto. A partir de determinado momento em que ficou clara a necessidade de uma tutela autônoma preventiva, especialmente para a proteção de bens imateriais, tais como o direito a um meio ambiente equilibrado, surgiu inexoravelmente a ação inibitória coletiva. Trata-se de ação que não tem entre seus pressupostos o dano, mas, ao contrário, requer-se tão-somente a probabilidade da prática do ilícito, ou de sua repetição ou continuação; o dano eventualmente é configurado.

É certo que mais importante que a proteção dos direitos patrimoniais particulares é a defesa dos interesses coletivos, incluídos aí os direitos à higidez do meio ambiente e direitos do consumidor. O patrimônio material de um homem pode ser reconstruído; entretanto, o patrimônio imaterial representado pelos interesses coletivos e difusos [e, em alguns casos de direitos individuais homogêneos] que podem ser ofendidos indevidamente não se refaz com o simples ressarcimento do dano em pecúnia, conforme se pode concluir das correntes ações visando indenização a titulo de dano moral em uma tentativa de satisfazer seu direito violado, através de um determinado valor econômico.

Não existe mais espaço no ordenamento jurídico para o contentamento da doutrina e jurisprudência com o instituto da reparação. Embora o caminho a percorrer seja extremamente árduo – até porque exige-se que sejam revistos conceitos estanques, inclusive no que se refere à necessidade de reaproximar cada vez mais o direito material do direito processual – a doutrina e a jurisprudência possuem interesse em construir um Direito mais condizente com as necessidades modernas.

Por fim, conclui-se, ainda, que este instituto atende ao princípio constitucional do amplo acesso à justiça, porque ao Direito não deve interessar o ressarcimento – instrumento este único a fazer-se valer o demandante após ver o seu direito ofendido por ausência de uma ação genuinamente preventiva – mas sim a prevenção.


REFERÊNCIAS

ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela inibitória na vida privada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

______. Perfis da tutela inibitória coletiva. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. Temas atuais de direito processual civil – v. 6.

GRINOVER, Ada Pellegrini. A problemática dos interesses difusos. In: ______. (coord.) A tutela dos interesses difusos. São Paulo: Max Limonad , 1984.

MANCUSO. Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimação para agir. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

______. Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores (Lei 7.347/85 e legislação complementar). 5.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais: 1997.

MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória. – 3.ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

MAZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor e outros interesses difusos e coletivos. – 7.ed. rev., ampl. e atual. – São Paulo: Saraiva, 1995.

MILARÉ. Édis. Ação civil pública Lei 7.347/85 - 15 anos. (coord.) São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2001.

OLIVEIRA, Waldemar Mariz. A tutela jurisdicional dos interesses coletivos. In: GRINOVER, Ada Pellegrini (coord.) et al. A tutela dos Interesses Difusos. São Paulo: Max Limonad, 1984.

SOUZA, Motauri Ciocchetti de. Interesses difusos em espécie: temas de direito do consumidor, ambiental e da lei de improbidade administrativa. São Paulo: Saraiva, 2000.

STONOGA, Andreza Cristina. Tutela inibitória ambiental: a prevenção do ilícito. 1.ed. (ano 2003), 3. tir. Curitiba: Juruá, 2005.


Notas

  1. OLIVEIRA, Waldemar Mariz. A tutela jurisdicional dos interesses coletivos. In: GRINOVER, Ada Pellegrini. A tutela dos interesses difusos. (coord) et al. São Paulo: Masx Limonad, 1984.
  2. MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor e outros interesses difusos e coletivos. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 05.
  3. Ibid., p.06.
  4. Ibid., loc. cit.
  5. MAZZILLI, op. cit., p. 07.
  6. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Tutela dos interesses coletivos – difusos no direito brasileiro. Revista Jurídica, 192:5. apud. MAZZILI, op. cit., p.16.
  7. MAZZILLI, op. cit., p.16.
  8. Art. 9º da Lei nº. 7.347 de 24 de Julho de 1985. Lei da Ação Civil Pública.
  9. Lei da Ação Civil Pública, Art. 8º, § 1º.
  10. Constituição Federal, Art. 129, III.
  11. MAZZILLI, op. cit., p. 343.
  12. MAZZILLI, op. cit., p. 343.
  13. Artigo 11 da Lei nº. 7.347/85 in verbis: "Na ação que tenha por objeto o cumprimento específico de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente do requerimento do autor".
  14. Artigo 84 da Lei nº. 8.078/90 in verbis: "Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento."
  15. MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória. – 3.ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 92-93.
  16. Artigo 461, caput, do Código de Processo Civil.
  17. Artigo 90 da Lei nº. 8.078/90 in verbis: "Aplicam-se às ações previstas neste título as normas do Código de Processo Civil e da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, inclusive no que respeita ao inquérito civil, naquilo que não contrariar suas disposições".
  18. Artigo 21 da Lei nº. 7.347/85 in verbis: "Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor".
  19. MARINONI, op. cit., p. 94-95.
  20. Ibid., p. 97.
  21. Artigo 225, caput, da Constituição Federal in verbis: "Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações."
  22. MARINONI, op. cit., p. 102-103.
  23. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Discricionariedade e controle jurisdicional. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 13-14. apud MARINONI, op. cit., p. 104.
  24. BANDEIRA DE MELLO, op. cit., p. 14. apud MARINONI, op. cit., p. 104.
  25. BANDEIRA DE MELLO, op. cit., p. 14. apud MARINONI, op. cit., p. 104.
  26. MARINONI, op. cit., p. 104.
  27. Ibid., p. 106.
  28. NERY JUNIOR, Nelson. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, p. 290. apud MARINONI, op. cit., p. 111.
  29. Artigo 51, XV do Código de Defesa do Consumidor.
  30. Artigo 6º, IV do Código de Defesa do Consumidor.
  31. MARINONI, op. cit., p. 113.

Autores


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JACOB, Raphael Sergio Rios Chaia; BORRI, Gabriela Luciano et al. A tutela inibitória nas ações coletivas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2984, 2 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19921. Acesso em: 26 abr. 2024.