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O contrato de correspondente de instituição financeira e a natureza jurídica do vínculo de emprego: a ordem e a unidade do sistema jurídico

O contrato de correspondente de instituição financeira e a natureza jurídica do vínculo de emprego: a ordem e a unidade do sistema jurídico

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Os empregados das sociedades prestadoras de serviços de correspondente não possuem similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho com os bancários.

Resumo: Pretende analisar os reflexos jurídicos no âmbito do Direito do Trabalho da nova normatização atinente aos contratos de correspondentes no País, com foco específico na natureza jurídica do vínculo de emprego dos trabalhadores envolvidos na prestação dos serviços de correspondentes às instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil. Comenta a importância da unidade e da ordenação do sistema jurídico na realização de hermenêutica destinada ao correto enquadramento do vínculo de emprego dos trabalhadores envolvidos na prestação de serviços objeto dos contratos de correspondentes no País. Realiza análise comparativa das condições de vida oriunda do trabalho dos bancários e dos trabalhadores envolvidos na prestação dos serviços de correspondente, extraindo-se deste método, a prestigiar o princípio da primazia da realidade, o elemento determinante da natureza jurídica do vínculo de emprego bancário.

Palavras-chave: Sistema jurídico. Correspondente. Empregado. Direito Individual do Trabalho. Enquadramento sindical.

Sumário: 1 Introdução. 2 Aspectos relevantes do novo regramento do contrato de correspondente. 3 A ordem e a unidade do sistema jurídico. 4 Aspectos gerais sobre a natureza jurídica do vínculo de emprego.5O empregado bancário típico e o empregado do correspondente.6Os empregados das sociedades financeiras, das cooperativas de crédito, das corretoras de títulos e valores mobiliários e dos correspondentes. 7 O enquadramento sindical e os reflexos na questão dos correspondentes. 8 Conclusão


1 Introdução

A política governamental de expansão do crédito destinado à população de baixa renda, importante para a inclusão social desta parcela relevante do povo brasileiro, exigiu a adequação das normas que disciplinavam a contratação de correspondente no País por instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, o que se realizou, historicamente, através da Resolução nº 2.166 de 30 de junho de 1995.

É bem verdade, diga-se, que desde 1966, com a Resolução nº 29, já era possível às Sociedades de Crédito Imobiliário celebrar convênio com estabelecimentos bancários para se realizar a captação de depósitos a prazo. Em seguida, em 1973, houve a publicação da Circular nº 220, primeiro normativo do Banco Central do Brasil a trazer a expressão “correspondente”.. Em 1979, com a Resolução nº 562, facultou-se às sociedades de crédito, financiamento e investimento aceitar a representação de mutuários através de Instrumento de Mandato outorgado às sociedades prestadoras de serviços, com as quais as financeiras necessariamente deveriam ter contrato, a permitir os serviços de encaminhamento de pedidos de financiamento, análise de crédito e de cadastro, execução de cobrança amigável e outros serviços de controle, inclusive processamento de dados.

Desde então o relacionamento entre as instituições financeiras e as sociedades prestadoras de serviços para o cumprimento de determinadas atividades correlatas às privativas sofreu constante aprofundamento, na esteira da própria evolução tecnológica determinante para esta relação. O instituto do contrato de correspondente evoluiu através das Resoluções nºs 2.166/1995, 2.640/1999, 2.707/2000, 3.110/2003, 3.156/2003 e 3.654/2008, até a Resolução nº 3.954 de 24 de fevereiro de 2011 que neste trabalho será diretamente abordada.

Vale dizer, desde logo, que a Diretoria Colegiada do Banco Central do Brasil, quando da análise da matéria para a edição da última regulamentação em comento, fez um balanço extremamente positivo do instituto, na concretização do direito ao acesso ao Sistema Financeiro Nacional pelas pessoas de menor renda, em diversos municípios brasileiros que, até então, estavam desassistidos deste serviço indispensável para o exercício da própria cidadania.[1]

De qualquer forma, aos contratados, pela via do contrato de correspondente, foi franqueada a execução de uma série limitada de serviços, com especial atenção à recepção e encaminhamento de propostas de abertura de contas de depósitos à vista, a prazo e de poupança; o recebimento, pagamento e outras atividades decorrentes de convênios de prestação de serviços mantidos pelos correspondentes (em especial quanto ao pagamento de concessionárias de serviços públicos); e a recepção e encaminhamento de pedidos de empréstimos e de financiamentos, dentre outros. Com a prestação mais direta e dinamizada destes serviços, aspectos advindos de uma rede capilar de atendimento, maximiza-se o acesso da população ao Sistema Financeiro Nacional e, concomitantemente, propicia-se melhores condições aos interessados na obtenção de crédito e na aquisição de produtos financeiros.

A estrutura normativa, na vertente histórica, já previa uma relevante proibição, qual seja: a empresa prestadora dos serviços de correspondente (ou o terceiro substabelecido) não poderia manter como única atividade, ou mesmo a principal em concorrência com outras, a prestação dos serviços franqueados aos correspondentes, do que decorria o óbvio entendimento de que a ampliação de acesso da população ao Sistema Financeiro Nacional haveria por ocorrer através da comunhão de atividade econômica não-financeira, especialmente as comerciais, com a prestação de serviços de correspondente. Este aspecto deve ser destacado, desde já, por influir no entendimento adiante externado.

O fato é que a disponibilização de produtos financeiros pelos correspondentes, ainda que de forma indireta e extremamente limitada pela própria normatização vigente, com freqüência limitando-se à prestação de serviços de recebimento e encaminhamento de propostas, acarretou uma procura inesperada perante o Poder Judiciário pela via de pleitos de natureza trabalhista promovidos pelos empregados vinculados à prestação destes serviços de correspondente. Tratou-se, com similar freqüência, ora de pedido de declaração de vínculo de emprego de natureza jurídica de bancário diretamente com a instituição financeira contratante, ora de pedido de responsabilidade solidária desta instituição frente aos créditos trabalhistas, cumulado com requesto de enquadramento na categoria dos bancários independentemente de a atividade exercida pela empresa prestadora dos serviços ser, de modo preponderante, de ordem comercial.

Em verdade, a existência de inúmeras Súmulas do Tribunal Superior do Trabalho (TST) abordando determinadas e controvertidas hipóteses jurídicas atinentes à categoria dos bancários, por vezes em relação às próprias instituições financeiras, outras em relação às empresas de crédito, financiamento ou investimento, ou às cooperativas de crédito, não perfez balizamento jurisprudencial suficientemente hígido para dirimir, com esperado grau de segurança jurídica e previsibilidade, as causas desta natureza colocadas à apreciação da Justiça do Trabalho.

Aqueles que foram conclamados a viabilizar a abertura no Sistema Financeiro Nacional para o acesso da população de baixa renda aos serviços financeiros, aumentando a capilaridade do sistema, viram-se responsabilizados pelo pagamento dos créditos trabalhistas dos empregados que mantinham vínculo laboral com os correspondentes, não apenas atinentes aos créditos oriundos da relação trabalhista formalmente pactuada com o correspondente (normalmente comerciários), mas sim com o enquadramento na categoria dos bancários, mesmo havendo notória e juridicamente relevante distinção entre as tarefas desempenhadas por uma e por outra espécie de trabalhadores.

Neste cenário, em sessão de 24 de fevereiro de 2011, o Conselho Monetário Nacional resolveu alterar e consolidar as normas que dispõem sobre o contrato de correspondente no País, pela via da Resolução nº 3.954, revogando-se as Resoluções nºs 3.110/2003, 3.156/2003 e 3.654/2008. Esta Resolução foi alterada em alguns pontos pela Resolução 3.959 de 31 de março de 2011, pela Resolução nº 4.035 de 30 de novembro de 2011, pela Resolução nº 4.058 de 29 de fevereiro de 2012 e pela Resolução nº 4.114 de 26 de julho de 2012. De qualquer modo, a nova estrutura normativa, fincada no teor da Resolução nº 3.954/2011, traz uma série de relevantes alterações na ordem jurídica dos contratos de prestação de serviços de atividades de atendimento a clientes e usuários das instituições financeiras contratantes, com importantes regras que influenciam (ou deveriam influenciar), ainda que na apreciação do conjunto normativo enquanto sistema, a seara trabalhista.

O robustecimento da estrutura jurídica dos contratos de prestação de serviços de correspondentes bancários, com a imposição dos dispositivos da Resolução nº 3.954/2011 e alterações posteriores, deve acarretar, pela unidade e ordenação do sistema jurídico, adequada interpretação das normas aplicáveis à espécie quando da análise dos pedidos de declaração de vínculo de emprego diretamente com a instituição financeira contratante, bem assim com relação aos pedidos de enquadramento dos empregados dos correspondentes na categoria dos bancários.

As regras gerais de (e do) direito; a visão profunda que deve perpassar a análise dos princípios constitucionais; e a especial importância da unidade e da ordenação do sistema jurídico, sem prejuízo da utilidade advinda das aberturas sistêmicas do mesmo sistema; devem impingir ao aplicador do Direito o prestígio ao princípio da verdade real também em favor de uma análise adequada da natureza jurídica do vínculo de emprego do trabalhador vinculado à prestação de serviço de correspondente, pelas razões que adiante restarão expostas e com a conclusão que, ao final e de maneira humilde, se tentará estabelecer cientificamente.


2 Aspectos relevantes do novo regramento do contrato de correspondente

Como inicialmente mencionado, o instituto do contrato de correspondente evoluiu a partir da Resolução nº 29/66, Circular nº 220/73 e Resolução nº 562/79. À época, de fato, perfazia-se uma fase bastante embrionária do instituto, ainda fundada na outorga de Instrumento de Mandato entre o cliente que buscava a realização de operação de crédito e a sociedade de prestação de serviços que mantinha contrato diretamente com a sociedade de crédito, financiamento e investimento. A Resolução nº 2.166/1995 manteve praticamente intacta esta estrutura histórica, abrindo, vale dizer, a possibilidade desta contratação também para os bancos múltiplos com carteira de crédito, financiamento e investimento.

Neste ponto, é imprescindível indicar a redação dada ao §3º do artigo 1º da Resolução nº 2.640/1999, a qual estabeleceu os serviços passíveis desta modalidade de contratação nos nove incisos deste artigo 1º, os quais ficariam, salvo pequenas alterações, perpetuados nas demais normas seguintes:

Art. 1º. ...

I - recepção e encaminhamento de propostas de abertura de contas de depósitos à vista, a prazo e de poupança;

II - recebimentos e pagamentos relativos a contas de depósitos à vista, a prazo e de poupança, bem como a aplicações e resgates em fundos de investimento;

...

Parágrafo 3º Os serviços previstos nos incisos I e II somente podem ser prestados em município desassistido de agência bancária, Posto de Atendimento Bancário (PAB) ou Posto Avançado de Atendimento (PAA), devendo a instituição financeira contratante, na hipótese de instalação de qualquer daquelas dependências na localidade, adotar providências para que a empresa contratada deixe de prestar referidos serviços no prazo de 180 dias.

Nitidamente percebe-se a intenção de toda a estrutura de comando que estabeleceu a figura do contrato de correspondente, sempre na perspectiva de facilitar o acesso da população em geral ao Sistema Financeiro Nacional.

A evolução passou pela redação conferida pela Resolução nº 2.707/2000, até chegar na Resolução nº 3.110/2003, alterada pelas Resoluções nºs 3.156/2003 e 3.654/2008, cuja redação básica permaneceu em vigor por quase 8 anos, até o advento da Resolução nº 3.954 de 24 de fevereiro de 2011, que revogou todos os normativos anteriores.

A Resolução nº 3.954 de 24 de fevereiro de 2011 (“Resolução consolidada vigente”) trouxe uma série de relevantes alterações na estrutura jurídica dos contratos de prestação de serviços de atividades de atendimento a clientes e usuários das instituições financeiras contratantes, as quais refletirão em todos os aspectos jurídicos da vida empresarial dos contratados, mediante novas imposições jurídicas escalonadas nos termos das normas de vigência previstas no artigo 22 da Resolução vigente. Entretanto, de ímpar relevância ao presente trabalho são as normas que impactam, indiretamente, na seara laboral, as quais, pela limitação imposta pelo próprio objetivo deste trabalho, serão as únicas aqui comentadas acerca da Resolução vigente.

Um primeiro aspecto que carece detida apreciação está previsto no §2º do artigo 3º da Resolução consolidada vigente, ao se ter proibido, em regra, a contratação de entidade cujo objetivo principal seja a prestação de serviços de correspondente. A importância deste primeiro aspecto para o presente trabalho reside justamente no fato de que o correspondente deve explorar outras atividades em caráter preponderante em relação aos principais serviços de correspondente, do que se conclui que haverá, em regra, exploração de atividade econômica totalmente distinta dos serviços regulados e fiscalizados pelo Banco Central do Brasil, com a participação direta de empregados afeitos a estas atividades outras, não regidas pela Resolução consolidada vigente. O empregado que desempenhar as tarefas necessárias para a consecução das atividades principais será, com freqüência, responsável também pela realização das atividades permitidas por força do contrato de correspondente.

Vale dizer que as empresas que tenham como atividade principal a de correspondente, não poderão prestar os serviços previstos nos incisos I, II, IV e VI do art. 8º da Resolução consolidada vigente, que denotam justamente o cerne das atividades que configuram a natureza jurídica das instituições financeiras, qual seja: a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros e a custódia de valor de propriedade de terceiros, nos termos do art. 17 da Lei 4.595/64.

Portanto, seja, por exemplo, sociedade empresária que se dedique à revenda de veículos automotores ou outros bens de interesse da população em geral, seja qualquer outra sociedade que tenha por intenção agregar aos seus serviços principais a facilidade advinda da prestação dos serviços de correspondente, o fato inquestionável nestas hipóteses é que a busca pelos serviços de natureza não financeira ou pela comercialização do produto principal do contratado será o elemento primordial, determinante mesmo,de atração do cliente ou usuário dos serviços de correspondente, estes na qualidade de acessórios daqueles.

A exigida preponderância dos serviços não-financeiros e/ou de comercialização de produtos em relação aos serviços de correspondentes, e a atual vedação (art. 6º da Resolução consolidada vigente) à utilização do modelo empresarial regido pela Lei 8.955, de 15 de dezembro de 1994, conhecida como Lei de Franquias, para o estabelecimento dos contratos de correspondentes, já demonstram que os serviços prestados pelos correspondentes são adicionais, acessórios, dispensáveis e meramente complementares em relação à atividade econômica principal do contratado. O objeto social preponderante não poderá ser, em regra, a prestação de serviços de correspondente quando se estiver transferindo aqueles serviços típicos das instituições financeiras, tais como recepção e encaminhamento de propostas de abertura de contas, realização de recebimentos, pagamentos e transferências eletrônicas visando a movimentação de contas de depósito, execução ativa e passiva de ordens de pagamento e o recebimento e pagamento relacionado a letras de câmbio de aceite da instituição contratante. Será o comércio ou a prestação de outros serviços, indubitavelmente.

Esta proibição não abrange as atividades de (i) recebimentos e pagamentos de qualquer natureza, e outras atividades decorrentes da execução de contratos e convênios de prestação de serviços mantidos pela instituição contratante com terceiros (art. 8º, inc. III, da Resolução consolidada vigente); (ii) recepção e encaminhamento de propostas referentes às operações de crédito e arrendamento mercantil (art. 8º, inc. V, da Resolução consolidada vigente); (iii) recepção e encaminhamento de propostas de fornecimento de cartões de crédito de responsabilidade da instituição contratante (art. 8º, inc. VIII, da Resolução consolidada vigente); e (iv) realização de operações de câmbio de responsabilidade da instituição contratante (art. 8º, inc. IX, da Resolução consolidada vigente), sendo certo que este último serviço, de câmbio, efetivamente surgiu como inovação no rol dos serviços cujo desempenho tornou-se franqueado aos correspondentes.

A primeira exceção refere-se aos serviços de recebimentos e pagamentos de qualquer natureza, e outras atividades decorrentes da execução de contratos e convênios de prestação de serviços mantidos pela instituição contratante com terceiros, não encerra propriamente um serviço típico bancário. O recebimento e pagamento de qualquer natureza, com o conseguinte repasse à instituição financeira contratante não impõe ao trabalhador envolvido nesta atividade o exercício das atividades atinentes aos bancários típicos.

Por outro lado, a recepção e encaminhamento de propostas referentes às operações de crédito e de arrendamento mercantil de concessão da instituição contratante (art. 3º, §2º c/c ao art. 8º, inc. V, ambos da Resolução consolidada vigente) deve ser analisada à luz da própria limitação do escopo do serviço prestado, vez que a permissão aos correspondentes limita-se apenas à recepção e encaminhamento das propostas de operações de crédito e de arrendamento mercantil, não se verificando a realização de efetiva operação de crédito diretamente pelo correspondente, a qual se realiza, sempre, sob conta e ordem da instituição contratante.

Aliás, mesmo na hipótese de o correspondente realizar a antecipação/liberação do valor da operação ao cliente (o que é permitido apenas quando se tratar de comercialização de produto fornecido pelo próprio correspondente), deve haver imediato reembolso pela instituição contratante, a ser feito necessariamente no mesmo dia da antecipação (art. 11, inc. IV, da Resolução vigente), o que denota a total independência do contratado em relação ao fluxo financeiro advindo da instituição contratante para o cliente.

A terceira exceção, que existia apenas na redação originária da Resolução nº 3.954/2011, tratava da execução de serviços de cobrança extrajudicial relativa a créditos de titularidade da instituição contratante ou de seus clientes (art. 3º, §2º c/c ao art. 8º, inc. VII, ambos da Resolução consolidada vigente), sendo certo que foi revogada pela Resolução nº 3.959/2011. Esta hipótese não impingia maior dificuldade na manutenção do entendimento de que o serviço principal, não-financeiro, é preponderante, vez que o serviço de cobrança extrajudicial não está limitado ao âmbito do mercado financeiro e suas atividades privativas, o que acarreta, não de outra maneira, a compreensão de que os empregados ligados a esta atividade exercem tarefas similares - senão idênticas - às desempenhadas por qualquer outro trabalhador de empresa de cobrança, seja de créditos oriundos de operações privativas das instituições financeiras seja de qualquer outro crédito, então de natureza civil ou comercial.

A quarta exceção é relativa à recepção e encaminhamento de propostas de fornecimento de cartões de crédito de responsabilidade da instituição financeira (art. 3º, §2º c/c ao art. 8º, inc.VIII, ambos da Resolução consolidada vigente). Da mesma forma se aplica o entendimento de que a atividade está limitada à recepção e encaminhamento das propostas, afigurando-se, meramente, atividade de escritório e gestão de documentos e controle de fluxo de informações. Nada de atividade bancária reside neste ponto, sendo certo que toda a operação de cartão de crédito será gerida, diretamente, pela instituição financeira.

A quinta exceção é atinente às operações de câmbio (art. 3º, §2º c/c ao art. 8º, inc. IX, ambos da Resolução consolidada vigente).Vale dizer que tais operações limitam-se (i) à compra e venda de moeda estrangeira em espécie, cheque ou cheque de viagem até o patamar de US$ 3.000,00, ou o equivalente em outras moedas, por operação; (ii) execução ativa ou passiva de ordem de pagamento relativa a transferência unilateral do ou para o exterior; ou (iii) recepção e encaminhamento de propostas de operação de câmbio.

A mera possibilidade de se contratar os serviços de correspondente, com exclusividade, para prestação de serviços de câmbio regidos pelo Regulamento do Mercado de Câmbio e Capitais Estrangeiros (RMCCI), não pode ser entendida como vedação a que os empregados envolvidos nesta atividade desempenhem tarefas atreladas às outras atividades principais notórias, seja a atividade de turismo, seja vinculada à ECT, seja as adstritas às casas lotéricas. Na hipótese de a atividade ser prestada por outra instituição financeira, na qualidade de correspondente, então a questão abordada neste trabalho não faz sentido algum, porque o trabalhador envolvido na prestação dos serviços já será um típico bancário.

O segundo aspecto que vale ser apontado está previsto no inciso I do artigo 10 da Resolução consolidada vigente, no tocante à obrigatoriedade de o correspondente manter relação formalizada de vínculo empregatício ou de qualquer outra natureza com os envolvidos na prestação de serviços regidos pela Resolução vigente, ainda que referida obrigatoriedade decorra, inequivocamente, de outras disposições legais de natureza laboral e de caráter cogente. De qualquer forma, afigura-se relevante a preocupação do Conselho Monetário Nacional no sentido de que haja formalização do vínculo contratual, seja de natureza trabalhista seja de natureza cível, e que o descumprimento desta obrigação possa acarretar as penalidades previstas na própria Resolução consolidada vigente, sem prejuízo da eventual discussão, de cunho laboral, para se obter declaração de vínculo de emprego com a empresa contratada.

Além disso, há também um terceiro aspecto importante nesta nova estruturação normativa dos contratos de correspondentes, cujo destaque deriva dos próprios reflexos face aos consumidores dos serviços prestados pelos contratados. O aspecto reside na vedação à utilização de instalações cuja configuração arquitetônica, logomarca e placas indicativas sejam similares às adotadas pela instituição contratante em suas agências e postos de atendimento. Nesta esteira, impôs-se aos contratados a divulgação ao público em geral de sua condição de prestador de serviços à instituição contratante, inclusive com expressa indicação dos produtos e serviços prestados, através de painel visível mantido nos locais da prestação dos serviços, além daadoção de outras formas necessárias para o efetivo esclarecimento neste sentido ao público.

O disposto no inciso II do artigo 11 da Resolução consolidada vigente milita neste mesmo sentido, de efetiva e concreta informação a ser transmitida aos clientes e usuários acerca da separação entre as atividades exploradas, como atividade principal e secundária e a distinção entre a estrutura jurídica do contratado, na qualidade de correspondente, e a da instituição contratante, vez que é obrigatória, além das distinções de ordem arquitetônica e de marca, a utilização de crachá pelos integrantes da equipe do correspondente expondo aos clientes e usuários a denominação do contratado, o nome e o número do Cadastro de Pessoa Física (CPF) do atendente.

Logo, deduz-se que os clientes e usuários que venham a se utilizar dos serviços prestados não serão tolhidos do amplo entendimento advindo da efetiva prestação de informações, tanto quanto suficiente for, a partir das quais a conclusão será, inquestionavelmente, pela total independência entre as atividades das pessoas jurídicas envolvidas, ainda que tais atividades sejam complementares, sempre na busca por atender ao objetivo maior, qual seja a ampliação do acesso aos serviços bancários e ao crédito. Pelos trabalhadores, resulta inexorável, esta distinção entre a instituição contratante e o correspondente também será notada desde o momento em que o trabalhador - na busca do emprego, por exemplo – venha a adentrar ao estabelecimento do correspondente, como aconteceria com qualquer cliente ou usuário. O empregado sabe, portanto, por quem está sendo contratado e em favor de quem prestará seus serviços.

Por fim, especificamente no tocante ao serviço de recepção e encaminhamento de propostas referentes a operações de crédito e de arrendamento mercantil de concessão da instituição contratante quando prestado em concomitância à comercialização de bens e serviços fornecidos pelo próprio correspondente, impõe-se destacar que há regramento inovador e detalhado acerca da certificação de empregados do contratado por entidade de reconhecida capacidade técnica (art. 12 da Resolução consolidada vigente), quem será responsável perante a instituição contratante pelo atendimento prestado no estabelecimento do contratado.

A certificação deverá abordar aspectos técnicos das operações, bem assim a regulamentação aplicável à espécie, o Código de Defesa do Consumidor, ética e ouvidoria, do que se conclui que esta capacitação guindará estes profissionais a certo patamar de conhecimento técnico sem dúvida superior em comparação aos demais envolvidos na operação, seja na comercialização dos próprios bens ou serviços não-financeiros, seja na prestação dos serviços objeto do contrato de correspondente. A simples recepção e encaminhamento de propostas de operações de crédito são serviços que não podem ser equiparados aos desempenhados pelo profissional capacitado para responder perante a instituição contratante pelos serviços financeiros prestados no estabelecimento do contratado.

A diferenciação entre o profissional capacitado e responsável perante a instituição contratante e os demais empregados envolvidos na operação é medida que se impõe, em especial no tocante ao enquadramento da espécie de vínculo de emprego de cada qual. Ademais, o profissional capacitado nos termos acima mencionados deverá ser identificado à instituição contratante quando do envio da documentação de proposta de operação de crédito ou arrendamento mercantil, de forma a viabilizar, rápida e diretamente, a identificação e responsabilização por eventuais problemas na operação individual em questão. Há, portanto, a transferência efetiva de responsabilidade, ínsita às operações de crédito praticadas pela instituição contratante, ao profissional capacitado nos termos do art. 12 da Resolução consolidada vigente. Isso é um fato novo que não poderá ser desconsiderado pela Justiça do Trabalho.

A exigência desta capacitação de profissional envolvido nas operações de crédito e de arrendamento mercantil, que deverá ser de um profissional, no mínimo, por ponto de atendimento, além da obrigatoriedade de remeter os dados deste profissional juntamente com o encaminhamento da proposta de operação de crédito ou arrendamento mercantil, terá vigência após 3 anos da data de publicação da Resolução consolidação vigente, conforme disposto no inciso I do art. 22 desta mesma Resolução. O prazo é suficiente para os contratados adaptarem suas equipes de trabalho e, também, para a compreensão pelos membros da Justiça do Trabalho acerca da diferença real entre as tarefas e responsabilidades de uma espécie e a outra de trabalhador.

Esta compreensão acerca das diferenças entre as espécies de trabalhadores envolvidos na prestação de serviços de bancário, de correspondente vinculado às operações de crédito e de arrendamento mercantil e dos demais empregados dos correspondentes exige-se pela própria natureza do sistema jurídico brasileiro, da ordem jurídica melhor dizendo, donde não se permite uma interpretação em favor dos obreiros sem a consideração, sistêmica, das demais normas do sistema, justamente pelo princípio de se apresentar como uma Ordem e possuir Unidade, conforme adiante restará demonstrado.


3 A ordem e a unidade do sistema jurídico

É assente de dúvida na teoria jurídica moderna que o chamado jusnaturalismo contribuiu sobremaneira para a conceituação de sistema e, do gênero, à espécie sistema jurídico. O pensamento sistemático sustenta, filosoficamente, o próprio ideal clássico de ciência, adquirido a partir dos séculos XVII e XVIII, de forma que a teoria jurídica européia, à época uma teoria de mera leitura e interpretação de textos “passa a receber um caráter lógico-demonstrativo de um sistema fechado, cuja estrutura dominou e até hoje domina os códigos e os compêndios jurídicos”, como assevera Helmut Coing (in FERRAZ JUNIOR, 2010, p. 43).

Neste mesmo sentido, a fim de demonstrar cientificamente a relação entre o conceito de sistema e a direito natural, prossegue o Professor Tercio Sampaio Ferraz Junior (2010, p.43), ao aduzir:

Numa teoria que devia legitimar-se perante a razão por meio da exatidão lógica da concatenação de suas proposições, o direito conquista uma dignidade metodológica especial. A redução das proposições a relações lógicas é pressuposto óbvio da formulação de leis naturais, universalmente válidas, a que se agrega o postulado antropológico que vê no homem não um cidadão da cidade de Deus, ou, como no século XIX, do mundo histórico, mas um ser natural, um elemento de um mundo concebido segundo leis naturais.

Deriva-se desta visão do homem como um ser natural, vivendo em um mundo regido por leis naturais (este tal “postulado antropológico” mencionado pelo Professor Tercio) a importância da conformação do ideal de sistema aos caracteres da ordenação e da unidade. É a preocupação em fortalecer a defesa do homem do próprio homem que impõe, pela via inicial do direito natural, a necessidade de estabelecimento de um sistema lógico, ordenado e unitário do Direito. A saída do homem do estado de natureza e o seu conseguinte desenvolvimento social, cultural, econômico e político no sentido de se estabelecer um estado de ordem, estado da lei, fosse ele decorrente da necessidade de se superar o pecaminoso estado de natureza no entendimento hobbesiano, fosse ele necessário para o pleno gozo dos direitos individuais mesmo depois de instituído o governo civil, conforme pensamento lockeano, o fato é que o estado almejado pelo homem exigia um sistema jurídico uno e ordenado, base do próprio Estado de Direito.

A convivência de normas jurídicas aparentemente contrapostas no bojo do sistema estruturado pelos princípios gerais de direito, sem se olvidar das lacunas no próprio sistema jurídico, bem assim os conceitos dos institutos jurídicos mutuamente relacionados, carece da sistematização e da ordenação do sistema jurídico, de modo a permitir o estabelecimento da melhor decisão jurídica possível ao caso concreto, a partir da imersão da controvérsia no meio difuso do próprio sistema. Distante da visão estanque e sectária, milita-se pela visão sistêmica, imprescindível para a compreensão adequada da parte em relação ao todo, em especial no caso do sistema jurídico.

Falando da ordenação do sistema, Claus-Wilhelm Canaris (2008, p. 12) ministra que “pretende-se, com ela – quando se recorra a uma formulação muito geral, para evitar qualquer restrição precipitada – exprimir um estado de coisas intrínseco racionalmente apreensível, isto é, fundado na realidade.”. Já no que se refere à unidade do sistema, Canaris menciona que “este factor modifica o que resulta já da ordenação, por não permitir uma dispersão numa multitude de singularidades desconexas, antes devendo deixá-las reconduzir-se a uns quantos princípios fundamentais.” (2008, p. 13). Conclui-se, portanto, que a relevância da ordenação e da unidade do sistema jurídico não reside na análise preliminar e descritiva do próprio sistema, mas sim na realização da própria hermenêutica jurídica, quando da obtenção dos valores que permeiam o próprio sistema.

Esta análise racional para a extração dos valores do próprio sistema, na medida de sua ordenação e unidade, é também importante fundamento da chamada teoria da constituição, quando do estudo aprofundado da hermenêutica constitucional, conforme bem assevera o Ministro Gilmar Ferreira Mendes (2007, p 4), que aduz:

Como, por outro lado, toda pré-compreensão possui algo de irracional porque, entre outros fatores que a determinam, ela se funda em pré-juízos, pré-suposições ou pré-conceitos – idéias-crenças ou evidências não refletidas, no sentido em que Ortega y Gasset as distinguia das idéias propriamente ditas, porque só estas resultam da nossa atividade intelectual -, em razão disso torna-se necessário racionalizar, de alguma forma, a pré-compreensão, o que se obterá pela reflexão crítica levada a cabo pela teoria da Constituição. Por isso, também constitui tarefa importante da teoria constitucional submeter a pré-compreensão da Constituição ao tribunal da razão, em ordem a distinguirmos ou pelo menos tentarmos distinguir os pré-juízos legítimos dos ilegítimos, os falsos dos verdadeiros e, assim, alcançarmos uma compreensão da Lei Fundamental, se não verdadeira, pelo menos constitucionalmente adequada.

Vê-se, pois, que a reflexão sistemática do ordenamento jurídico milita em favor da aplicação do direito, inclusive estribando a própria teoria da constituição e não permanece inerte na concepção meramente acadêmica do Direito, no exato entendimento também externado por Mario G. Losano (2010, p. 320), ao asseverar que:

O sistema não é, portanto, apenas um guia ao conhecimento do direito (nisso consiste, exatamente seu “descrever”, que é sua tarefa clássica), mas é também um guia para o agir na aplicação do direito: nisso consiste seu “realizar” o valor próprio do sistema, aplicando-o ao caso concreto.

Logo, torna-se compreensível que a ordem e a unidade no sistema jurídico favorecem a previsibilidade e a estabilidade das relações jurídicas, configurando-se a própria segurança jurídica, vez que esta última decorre do próprio pré-estabelecimento deste verdadeiro guia para o agir na aplicação do direito, conforme ministra Losano, não se objetivando, com isso, que o sistema jurídico tenha o caractere da completude. Justamente neste ponto impõe-se, para ceifar qualquer dúvida acerca da importância da ordenação e da unidade do sistema normativo, o superior entendimento de Miguel Reale (1968, p. 79), que ministra:

A norma jurídica, assim como todos os modelos jurídicos, não pode ser interpretada com abstração dos fatos e valores que condicionaram o seu advento, nem dos fatores e valores supervenientes, assim como da totalidade do ordenamento em que ela se insere, o que torna superados os esquemas lógicos tradicionais de compreensão do direito (elasticidade normativa e semântica jurídica). (grifo nosso)

Reflete-se a importância destas conceituações no objeto do presente trabalho porque a busca pelo adequado enquadramento da natureza jurídica do vínculo de emprego dos trabalhadores envolvidos na prestação dos serviços de correspondentes de instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil depende, intrinsecamente, desta análise crítica realizada a partir do entendimento de que o sistema normativo brasileiro possui ordenação e unidade, do que se deflui que a verificação dos valores de fundo necessários para a hermenêutica jurídica exige esta visão global, impedindo ao intérprete a adoção de perspectiva sectária e restrita a uma determinada porção, limitada, pois, do ordenamento.

O normativo do Banco Central do Brasil aqui abordado é relevante e também norma integrante do sistema jurídico, quando se for averiguar as condições pelas quais a contratação de correspondente pode ser realizada e, neste sentido, os serviços cuja prestação é facultada aos contratados e seus empregados, tudo a permitir a correta limitação das tarefas efetivamente desempenhadas pelos trabalhadores, sem se descurar do princípio da primazia da realidade. Não se está aduzindo que o normativo tenha regência na seara do Direito do Trabalho, a ponto de definir a natureza jurídica do vínculo. É norma secundária em relação à própria área de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, não reformando, claro, normas trabalhistas que, naturalmente, possuem caráter cogente.

Entretanto, o que não se pode admitir é a apreciação descolada da própria realidade fática na qual se insere o empregado, afastando-se sumariamente o normativo aplicável e, pelo simples fato de haver na estrutura do instituto de correspondente uma instituição financeira ou demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, decidir-se pelo enquadramento de todos os empregados na categoria profissional dos bancários.

Retomando o entendimento de Canaris (2008, p. 23), temos que “o papel do conceito de sistema é, no entanto, como se volta a frisar, o de traduzir e realizar a adequação valorativa e a unidade interior da ordem jurídica.” Ora, esta falada adequação valorativa depende deste pensar ordenado e unitário, longe de sectarismo e corporativismo, na busca pela melhor decisão possível ao caso concreto, ainda que a norma verificada não seja de regência da área em apreço.

O Banco Central do Brasil, claro, não editou norma que regulamente a natureza jurídica do vínculo empregatício entre os colaboradores e o correspondente, ou entre os colaboradores e a própria instituição financeira. Mas a norma existe e erradia seus efeitos jurídicos in totum, vez que está inclusa regularmente no sistema normativo, que é uno.


4 Aspectos gerais sobre a natureza jurídica do vínculo de emprego

A vontade decorrente do próprio exercício da liberdade dos contratantes sempre foi aspecto cuja relevância é controvertida na conceituação da natureza jurídica do contrato individual de trabalho. Na área cível, a autonomia da vontade é elemento determinante quando do nascimento do vínculo jurídico, o que na seara trabalhista foi objeto de profundo debate. Disso decorreu o desenvolvimento das antagônicas teses contratualistas e acontratualistas, sendo certo que desta última desdobravam-se as vertentes da teoria da relação de trabalho e da teoria institucionalista.

Não há dúvida de que as duas teorias assentadas no seio da tese acontratualista tiveram sua importância histórica para a discussão da natureza jurídica do contrato de trabalho, em especial quanto ao aspecto da prestação material dos serviços, elemento que se situa no centro da teoria da relação de trabalho. A verificação concreta da prestação dos serviços em favor do empregador seria, então, o elemento determinante para a conceituação da natureza jurídica do contrato individual de trabalho, independentemente da vontade das partes, apresentando-se a relação de trabalho como mera situação jurídica de caráter objetivo.

Na América Latina, o doutrinador Mario de La Cueva foi o bastião desta linha de entendimento, em que pese ter o notável jurista atribuído relativa importância também à teoria contratualista na formação inicial do vínculo de emprego. É que alguns fatos ocorridos antes do início da prestação efetiva dos serviços possuem relevância jurídica, estabelecendo obrigações de parte a parte, do que se deve concluir que, mesmo não havendo ativação no posto de trabalho, já deveria existir algum liame a justificar determinada responsabilização. De qualquer forma, este processo dialético permitiu o posicionamento da doutrina a partir de uma visão global da situação jurídica do empregado face ao empregador, mesclando na análise crítica a vertente contratual com a não contratual, na abordagem da realidade fática, conforme bem asseveram Orlando Gomes e Elson Gottschalk (1979, p. 206):

A distinção entre relação e contrato, embora forneça razoável explicação da aplicação dos ‘efeitos comuns’ e dos ‘efeitos específicos’ do contrato, não é substancial. Significa, em verdade, uma exageração da diferença entre aspectos de uma só e mesma realidade. O contrato é, com efeito, o aspecto subjetivo de um fato que se objetiva na relação. Ora, o problema consiste justamente em saber se esse aspecto subjetivo pode ser eliminado, e não em se acentuar que difere do aspecto objetivo. Se os efeitos específicos, típicos do contrato de trabalho, derivassem exclusivamente do fato da prestação de serviço, o contrato seria uma superfetação. Tal não ocorre, todavia, visto como as obrigações específicas nascem no momento da execução como uma derivação do momento contratual. Por conseguinte, o simples acordo de vontades produz, por si só, os efeitos jurídicos, obrigando os contraentes.

Percebe-se, portanto, que a relevância está menos na determinação simplista de qual teoria é preponderante, e mais na compreensão sistemática de ambas, cada qual fornecendo elementos preciosos para o estudo da relação jurídica de emprego. Nesta linha de entendimento, é inquestionável a contribuição da teoria da relação de trabalho, comumente chamada de teoria do contrato-realidade, para o desenvolvimento do princípio da primazia da realidade no Direito do Trabalho, ampliando-se a verificação concreta da situação jurídica para além dos limites do contrato escrito, afastando-se, com razão, da rigidez formal advinda da teoria contratualista de notóriaorigem civilista que, hoje, inclusive nas relações civis, tem sofrido reais limitações pela função social do contrato e pelos princípios de probidade e da boa-fé objetiva.

Vê-se a existência desta visão híbrida, e que por isso mesmo trouxe efetiva imperfeição de conceito resultando em verdadeira redundância, na própria cabeça do artigo 442 da Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943 - CLT), que aduz:

Art. 442. Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego.

Não se pode negligenciar, feito o destaque da importância da vertente do contrato-realidade, que a natureza jurídica do vínculo de emprego é mesmo contratual, com as limitações impostas à autonomia da vontade pela própria evolução ideológica da visão, inicialmente liberal, para um foco social e relativamente intervencionista do Estado, especialmente quando se tratarda proteção de garantias mínimas aos trabalhadores. As limitações impostas pela própria ordenação do sistema jurídico à liberdade das partes na celebração do contrato, que se reflete na declaração da vontade, não é de modo algum impedimento para a adoção, feitas as ressalvas devidas, da teoria contratualista, como magistralmente ministra A. F. Cesarino Jr. (1970, p. 31):

Com efeito, para o conceito de contrato, o elemento essencial reside de fato na liberdade do consentimento para a constituição da relação e não na liberdade do consentimento para a determinação do conteúdo da relação; de resto, o conteúdo de toda relação contratual é sempre mais ou menos limitado por normas imperativas e, além dos já vistos, se poderiam citar muitos contratos, por exemplo, o de seguro, em que a autonomia individual sofre limitações muitas vezes superiores às sofridas no contrato individual de trabalho.

Afigura-se, pois, indubitável que a análise do correto enquadramento do vínculo de emprego mantido pelos empregados envolvidos na prestação de serviços objeto de contrato de correspondente impõe a conformação da estrutura contratual básica mantida entre as sociedades empresárias exploradoras dos serviços de correspondente com seus próprios empregados (aspecto contratual) pela análise da realidade fática, na ótica da teoria do contrato-realidade. É a conjugação do aspecto contratual com a realidade fática na qual se inserem estes trabalhadores (aspecto da primazia da realidade) que permitirá a melhor decisão possível, sem se olvidar das disposições regulamentares que regem, imperativamente, os contratos de correspondentes. Trata-se de uma abordagem, a partir do princípio da primazia da realidade, direcionada à proteção dos empregados envolvidos sem se descurar dos limites impostos pelo próprio sistema normativo, sempre na busca da extração de diretriz axiológica insculpida na norma, conforme milita o Ministro Maurício Godinho Delgado (2009, p. 193):

O princípio da primazia da realidade sobre a forma constitui-se em poderoso instrumento para a pesquisa e encontro da verdade real em uma situação de litígio trabalhista. Não deve, contudo, ser brandido unilateralmente pelo operador jurídico. Desde que a forma não seja da essência do ato (ilustrativamente, documento escrito para a quitação ou instrumento escrito para contrato temporário), o intérprete e aplicador do Direito deve investigar e aferir se a substância da regra protetiva trabalhista foi atendida na prática concreta efetivada entre as partes, ainda que não seguida estritamente a conduta especificada pela legislação. (grifo do autor)

A atividade decorrente da própria visão de sistema jurídico no sentido de traduzir e realizar a adequação valorativa e a unidade interior da ordem jurídica, nas palavras de Canaris já citado inicialmente, exige esta abordagem ampla da natureza jurídica do vínculo de emprego, sempre agregando ao liame contratual o aspecto fático, precisamente a partir de uma análise criteriosa das tarefas desempenhadas comumente pelos trabalhadores envolvidos, investigando e aferindo se a substância da regra protetiva trabalhista foi atendida na prática concreta efetivada entre as partes (DELGADO, 2009, p. 193).

Aliás, a busca pela verdade real, corolário do próprio princípio da primazia da realidade, é pilar estrutural de todo o Direito do Trabalho, conforme menciona o Professor Doutor Nelson Nazar (2007, p. 102) ao afirmar que “o direito do trabalho está fincado na regra da busca da chamada verdade real. Devem ser envidados todos os esforços para que apareça a verdadeira situação existente, derrubando-se a falsa máscara às vezes montada.”

Se, por um lado, é freqüente a aplicação do poderoso princípio da primazia da realidade para se afastar estruturas jurídicas que acobertam vínculos espúrios, por outro lado também há de ser aplicado o princípio para analisar a real situação do obreiro no seio da prestação de serviços de correspondente bancário, ainda que esta análise milite pela manutenção do trabalhador no enquadramento de comerciário, já que suas atividades decorrem da atividade principal do contratado.


5 O empregado bancário típico e o empregado do correspondente bancário

A CLT divide-se em onze Títulos que consubstanciam o cerne da legislação de proteção ao trabalhador brasileiro, além do Título VI-A, que estabeleceu as Comissões de Conciliação Prévia, e da legislação extravagante. O Título II apresenta as normas gerais de tutela do trabalho. Já o Título III estabelece as normas especiais de tutela, sendo certo que os quatro Capítulos deste Título instituem proteção ao trabalhador a partir da análise do elemento primordial que distingue estes obreiros tutelados em suas peculiaridades e individualidades enquanto categoria profissional. Fomentou-se, pois, a nacionalização do trabalho (Capítulo II) e protegeu-se o trabalho da mulher (Capítulo III) e do menor (Capítulo IV).

Outrossim, o Capítulo I trouxe disposições especiais sobre a duração e as condições de trabalho, fazendo menção expressa aos bancários, empregados nos serviços de telefonia, músicos, ferroviários, estivadores, jornalistas, professores, etc.. Obviamente, cada uma destas categorias recebeu o devido tratamento diferenciado em razão de aspectos peculiares, sejam eles de ordem biológica, sociológica ou econômica. Tem-se que os aspectossingulares da vida cotidiana que diferenciam cada uma destas espécies de trabalhador impingiram à tutela especial, ampliada e rigidamente estabelecida. Logo, o legislador vislumbrou a importância da exceção, retirando estes trabalhadores de algumas das regras gerais previstas no Título II.

No caso dos bancários, cujo regramento especial encontra-se nos artigos 224 a 226 da CLT, é fato irrefutável que a ampliada proteção no tocante à duração da jornada de trabalho decorreu de específica ordem biológica, no exato entendimento de que os bancários permanecem sob intensa pressão psicológica pela própria necessidade de manusear dinheiro em espécie e permanecer no interior dos estabelecimentos bancários que são, por razões óbvias, alvo de freqüentes investidas de criminosos. Não foi por outra razão que o legislador, quando da redação da Lei nº 7.430 de 17 de dezembro de 1985, que deu redação ao caput do artigo 224 da CLT, entendeu por bem ser a jornada de 6 horas suficiente para exaurir as forças físicas e psicológicas do bancário, jornada reduzida que equivaleria a 8 horas ou mais do trabalhador comum, dada a diferença dos aspectos psicológicos que cada espécie de trabalhador é exposta.

A fadiga psíquica ínsita ao serviço tipicamente bancário exige um lapso temporal maior para a recomposição do equilíbrio biológico e físico do trabalhador, na exata noção de tempo para lazer. Segundo Amauri Mascaro do Nascimento (1997, p. 630):

O lazer atende, como mostra José Maria Guix, de modo geral, às seguintes necessidades: a) necessidade de libertação, opondo-se à angústia e ao peso que acompanham as atividades não escolhidas livremente; b) necessidade de compensação, pois a vida atual é cheia de tensões, ruídos, agitação, impondo-se a necessidade do silêncio, da calma, do isolamento como meios destinados a contraposição das nefastas conseqüências da vida diária do trabalho; c) necessidade de afirmação, pois a maioria dos homens vive em estado endêmico de inferioridade, numa verdadeira humilhação acarretada pelo trabalho de oficinas, impondo-se um momento de afirmação de si mesmos, de auto-organização da atividade, possível quando dispõe de tempo livre para utilizar segundo os seus desejos; d) necessidade de recreação como meio de restauração biopsíquica; e) necessidade de dedicação social, pois o homem não é somente trabalhador, mas tem uma dimensão social maior, é membro de uma família, habitante de um município, membro de outras comunidades de natureza religiosa, esportiva, cultural, para as quais necessita de tempo livre; f) necessidade de desenvolvimento pessoal integral e equilibrado, como uma das facetas decorrentes da sua própria condição de ser humano. (grifo do autor)

Portanto, apresentando-se a estafa psicológica advinda da natureza dos serviços prestados como o elemento determinante para a tutela especial em favor dos bancários, faz-se então fundamental a apreciação da típica atividade das instituições financeiras, nos termos do conhecido artigo 17 da Lei nº 4.595 de 31 de dezembro de 1964, que aduz:

Art. 17. Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros.

A coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros perfaz, classicamente, a atividade principal das instituições financeiras, na chamada interposição creditória, sempre na presença dos dois principais requisitos: (i) a mediação e/ou interposição no crédito; e (ii) a regularidade e multiplicidade dos atos de interposição creditória. Por tais requisitos preenchidos, as sociedades de crédito, financiamento e investimento comumente recebem o mesmo tratamento, na qualidade de equiparadas, destinado às instituições financeiras, inclusive no âmbito trabalhista.

Algumas das atividades estabelecidas nos incisos do artigo 8º da Resolução vigente efetivamente confundem-se com serviços prestados pelas instituições financeiras, mas não se pode olvidar que a prestação destes serviços tem caráter acessório à atividade principal desenvolvida pelo contratado, e que a atividade principal deve ser preponderante, do que se conclui que a atividade que se assemelha à coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros, necessariamente, é de pequena escala e voltada para o público consumidor do próprio contratado.

Quando a atividade exercida pelo contratado é exclusiva, nas três exceções previstas no normativo, já se verificou que tanto a mera recepção e encaminhamento de propostas, quanto a execução de serviços de cobrança ou a realização de operação de câmbio passível apenas em relação às empresas detalhadamente mencionadas (próprias instituições financeiras, ECT, agências de turismo ou lotéricas), não poderiam acarretar a situação de pressão psicológica indispensável para entender que aquele trabalhador mereça desempenhar jornada de trabalho reduzida, o que seria mesmo o afastamento da análise daquela análise valorativa do próprio ordenamento jurídico.

Os empregados do contratado, na qualidade de correspondente, não são expostos às mesmas condições de trabalho encontradas no interior de um estabelecimento bancário, bem assim não se encontram, de forma alguma, sob as circunstâncias de pressão psicológica ínsita à condição de bancário. A equiparação de categorias cuja realidade de vida profissional é tão distinta milita em desfavor da ordenação e unidade do sistema jurídico, além de desprestigiar o princípio da primazia da realidade, seja em favor do empregado, quando o caso, seja em favor do empregador, quando for devido.


6 Os empregados das sociedades financeiras, das cooperativas de crédito, das corretoras de títulos e valores mobiliários e dos correspondentes

Feitas as considerações acima mencionadas, cumpre realizar análise comparativa, e desta uma reflexiva decorrente, acerca das situações fáticas de instituições em relação às quais já se desdobrou ampla controvérsia no tocante à equiparação de seus empregados aos bancários típicos, o que derivou na edição de Súmulas pelo Tribunal Superior do Trabalho.

A primeira situação refere-se aos empregados das empresas de crédito, financiamento e investimento, as quais foram equiparadas aos estabelecimentos bancários para os efeitos do art. 224 da CLT, nos termos da Súmula nº 55 do Tribunal Superior do Trabalho. Ora, não restam dúvidas de que os empregados das sociedades chamadas financeiras desempenham tarefas bastante similares aos bancários, em especial porque o crédito objeto das operações típicas é de titularidade, em regra, da própria financeira. A similitude de condições de vida entre os bancários e os empregados das financeiras é inquestionável, o que acarreta, inclusive, reflexos nas questões atinentes às negociações coletivas.

Logo, deduz-se que o elemento determinante para a equiparação entre os bancários e os empregados das financeiras foi, sem dúvida, a similitude de condições de vida, prestigiando, sem dúvida, o princípio da primazia da realidade.

Outra situação peculiar diz respeito aos empregados de distribuidoras e corretoras de títulos e valores mobiliários, os quais não gozam dos benefícios atribuídos aos bancários, conforme entendimento externado na Súmula nº 119 do Tribunal Superior do Trabalho. É notório o fato de que as atividades dos empregados das distribuidoras e corretoras de títulos e valores mobiliários são fundamentalmente de administração, acompanhamento e gestão financeira, com especial atenção nas questões escriturais e de controle, não havendo qualquer contato direto com recursos financeiros ou situações especiais de risco encontradas nos estabelecimentos bancários. Não há qualquer elemento que possa acarretar uma condição peculiar de estafa psíquica, a não ser aquela normal dos tempos atuais em quase todas as profissões. Melhor entendimento não poderia ser encontrado para o caso vertente, quando a situação fática do empregado de corretora e distribuidora de títulos e valores mobiliários não guarda qualquer equivalência com os bancários.

De outra banda, há interessante aspecto relativo aos empregados alocados no setor de processamento de dados, por força da Súmula nº 239 do Tribunal Superior do Trabalho, que aduz:

Súmula nº 239 (TST) –É bancário o empregado de empresa de processamento de dados que presta serviço a banco integrante do mesmo grupo econômico, exceto quando a empresa de processamento de dados presta serviços a banco e a empresas não bancárias do mesmo grupo econômico ou a terceiros.

Verifica-se que o elemento de distinção para o enquadramento do empregado como bancário e que faz processamento de dados para instituições financeiras é o fato de existirem outras tomadoras de seus serviços que não sejam instituições financeiras, justamente porque a pluralidade de tarefas advinda da própria prestação de serviços para sociedades de objetos sociais totalmente distintos permite que a condição concreta de vida do trabalhador se afaste cada vez mais da condição peculiar dos bancários. Realizar o processamento de dados, com exclusividade, para instituição financeira perfaz atividade totalmente vinculada ao objetivo social da própria instituição, o que difere da hipótese em que há atividades mistas, mesclando-se atividades relacionadas às bancárias com outras de qualquer natureza.

Cumpre recordar que a Orientação Jurisprudencial nº 36 da Seção de Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho nega o reconhecimento aos empregados de empresa de processamento de dados como categoria diferenciada, justamente sob o fundamento de que o trabalho desempenhado por esta espécie de trabalhadores sofre alterações de acordo com a atividade econômica desenvolvida pelo empregador.

É exatamente o caso dos empregados dos correspondentes, ainda que a união de atividades distintas, entre financeiras e comerciais em geral, dê-se no âmbito da própria empresa prestadora dos serviços de correspondente, e não a prestação a terceiros como ocorre na empresa de processamento de dados. Da mesma maneira, as atividades principais das sociedades prestadoras de serviços de correspondente também sofrem alteração, a depender de cada contratado, sem perder o caráter de preponderância sobre a própria atividade de correspondente por força do normativo do Banco Central do Brasil.

Não se afigura, s.m.j., razoável a interpretação pela qual se decide pelo enquadramento na categoria dos bancários de empregado de correspondente que recebe e remete para a instituição financeira conjunto de documentos que perfaz proposta referente à operação de crédito ou arrendamento mercantil que viabilize a aquisição de veículo automotor, por exemplo, enquanto o próprio empregado do correspondente realiza operação de compra e venda do próprio veículo, atividade principal.

Também não se apresenta adequada, em que pese o pleno respeito pelo entendimento contrário, decisão que condena a pagar horas extras e reflexos acima da 6ª hora diária ao empregado que recebe quantia para pagamento de conta de energia elétrica em caixa devidamente instalado no interior de pequeno mercado situado em bairro da região periférica de qualquer grande cidade brasileira, comodidade da qual se aproveita o cliente do estabelecimento comercial quando vai realizar suas compras de alimentos, etc. Há uma série de situações nas quais o enquadramento do empregado na categoria dos bancários configura verdadeiro absurdo se analisada, pela ordenação e unidade do sistema jurídico, a realidade fática e as normas aplicáveis à espécie.

Da mesma forma, os empregados de cooperativas de crédito também manejaram reclamações trabalhistas para buscar o enquadramento na categoria dos bancários, talvez pela simples existência da expressão “crédito” na denominação da própria cooperativa. A Orientação Jurisprudencial nº 379 da Seção de Dissídios Individuais 1 do Tribunal Superior do Trabalho estabelece:

OJ-SDI-1 nº 379 (TST): Os empregados de cooperativas de crédito não se equiparam a bancário, para efeito de aplicação do art. 224 da CLT, em razão da inexistência de expressa previsão legal, considerando, ainda, as diferenças estruturais e operacionais entre as instituições financeiras e as cooperativas de crédito. Inteligência das Leisnºs 4.594, de 29.12.1964, e 5.764, de 16.12.1971.

Nota-se que os dois pontos fundamentais para a diferenciação entre os bancários e os empregados de cooperativas de crédito foram justamente a inexistência de expressa previsão legal, na linha da análise sistemática e ordenada do sistema normativo aqui proposta, e as diferenças estruturais e operacionais existentes entre as instituições financeiras e as cooperativas de crédito, nos exatos termos da aplicação do princípio da primazia da realidade. Assim como os processadores de dados atuantes para diversas empresas, os empregados de empresas distribuidoras e corretoras de títulos e valores mobiliários e os empregados de cooperativa de crédito, os empregados de prestadores de serviços de correspondente, em especial mas não exclusivamente aquelas que possuem outra atividade preponderante, não guardam relação com o elemento biológico fundamental para o enquadramento como bancário.

Eduardo Gabriel Saad, José Eduardo Duarte Saad e Ana Maria Saad Castello Branco (2011, p. 418) destacam precisamente que:

Motivos de ordem biológica, sociológica e econômica – dizem unanimemente os bons autores – levam o legislador a disciplinar, de maneira especial, determinadas atividades profissionais. A presença de um ou mais daqueles objetivos tem servido para normas reguladoras de certas tarefas. Não se faz mister, para tanto, que os três apontados elementos sejam levados em conta.

No caso dos bancários, o fator determinante do tratamento diferenciado que recebe na Consolidação é de natureza biológica. É inegável que ele está sujeito ao que se chama de fadiga psíquica. Seu trabalho exige, permanentemente, atenção e o traz sob extenuante tensão. Justo e compreensível, portanto, o que se dispõe em seu favor nos arts. 224, 225 e 226 da CLT. Todavia a jurisprudência trabalhista inclina-se a reconhecer como bancários todos aqueles que têm vínculo empregatício num banco, embora muitos deles realizem seu trabalho bem longe do setor onde se cumprem as operações classificas como bancários. Assim é que há julgados considerando o motorista, o faxineiro e outros empregados de bancos com tarefas que em nada se distinguem, daquelas outras cumpridas no interior das empresas industriais ou comerciais. Não é de se aplaudir semelhante tendência jurisprudencial. Aquelas tarefas não têm a fisionomia do que, a rigor, se considera operação bancária. Seus executores estão sujeitos ao mesmo tipo de fadiga do motorista ou do faxineiro de uma empresa industrial e cuja jornada é de oito horas.

Clama-se pela aplicação sistemática e ordenada no sistema jurídico, com total prestígio dos normativos impostos pelo Banco Central do Brasil aplicáveis aos contratos de correspondentes, vez que tais normas devem conformar a situação fática dos contratados e, necessariamente, a verificação efetiva e criteriosa da realidade fática de cada trabalhador inserido na prestação dos serviços de correspondente, por todas as razões já expostas, sem prejuízo das seguintes.


7 O enquadramento sindical e os reflexos na questão dos correspondentes

Apresenta-se indispensável a análise das normas imperativas sobre o enquadramento sindical, evitando-se que a aplicação do instrumento coletivo adequado aos empregados inseridos na prestação dos serviços de correspondente se faça por razões outras que não o ditame da Lei e as condições de vida singulares dos trabalhadores em questão. O artigo 511, caput, §§ 2º e 3º, da CLT, aduz:

Art. 511 – É lícita a associação para fins de estudo, defesa e coordenação dos seus interesses econômicos ou profissionais de todos os que, como empregadores, empregados, agentes ou trabalhadores autônomos, ou profissionais liberais, exerçam, respectivamente, a mesma atividade ou profissão ou atividades ou profissões similares ou conexas.

§1º - A solidariedade de interesses econômicos dos que empreendem atividades idênticas, similares ou conexas constitui o vínculo social básico que se denomina categoria econômica.

§2º - A similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas, compõe a expressão social elementar compreendida como categoria profissional.

§ 3º - Categoria profissional diferenciada é a que se forma dos empregados que exerçam profissões ou funções diferenciadas por força de estatuto profissional especial ou em consequência de condições de vida singulares. (grifo nosso)

Ora, as atividades principais desenvolvidas pelas sociedades contratadas para a prestação de serviços de correspondente não guardamsimilitude com as funções dos bancários. Logo, a preponderância de outras atividades distintas, sejam de serviços sejam comerciais, sobre aquelas objeto do contrato de correspondente impõe, por si só, o afastamento da solidariedade de interesses econômicos que, conforme o §1º do art. 511 da CLT acima transcrito, constitui o vínculo social básico que se denomina categoria econômica. Portanto, as sociedades prestadoras de serviços de correspondente não poderiam mesmo compor a especial categoria econômica das instituições financeiras, por motivos óbvios.

De outro lado, os empregados das sociedades prestadoras de serviços de correspondente também não possuem similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho com os bancários, por todos os motivos já expostos, com destaque para o fato de mesclar suas tarefas previstas no normativo do Banco Central do Brasil com outras de cujo comercial ou de serviços não financeiros, e por não estarem expostos às condições de estafa psíquica própria daqueles que se encontram no interior de um estabelecimento bancário.

Neste ponto, estando os bancários propriamente qualificados como categoria especial, inclusive com regramento específico nos arts. 224 a 226 da CLT por razões já comentadas, exige-se a aplicação do disposto na Súmula nº 374 do Tribunal Superior do Trabalho, que aduz:

Súmula nº 374(TST) – Empregado integrante de categoria profissional diferenciada não tem o direito de haver de seu empregador vantagens previstas em instrumento coletivo no qual a empresa não foi representada por órgão de classe de sua categoria.

Ainda que se entendesse ser de bancário a natureza jurídica do vínculo de emprego do trabalhador ativo na prestação de serviços de correspondente, pela imposição da Súmula em comento não poderiam ser aplicáveis as normas advindas das negociações coletivas entabuladas, com freqüência, pela Federação Nacional dos Bancos – FENABAN e a Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro – CONTRAF, já que as sociedades de prestação de serviços de correspondente, pelo objeto social preponderante e diverso dos serviços bancários, não são representadas nestas negociações.

Conforme entendimento de Valentin Carrion (2007, p. 425):

A causuística e a força da realidade fática é que vêm prevalecendo. As empresas só se obrigam as convenções que participaram sendo irrelevante que o empregado pertença a categoria diferenciada.(grifo nosso)

Nestes termos, também pela estrutura de comando das normas aplicáveis às negociações coletivas e enquadramento sindical não poderiam os empregados das sociedades prestadores de serviços de correspondente ser considerados bancários ou receber as benesses previstas nas Convenções Coletivas dos bancários.


8 Conclusão

É louvável o estabelecimento e aprofundamento da política governamental de expansão do crédito destinado à população de baixa renda, bem assim a ampliação do acesso ao Sistema Financeiro Nacional. A via do contrato de correspondente é perfeitamente capaz de atingir as metas estabelecidas, especialmente pelo histórico do instituto, existente desde 1966.

Quando da execução da série limitada de serviços, nos moldes regulamentados pela Resolução nº 3.954, de 24 de fevereiro de 2011, as empresas prestadoras de serviços de correspondente devem respeitar amplamente todos os direitos trabalhistas mínimos estabelecidos no artigo 7º, e incisos, da Constituição da República Federativa do Brasil, além daqueles estabelecidos na Consolidação das Leis do Trabalho e Convenções ou Acordos Coletivos aplicados aos trabalhadores, em cujas negociações tenha havido representatividade pelo sindicato patronal.

No entanto, pela ordenação e sistematização do sistema jurídico brasileiro, a análise da natureza jurídica do vínculo de emprego dos trabalhadores inseridos na prestação dos serviços de correspondente deve considerar a normatização imposta pelo Banco Central do Brasil quando da regulação do próprio instituto do contrato de correspondente, vez que esta normatização estabelece importantes preceitos aplicáveis à espécie que refletem na própria apreciação da questão trabalhista, ainda que não seja normativo de natureza trabalhista.

Além disso, a existência de inúmeras Súmulas do Tribunal Superior do Trabalho (TST) abordando determinadas e controvertidas hipóteses jurídicas atinentes à categoria dos bancários, por vezes em relação às próprias instituições financeiras, outras em relação às empresas de crédito, financiamento ou investimento, ou às cooperativas de crédito, devem ser todas apreciadas quando da análise da natureza jurídica do vínculo de emprego em comento.

Nesta medida, a análise do sistema jurídico ordenado e uno, com a utilização das diretrizes impostas pela jurisprudência consolidada da mais alta Corte Trabalhista do País, por certo deve acarretar o entendimento de que os empregados envolvidos na prestação dos serviços advindos do contrato de correspondente não são pertencentes à categoria dos bancários, especialmente quando a atividade do correspondente for, de forma preponderante no termos da normativa do Banco Central do Brasil, de natureza diversa da dos serviços permitidos pela via do contrato de correspondente.

Quanto os serviços vinculados ao contrato de correspondente forem prestados com exclusividade, então a melhor hermenêutica – sistêmica, como deve ser - é no sentido de que apenas o empregado que detiver certificação atribuída por entidade de reconhecida capacidade técnica terá direito, pelo princípio da isonomia, às mesmas condições laborais dos bancários da instituição financeira contratante, sem, contudo, o seu enquadramento na categoria dos bancários pelas razões acima mencionadas de natureza de enquadramento sindical.

Aquelas sociedades que foram conclamadas a viabilizar a abertura no Sistema Financeiro Nacional para o acesso da população de baixa renda aos serviços financeiros devem ser prestigiadas, mantendo-se o enquadramento sindical correto nos termos da lei, o que reflete nos benefícios das cláusulas normativas aplicáveis em relação às negociações coletivas que contaram com a participação do sindicato da categoria econômica das sociedades de prestação de serviços de correspondente.

A proteção especial e ampliada aos bancários decorre da condição especial de vida destes trabalhadores que, efetivamente, merecem o tratamento dispensado pela lei. Entretanto, incluir nesta categoria outras espécies de trabalhadores sem a verificação objetiva de que os valores ínsitos na norma de proteção também são encontrados as condições de vida destas outras categorias é caminhar, sem dúvida, na direção da afronta à ordem do sistema jurídico e sua unidade. Os valores existentes por detrás das normas de proteção dos bancários são conhecidos. Estes valores são de fundo e sustentam outros valores. É como diz Luis Recàsens Siches (1986, p. 65):

Hay valores que sirven de fundamento a otros, es decir, que funcionam como condición para que outros valores puedan realizarse. No puede darse la realización del valor fundado sin que se dé La realización del valor fundante. Y el valor fundante, condición ineludible para que pueda realizarse el valor fundado, es de rango inferior a éste.

Igualar os direitos dos empregados dos correspondentes aos bancários não é favorecer aqueles trabalhadores em detrimento das instituições financeiras ou das empregadoras, mas sim militar em desfavor da ordenação e unidade do sistema, subvertendo a ordem de valor fundante e valor fundado, estabelecendo inexpugnável insegurança jurídica no ceio da Sociedade brasileira.


Referências

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Nota

[1] Confira-se o teor do Voto BCB nº 38 de 2011 (www.bcb.gov.br – acesso em 28/7/2012)


Abstract: Intends to exam the legal impact of the new labor laws related to bank representatives agreements in the country, with specific focus in the legal nature of the employment bond of the workers involved in the representation of financial institutions authorized by the Brazilian Central Bank. Mentions the relevancy of the unit and systematization of the legal system in the hermeneutics destined to the correct fitting of the employment bond of the workers involved in the representation of financial institutions authorized by the Brazilian Central Bank. Performs comparative analysis of the life conditions of the bank clerks and the workers involved in the representation of financial institutions authorized by the Brazilian Central Bank, obtaining from this method, rendering importance to the reality preference principle, the determining element of the legal nature of the bank’s employment bond legal nature.

Key Words: Legal system. Representatives and employees.Individual Labor Law. Union fitting.


Autor

  • Thiago de Carvalho e Silva

    Thiago de Carvalho e Silva

    Advogado e administrador de empresas. Mestrando no Programa de Estudos Pós-Graduados da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), vinculado ao Núcleo de Pesquisa em Direito Econômico. Especialista em Planejamento Societário e Tributação pela Fundação Getúlio Vargas – FGVLaw. Integrante do Grupo de Estudo “Capitalismo Humanista” da PUC-SP, registrado perante o CNPq. Coordenador de Administração e Finanças da Associação de Pós-Graduandos em Direito da PUC-SP (APGDireito/PUC-SP). Representante discente dos Pós-Graduandos no Conselho da Faculdade de Direito da PUC-SP.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Thiago de Carvalho e. O contrato de correspondente de instituição financeira e a natureza jurídica do vínculo de emprego: a ordem e a unidade do sistema jurídico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3352, 4 set. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22549. Acesso em: 1 maio 2024.