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Comentários sobre a Resolução 1.995 de 2012 do CFM

orientações à eutanásia no Brasil

Comentários sobre a Resolução 1.995 de 2012 do CFM: orientações à eutanásia no Brasil

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O direito à vida, que é relativo, não pode ser imposto a outrem, assim como não pode a morte ser imposta ao paciente terminal, contra a sua própria vontade. Se o paciente opta pela morte, pela eutanásia, não pode o Estado intervir nesta decisão de ordem privada, individual, de primeira dimensão.

RESUMO

A eutanásia, em casos específicos, desde que preenchidos os pressupostos necessários expressos na Resolução 1.995 do CFM/2012 é para o paciente  o seu último e nobre pedido que deva ser concedido: o direito à boa morte. Não se pretende neste trabalho erguer indiscriminadamente o direito à eutanásia, autorizando a eugenia, mas, imparcialmente, defender o direito do paciente terminal ao livre-arbítrio, especialmente, o direito e garantia constitucional da liberdade de se autodeterminar conforme o princípio bioético da autonomia da vontade respaldado pelo instrumento ético chamado consentimento informado. No Brasil, não é permitido o direito de morrer, mas em agosto de 2012, o Conselho Federal de Medicina acenou para esta possibilidade. No meio médico, fala-se em orientação à antecipação da morte. No direito penal, essa orientação pode ser considerada um suicídio assistido, ou homicídio. No direito constitucional, ela poderá ser considerada inconstitucional por se tratar de eutanásia passiva. E, no futuro, por processo judicial, talvez venha a ser recepcionada como uma permissibilidade constitucional ao ato piedoso de auxiliar o paciente a morrer cessando todo e qualquer sofrimento. No direito civil, faz-se necessário observar o instituto da responsabilidade, assim como no direito administrativo. Tanto a bioética, quanto o direito constitucional têm princípios que se colidem diante do direito à vida e do direito de fato de morrer. Todavia, mister se faz, nas arguições deste trabalho, distinguir eutanásia de ortotanásia  e distanásia; eutanásia ativa de eutanásia passiva; inconstitucionalidade de constitucionalidade, direito à vida e direito de morrer; colisão de princípios e direitos com suas respectivas hierarquias, mas especialmente, garantir o princípio constitucional da dignidade humana do paciente terminal de doença irreversível.

Palavras-chave: Eutanásia. Direito à liberdade. Direito à vida. Direito de morrer.

COMMENTARY ON THE RESOLUTION 1.995 OF THE 2012 THE FEDERAL COUNCIL OF MEDICINE (CFM): ORIENTATION TO THE EUTHANASIA IN BRAZIL

Seline Nicole Martins Soares1

Felipe Valdiere Soares Canfield2

SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS. 1. Falácias do direito à vida. 2. Inconstitucionalidades do direito de morrer. 3. A eutanásia sob a óptica do artigo 5º da Constituição Federal brasileira. 4. Relativização dos direitos fundamentais à vida e à liberdade. 5. Os direitos humanos na pirâmide constitucional brasileira. 6. Singelos comentários sobre a Resolução 1.995 de 2012 do CFM. 7. A eutanásia e o princípio do mínimo existencial. 8. A eutanásia e os princípios da prevenção e da precaução. 9. A eutanásia e o princípio da solidariedade; 10. A eutanásia e o princípio fundamental da dignidade humana e os princípios básicos da bioética. 10.1. O direito à vida. 10.2. O princípio da bioética da beneficência. 10.3. O princípio da bioética da autonomia da vontade do paciente. CONSIDERAÇÕES DERRADEIRAS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


CONSIDERAÇÕES INICIAIS

No Brasil, em 2012, pela primeira vez o tema polêmico da eutanásia ganha nova perspectiva, surge um novo paradigma para os pacientes terminais além da ortotanásia e da distanásia, surge a possibilidade do paciente pleitear a eutanásia, ou seja, o seu direito de morrer com a garantia de um acompanhamento médico, e surge a garantia para o médico de se eximir de responsabilidades deste ato piedoso no âmbito administrativo das resoluções do Conselho Federal de Medicina (CFM).

Todavia, a Resolução 1995 de 31 de agosto de 2012 do Conselho Federal de Medicina sobre a antecipação da morte do paciente em estado de saúde irreversível e terminal, no Brasil, é inconstitucional. A presente resolução, fundamentada em princípios da bioética, como o princípio da vontade livre do paciente expressa em Termo de Consentimento Informado, fundada no direito à liberdade, é inconstitucional. A morte desejada pelo paciente e assistida pelo médico é ilícita e criminosa que poderá ocasionar responsabilidade solidária (compartilhada) do médico pela prática de homicídio e do hospital ou clínica onde o paciente esteja sendo tratado, e dos familiares do doente, no caso de incapacidade civil deste paciente.

Mister se faz alertar, sem aprofundar os conceitos dos remédios constitucionais, que, conforme cada caso in concreto, todo ato ou ação que viola princípios, direitos, garantias, prerrogativas expressas na Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988 (CRFB/88) , enseja Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), ou Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), ou Mandado de Injunção (MI), ou Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). Ousa-se aventar, utopicamente, a possibilidade de equiparação do direito à vida, em Ação Declaratória de Constitucionalidade, ao pedido da própria morte, e, ainda, a possibilidade da impetração de Mandado de Segurança contra ato de médico, em hospital público. E, talvez, uma Ação Popular pleiteando a moralidade na prestação de serviço de hospital público, na equidade distributiva do cuidado ao paciente doente terminal.

O presente estudo tem por escopo analisar o direito à boa morte sob a óptica do direito, sem adentrar nos remédios constitucionais, na questão filosófica, religiosa ou dogmática. Não se pretende aqui, constituir doutrinas cristãs, religiosas, conforme a dialética, após a análise, desconstituir, contradizendo tudo o que foi dito. Neste trabalho não há que se perquirir acerca dos valores morais de cada religião, mas sim, sobre os valores éticos da sociedade no trato do bem jurídico fundamental: vida (e paralelamente: morte). A finalidade da análise acerca da eutanásia na presente resolução 1.995 de 2012, objeto deste estudo, visa assegurar direitos e garantias fundamentais, tanto do paciente que solicita o encerramento da sua própria vida, quanto aos direitos e responsabilidades do médico e outros profissionais da área da saúde, como da própria instituição, seja hospital público ou privado, clínica, consultórios, e Comitês de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, de Universidades com hospitais universitários. Não se quer acusar ou defender quem assiste ao ato de eutanásia, mas apenas que se faça cumprir o direito e que se assegure a justiça distributiva, a equidade. Este estudo traz à tona uma interpretação é imparcial, conforme o contexto atual da sociedade reflexiva, e tem como método de pesquisa o dedutivo.


Falácias do direito à vida

Em se tratando do tema eutanásia, apesar do paciente estar em posse da sua capacidade civil, no uso e gozo dos seus direitos, pois não está sofrendo no judiciário nenhuma intervenção destes direitos, e de possuir ampla capacidade de exercer o seu direito à liberdade, direito esse defendido pelos iluministas, como o direito individual, o direito do “eu”, em decidir o que é melhor para si, e apesar do Estado não dever intervir nesta esfera privada, não pode o paciente decidir livremente pela opção morte. Parece uma falácia, um sofisma, um engodo onde o indivíduo, o cidadão, que tem plena capacidade de exercer todos os direitos e prerrogativas sobre a sua própria vida, não tem liberdade para decidir sobre a sua própria morte. Morte esta que a vida no processo vital lhe sentenciou como sendo uma morte lenta, dolorida e longa. Relata George Salomão Leite3 in Capítulo “Direito Fundamental a uma morte digna” o sofrimento de Vincent Humbert que escreveu o livro Peço-vos o direito de morrer “(...) Desde aquele dia, eu não vivo. Fazem-me viver. Sou mantido vivo. Para quem, para que, eu não sei. Tudo o que eu sei é que eu sou um morto-vivo, que nunca desejei esta falsa morte”. Assombra a expressão falsa morte para designar uma vida sem qualidade de vida, uma vida que é única e exclusivamente dor, sofrimento.

Pegoraro4 salienta Aristóteles que dizia “ao homem não basta viver (os animais também vivem), ele quer viver bem”. Para Pegoraro5 “Toda a ética das virtudes aristotélicas gira em torno deste tema a “boa vida” do ser humano”. Muito embora viver bem seja sinônimo de viver com qualidade de vida, observa Lolas6 a distinção entre “precondições da qualidade de vida, como o estado econômico da nação, o avanço das tecnociências e a infra-estrutura material, da qualidade de vida como fenômeno subjetivo e bem-estar individual. Fala-se, às vezes, de qualidade de vida objetiva versus subjetiva”. Logo, qualidade de vida objetiva ofertada na contraprestação do Estado, com equidade, com segurança, e qualidade de vida subjetiva do cidadão paciente terminal em receber, em demandar, todo o cuidado inerente a sua condição subumana, todo o alívio, toda cessação do estado de sofrimento, espiritual, material, físico.



Inconstitucionalidade do direito de morrer

Como que se efetiva a inconstitucionalidade? A inconstitucionalidade em questão é dúplice, pois ela se manifesta na negação de opção do paciente, no seu direito fundamental à liberdade, no seu direito civil fundado na vontade autônoma, ao biodireito: à boa morte, pois este direito de primeira dimensão é inexistente no Ordenamento Jurídico Nacional. A outra inconstitucionalidade se manifesta na violação ao direito fundamental à vida disposto no artigo 5º, Caput da CRFB/88. Violar o direito à vida e violar o direito à liberdade do paciente em se autodeterminar é dizer que estas violações são inconstitucionais por que ferem este dispositivo constitucional. Contra esta violação, ou violações, cabem Ação Direta de Inconstitucionalidade, que poderá ter um controle concentrado ou difuso, que poderá ter efeito ex tunc, ou ex nunc quando modificado, em qualquer caso, dever-se-á analisar cada situação in concreto. Se o paciente não pode livremente se autodeterminar conforme a sua vontade, em prol do seu direito à morte, pode-se dizer com certeza que ele, apesar da não previsão constitucional, está sendo desrespeitado no seu direito à liberdade e à igualdade.


A eutanásia sob a óptica do artigo 5º da Constituição Federal brasileira

Transcreve-se o respectivo Artigo 5º7 “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”. Percebe-se que há um paralelismo, entre o direito à vida e o direito à morte (direito de morrer), a boa vida como à boa morte, como se um fosse sombra e reflexo do outro. Assim ao se defender o direito à vida paralelamente se defende o direito à morte, ou seja, a vida com qualidade de vida, a morte com dignidade da boa morte. Lolas8 chama atenção para um caso que ele chama de especialmente premente que “está na morte social dos que, padecendo de uma doença grave e incurável, são excluídos da vida grupal e privados de qualquer perspectiva”. Lolas orienta no sentido de não se permitir a exclusão, pois o paciente terminal não deve ser tratado com discriminação, portanto, o seu direito à igualdade deve ser reexaminado, pois se uma pessoa tem o direito à vida, assegurado por meio da biomedicina, esta deverá, também, por isonomia, garantir o direito à boa morte, sob pena de discriminar e torturar o paciente terminal de doença incurável.

Conforme a Constituição Federal urge a necessidade de legislar sobre o direito à boa morte, artigo 5º, II “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Pegoraro9 adverte que desde Kant “O sujeito autônomo é autolegislador; ele não recebe normas éticas de fora, da natureza ou da divindade, mas ele dá a si mesmo sua norma ética com a exigência que seja universalizável.”. Neste sentido, a resolução 1995 do CFM, sobre eutanásia, poderá embasar os argumentos favoráveis ao Congresso Nacional à legislação deste tema polêmico.

Não há que se afrontar a Magna Carta no artigo 5º, III “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”, pois não se almeja neste trabalho que o paciente terminal seja torturado com uma vida sem esperanças, predestinada ao eterno viver com dor, com sofrimento, de forma humilhante e indigna. Não é isso que se busca, ao contrário, luta-se pelo direito (de quem quiser e consentir) de ter um doce morrer, um eterno recordar de momentos felizes junto aos familiares e amigos. Quem poderá viver feliz sabendo que irá depender dos cuidados do SUS? Uma vida, ou melhor, um resto de vida torturada por infinita dor e compartilhada com várias pessoas em um hospital público, ou em um hospital particular, onde mesmo pagando, o paciente será praticamente um vegetal que necessita dos outros para tudo. Quem se imagina dependendo dos outros a todo instante, dependendo da boa vontade dos outros, dependendo do profissionalismo qualificado destes outros (enfermeiros, médicos, fisioterapeutas, etc.). Quem poderá se imaginar sentindo dores que se intensificam a cada novo dia?

Condiz com a situação do paciente que solicita o desligamento ou cessação de tratamento que não cura, mas que prolonga a estada da sua vida neste mundo, a exigência do Consentimento Informado deste, pois ao encontro vem o artigo 5º, IV, da CRFB/88: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Mister se faz toda a identificação do paciente, e testemunhas deste pedido, para que haja o direito à defesa dos profissionais que auxiliaram ou auxiliarão a concretizar o seu pedido derradeiro, por um ato de piedade, conforme o inciso V, deste mesmo artigo, que dispõe: “ é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”. Por sua vez, o médico não pode ser coibido, nem a prestar auxílio à morte, nem coibido a não efetivar o ato de eutanásia.

E, diante desta situação, para a proteção, tanto do paciente, quanto do médico ou outro profissional da área da saúde, no mesmo artigo, no inciso X, vem ao encontro de todo o alegado, que: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Logo o paciente terminal tem o direito constitucional de preservar a sua imagem, de pessoa saudável, assim como o médico o da imagem de excelente profissional zeloso que cumpre com as orientações da bioética, e do biodireito constitucional. Tanto o médico quanto o paciente terminal, independente dos motivos, das convicções, ambos têm o direito ao arrependimento, sendo possível pleitear indenização. O médico tem um custo, um ônus, material e formal no ato da eutanásia, o paciente tem o direito de se arrepender, a qualquer tempo, não se admitindo que se dê continuidade ao projeto eutanásico. Neste caso, os familiares poderão pleitear indenização. No caso de indenização, o hospital e o médico dirigente responderão objetivamente, e o médico especialista responderá em ação regressiva, subjetivamente por todo o ônus, e sofrimento, que havia se comprometido a não-fazer. Se ele consentiu em praticar a eutanásia, ele se comprometeu em auxiliar o paciente a morrer sem dor, sem sofrimento, se o paciente sofrer, agonizar, o médico poderá responder, pois tinha se comprometido em não permitir que o paciente tivesse dor, ou seja, assinou a obrigação de não-fazer.

Conforme dispõe o artigo 5º, Caput, da CRFB/88 o direito à vida é um direito fundamental, é um direito individual ou coletivo, de caráter universal, pois é um direito humano. Não se trata de uma visão romântica ao afirmar que o direito à vida é um direito sagrado, pois o sagrado na visão constitucional é o tratamento dado para este direito, é a sua localização geográfica no Texto Constitucional, e é a eficácia e eficiência deste direito às garantias fundamentais do cidadão brasileiro. A Constituição Federal brasileira é a bíblia sagrada de todos que residem no Brasil. Todos, através de um processo democrático elegeram seus constituintes para lhes representar na confecção desta Constituição, que faz referência às ideias iluministas de que “todo poder emana do povo”. É o povo o verdadeiro soberano, nas decisões coletivas, e individuais, de interesse comum de todos.

Interesse comum de todos abrange o interesse individual, o interesse coletivo, o interesse público, o interesse difuso, ou interesse transindividual. Faz-se necessário nesse processo que o paciente condenado a morte sofrida por doença grave e irreversível seja escutado para que o povo seja a sua voz, e o eco dos seus pedidos sejam aclamados pelo povo no Congresso Nacional.

A cultura do povo, a identidade cultural, deve ser respeitada, mas não pode intervir no direito fundamental à liberdade do paciente agonizante de ser ouvido, de decidir sobre a sua própria vida. Enquanto o Congresso Nacional continuar legislando com fundamento em religião “A”, “B” ou “C”, em pleno Estado Laico, ele estará desrespeitando a própria Carta Social deste país. O legislador derivado deve respeitar o legislador originário naquilo que for relativo a cláusulas pétreas.


Relativização dos direitos fundamentais à vida e à liberdade

O direito à vida, este expresso no Tratado Internacional de Direitos Humanos que se chama Declaração Universal dos Direitos do Homem da Organização das Nações Unidas (ONU) de 10 de dezembro de 1948, artigo 3º: “Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal” foi recepcionado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Enquanto direito do tratado internacional era apenas uma diretiva, mas a partir do momento que foi recepcionado na Constituição Federal do Brasil, ele se tornou um direito fundamental do povo brasileiro, com o status de cláusula pétreas, segundo o artigo 60, §4º, IV, da CRFB/88, mas relativo. Enquanto considerado uma cláusula pétrea ele não pode ser abolido no ordenamento jurídico nacional, mas, hoje, ele não é considerado imutável, pois ele pode, sim, ser modificado. O direito à vida é um direito relativo, pois há previsão constitucional da possibilidade de condenar um indivíduo à pena de morte. Esta previsão é restrita ao direito de guerra. Se o Brasil estiver em guerra, é possível atentar contra a vida de outrem, seja como legítima defesa, ou não. Entretanto, essa possibilidade encontra limites, pois deve estar conforme o interesse público do Estado, nunca para satisfazer interesse pessoal de indivíduos desafetos, que não tem afinidade, ou simpatia por seus compatriotas, mas será possível no caso de inimigos da nação.


Os Direitos Humanos na pirâmide constitucional brasileira

O advento da Emenda Constitucional número 45 de 2004 trouxe muitas modificações na Ordem Jurídica Nacional, entre elas, redesenhou a pirâmide constitucional de Hans Kelsen na órbita interna brasileira. O Tratado internacional de Direitos Humanos terá uma colocação temporal na hierarquia desta pirâmide. O Tratado Internacional de Direitos Humanos, como o Protocolo Facultativo à Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência: acessibilidade das pessoas com deficiência, que foi aprovado, após a EC.45/04, seguindo as prescrições do artigo 5º, §3º, da CRFB/88, ele foi recepcionado com equivalência a Emenda Constitucional, ao lado da própria Constituição da República Federativa do Brasil, no mesmo patamar de direitos, no ápice da pirâmide.

Se o Tratado Internacional de Direitos Humanos foi recepcionado antes da EC.45/04, como a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, o Código de Nüremberg de 1947, a Declaração de Helsink de 1964, entre outros, estará na fase intermediária de hierarquia constitucional, pois será declarado o tratado, que já foi recepcionado, como Lei Supralegal. Antes de 2004, os mesmos tratados eram recepcionados como leis ordinárias ou infraconstitucionais, hoje, eles são recepcionados como Lei Supralegal, abaixo das Emendas Constitucionais e a própria Constituição Federal, e acima das Leis Ordinárias e Leis Complementares. Na base da pirâmide estarão os Tratados Internacionais que não são de direitos humanos (em geral, os econômicos); estarão as Leis Complementares, as Leis Ordinárias, as Medias Provisórias, os Decretos Legislativos, as Resoluções, e no âmbito administrativo: os Regulamentos (resoluções, decretos executivos, portarias, memorandos, etc.). Assim as orientações da Declaração de Nüremberg e da Declaração de Helsink estão inseridas no meio da pirâmide como Leis Supralegais, e acima da Resolução 1.995 de 2012 do Conselho Federal de Medicina.

Este artigo chama a atenção para a questão do direito à vida e o direito à liberdade previstos na Declaração Universal dos Direitos do Homem (Direitos Humanos) estarem inseridos no meio da pirâmide, sendo hierarquicamente inferiores, em relação às Emendas Constitucionais, mas superiores em relação as resoluções do CFM (diretivas administrativas). Muito embora, o direito à vida e o direito à liberdade estarem inseridos no Título II Dos Direitos e Garantias Fundamentais, no Capítulo I Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos da Constituição da República Federativa do Brasil, assim sendo, acima das Leis Supralegais, portanto, hierarquicamente superiores na Pirâmide de Kelsen. Conclui-se que, que pelo atual processo de recepção dos Direitos Humanos (art.5º,§3º, da CRFB/88) é possível, democraticamente, modificar a situação do direito de morrer, que de inexistente poderá, se considerado for, como direito humano do paciente terminal, ser equiparado ao direito à vida, por ter como fundamento o princípio da dignidade humana (art.1º, III, da CRFB/88). Se a voz do povo, na sociedade reflexiva, quiser, terá mais consciência sobre os direitos do outro, em ser feliz. E, esta felicidade poderá estar no direito de viver, tanto quanto, no direito de morrer do paciente terminal, que expressamente autorizar a eutanásia.


Singelos comentários sobre a Resolução 1.995 de 2012 do CFM

Observações acerca da Resolução 1.995 do CFM frente ao Ordenamento Jurídico Nacional, que se Seguem abaixo, na reprodução desta, de forma empírica, pelo autor(a) deste trabalho.

RESOLUÇÃO CFM nº 1.995/2012

(Publicada no D.O.U. de 31 de agosto de 2012, Seção I, p.269-70)

Dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes.

Cumpre observar que se tratam, nesta resolução, de diretivas do paciente acerca da sua vontade sobre fatos futuros e incertos, ou seja, diretivas são orientações e metas a serem atingidas a partir de uma decisão organizada, fundamentada em fatos e direitos expressos para que o ato da eutanásia não ofereça ao médico responsabilidade administrativa, civil e penal.

O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, e pela Lei nº 11.000, de 15 de dezembro de 2004, e

O conselho Federal de Medicina não tem o poder de legislar, não pode criar resoluções como se fossem leis. As leis supralegais e os dispositivos constitucionais estão acima das resoluções do Conselho Federal de Medicina, embora as Leis Ordinárias e as Leis Complementares, atualmente, estejam no mesmo patamar. A presente resolução tem por escopo (corporativista), não excluir o médico responsável pelo ato de eutanásia dos quadros deste órgão, que não é uma autarquia, mas que é sui generis no Ordenamento Nacional desde que ele tenha seguido tudo o que está prescrito neste instrumento de defesa.

CONSIDERANDO a necessidade, bem como a inexistência de regulamentação sobre diretivas antecipadas de vontade do paciente no contexto da ética médica brasileira;

CONSIDERANDO a necessidade de disciplinar a conduta do médico em face das mesmas;

Não há previsão legal à prática da eutanásia, nem respaldo da ética, nem da moral, neste diploma da ética médica brasileira, nem no Ordenamento Nacional. Há que se chamar a atenção sobre a distinção de moral e de ética, que, de fato, trata a ética de orientações de bem se relacionar dentro da sociedade. Logo, é a relação do indivíduo médico com a coletividade da sua comunidade profissional, ou seja, do médico com os pacientes, os enfermeiros, diretores dos hospitais. Portanto é o cuidar não só do paciente, mas de tudo aquilo que é comum a todos, ou seja, dos bens jurídicos protegidos pela lei, como o bem jurídico “vida”.

CONSIDERANDO a atual relevância da questão da autonomia do paciente no contexto da relação médico-paciente, bem como sua interface com as diretivas antecipadas de vontade;

A autonomia do paciente é para o médico um princípio da bioética que pode ser tutelado pelo direito constitucional fundamental humano da liberdade. Para Pegoraro10 “ A autonomia sempre esteve no cerne da ética. Sem autonomia para refletir, deliberar e decidir não há liberdade, não há responsabilidade ética, sem autonomia não há ética”. E, o médico assegurado pelo direito civil ao constatar que o paciente está em pleno gozo de capacidade para se autodeterminar segundo a sua vontade sem pressão, sem coação ou indução, mas simplesmente pelo seu querer estará resguardado de responsabilidade administrativa por prova lícita: o termo de consentimento informado.

CONSIDERANDO que, na prática profissional, os médicos podem defrontar-se com esta situação de ordem ética ainda não prevista nos atuais dispositivos éticos nacionais;

Na prática o médico poderá responder por homicídio, mesmo que haja previsão regulamentar do Conselho Federal de Medicina, ele e todo aquele profissional que lhe auxiliar.

Art. 121, do Código Penal. Matar alguém: Pena - reclusão, de seis a vinte anos. Caso de diminuição de pena: § 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou (...) o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. Homicídio qualificado. § 2° Se o homicídio é cometido: I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; II - por motivo fútil; III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido; V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime: Pena - reclusão, de doze a trinta anos. Homicídio culposo. § 3º Se o homicídio é culposo: (Vide Lei nº 4.611, de 1965). Pena - detenção, de um a três anos. Aumento de pena. § 4º No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos. (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003). § 5º - Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.       (Incluído pela Lei nº 6.416, de 24.5.1977). § 6º  A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio.  (Incluído pela Lei nº 12.720, de 2012). Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio. Art. 122 - Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça: Pena - reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave. Parágrafo único - A pena é duplicada: Aumento de pena. I - se o crime é praticado por motivo egoístico; II - se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência.

A situação do médico é muito delicada diante do direito penal, pois se auxiliar na cessação da dor do paciente terminal, permitindo-lhe morrer de forma antecipada, ele estará cometendo um homicídio, que poderá ser doloso, ou culposo, qualificado, se morrer é auxílio a suicídio, se não morrer é lesão corporal, de qualquer forma, é crime. Dependendo da situação poderá ser crime de reclusão ou de detenção. Para o médico, o familiar, ou terceiro que se penalizar com o sofrimento do doente terminal, o risco de ter a sua própria vida, o seu direito de ser feliz subtraído da sua esfera privada, é muito grande (prisão). A solução é mobilizar a sociedade, que é a voz do povo, para que o Congresso Nacional legalize a eutanásia, ou a condene, abolindo-a de qualquer instrumento administrativo, neste caso, proibindo a Resolução 1.995 de 2012 do Conselho Federal de Medicina, ou lhe dando total respaldo moral e ético.

CONSIDERANDO que os novos recursos tecnológicos permitem a adoção de medidas desproporcionais que prolongam o sofrimento do paciente em estado terminal, sem trazer benefícios, e que essas medidas podem ter sido antecipadamente rejeitadas pelo mesmo;

O médico deve considerar se na dúvida científica ele deve usar da precaução diante do dano irreparável da extinção da vida do paciente, se ao explicar para o paciente sobre o diagnóstico da doença grave e irreversível, se ele explicou de forma clara, simples e objetiva a realidade dos fatos, para que o paciente decida por qual paradigma ele deseja seguir, ou seja, por um caminho longo e dolorido, por um caminho longo e não dolorido, por um caminho curto e não dolorido ou curto e dolorido. Deve analisar se a decisão do paciente foi motivada de forma eventual (depressão), ou sistemática (meditada), com base em conhecimento científico, ou no medo de sofrer ainda mais do que já está sofrendo, ou se foi motivada por empirismo, ou pura ignorância (tabus), ou indução alheia (interesses ocultos).

CONSIDERANDO o decidido em reunião plenária de 9 de agosto de 2012,

RESOLVE:

Art. 1º Definir diretivas antecipadas de vontade como o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade.

A revista Época de 25 de junho de 2012, n. 736, traz uma reportagem sobre os brasileiros que pagaram para agendar o próprio fim em uma clínica da Suíça (debate sobre morte assistida). Para melhor vislumbrar o artigo 1º desta resolução, tem-se o caso de paciente, que lhe é comunicado pelo médico o diagnóstico de câncer galopante, em abril de determinado ano. O paciente vem a óbito após operação inócua, cheio de tubos, em setembro do mesmo ano. Se em abril, conforme os princípios da bioética, o médico tivesse esclarecido sobre a realidade da doença, que além de ser um câncer, que por si só já é algo horrível, era um tipo raro, um câncer galopante, por exemplo, de próstata, talvez o paciente, se desejoso de não ser lembrado pelos amigos e familiares definhando de dor e sofrimento, transfigurado pela dor, talvez ele pudesse ter tido o direito à liberdade de optar por não sofrer desta forma desumana. E, talvez ele tivesse assinado o Termo de Consentimento Informado tanto para o uso de novos fármacos, ou novas terapias, quanto, ao chegar em setembro, no ápice da dor agonizante, tivesse optado pelo fim da própria vida. Neste caso, em abril, o paciente estava lúcido, estava em plena capacidade civil de se autodeterminar conforme a sua própria vontade, livre e consentida. Em setembro, não. Em setembro o fim era certo, e este fim poderia ser longo, poderia ser cheio de consecutivas operações, cheio de inexistência de esperanças do retornar ao status a quo vital. O fim triste estava anunciado, e o paciente, sem a liberdade de optar, estava entregue a própria sorte.

Art. 2º Nas decisões sobre cuidados e tratamentos de pacientes que se encontram incapazes de comunicar-se, ou de expressar de maneira livre e independente suas vontades, o médico levará em consideração suas diretivas antecipadas de vontade.

As considerações do médico sobre a solicitação de eutanásia por paciente que se encontra em estado incomunicável por lhe faltar capacidade de se autodeterminar somente será possível por que o paciente firmou o Termo de Consentimento informado quando se encontrava em pleno gozo civil da sua capacidade, tendo o feito testemunha. Salienta-se que para maior segurança, todo documento, inclusive o Termo de Consentimento Informado, deverá ser averbado em cartório e reconhecida firma das testemunhas. Tudo isso para melhor assegurar o direito do médico em se precaver, e o do paciente em vislumbrar uma morte suave, doce, através da eutanásia. Adverte-se que jamais o médico poderá aceitar gestos como sendo sinais de concordância com a prática da eutanásia. O paciente só poderá prestar o seu consentimento por escrito, com testemunhas, averbado, e em plena capacidade civil de se autodeterminar.

§ 1º Caso o paciente tenha designado um representante para tal fim, suas informações serão levadas em consideração pelo médico. SGAS 915 Lote 72 | CEP: 70390-150 | Brasília-DF | FONE: (61) 3445 5900 | FAX: (61) 3346 0231| http://www.portalmedico.org.br

Não é suficiente a avaliação do médico considerando a decisão de terceiro sobre a vida ou morte do doente que se encontra incapaz de exercer a sua vontade autônoma, se esse terceiro não apresentar documento com fé pública, ou seja, uma procuração com poderes legais à representação. Para evitar simulação que provoca a nulidade do ato desde a sua origem, deve-se seguir os trâmites legais. Assim qualquer documento privado necessita de duas testemunhas para o feito, inclusive o de que o poder de decidir sobre a vida do paciente foi incumbida a terceiro de sua confiança. No §2º “O médico deixará de levar em consideração as diretivas antecipadas de vontade do paciente ou representante que, em sua análise, estiverem em desacordo com os preceitos ditados pelo Código de Ética Médica”. Neste caso, quando os preceitos de bioética forem descumpridos ou desrespeitados, todavia, mesmo que eles estejam conforme a resolução 1.995/2012, talvez eles não os estejam conforme o direito positivo. A assessoria jurídica deve estar presente em todo o Comitê de Ética para revisar os Termos de Consentimento Informado, sob pena de responsabilizar objetivamente o hospital.

Conforme a bioética, no § 3º “As diretivas antecipadas do paciente prevalecerão sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos familiares” e segundo o direito constitucional, não há que prevalecer a opinião dos familiares do doente terminal, por mais nobre que sejam as intenções destes, pois o bem jurídico tutelado pelo direito é a “vida” do paciente que tem garantido o direito constitucional de “liberdade”. Se o paciente incurável não sofreu nenhum tipo de constrangimento, indução, coação, instigação, a decisão dele prevalecerá sobre a do médico e sobre a dos familiares. É princípio básico da bioética o respeito à vontade do paciente, acima da dos familiares.

A orientação do § 4º “O médico registrará, no prontuário, as diretivas antecipadas de vontade que lhes foram diretamente comunicadas pelo paciente”, este procedimento está errado, equivocado ou incompleto, pois é insuficiente uma anotação no prontuário sobre a vontade do paciente. Faz-se extremamente necessário o Termo de Consentimento Informado do paciente terminal, de preferência, averbado e homologado em Cartório de registro civil, com dois testemunhos com firma reconhecida sobre a última vontade do paciente, de preferência, uma testemunha do médico, e a outra do paciente.

Assim se evitam maiores transtornos para o médico, para o terceiro incumbido de decidir pelo paciente terminal, para o hospital, e assegura que, como se um testamento ou codicilo fosse, a vontade do paciente seja cumprida: morrer de forma breve e sem dor, de se despedir da vida quando ainda é possível preservar a sua imagem, a sua dignidade. No prontuário deveria ser registrado o pedido para firmar o Termo de Consentimento informado, e se o paciente não puder se deslocar até o cartório, que o escrivão ou escriturário venha até o hospital para que seja firmado este documento que poderá ser público ou privado.

§ 5º Não sendo conhecidas as diretivas antecipadas de vontade do paciente, nem havendo representante designado, familiares disponíveis ou falta de consenso entre estes, o médico recorrerá ao Comitê de Bioética da instituição, caso exista, ou, na falta deste, à Comissão de Ética Médica do hospital ou ao Conselho Regional e Federal de Medicina para fundamentar sua decisão sobre conflitos éticos, quando entender esta medida necessária e conveniente.

Na dúvida, o procedimento eutanásico não deverá ser adotado, pois há o risco de se praticar eugenia. A Constituição Federal não admite nenhum tipo de discriminação, jamais irá permitir que haja um processo seletivo do paciente de baixa renda, em relação ao paciente de média ou alta renda. Se o paciente não puder pagar por um tratamento adequado, então, talvez ele venha a correr o risco de ser eliminado. Não há que se falar em morte piedosa nesta situação, mas de homicídio qualificado com agravante, pois a pessoa eliminada não tinha condições de se defender contra a violência que lhe estava sendo aplicada.

Art. 3º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília-DF, 9 de agosto de 2012

ROBERTO LUIZ D’AVILA HENRIQUE BATISTA E SILVA

Presidente Secretário-geral SGAS 915 Lote 72 | CEP: 70390-150 | Brasília-DF | FONE: (61) 3445 5900 | FAX: (61) 3346 0231| http://www.portalmedico.org.br

Chama-se a atenção para a vigência desta resolução, que passou a vigorar em agosto de 2012, antes da suposta prática de eutanásia pela médica de hospital evangélico no Paraná, em Curitiba, em 2013. A prática da eutanásia não pode ser usada de má-fé, com o intuito de eliminar pacientes vitais, pobres, ou que tenham doado, em vida, seus órgãos, ao falecer. Aqui, urge a intervenção difusa do Ministério Público a todos os casos consentido de eutanásia, como fiscal da lei. A eutanásia deve ser vista como a prática piedosa da beneficência em prestar ajuda ao paciente que sofre de dores intensas e sem diagnóstico de cura, ou seja, sem esperanças de ter de volta a sua vida, na plenitude de uma vida com qualidade de vida em busca da felicidade.


A eutanásia e o princípio do mínimo existencial

Uma pessoa para bem viver necessita de condições mínimas à sua sobrevivência, e nesta não se inclui apenas o viver tendo cuidados, mas o ter cuidados adequados (de profissionais da saúde). George Salomão Leite11, por sua vez, retrata o parecer da Corte Colombiana sobre eutanásia que afirmou que “desde uma perspectiva pluralista não se pode afirmar o dever absoluto de viver... o direito à vida não pode reduzir-se à mera subsistência”. Não significa apenas exercer o direito pleno à vida, mas a vida com qualidade de vida. Uma pessoa herda o direito à vida, de ao menos viver como seus ancestrais viveram, mas quando chega ao final da vida, não consegue morrer com respeito a sua imagem, pois o seu estado físico e moral, o seu espírito transcendental, tudo lhe é merecedor da tutela principiológica fundamental da dignidade de pessoa humana. Esta tutela é o mínimo que a sociedade pode ofertar a este ser humano que se esvazia de esperança de encontrar a cura ou o alento alívio para sua dor.

Fensterseifer12 ensina que “o conceito de mínimo existencial está diretamente relacionado à dimensão existencial humana mais elementar, conferindo a todo cidadão a garantia constitucional de acesso a um conjunto mínimo de prestações sociais, que pode tomar tanto a feição de um direito de natureza defensiva quanto negativa, sem o qual a sua dignidade se encontraria profundamente comprometida ou mesmo sacrificada”. E, em relação ao direito à vida, Fensterseifer13 observa que, este, enquanto comparado ao clássico direito à liberdade “a partir de uma leitura constitucional contemporânea toma uma feição tanto liberal e defensiva (no sentido de não-violação do direito) como também social e prestacional (no sentido de afastar qualquer violação que incida sobre o direito à vida, o que também ocorre na falta de acesso a um mínimo de direitos sociais básicos, como ocorre especialmente no caso do direito à saúde)”. Assim, o mínimo existencial possibilita uma interpretação ao direito de morrer ou viver, que prevê uma vida saudável, que se não for reduzida a doença, tendo então saúde, que seja ao menos livre de dor e sofrimento. Para que não se almeje o direito de morrer, deve o Estado garantir o mínimo existencial de uma vida com dignidade, sem dor, sem sofrimento, sem tratamento degradante, sem a humilhação da dependência da caridade alheia.

O respeito, ao menos, a honra, a imagem, a probidade, a moral de uma pessoa é ad perpetum, pois tudo o que ela construiu em torno de si, no seu meio ambiente, deve ser lembrado com muito carinho e admiração. É isso que o paciente que clama pela eutanásia quer, ele deseja ser lembrado na sua fase áurea, ele quer ser respeitado, e admirado, ele não quer piedade à vida indigna que a doença terminal lhe condenou, ele quer piedade para morrer com dignidade. Ele quer morrer integro, ele não quer que o seu espírito seja corrompido, nem o seu corpo físico degradado, ele quer ter uma boa imagem para ser lembrada, uma imagem de pessoa virtuosa, justa e digna, e, ele não quer que a sua imagem retratada nas mentes e lentes seja de doente moribundo.


A eutanásia e os princípios da prevenção e da precaução

O médico, em posse de informações sobre a gravidade da doença do doente terminal poderá adotar medias preventivas ou precautivas. As medidas preventivas dar-se-ão quando o médico tem conhecimento científico e a certeza de que terminado resultado (positivo ou negativo) irá ocorrer. Luis Ernani Bonesso de Araújo e Seline Nicole Martins Soares14 enfatizam que o princípio da prevenção “Assegura a tomada de medidas antecipadas, uma vez conhecido o perigo ou risco que se manifestará diante da inércia”, desta feita, se o médico se mantiver inerte, ele estará agindo, com base em conhecimento científico, com requinte de crueldade, pois sabe que se permitir que o paciente terminal viva os seus derradeiros dias sem um tratamento médico adequado, ou que se tiver um tratamento, este será ineficaz devida a gravidade da doença, apenas prolongando a vida torturante do moribundo, estará desrespeitando o princípio fundamental da dignidade humana, e violando o princípio da liberdade do paciente em auto se determinar, em buscar a sua felicidade transmetafísica.

Por outro lado, as medidas precautivas ocorrerão quando o médico não tem certeza científica do resultado negativo ou benéfico das práticas da biomedicina. Luis Ernani Bonesso de Araujo e Seline Nicole Martins Soares15, esclarecem que “o significado do princípio da precaução se manifesta na necessidade de se usar ações cautelares, ações de prudência, que visem mitigar ou reduzir, ou a evitar que se efetive uma ação imprudente cujo resultado seja incerto, mas que tenha probabilidade, estimativa de ocorrer, caso não sejam tomadas todas s medidas necessárias para coibir prejuízos” à saúde, à vida, ou à morte indigna. Diante da incerteza científica devem-se adotar ações de precaução para evitar que um dano irreversível se concretiza à vida deste paciente de doença grave e terminal. A opção morte, por falta de informações científicas, por incertezas de um futuro cruel, e por comprovadas dores intensas, ela deve ser do paciente, jamais do médico ou familiares.

O diagnóstico de uma junta médica, com exames consecutivamente repetidos, sobre a certeza de doença grave, terminal e irreversível não pode ser equiparada a pena de morte, onde o condenado não tem opções de possibilidades de várias oportunidades, como do tratamento, ou cessação do mesmo, ou opção ao pedido de desligamento de aparelhos que lhe serão vitais. Portanto, enfatiza-se que mister se faz a extrema necessidade de, ao menos, três médicos darem um parecer por escrito sobre a doença, e se, se trata realmente de doença grave, terminal, e irreversível, que causa intenso sofrimento para o paciente. Nesta situação na dúvida todas as ações devem ser adotadas em prol da vida do paciente. Se ele, médico tem dúvidas, se ele paciente tem dúvidas, afasta-se a possibilidade de “consentir” com a prática da eutanásia.

Assim, por analogia, se o médico não tem conhecimento sobre a possibilidade de novos fármacos curarem ou amenizarem o sofrimento do paciente, ele não deve prescrever determinado tratamento, por exemplo, através da biotecnologia, prolongar a vida de quem já está agonizando em dor e sofrimento. O médico não deve emitir juízo de valor sobre novos paradigmas da cura, ele deve apenas informar, e informar cientificamente de forma clara, objetiva, concisa sobre o tipo de doença, a gravidade, e a irretroatividade ao estado de origem, ou seja, ao estado de pessoa sã. O médico deve ser absolutamente imparcial, ele não deve vir “ao encontro”, nem “de encontro” à eutanásia, ao exercer seu ofício. Ele o faz conforme determinações legais, mas deve ser orientado pela ética profissional e iluminado pelo princípio constitucional fundamental da dignidade humana.


A eutanásia e o princípio da solidariedade

A solidariedade (fraternidade) é um princípio que tem sua origem no pensamento cristão, em o indivíduo (médico) fazer o bem para outrem como o faria para si próprio, que se manifesta no princípio da bioética da beneficência. Neste último, o médico deve agir pensando sempre em fazer o bem para o próximo, para o seu paciente, buscando todos os meios lícitos de amenizar o sofrimento deste. Todavia a solidariedade não se dá somente entre médico e paciente, mas entre todos e o paciente terminal. Ao se falar em todos, cumpre incluir o corpo profissional da área da saúde que está diretamente ligado ao paciente, assim como os seus familiares, amigos, e o Estado.

Merece destaque Fensterseifers16 ao lecionar in Direitos Fundamentais e proteção do ambiente: a dimensão ecológica da dignidade humana no marco jurídico-constitucional do Estado Socioambiental de Direito, que “o princípio da solidariedade não opera de forma isolada no sistema normativo, mas atua juntamente com outros princípios e valores presentes na ordem jurídica, merecendo destaque especial para a justiça social (como justiça distributiva e corretiva), a igualdade substancial e a dignidade humana. E, ao encontro da sua explanação, o eminente doutrinador elucida os ensinamentos Perlingieri17 apud Fensterseifer no sentido de que “o princípio da solidariedade, juntamente com o princípio da igualdade, é instrumento e resultado da atuação da dignidade social do cidadão, a qual confere a cada um o direito ao “respeito” inerente à qualidade de homem, assim como a pretensão de ser colocado em condições idôneas de exercer as próprias aptidões pessoais, assumindo a posição a estas correspondentes”. Assim, todos: toda a sociedade deve se colocar, por alguns minutos que sejam, em meditação, no lugar do paciente diagnosticado com uma doença terminal irreversível, e tentar sentir não só a sua dor física, mas a sua dor moral.

Não se trata de um capricho, mas de um direito não prescrito em lei, mas inerente ao ser humano, o querer morrer bem, morrer de forma doce, morrer de forma suave, o de ter o direito a uma boa morte, assistido por profissionais qualificados para lhe tirar todo o sofrimento na hora derradeira. Aqui, a solidariedade está em auxiliar, em assistir o paciente terminal, nos seus últimos instantes de vida, a amenizar o seu sofrimento, através de técnica científica ou terapêutica que lhe aliviem toda a dor. É permitir que o ato de eutanásia seja prestado por profissional competente e qualificado para reduzir, mitigar, ou cessar toda e qualquer dor. É agir de forma responsável pela prestação de serviço ministrada com qualidade de conhecimento no ato piedoso.


A eutanásia e o princípio fundamental da dignidade humana e os princípios básicos da bioética

10. 1. O direito à vida.

Este é um “direito humano” previsto na Declaração Universal dos Direitos do Homem da ONU, que, recepcionado e fundamentado na Constituição Federal recebe o reflexo dos raios solares que se irradiam do princípio da dignidade humana, como se este fosse o sol, que ilumina todo o Texto Constitucional e, por consequência, todo o Ordenamento Jurídico Nacional. Entretanto, o “direito humanitário”, prevê situações opostas, prevê exceções, pois durante uma guerra, a vida da população civil deve ser preservada e respeitada. A vida do prisioneiro de guerra não pode sofrer tortura e tratamento degradante. Todavia, no Brasil, em tempo de guerra, a vida desse prisioneiro poderá ser condenada a pena de morte. O direito à vida sofre relativização, ou seja, em alguns casos ele poderá ser violado, desde que haja previsão constitucional. Aqui, há a previsibilidade de exceção, pois como fica a dignidade humana dos condenados à pena de morte? Quais são os critérios adotados à sentença terminativa da vida? Sarlet18 enfatiza que “não há como negar que os direito à vida, bem como os direitos de liberdade e de igualdade correspondem diretamente às exigências mais elementares da dignidade da pessoa humana”. Além de valores materiais e formais constitucionais, para Sarlet19 in A eficácia dos direitos fundamentais:

(...) a qualificação da dignidade da pessoa humana como princípio fundamental traduz a certeza de que o art. 1º, inc. III, de nossa Lei Fundamental não contém apenas uma declaração de conteúdo ético e moral (que ela, em última análise, não deixa de ter), mas que constitui norma jurídico-positiva com status constitucional e, como tal, dotada de eficácia, em valor jurídico fundamental da comunidade. Importa considerar neste contexto, que, na condição de princípio fundamental, a dignidade da pessoa humana constitui valor-guia não apenas dos direitos fundamentais, mas de toda a ordem constitucional, razão pela qual se justifica plenamente sua caracterização como princípio constitucional de maior hierarquia axiológico-valorativa”.

Percebe-se que, o princípio da dignidade da pessoa humana, mesmo com todo o seu grau de valor, hierarquia, e paradigma moral e ético, que orienta e ilumina toda a sociedade brasileira, até ele, sofre limitações, por exceção, em caso de guerra declarada pelo Congresso Nacional. Assim, um prisioneiro, contra a sua vontade, pode lhe ser imposta a morte, neste caso violando os direitos humanos e humanitários, os princípios da bioética e do biodireito, e violando o princípio fundamental da dignidade humana, pois assim previu o Congresso Nacional. No caso do aborto, qualquer tipo que seja, não há o consentimento de todos os interessados ao direito de viver ou morrer; no caso da legítima defesa, em que é possível matar para sobreviver, ou em caso de risco iminente de vida, nenhuma destas situações quem está condenado a morrer quis morrer. Nestas situações quem morre, morre de forma indigna (não importando a situação in concreto).

No aborto, o feto tem dias de vida, o embrião já tem meses, não pediu para nascer, mas também não pediu para morrer. Neste caso, não se está fazendo juízo de valor sobre se é justo ou injusto o aborto, apenas se está observando que há exceções ao direito à vida, ao princípio da dignidade humana, pois não houve o consentimento de quem foi condenado à morte. Ao contrário da eutanásia, que há o querer do paciente, e a inércia do Congresso Nacional, em legislar, atendendo os clamores de quem sofre doença terminal irreversível. Provavelmente, o Supremo Tribunal Federal, logo, terá que agir com ativismo judicial, pois é iminente o dia em que terá que julgar prática da eutanásia em uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental, ou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade. Resta esperar para saber como a sociedade irá reagir: de forma egocêntrica ou solidária, ao “outro”, a dor do próximo.

10.2. O princípio da bioética da beneficência.

Este orienta os médicos a fazer, a praticar o bem, ou seja a cuidar dos pacientes visando-lhes a cura, visando-lhes uma vida com saúde, uma vida saudável. Critica Pegoraro20 o Paternalismo médico dizendo que “o princípio da beneficência determina que as consequências de qualquer intervenção médica sejam em benefício da pessoa do paciente. O reverso do princípio serve para reforça-lo: “não prejudicar o paciente” ou “primum non nocere”, de Hipócrates (...) a consciência dos direitos humanos encurralou o paternalismo. Segundo este princípio, o paciente não recebe favores, mas reivindica o direito à beneficência (e à não-maleficência), que se torna dever do corpo clínico”. Portanto o médico não tem somente a obrigação de fazer o bem, mas o de não fazer o mal. E, não fazer o mal, na eutanásia, é não prolongar o sofrimento do paciente. E, isso conforme se interpreta, para Pegoraro é um direito do paciente, neste caso, em estado terminal.

10. 3. O princípio da bioética da autonomia da vontade do paciente.

Este orienta os médicos a respeitarem as decisões do paciente sobre a sua própria vida. O paciente com doença grave poderá escolher qual o método ou procedimento que o médico deverá usar para lhe salvar a vida, ou para lhe prolongar a vida, ou mitigar a dor. Entretanto, esse tratamento poderá ser longo, e sem certeza científica acerca do resultado positivo.

Leciona Pegoraro21 que “a autonomia manda respeitar as convicções e decisões do paciente; ele é um fim em si mesmo e nunca instrumento para outros fins, como experiências e pesquisas.”. O doente terminal deve ser respeitado na sua liberdade de opção, pois ele tem autonomia para se decidir, sobre a sua própria vida. Pegoraro22 ensina que “a autonomia é o princípio da liberdade moral que respeita o ser humano como agente moral independente e deve ser respeitada pelos que defendem outras posições éticas. Enfim, nenhuma moral pode impor-se aos seres humanos contra a sua consciência.”. Não lhe permitir uma morte boa, uma morte doce, uma morte assistida por um profissional qualificado, ou impor-lhe a morte sem ser consentida é violar o seu princípio fundamental à dignidade humana.

Narciso Leandro Xavier Baez23 observa em Kant a visão antropocêntrica clássica:

(...) que a dignidade da pessoa humana impossibilita a coisificação e a instrumentalização dos seres humanos, já que eles são considerados fins e não meios. Disso se extrai que a dignidade é uma qualidade congênita, irrenunciável e inalienável, inerente a todos os seres humanos e que os qualifica como tal. Assim, ela não pode ser concedida ou retirada das pessoas, porquanto constitui valor inerente à própria qualidade humana. Ela decorre da razão, fato que permite ao indivíduo ter consciência da sua dimensão como ser livre, autônomo e qualificado por sua autodeterminação”24. E, que se “pode concluir que a dignidade da pessoa humana, em seu núcleo básico, reside às diversidades culturais, colocando-se como valor universal”25. Para Narciso Baez “os direitos fundamentais são poderosos instrumentos de realização dos direitos humanos,... sendo os direitos fundamentais a positivização constitucional dos direitos humanos no interior de cada Estado, vê-se que eles constituem um conjunto de bens jurídicos que tem como ponto comum, ou seja, como elemento nuclear de sua morfologia e base de realização a dignidade da pessoa humana”26.

Não há como separar os direitos fundamentais (direito à liberdade) dos direitos humanos que têm por essência o princípio da bioética da autonomia da vontade do paciente iluminado pelo princípio fundamental constitucional da dignidade humana, pois todos são, antes e depois do direito, inerentes a todos os seres humanos na visão antropocêntrica. Muito embora, tanto os direitos fundamentais, quanto o princípio da dignidade da pessoa humana, são relativizados pela identidade cultural dos povos que se autodeterminam conforme o seu poder soberano, ou soberania popular.


CONSIDERAÇÕES DERRADEIRAS

O direito à vida, que é relativo, não pode ser imposto a outrem, assim como não pode a morte ser imposta ao paciente terminal, contra a sua própria vontade. Se o paciente terminal deseja optar pela morte, pela eutanásia, não pode o Estado intervir nesta decisão de ordem privada, individual, de primeira dimensão. O que o Estado pode e deve fazer é intervir no sentido de lhe garantir uma assistência qualificada, no sentido de fiscalizar os procedimentos para impedir homicídios, impedir abusos de poder, impedir interesses de rapina sobre o espólio do doente, impedir a eugenia, impedir a violação de direitos como venda de órgãos. O Estado deve garantir que os pressupostos da Resolução 1.995/2012, condizentes com o direito constitucional e com a bioética, sejam considerados para fundamentar a legalidade do ato. Urge ao Congresso Nacional escutar a voz que vem do povo, no interesse difuso, de todos os doentes terminais, de forma indeterminada, atemporal, transindividual, em decidir livremente, conforme a sua autonomia, sobre a sua vida, ou sobre a sua morte, no mesmo patamar de direitos, na mesma isonomia, fundamentada na equidade da prestação de serviço do Sistema Unificado da Saúde, ou de instituições privadas, na otimização de custos hospitalares. O direito constitucional, os direitos humanos, o biodireito, a bioética, todos devem juntos transformar o direito privado à vida e o direito social à saúde que estão a mercê da constitucionalidade ou inconstitucionalidade do ato de eutanásia quando respeitadas ou desrespeitadas as considerações da resolução 1.995/2012. Desta forma, respeitando a vontade de morrer do paciente terminal, ou de viver, estar-se-á respeitando a liberdade de expressão do paciente, assegurada por um documento cabal, o Consentimento Informado, que excluirá da responsabilidade penal, civil e administrativa o médico assistente da morte piedosa. Muito embora se perceba, que se deve dar o direito ao arrependimento, ao médico, que poderá renunciar ao ato de auxílio e acompanhamento profissional à eutanásia, quanto o direito ao arrependimento do paciente, a qualquer tempo, sem delongas formais, do pedido à morte assistida. Por outro lado, no ato de solicitação da própria morte todos os pressupostos, não revogados, ou já modificados, da resolução deverão ser preenchidos, no mais alto grau de formalidade, consignando por expresso, em termo escrito, e com duas testemunhas de cada parte da relação médico-paciente, o desejo cabal, habitual, harmônico e persistente de morrer sem dor, de forma eficaz e eficiente.


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Notas

2 Tradutor e Interprete: Acadêmico do Curso de Letras Inglês da Unochapecó; acadêmico do curso de Engenharia Ambiental da UFFS; Voluntário do GEPESA/UFFS;

3LEITE, George Salomão; SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos Fundamentais e Estado Constitucional: estudos em homenagem a J.J. Gomes Canotilho. São Paulo: RT; Coimbra: Coimbra editora, 2009 , p. 142;

4 PEGORARO, Olinto A. Ética e bioética: da subsistência à existência. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes,... p. 101;

5 PEGORARO, Ibid., p.101;

6 LOLAS, p. 85;

7 BRASIL. Constituição da República Federativa de 1988;

8LOLAS, op.cit., p.80;

9PEGORARO, Olinto A. Ética e bioética: da subsistência à existência. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes, p. 101;

10PEGORARO, Olinto A. Ética e bioética: da subsistência à existência. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes, p. 101;

11 PEGORARO, Olinto A. Ética e bioética: da subsistência à existência. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes, p.151;

12 FENSTERSEIFER, Tiago. Direitos fundamentais e proteção do ambiente: a dimensão ecológica da dignidade humana no marco jurídico-constitucional do Estado Socioambiental de Direito, p.265;

13 FENSTERSEIFER, Ibid., p.265;

14 LEITE, José Rubens Morato; BELLO FILHO, Ney de Barros. Direito ambiental contemporâneo. Barueri, São Paulo: Manole, 2004, Capítulo de ARAÚJO, Luis Ernani Bonesso de.; SOARES, Seline Nicole Martins p.275;

15 LEITE, Ibid., p.276;

16 FENSTERSEIFER, Tiago. Direitos fundamentais e proteção do ambiente: a dimensão ecológica da dignidade humana no marco jurídico-constitucional do Estado Socioambiental de Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 114;

17 FENSTERSEIFER, Ibid., p.115;

18SARLET, Ibid., p.102;

19SARLET, Ibid., p. 114-115;

20PEGORARO, Olinto A. Ética e bioética: da subsistência à existência. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes, p.99;

21PEPORARO, Ibid., p.98-99;

22PEGORARO, Ibid., p.106;

23BAEZ, Narciso Leandro; LEAL, Rogerio Gesta; MEZZAROBA, Orides. Dimensões materiais e eficaciais dos direitos fundamentais. São Paulo: Conceito editorial, 2010, p. 22; p.23-25;

24BAEZ, Ibid., p.24;

25BAEZ, Ibid., p.25;

26BAEZ, Ibid., p.22-23;


Autor

  • Seline Nicole Martins Soares

    Docente em Direito na UFFS/SC; OAB/SC 36972; Mestre em Integração Latino-Americana da UFSM, Especialista em Educação Ambiental da UFSM, Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais da UFSM; Especialista em Direito Constitucional Aplicado da FDJ. Acadêmica da Especialização em Direito Ambiental Uninter. Pesquisadora em Bioética, Biodireito, Direito Ambiental e Direito do Consumidor, Direito Internacional Público e Privado. <br>

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SOARES, Seline Nicole Martins. Comentários sobre a Resolução 1.995 de 2012 do CFM: orientações à eutanásia no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3769, 26 out. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25440. Acesso em: 28 abr. 2024.