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Comentários sobre a Resolução 1.995 de 2012 do CFM:

orientações à eutanásia no Brasil

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26/10/2013 às 06:07
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O direito à vida, que é relativo, não pode ser imposto a outrem, assim como não pode a morte ser imposta ao paciente terminal, contra a sua própria vontade. Se o paciente opta pela morte, pela eutanásia, não pode o Estado intervir nesta decisão de ordem privada, individual, de primeira dimensão.

RESUMO

A eutanásia, em casos específicos, desde que preenchidos os pressupostos necessários expressos na Resolução 1.995 do CFM/2012 é para o paciente  o seu último e nobre pedido que deva ser concedido: o direito à boa morte. Não se pretende neste trabalho erguer indiscriminadamente o direito à eutanásia, autorizando a eugenia, mas, imparcialmente, defender o direito do paciente terminal ao livre-arbítrio, especialmente, o direito e garantia constitucional da liberdade de se autodeterminar conforme o princípio bioético da autonomia da vontade respaldado pelo instrumento ético chamado consentimento informado. No Brasil, não é permitido o direito de morrer, mas em agosto de 2012, o Conselho Federal de Medicina acenou para esta possibilidade. No meio médico, fala-se em orientação à antecipação da morte. No direito penal, essa orientação pode ser considerada um suicídio assistido, ou homicídio. No direito constitucional, ela poderá ser considerada inconstitucional por se tratar de eutanásia passiva. E, no futuro, por processo judicial, talvez venha a ser recepcionada como uma permissibilidade constitucional ao ato piedoso de auxiliar o paciente a morrer cessando todo e qualquer sofrimento. No direito civil, faz-se necessário observar o instituto da responsabilidade, assim como no direito administrativo. Tanto a bioética, quanto o direito constitucional têm princípios que se colidem diante do direito à vida e do direito de fato de morrer. Todavia, mister se faz, nas arguições deste trabalho, distinguir eutanásia de ortotanásia  e distanásia; eutanásia ativa de eutanásia passiva; inconstitucionalidade de constitucionalidade, direito à vida e direito de morrer; colisão de princípios e direitos com suas respectivas hierarquias, mas especialmente, garantir o princípio constitucional da dignidade humana do paciente terminal de doença irreversível.

Palavras-chave: Eutanásia. Direito à liberdade. Direito à vida. Direito de morrer.

COMMENTARY ON THE RESOLUTION 1.995 OF THE 2012 THE FEDERAL COUNCIL OF MEDICINE (CFM): ORIENTATION TO THE EUTHANASIA IN BRAZIL

Seline Nicole Martins Soares1

Felipe Valdiere Soares Canfield2

SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS. 1. Falácias do direito à vida. 2. Inconstitucionalidades do direito de morrer. 3. A eutanásia sob a óptica do artigo 5º da Constituição Federal brasileira. 4. Relativização dos direitos fundamentais à vida e à liberdade. 5. Os direitos humanos na pirâmide constitucional brasileira. 6. Singelos comentários sobre a Resolução 1.995 de 2012 do CFM. 7. A eutanásia e o princípio do mínimo existencial. 8. A eutanásia e os princípios da prevenção e da precaução. 9. A eutanásia e o princípio da solidariedade; 10. A eutanásia e o princípio fundamental da dignidade humana e os princípios básicos da bioética. 10.1. O direito à vida. 10.2. O princípio da bioética da beneficência. 10.3. O princípio da bioética da autonomia da vontade do paciente. CONSIDERAÇÕES DERRADEIRAS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


CONSIDERAÇÕES INICIAIS

No Brasil, em 2012, pela primeira vez o tema polêmico da eutanásia ganha nova perspectiva, surge um novo paradigma para os pacientes terminais além da ortotanásia e da distanásia, surge a possibilidade do paciente pleitear a eutanásia, ou seja, o seu direito de morrer com a garantia de um acompanhamento médico, e surge a garantia para o médico de se eximir de responsabilidades deste ato piedoso no âmbito administrativo das resoluções do Conselho Federal de Medicina (CFM).

Todavia, a Resolução 1995 de 31 de agosto de 2012 do Conselho Federal de Medicina sobre a antecipação da morte do paciente em estado de saúde irreversível e terminal, no Brasil, é inconstitucional. A presente resolução, fundamentada em princípios da bioética, como o princípio da vontade livre do paciente expressa em Termo de Consentimento Informado, fundada no direito à liberdade, é inconstitucional. A morte desejada pelo paciente e assistida pelo médico é ilícita e criminosa que poderá ocasionar responsabilidade solidária (compartilhada) do médico pela prática de homicídio e do hospital ou clínica onde o paciente esteja sendo tratado, e dos familiares do doente, no caso de incapacidade civil deste paciente.

Mister se faz alertar, sem aprofundar os conceitos dos remédios constitucionais, que, conforme cada caso in concreto, todo ato ou ação que viola princípios, direitos, garantias, prerrogativas expressas na Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988 (CRFB/88) , enseja Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), ou Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), ou Mandado de Injunção (MI), ou Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). Ousa-se aventar, utopicamente, a possibilidade de equiparação do direito à vida, em Ação Declaratória de Constitucionalidade, ao pedido da própria morte, e, ainda, a possibilidade da impetração de Mandado de Segurança contra ato de médico, em hospital público. E, talvez, uma Ação Popular pleiteando a moralidade na prestação de serviço de hospital público, na equidade distributiva do cuidado ao paciente doente terminal.

O presente estudo tem por escopo analisar o direito à boa morte sob a óptica do direito, sem adentrar nos remédios constitucionais, na questão filosófica, religiosa ou dogmática. Não se pretende aqui, constituir doutrinas cristãs, religiosas, conforme a dialética, após a análise, desconstituir, contradizendo tudo o que foi dito. Neste trabalho não há que se perquirir acerca dos valores morais de cada religião, mas sim, sobre os valores éticos da sociedade no trato do bem jurídico fundamental: vida (e paralelamente: morte). A finalidade da análise acerca da eutanásia na presente resolução 1.995 de 2012, objeto deste estudo, visa assegurar direitos e garantias fundamentais, tanto do paciente que solicita o encerramento da sua própria vida, quanto aos direitos e responsabilidades do médico e outros profissionais da área da saúde, como da própria instituição, seja hospital público ou privado, clínica, consultórios, e Comitês de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, de Universidades com hospitais universitários. Não se quer acusar ou defender quem assiste ao ato de eutanásia, mas apenas que se faça cumprir o direito e que se assegure a justiça distributiva, a equidade. Este estudo traz à tona uma interpretação é imparcial, conforme o contexto atual da sociedade reflexiva, e tem como método de pesquisa o dedutivo.


Falácias do direito à vida

Em se tratando do tema eutanásia, apesar do paciente estar em posse da sua capacidade civil, no uso e gozo dos seus direitos, pois não está sofrendo no judiciário nenhuma intervenção destes direitos, e de possuir ampla capacidade de exercer o seu direito à liberdade, direito esse defendido pelos iluministas, como o direito individual, o direito do “eu”, em decidir o que é melhor para si, e apesar do Estado não dever intervir nesta esfera privada, não pode o paciente decidir livremente pela opção morte. Parece uma falácia, um sofisma, um engodo onde o indivíduo, o cidadão, que tem plena capacidade de exercer todos os direitos e prerrogativas sobre a sua própria vida, não tem liberdade para decidir sobre a sua própria morte. Morte esta que a vida no processo vital lhe sentenciou como sendo uma morte lenta, dolorida e longa. Relata George Salomão Leite3 in Capítulo “Direito Fundamental a uma morte digna” o sofrimento de Vincent Humbert que escreveu o livro Peço-vos o direito de morrer “(...) Desde aquele dia, eu não vivo. Fazem-me viver. Sou mantido vivo. Para quem, para que, eu não sei. Tudo o que eu sei é que eu sou um morto-vivo, que nunca desejei esta falsa morte”. Assombra a expressão falsa morte para designar uma vida sem qualidade de vida, uma vida que é única e exclusivamente dor, sofrimento.

Pegoraro4 salienta Aristóteles que dizia “ao homem não basta viver (os animais também vivem), ele quer viver bem”. Para Pegoraro5 “Toda a ética das virtudes aristotélicas gira em torno deste tema a “boa vida” do ser humano”. Muito embora viver bem seja sinônimo de viver com qualidade de vida, observa Lolas6 a distinção entre “precondições da qualidade de vida, como o estado econômico da nação, o avanço das tecnociências e a infra-estrutura material, da qualidade de vida como fenômeno subjetivo e bem-estar individual. Fala-se, às vezes, de qualidade de vida objetiva versus subjetiva”. Logo, qualidade de vida objetiva ofertada na contraprestação do Estado, com equidade, com segurança, e qualidade de vida subjetiva do cidadão paciente terminal em receber, em demandar, todo o cuidado inerente a sua condição subumana, todo o alívio, toda cessação do estado de sofrimento, espiritual, material, físico.



Inconstitucionalidade do direito de morrer

Como que se efetiva a inconstitucionalidade? A inconstitucionalidade em questão é dúplice, pois ela se manifesta na negação de opção do paciente, no seu direito fundamental à liberdade, no seu direito civil fundado na vontade autônoma, ao biodireito: à boa morte, pois este direito de primeira dimensão é inexistente no Ordenamento Jurídico Nacional. A outra inconstitucionalidade se manifesta na violação ao direito fundamental à vida disposto no artigo 5º, Caput da CRFB/88. Violar o direito à vida e violar o direito à liberdade do paciente em se autodeterminar é dizer que estas violações são inconstitucionais por que ferem este dispositivo constitucional. Contra esta violação, ou violações, cabem Ação Direta de Inconstitucionalidade, que poderá ter um controle concentrado ou difuso, que poderá ter efeito ex tunc, ou ex nunc quando modificado, em qualquer caso, dever-se-á analisar cada situação in concreto. Se o paciente não pode livremente se autodeterminar conforme a sua vontade, em prol do seu direito à morte, pode-se dizer com certeza que ele, apesar da não previsão constitucional, está sendo desrespeitado no seu direito à liberdade e à igualdade.


A eutanásia sob a óptica do artigo 5º da Constituição Federal brasileira

Transcreve-se o respectivo Artigo 5º7 “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”. Percebe-se que há um paralelismo, entre o direito à vida e o direito à morte (direito de morrer), a boa vida como à boa morte, como se um fosse sombra e reflexo do outro. Assim ao se defender o direito à vida paralelamente se defende o direito à morte, ou seja, a vida com qualidade de vida, a morte com dignidade da boa morte. Lolas8 chama atenção para um caso que ele chama de especialmente premente que “está na morte social dos que, padecendo de uma doença grave e incurável, são excluídos da vida grupal e privados de qualquer perspectiva”. Lolas orienta no sentido de não se permitir a exclusão, pois o paciente terminal não deve ser tratado com discriminação, portanto, o seu direito à igualdade deve ser reexaminado, pois se uma pessoa tem o direito à vida, assegurado por meio da biomedicina, esta deverá, também, por isonomia, garantir o direito à boa morte, sob pena de discriminar e torturar o paciente terminal de doença incurável.

Conforme a Constituição Federal urge a necessidade de legislar sobre o direito à boa morte, artigo 5º, II “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Pegoraro9 adverte que desde Kant “O sujeito autônomo é autolegislador; ele não recebe normas éticas de fora, da natureza ou da divindade, mas ele dá a si mesmo sua norma ética com a exigência que seja universalizável.”. Neste sentido, a resolução 1995 do CFM, sobre eutanásia, poderá embasar os argumentos favoráveis ao Congresso Nacional à legislação deste tema polêmico.

Não há que se afrontar a Magna Carta no artigo 5º, III “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”, pois não se almeja neste trabalho que o paciente terminal seja torturado com uma vida sem esperanças, predestinada ao eterno viver com dor, com sofrimento, de forma humilhante e indigna. Não é isso que se busca, ao contrário, luta-se pelo direito (de quem quiser e consentir) de ter um doce morrer, um eterno recordar de momentos felizes junto aos familiares e amigos. Quem poderá viver feliz sabendo que irá depender dos cuidados do SUS? Uma vida, ou melhor, um resto de vida torturada por infinita dor e compartilhada com várias pessoas em um hospital público, ou em um hospital particular, onde mesmo pagando, o paciente será praticamente um vegetal que necessita dos outros para tudo. Quem se imagina dependendo dos outros a todo instante, dependendo da boa vontade dos outros, dependendo do profissionalismo qualificado destes outros (enfermeiros, médicos, fisioterapeutas, etc.). Quem poderá se imaginar sentindo dores que se intensificam a cada novo dia?

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Condiz com a situação do paciente que solicita o desligamento ou cessação de tratamento que não cura, mas que prolonga a estada da sua vida neste mundo, a exigência do Consentimento Informado deste, pois ao encontro vem o artigo 5º, IV, da CRFB/88: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Mister se faz toda a identificação do paciente, e testemunhas deste pedido, para que haja o direito à defesa dos profissionais que auxiliaram ou auxiliarão a concretizar o seu pedido derradeiro, por um ato de piedade, conforme o inciso V, deste mesmo artigo, que dispõe: “ é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”. Por sua vez, o médico não pode ser coibido, nem a prestar auxílio à morte, nem coibido a não efetivar o ato de eutanásia.

E, diante desta situação, para a proteção, tanto do paciente, quanto do médico ou outro profissional da área da saúde, no mesmo artigo, no inciso X, vem ao encontro de todo o alegado, que: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Logo o paciente terminal tem o direito constitucional de preservar a sua imagem, de pessoa saudável, assim como o médico o da imagem de excelente profissional zeloso que cumpre com as orientações da bioética, e do biodireito constitucional. Tanto o médico quanto o paciente terminal, independente dos motivos, das convicções, ambos têm o direito ao arrependimento, sendo possível pleitear indenização. O médico tem um custo, um ônus, material e formal no ato da eutanásia, o paciente tem o direito de se arrepender, a qualquer tempo, não se admitindo que se dê continuidade ao projeto eutanásico. Neste caso, os familiares poderão pleitear indenização. No caso de indenização, o hospital e o médico dirigente responderão objetivamente, e o médico especialista responderá em ação regressiva, subjetivamente por todo o ônus, e sofrimento, que havia se comprometido a não-fazer. Se ele consentiu em praticar a eutanásia, ele se comprometeu em auxiliar o paciente a morrer sem dor, sem sofrimento, se o paciente sofrer, agonizar, o médico poderá responder, pois tinha se comprometido em não permitir que o paciente tivesse dor, ou seja, assinou a obrigação de não-fazer.

Conforme dispõe o artigo 5º, Caput, da CRFB/88 o direito à vida é um direito fundamental, é um direito individual ou coletivo, de caráter universal, pois é um direito humano. Não se trata de uma visão romântica ao afirmar que o direito à vida é um direito sagrado, pois o sagrado na visão constitucional é o tratamento dado para este direito, é a sua localização geográfica no Texto Constitucional, e é a eficácia e eficiência deste direito às garantias fundamentais do cidadão brasileiro. A Constituição Federal brasileira é a bíblia sagrada de todos que residem no Brasil. Todos, através de um processo democrático elegeram seus constituintes para lhes representar na confecção desta Constituição, que faz referência às ideias iluministas de que “todo poder emana do povo”. É o povo o verdadeiro soberano, nas decisões coletivas, e individuais, de interesse comum de todos.

Interesse comum de todos abrange o interesse individual, o interesse coletivo, o interesse público, o interesse difuso, ou interesse transindividual. Faz-se necessário nesse processo que o paciente condenado a morte sofrida por doença grave e irreversível seja escutado para que o povo seja a sua voz, e o eco dos seus pedidos sejam aclamados pelo povo no Congresso Nacional.

A cultura do povo, a identidade cultural, deve ser respeitada, mas não pode intervir no direito fundamental à liberdade do paciente agonizante de ser ouvido, de decidir sobre a sua própria vida. Enquanto o Congresso Nacional continuar legislando com fundamento em religião “A”, “B” ou “C”, em pleno Estado Laico, ele estará desrespeitando a própria Carta Social deste país. O legislador derivado deve respeitar o legislador originário naquilo que for relativo a cláusulas pétreas.


Relativização dos direitos fundamentais à vida e à liberdade

O direito à vida, este expresso no Tratado Internacional de Direitos Humanos que se chama Declaração Universal dos Direitos do Homem da Organização das Nações Unidas (ONU) de 10 de dezembro de 1948, artigo 3º: “Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal” foi recepcionado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Enquanto direito do tratado internacional era apenas uma diretiva, mas a partir do momento que foi recepcionado na Constituição Federal do Brasil, ele se tornou um direito fundamental do povo brasileiro, com o status de cláusula pétreas, segundo o artigo 60, §4º, IV, da CRFB/88, mas relativo. Enquanto considerado uma cláusula pétrea ele não pode ser abolido no ordenamento jurídico nacional, mas, hoje, ele não é considerado imutável, pois ele pode, sim, ser modificado. O direito à vida é um direito relativo, pois há previsão constitucional da possibilidade de condenar um indivíduo à pena de morte. Esta previsão é restrita ao direito de guerra. Se o Brasil estiver em guerra, é possível atentar contra a vida de outrem, seja como legítima defesa, ou não. Entretanto, essa possibilidade encontra limites, pois deve estar conforme o interesse público do Estado, nunca para satisfazer interesse pessoal de indivíduos desafetos, que não tem afinidade, ou simpatia por seus compatriotas, mas será possível no caso de inimigos da nação.


Os Direitos Humanos na pirâmide constitucional brasileira

O advento da Emenda Constitucional número 45 de 2004 trouxe muitas modificações na Ordem Jurídica Nacional, entre elas, redesenhou a pirâmide constitucional de Hans Kelsen na órbita interna brasileira. O Tratado internacional de Direitos Humanos terá uma colocação temporal na hierarquia desta pirâmide. O Tratado Internacional de Direitos Humanos, como o Protocolo Facultativo à Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência: acessibilidade das pessoas com deficiência, que foi aprovado, após a EC.45/04, seguindo as prescrições do artigo 5º, §3º, da CRFB/88, ele foi recepcionado com equivalência a Emenda Constitucional, ao lado da própria Constituição da República Federativa do Brasil, no mesmo patamar de direitos, no ápice da pirâmide.

Se o Tratado Internacional de Direitos Humanos foi recepcionado antes da EC.45/04, como a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, o Código de Nüremberg de 1947, a Declaração de Helsink de 1964, entre outros, estará na fase intermediária de hierarquia constitucional, pois será declarado o tratado, que já foi recepcionado, como Lei Supralegal. Antes de 2004, os mesmos tratados eram recepcionados como leis ordinárias ou infraconstitucionais, hoje, eles são recepcionados como Lei Supralegal, abaixo das Emendas Constitucionais e a própria Constituição Federal, e acima das Leis Ordinárias e Leis Complementares. Na base da pirâmide estarão os Tratados Internacionais que não são de direitos humanos (em geral, os econômicos); estarão as Leis Complementares, as Leis Ordinárias, as Medias Provisórias, os Decretos Legislativos, as Resoluções, e no âmbito administrativo: os Regulamentos (resoluções, decretos executivos, portarias, memorandos, etc.). Assim as orientações da Declaração de Nüremberg e da Declaração de Helsink estão inseridas no meio da pirâmide como Leis Supralegais, e acima da Resolução 1.995 de 2012 do Conselho Federal de Medicina.

Este artigo chama a atenção para a questão do direito à vida e o direito à liberdade previstos na Declaração Universal dos Direitos do Homem (Direitos Humanos) estarem inseridos no meio da pirâmide, sendo hierarquicamente inferiores, em relação às Emendas Constitucionais, mas superiores em relação as resoluções do CFM (diretivas administrativas). Muito embora, o direito à vida e o direito à liberdade estarem inseridos no Título II Dos Direitos e Garantias Fundamentais, no Capítulo I Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos da Constituição da República Federativa do Brasil, assim sendo, acima das Leis Supralegais, portanto, hierarquicamente superiores na Pirâmide de Kelsen. Conclui-se que, que pelo atual processo de recepção dos Direitos Humanos (art.5º,§3º, da CRFB/88) é possível, democraticamente, modificar a situação do direito de morrer, que de inexistente poderá, se considerado for, como direito humano do paciente terminal, ser equiparado ao direito à vida, por ter como fundamento o princípio da dignidade humana (art.1º, III, da CRFB/88). Se a voz do povo, na sociedade reflexiva, quiser, terá mais consciência sobre os direitos do outro, em ser feliz. E, esta felicidade poderá estar no direito de viver, tanto quanto, no direito de morrer do paciente terminal, que expressamente autorizar a eutanásia.

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Sobre a autora
Seline Nicole Martins Soares

Docente em Direito na UFFS/SC; OAB/SC 36972; Mestre em Integração Latino-Americana da UFSM, Especialista em Educação Ambiental da UFSM, Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais da UFSM; Especialista em Direito Constitucional Aplicado da FDJ. Acadêmica da Especialização em Direito Ambiental Uninter. Pesquisadora em Bioética, Biodireito, Direito Ambiental e Direito do Consumidor, Direito Internacional Público e Privado. <br>

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOARES, Seline Nicole Martins. Comentários sobre a Resolução 1.995 de 2012 do CFM:: orientações à eutanásia no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3769, 26 out. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25440. Acesso em: 6 out. 2024.

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