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O contrato de correspondente de instituição financeira e a natureza jurídica do vínculo de emprego: a ordem e a unidade do sistema jurídico

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04/09/2012 às 11:29
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Os empregados das sociedades prestadoras de serviços de correspondente não possuem similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho com os bancários.

Resumo: Pretende analisar os reflexos jurídicos no âmbito do Direito do Trabalho da nova normatização atinente aos contratos de correspondentes no País, com foco específico na natureza jurídica do vínculo de emprego dos trabalhadores envolvidos na prestação dos serviços de correspondentes às instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil. Comenta a importância da unidade e da ordenação do sistema jurídico na realização de hermenêutica destinada ao correto enquadramento do vínculo de emprego dos trabalhadores envolvidos na prestação de serviços objeto dos contratos de correspondentes no País. Realiza análise comparativa das condições de vida oriunda do trabalho dos bancários e dos trabalhadores envolvidos na prestação dos serviços de correspondente, extraindo-se deste método, a prestigiar o princípio da primazia da realidade, o elemento determinante da natureza jurídica do vínculo de emprego bancário.

Palavras-chave: Sistema jurídico. Correspondente. Empregado. Direito Individual do Trabalho. Enquadramento sindical.

Sumário: 1 Introdução. 2 Aspectos relevantes do novo regramento do contrato de correspondente. 3 A ordem e a unidade do sistema jurídico. 4 Aspectos gerais sobre a natureza jurídica do vínculo de emprego.5O empregado bancário típico e o empregado do correspondente.6Os empregados das sociedades financeiras, das cooperativas de crédito, das corretoras de títulos e valores mobiliários e dos correspondentes. 7 O enquadramento sindical e os reflexos na questão dos correspondentes. 8 Conclusão


1 Introdução

A política governamental de expansão do crédito destinado à população de baixa renda, importante para a inclusão social desta parcela relevante do povo brasileiro, exigiu a adequação das normas que disciplinavam a contratação de correspondente no País por instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, o que se realizou, historicamente, através da Resolução nº 2.166 de 30 de junho de 1995.

É bem verdade, diga-se, que desde 1966, com a Resolução nº 29, já era possível às Sociedades de Crédito Imobiliário celebrar convênio com estabelecimentos bancários para se realizar a captação de depósitos a prazo. Em seguida, em 1973, houve a publicação da Circular nº 220, primeiro normativo do Banco Central do Brasil a trazer a expressão “correspondente”.. Em 1979, com a Resolução nº 562, facultou-se às sociedades de crédito, financiamento e investimento aceitar a representação de mutuários através de Instrumento de Mandato outorgado às sociedades prestadoras de serviços, com as quais as financeiras necessariamente deveriam ter contrato, a permitir os serviços de encaminhamento de pedidos de financiamento, análise de crédito e de cadastro, execução de cobrança amigável e outros serviços de controle, inclusive processamento de dados.

Desde então o relacionamento entre as instituições financeiras e as sociedades prestadoras de serviços para o cumprimento de determinadas atividades correlatas às privativas sofreu constante aprofundamento, na esteira da própria evolução tecnológica determinante para esta relação. O instituto do contrato de correspondente evoluiu através das Resoluções nºs 2.166/1995, 2.640/1999, 2.707/2000, 3.110/2003, 3.156/2003 e 3.654/2008, até a Resolução nº 3.954 de 24 de fevereiro de 2011 que neste trabalho será diretamente abordada.

Vale dizer, desde logo, que a Diretoria Colegiada do Banco Central do Brasil, quando da análise da matéria para a edição da última regulamentação em comento, fez um balanço extremamente positivo do instituto, na concretização do direito ao acesso ao Sistema Financeiro Nacional pelas pessoas de menor renda, em diversos municípios brasileiros que, até então, estavam desassistidos deste serviço indispensável para o exercício da própria cidadania.[1]

De qualquer forma, aos contratados, pela via do contrato de correspondente, foi franqueada a execução de uma série limitada de serviços, com especial atenção à recepção e encaminhamento de propostas de abertura de contas de depósitos à vista, a prazo e de poupança; o recebimento, pagamento e outras atividades decorrentes de convênios de prestação de serviços mantidos pelos correspondentes (em especial quanto ao pagamento de concessionárias de serviços públicos); e a recepção e encaminhamento de pedidos de empréstimos e de financiamentos, dentre outros. Com a prestação mais direta e dinamizada destes serviços, aspectos advindos de uma rede capilar de atendimento, maximiza-se o acesso da população ao Sistema Financeiro Nacional e, concomitantemente, propicia-se melhores condições aos interessados na obtenção de crédito e na aquisição de produtos financeiros.

A estrutura normativa, na vertente histórica, já previa uma relevante proibição, qual seja: a empresa prestadora dos serviços de correspondente (ou o terceiro substabelecido) não poderia manter como única atividade, ou mesmo a principal em concorrência com outras, a prestação dos serviços franqueados aos correspondentes, do que decorria o óbvio entendimento de que a ampliação de acesso da população ao Sistema Financeiro Nacional haveria por ocorrer através da comunhão de atividade econômica não-financeira, especialmente as comerciais, com a prestação de serviços de correspondente. Este aspecto deve ser destacado, desde já, por influir no entendimento adiante externado.

O fato é que a disponibilização de produtos financeiros pelos correspondentes, ainda que de forma indireta e extremamente limitada pela própria normatização vigente, com freqüência limitando-se à prestação de serviços de recebimento e encaminhamento de propostas, acarretou uma procura inesperada perante o Poder Judiciário pela via de pleitos de natureza trabalhista promovidos pelos empregados vinculados à prestação destes serviços de correspondente. Tratou-se, com similar freqüência, ora de pedido de declaração de vínculo de emprego de natureza jurídica de bancário diretamente com a instituição financeira contratante, ora de pedido de responsabilidade solidária desta instituição frente aos créditos trabalhistas, cumulado com requesto de enquadramento na categoria dos bancários independentemente de a atividade exercida pela empresa prestadora dos serviços ser, de modo preponderante, de ordem comercial.

Em verdade, a existência de inúmeras Súmulas do Tribunal Superior do Trabalho (TST) abordando determinadas e controvertidas hipóteses jurídicas atinentes à categoria dos bancários, por vezes em relação às próprias instituições financeiras, outras em relação às empresas de crédito, financiamento ou investimento, ou às cooperativas de crédito, não perfez balizamento jurisprudencial suficientemente hígido para dirimir, com esperado grau de segurança jurídica e previsibilidade, as causas desta natureza colocadas à apreciação da Justiça do Trabalho.

Aqueles que foram conclamados a viabilizar a abertura no Sistema Financeiro Nacional para o acesso da população de baixa renda aos serviços financeiros, aumentando a capilaridade do sistema, viram-se responsabilizados pelo pagamento dos créditos trabalhistas dos empregados que mantinham vínculo laboral com os correspondentes, não apenas atinentes aos créditos oriundos da relação trabalhista formalmente pactuada com o correspondente (normalmente comerciários), mas sim com o enquadramento na categoria dos bancários, mesmo havendo notória e juridicamente relevante distinção entre as tarefas desempenhadas por uma e por outra espécie de trabalhadores.

Neste cenário, em sessão de 24 de fevereiro de 2011, o Conselho Monetário Nacional resolveu alterar e consolidar as normas que dispõem sobre o contrato de correspondente no País, pela via da Resolução nº 3.954, revogando-se as Resoluções nºs 3.110/2003, 3.156/2003 e 3.654/2008. Esta Resolução foi alterada em alguns pontos pela Resolução 3.959 de 31 de março de 2011, pela Resolução nº 4.035 de 30 de novembro de 2011, pela Resolução nº 4.058 de 29 de fevereiro de 2012 e pela Resolução nº 4.114 de 26 de julho de 2012. De qualquer modo, a nova estrutura normativa, fincada no teor da Resolução nº 3.954/2011, traz uma série de relevantes alterações na ordem jurídica dos contratos de prestação de serviços de atividades de atendimento a clientes e usuários das instituições financeiras contratantes, com importantes regras que influenciam (ou deveriam influenciar), ainda que na apreciação do conjunto normativo enquanto sistema, a seara trabalhista.

O robustecimento da estrutura jurídica dos contratos de prestação de serviços de correspondentes bancários, com a imposição dos dispositivos da Resolução nº 3.954/2011 e alterações posteriores, deve acarretar, pela unidade e ordenação do sistema jurídico, adequada interpretação das normas aplicáveis à espécie quando da análise dos pedidos de declaração de vínculo de emprego diretamente com a instituição financeira contratante, bem assim com relação aos pedidos de enquadramento dos empregados dos correspondentes na categoria dos bancários.

As regras gerais de (e do) direito; a visão profunda que deve perpassar a análise dos princípios constitucionais; e a especial importância da unidade e da ordenação do sistema jurídico, sem prejuízo da utilidade advinda das aberturas sistêmicas do mesmo sistema; devem impingir ao aplicador do Direito o prestígio ao princípio da verdade real também em favor de uma análise adequada da natureza jurídica do vínculo de emprego do trabalhador vinculado à prestação de serviço de correspondente, pelas razões que adiante restarão expostas e com a conclusão que, ao final e de maneira humilde, se tentará estabelecer cientificamente.


2 Aspectos relevantes do novo regramento do contrato de correspondente

Como inicialmente mencionado, o instituto do contrato de correspondente evoluiu a partir da Resolução nº 29/66, Circular nº 220/73 e Resolução nº 562/79. À época, de fato, perfazia-se uma fase bastante embrionária do instituto, ainda fundada na outorga de Instrumento de Mandato entre o cliente que buscava a realização de operação de crédito e a sociedade de prestação de serviços que mantinha contrato diretamente com a sociedade de crédito, financiamento e investimento. A Resolução nº 2.166/1995 manteve praticamente intacta esta estrutura histórica, abrindo, vale dizer, a possibilidade desta contratação também para os bancos múltiplos com carteira de crédito, financiamento e investimento.

Neste ponto, é imprescindível indicar a redação dada ao §3º do artigo 1º da Resolução nº 2.640/1999, a qual estabeleceu os serviços passíveis desta modalidade de contratação nos nove incisos deste artigo 1º, os quais ficariam, salvo pequenas alterações, perpetuados nas demais normas seguintes:

Art. 1º. ...

I - recepção e encaminhamento de propostas de abertura de contas de depósitos à vista, a prazo e de poupança;

II - recebimentos e pagamentos relativos a contas de depósitos à vista, a prazo e de poupança, bem como a aplicações e resgates em fundos de investimento;

...

Parágrafo 3º Os serviços previstos nos incisos I e II somente podem ser prestados em município desassistido de agência bancária, Posto de Atendimento Bancário (PAB) ou Posto Avançado de Atendimento (PAA), devendo a instituição financeira contratante, na hipótese de instalação de qualquer daquelas dependências na localidade, adotar providências para que a empresa contratada deixe de prestar referidos serviços no prazo de 180 dias.

Nitidamente percebe-se a intenção de toda a estrutura de comando que estabeleceu a figura do contrato de correspondente, sempre na perspectiva de facilitar o acesso da população em geral ao Sistema Financeiro Nacional.

A evolução passou pela redação conferida pela Resolução nº 2.707/2000, até chegar na Resolução nº 3.110/2003, alterada pelas Resoluções nºs 3.156/2003 e 3.654/2008, cuja redação básica permaneceu em vigor por quase 8 anos, até o advento da Resolução nº 3.954 de 24 de fevereiro de 2011, que revogou todos os normativos anteriores.

A Resolução nº 3.954 de 24 de fevereiro de 2011 (“Resolução consolidada vigente”) trouxe uma série de relevantes alterações na estrutura jurídica dos contratos de prestação de serviços de atividades de atendimento a clientes e usuários das instituições financeiras contratantes, as quais refletirão em todos os aspectos jurídicos da vida empresarial dos contratados, mediante novas imposições jurídicas escalonadas nos termos das normas de vigência previstas no artigo 22 da Resolução vigente. Entretanto, de ímpar relevância ao presente trabalho são as normas que impactam, indiretamente, na seara laboral, as quais, pela limitação imposta pelo próprio objetivo deste trabalho, serão as únicas aqui comentadas acerca da Resolução vigente.

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Um primeiro aspecto que carece detida apreciação está previsto no §2º do artigo 3º da Resolução consolidada vigente, ao se ter proibido, em regra, a contratação de entidade cujo objetivo principal seja a prestação de serviços de correspondente. A importância deste primeiro aspecto para o presente trabalho reside justamente no fato de que o correspondente deve explorar outras atividades em caráter preponderante em relação aos principais serviços de correspondente, do que se conclui que haverá, em regra, exploração de atividade econômica totalmente distinta dos serviços regulados e fiscalizados pelo Banco Central do Brasil, com a participação direta de empregados afeitos a estas atividades outras, não regidas pela Resolução consolidada vigente. O empregado que desempenhar as tarefas necessárias para a consecução das atividades principais será, com freqüência, responsável também pela realização das atividades permitidas por força do contrato de correspondente.

Vale dizer que as empresas que tenham como atividade principal a de correspondente, não poderão prestar os serviços previstos nos incisos I, II, IV e VI do art. 8º da Resolução consolidada vigente, que denotam justamente o cerne das atividades que configuram a natureza jurídica das instituições financeiras, qual seja: a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros e a custódia de valor de propriedade de terceiros, nos termos do art. 17 da Lei 4.595/64.

Portanto, seja, por exemplo, sociedade empresária que se dedique à revenda de veículos automotores ou outros bens de interesse da população em geral, seja qualquer outra sociedade que tenha por intenção agregar aos seus serviços principais a facilidade advinda da prestação dos serviços de correspondente, o fato inquestionável nestas hipóteses é que a busca pelos serviços de natureza não financeira ou pela comercialização do produto principal do contratado será o elemento primordial, determinante mesmo,de atração do cliente ou usuário dos serviços de correspondente, estes na qualidade de acessórios daqueles.

A exigida preponderância dos serviços não-financeiros e/ou de comercialização de produtos em relação aos serviços de correspondentes, e a atual vedação (art. 6º da Resolução consolidada vigente) à utilização do modelo empresarial regido pela Lei 8.955, de 15 de dezembro de 1994, conhecida como Lei de Franquias, para o estabelecimento dos contratos de correspondentes, já demonstram que os serviços prestados pelos correspondentes são adicionais, acessórios, dispensáveis e meramente complementares em relação à atividade econômica principal do contratado. O objeto social preponderante não poderá ser, em regra, a prestação de serviços de correspondente quando se estiver transferindo aqueles serviços típicos das instituições financeiras, tais como recepção e encaminhamento de propostas de abertura de contas, realização de recebimentos, pagamentos e transferências eletrônicas visando a movimentação de contas de depósito, execução ativa e passiva de ordens de pagamento e o recebimento e pagamento relacionado a letras de câmbio de aceite da instituição contratante. Será o comércio ou a prestação de outros serviços, indubitavelmente.

Esta proibição não abrange as atividades de (i) recebimentos e pagamentos de qualquer natureza, e outras atividades decorrentes da execução de contratos e convênios de prestação de serviços mantidos pela instituição contratante com terceiros (art. 8º, inc. III, da Resolução consolidada vigente); (ii) recepção e encaminhamento de propostas referentes às operações de crédito e arrendamento mercantil (art. 8º, inc. V, da Resolução consolidada vigente); (iii) recepção e encaminhamento de propostas de fornecimento de cartões de crédito de responsabilidade da instituição contratante (art. 8º, inc. VIII, da Resolução consolidada vigente); e (iv) realização de operações de câmbio de responsabilidade da instituição contratante (art. 8º, inc. IX, da Resolução consolidada vigente), sendo certo que este último serviço, de câmbio, efetivamente surgiu como inovação no rol dos serviços cujo desempenho tornou-se franqueado aos correspondentes.

A primeira exceção refere-se aos serviços de recebimentos e pagamentos de qualquer natureza, e outras atividades decorrentes da execução de contratos e convênios de prestação de serviços mantidos pela instituição contratante com terceiros, não encerra propriamente um serviço típico bancário. O recebimento e pagamento de qualquer natureza, com o conseguinte repasse à instituição financeira contratante não impõe ao trabalhador envolvido nesta atividade o exercício das atividades atinentes aos bancários típicos.

Por outro lado, a recepção e encaminhamento de propostas referentes às operações de crédito e de arrendamento mercantil de concessão da instituição contratante (art. 3º, §2º c/c ao art. 8º, inc. V, ambos da Resolução consolidada vigente) deve ser analisada à luz da própria limitação do escopo do serviço prestado, vez que a permissão aos correspondentes limita-se apenas à recepção e encaminhamento das propostas de operações de crédito e de arrendamento mercantil, não se verificando a realização de efetiva operação de crédito diretamente pelo correspondente, a qual se realiza, sempre, sob conta e ordem da instituição contratante.

Aliás, mesmo na hipótese de o correspondente realizar a antecipação/liberação do valor da operação ao cliente (o que é permitido apenas quando se tratar de comercialização de produto fornecido pelo próprio correspondente), deve haver imediato reembolso pela instituição contratante, a ser feito necessariamente no mesmo dia da antecipação (art. 11, inc. IV, da Resolução vigente), o que denota a total independência do contratado em relação ao fluxo financeiro advindo da instituição contratante para o cliente.

A terceira exceção, que existia apenas na redação originária da Resolução nº 3.954/2011, tratava da execução de serviços de cobrança extrajudicial relativa a créditos de titularidade da instituição contratante ou de seus clientes (art. 3º, §2º c/c ao art. 8º, inc. VII, ambos da Resolução consolidada vigente), sendo certo que foi revogada pela Resolução nº 3.959/2011. Esta hipótese não impingia maior dificuldade na manutenção do entendimento de que o serviço principal, não-financeiro, é preponderante, vez que o serviço de cobrança extrajudicial não está limitado ao âmbito do mercado financeiro e suas atividades privativas, o que acarreta, não de outra maneira, a compreensão de que os empregados ligados a esta atividade exercem tarefas similares - senão idênticas - às desempenhadas por qualquer outro trabalhador de empresa de cobrança, seja de créditos oriundos de operações privativas das instituições financeiras seja de qualquer outro crédito, então de natureza civil ou comercial.

A quarta exceção é relativa à recepção e encaminhamento de propostas de fornecimento de cartões de crédito de responsabilidade da instituição financeira (art. 3º, §2º c/c ao art. 8º, inc.VIII, ambos da Resolução consolidada vigente). Da mesma forma se aplica o entendimento de que a atividade está limitada à recepção e encaminhamento das propostas, afigurando-se, meramente, atividade de escritório e gestão de documentos e controle de fluxo de informações. Nada de atividade bancária reside neste ponto, sendo certo que toda a operação de cartão de crédito será gerida, diretamente, pela instituição financeira.

A quinta exceção é atinente às operações de câmbio (art. 3º, §2º c/c ao art. 8º, inc. IX, ambos da Resolução consolidada vigente).Vale dizer que tais operações limitam-se (i) à compra e venda de moeda estrangeira em espécie, cheque ou cheque de viagem até o patamar de US$ 3.000,00, ou o equivalente em outras moedas, por operação; (ii) execução ativa ou passiva de ordem de pagamento relativa a transferência unilateral do ou para o exterior; ou (iii) recepção e encaminhamento de propostas de operação de câmbio.

A mera possibilidade de se contratar os serviços de correspondente, com exclusividade, para prestação de serviços de câmbio regidos pelo Regulamento do Mercado de Câmbio e Capitais Estrangeiros (RMCCI), não pode ser entendida como vedação a que os empregados envolvidos nesta atividade desempenhem tarefas atreladas às outras atividades principais notórias, seja a atividade de turismo, seja vinculada à ECT, seja as adstritas às casas lotéricas. Na hipótese de a atividade ser prestada por outra instituição financeira, na qualidade de correspondente, então a questão abordada neste trabalho não faz sentido algum, porque o trabalhador envolvido na prestação dos serviços já será um típico bancário.

O segundo aspecto que vale ser apontado está previsto no inciso I do artigo 10 da Resolução consolidada vigente, no tocante à obrigatoriedade de o correspondente manter relação formalizada de vínculo empregatício ou de qualquer outra natureza com os envolvidos na prestação de serviços regidos pela Resolução vigente, ainda que referida obrigatoriedade decorra, inequivocamente, de outras disposições legais de natureza laboral e de caráter cogente. De qualquer forma, afigura-se relevante a preocupação do Conselho Monetário Nacional no sentido de que haja formalização do vínculo contratual, seja de natureza trabalhista seja de natureza cível, e que o descumprimento desta obrigação possa acarretar as penalidades previstas na própria Resolução consolidada vigente, sem prejuízo da eventual discussão, de cunho laboral, para se obter declaração de vínculo de emprego com a empresa contratada.

Além disso, há também um terceiro aspecto importante nesta nova estruturação normativa dos contratos de correspondentes, cujo destaque deriva dos próprios reflexos face aos consumidores dos serviços prestados pelos contratados. O aspecto reside na vedação à utilização de instalações cuja configuração arquitetônica, logomarca e placas indicativas sejam similares às adotadas pela instituição contratante em suas agências e postos de atendimento. Nesta esteira, impôs-se aos contratados a divulgação ao público em geral de sua condição de prestador de serviços à instituição contratante, inclusive com expressa indicação dos produtos e serviços prestados, através de painel visível mantido nos locais da prestação dos serviços, além daadoção de outras formas necessárias para o efetivo esclarecimento neste sentido ao público.

O disposto no inciso II do artigo 11 da Resolução consolidada vigente milita neste mesmo sentido, de efetiva e concreta informação a ser transmitida aos clientes e usuários acerca da separação entre as atividades exploradas, como atividade principal e secundária e a distinção entre a estrutura jurídica do contratado, na qualidade de correspondente, e a da instituição contratante, vez que é obrigatória, além das distinções de ordem arquitetônica e de marca, a utilização de crachá pelos integrantes da equipe do correspondente expondo aos clientes e usuários a denominação do contratado, o nome e o número do Cadastro de Pessoa Física (CPF) do atendente.

Logo, deduz-se que os clientes e usuários que venham a se utilizar dos serviços prestados não serão tolhidos do amplo entendimento advindo da efetiva prestação de informações, tanto quanto suficiente for, a partir das quais a conclusão será, inquestionavelmente, pela total independência entre as atividades das pessoas jurídicas envolvidas, ainda que tais atividades sejam complementares, sempre na busca por atender ao objetivo maior, qual seja a ampliação do acesso aos serviços bancários e ao crédito. Pelos trabalhadores, resulta inexorável, esta distinção entre a instituição contratante e o correspondente também será notada desde o momento em que o trabalhador - na busca do emprego, por exemplo – venha a adentrar ao estabelecimento do correspondente, como aconteceria com qualquer cliente ou usuário. O empregado sabe, portanto, por quem está sendo contratado e em favor de quem prestará seus serviços.

Por fim, especificamente no tocante ao serviço de recepção e encaminhamento de propostas referentes a operações de crédito e de arrendamento mercantil de concessão da instituição contratante quando prestado em concomitância à comercialização de bens e serviços fornecidos pelo próprio correspondente, impõe-se destacar que há regramento inovador e detalhado acerca da certificação de empregados do contratado por entidade de reconhecida capacidade técnica (art. 12 da Resolução consolidada vigente), quem será responsável perante a instituição contratante pelo atendimento prestado no estabelecimento do contratado.

A certificação deverá abordar aspectos técnicos das operações, bem assim a regulamentação aplicável à espécie, o Código de Defesa do Consumidor, ética e ouvidoria, do que se conclui que esta capacitação guindará estes profissionais a certo patamar de conhecimento técnico sem dúvida superior em comparação aos demais envolvidos na operação, seja na comercialização dos próprios bens ou serviços não-financeiros, seja na prestação dos serviços objeto do contrato de correspondente. A simples recepção e encaminhamento de propostas de operações de crédito são serviços que não podem ser equiparados aos desempenhados pelo profissional capacitado para responder perante a instituição contratante pelos serviços financeiros prestados no estabelecimento do contratado.

A diferenciação entre o profissional capacitado e responsável perante a instituição contratante e os demais empregados envolvidos na operação é medida que se impõe, em especial no tocante ao enquadramento da espécie de vínculo de emprego de cada qual. Ademais, o profissional capacitado nos termos acima mencionados deverá ser identificado à instituição contratante quando do envio da documentação de proposta de operação de crédito ou arrendamento mercantil, de forma a viabilizar, rápida e diretamente, a identificação e responsabilização por eventuais problemas na operação individual em questão. Há, portanto, a transferência efetiva de responsabilidade, ínsita às operações de crédito praticadas pela instituição contratante, ao profissional capacitado nos termos do art. 12 da Resolução consolidada vigente. Isso é um fato novo que não poderá ser desconsiderado pela Justiça do Trabalho.

A exigência desta capacitação de profissional envolvido nas operações de crédito e de arrendamento mercantil, que deverá ser de um profissional, no mínimo, por ponto de atendimento, além da obrigatoriedade de remeter os dados deste profissional juntamente com o encaminhamento da proposta de operação de crédito ou arrendamento mercantil, terá vigência após 3 anos da data de publicação da Resolução consolidação vigente, conforme disposto no inciso I do art. 22 desta mesma Resolução. O prazo é suficiente para os contratados adaptarem suas equipes de trabalho e, também, para a compreensão pelos membros da Justiça do Trabalho acerca da diferença real entre as tarefas e responsabilidades de uma espécie e a outra de trabalhador.

Esta compreensão acerca das diferenças entre as espécies de trabalhadores envolvidos na prestação de serviços de bancário, de correspondente vinculado às operações de crédito e de arrendamento mercantil e dos demais empregados dos correspondentes exige-se pela própria natureza do sistema jurídico brasileiro, da ordem jurídica melhor dizendo, donde não se permite uma interpretação em favor dos obreiros sem a consideração, sistêmica, das demais normas do sistema, justamente pelo princípio de se apresentar como uma Ordem e possuir Unidade, conforme adiante restará demonstrado.

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Sobre o autor
Thiago de Carvalho e Silva

Advogado e administrador de empresas. Mestrando no Programa de Estudos Pós-Graduados da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), vinculado ao Núcleo de Pesquisa em Direito Econômico. Especialista em Planejamento Societário e Tributação pela Fundação Getúlio Vargas – FGVLaw. Integrante do Grupo de Estudo “Capitalismo Humanista” da PUC-SP, registrado perante o CNPq. Coordenador de Administração e Finanças da Associação de Pós-Graduandos em Direito da PUC-SP (APGDireito/PUC-SP). Representante discente dos Pós-Graduandos no Conselho da Faculdade de Direito da PUC-SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Thiago Carvalho. O contrato de correspondente de instituição financeira e a natureza jurídica do vínculo de emprego: a ordem e a unidade do sistema jurídico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3352, 4 set. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22549. Acesso em: 26 abr. 2024.

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