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Comentários sobre a Resolução 1.995 de 2012 do CFM:

orientações à eutanásia no Brasil

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26/10/2013 às 06:07
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Singelos comentários sobre a Resolução 1.995 de 2012 do CFM

Observações acerca da Resolução 1.995 do CFM frente ao Ordenamento Jurídico Nacional, que se Seguem abaixo, na reprodução desta, de forma empírica, pelo autor(a) deste trabalho.

RESOLUÇÃO CFM nº 1.995/2012

(Publicada no D.O.U. de 31 de agosto de 2012, Seção I, p.269-70)

Dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes.

Cumpre observar que se tratam, nesta resolução, de diretivas do paciente acerca da sua vontade sobre fatos futuros e incertos, ou seja, diretivas são orientações e metas a serem atingidas a partir de uma decisão organizada, fundamentada em fatos e direitos expressos para que o ato da eutanásia não ofereça ao médico responsabilidade administrativa, civil e penal.

O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, e pela Lei nº 11.000, de 15 de dezembro de 2004, e

O conselho Federal de Medicina não tem o poder de legislar, não pode criar resoluções como se fossem leis. As leis supralegais e os dispositivos constitucionais estão acima das resoluções do Conselho Federal de Medicina, embora as Leis Ordinárias e as Leis Complementares, atualmente, estejam no mesmo patamar. A presente resolução tem por escopo (corporativista), não excluir o médico responsável pelo ato de eutanásia dos quadros deste órgão, que não é uma autarquia, mas que é sui generis no Ordenamento Nacional desde que ele tenha seguido tudo o que está prescrito neste instrumento de defesa.

CONSIDERANDO a necessidade, bem como a inexistência de regulamentação sobre diretivas antecipadas de vontade do paciente no contexto da ética médica brasileira;

CONSIDERANDO a necessidade de disciplinar a conduta do médico em face das mesmas;

Não há previsão legal à prática da eutanásia, nem respaldo da ética, nem da moral, neste diploma da ética médica brasileira, nem no Ordenamento Nacional. Há que se chamar a atenção sobre a distinção de moral e de ética, que, de fato, trata a ética de orientações de bem se relacionar dentro da sociedade. Logo, é a relação do indivíduo médico com a coletividade da sua comunidade profissional, ou seja, do médico com os pacientes, os enfermeiros, diretores dos hospitais. Portanto é o cuidar não só do paciente, mas de tudo aquilo que é comum a todos, ou seja, dos bens jurídicos protegidos pela lei, como o bem jurídico “vida”.

CONSIDERANDO a atual relevância da questão da autonomia do paciente no contexto da relação médico-paciente, bem como sua interface com as diretivas antecipadas de vontade;

A autonomia do paciente é para o médico um princípio da bioética que pode ser tutelado pelo direito constitucional fundamental humano da liberdade. Para Pegoraro10 “ A autonomia sempre esteve no cerne da ética. Sem autonomia para refletir, deliberar e decidir não há liberdade, não há responsabilidade ética, sem autonomia não há ética”. E, o médico assegurado pelo direito civil ao constatar que o paciente está em pleno gozo de capacidade para se autodeterminar segundo a sua vontade sem pressão, sem coação ou indução, mas simplesmente pelo seu querer estará resguardado de responsabilidade administrativa por prova lícita: o termo de consentimento informado.

CONSIDERANDO que, na prática profissional, os médicos podem defrontar-se com esta situação de ordem ética ainda não prevista nos atuais dispositivos éticos nacionais;

Na prática o médico poderá responder por homicídio, mesmo que haja previsão regulamentar do Conselho Federal de Medicina, ele e todo aquele profissional que lhe auxiliar.

Art. 121, do Código Penal. Matar alguém: Pena - reclusão, de seis a vinte anos. Caso de diminuição de pena: § 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou (...) o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. Homicídio qualificado. § 2° Se o homicídio é cometido: I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; II - por motivo fútil; III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido; V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime: Pena - reclusão, de doze a trinta anos. Homicídio culposo. § 3º Se o homicídio é culposo: (Vide Lei nº 4.611, de 1965). Pena - detenção, de um a três anos. Aumento de pena. § 4º No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos. (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003). § 5º - Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.       (Incluído pela Lei nº 6.416, de 24.5.1977). § 6º  A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio.  (Incluído pela Lei nº 12.720, de 2012). Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio. Art. 122 - Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça: Pena - reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave. Parágrafo único - A pena é duplicada: Aumento de pena. I - se o crime é praticado por motivo egoístico; II - se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência.

A situação do médico é muito delicada diante do direito penal, pois se auxiliar na cessação da dor do paciente terminal, permitindo-lhe morrer de forma antecipada, ele estará cometendo um homicídio, que poderá ser doloso, ou culposo, qualificado, se morrer é auxílio a suicídio, se não morrer é lesão corporal, de qualquer forma, é crime. Dependendo da situação poderá ser crime de reclusão ou de detenção. Para o médico, o familiar, ou terceiro que se penalizar com o sofrimento do doente terminal, o risco de ter a sua própria vida, o seu direito de ser feliz subtraído da sua esfera privada, é muito grande (prisão). A solução é mobilizar a sociedade, que é a voz do povo, para que o Congresso Nacional legalize a eutanásia, ou a condene, abolindo-a de qualquer instrumento administrativo, neste caso, proibindo a Resolução 1.995 de 2012 do Conselho Federal de Medicina, ou lhe dando total respaldo moral e ético.

CONSIDERANDO que os novos recursos tecnológicos permitem a adoção de medidas desproporcionais que prolongam o sofrimento do paciente em estado terminal, sem trazer benefícios, e que essas medidas podem ter sido antecipadamente rejeitadas pelo mesmo;

O médico deve considerar se na dúvida científica ele deve usar da precaução diante do dano irreparável da extinção da vida do paciente, se ao explicar para o paciente sobre o diagnóstico da doença grave e irreversível, se ele explicou de forma clara, simples e objetiva a realidade dos fatos, para que o paciente decida por qual paradigma ele deseja seguir, ou seja, por um caminho longo e dolorido, por um caminho longo e não dolorido, por um caminho curto e não dolorido ou curto e dolorido. Deve analisar se a decisão do paciente foi motivada de forma eventual (depressão), ou sistemática (meditada), com base em conhecimento científico, ou no medo de sofrer ainda mais do que já está sofrendo, ou se foi motivada por empirismo, ou pura ignorância (tabus), ou indução alheia (interesses ocultos).

CONSIDERANDO o decidido em reunião plenária de 9 de agosto de 2012,

RESOLVE:

Art. 1º Definir diretivas antecipadas de vontade como o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade.

A revista Época de 25 de junho de 2012, n. 736, traz uma reportagem sobre os brasileiros que pagaram para agendar o próprio fim em uma clínica da Suíça (debate sobre morte assistida). Para melhor vislumbrar o artigo 1º desta resolução, tem-se o caso de paciente, que lhe é comunicado pelo médico o diagnóstico de câncer galopante, em abril de determinado ano. O paciente vem a óbito após operação inócua, cheio de tubos, em setembro do mesmo ano. Se em abril, conforme os princípios da bioética, o médico tivesse esclarecido sobre a realidade da doença, que além de ser um câncer, que por si só já é algo horrível, era um tipo raro, um câncer galopante, por exemplo, de próstata, talvez o paciente, se desejoso de não ser lembrado pelos amigos e familiares definhando de dor e sofrimento, transfigurado pela dor, talvez ele pudesse ter tido o direito à liberdade de optar por não sofrer desta forma desumana. E, talvez ele tivesse assinado o Termo de Consentimento Informado tanto para o uso de novos fármacos, ou novas terapias, quanto, ao chegar em setembro, no ápice da dor agonizante, tivesse optado pelo fim da própria vida. Neste caso, em abril, o paciente estava lúcido, estava em plena capacidade civil de se autodeterminar conforme a sua própria vontade, livre e consentida. Em setembro, não. Em setembro o fim era certo, e este fim poderia ser longo, poderia ser cheio de consecutivas operações, cheio de inexistência de esperanças do retornar ao status a quo vital. O fim triste estava anunciado, e o paciente, sem a liberdade de optar, estava entregue a própria sorte.

Art. 2º Nas decisões sobre cuidados e tratamentos de pacientes que se encontram incapazes de comunicar-se, ou de expressar de maneira livre e independente suas vontades, o médico levará em consideração suas diretivas antecipadas de vontade.

As considerações do médico sobre a solicitação de eutanásia por paciente que se encontra em estado incomunicável por lhe faltar capacidade de se autodeterminar somente será possível por que o paciente firmou o Termo de Consentimento informado quando se encontrava em pleno gozo civil da sua capacidade, tendo o feito testemunha. Salienta-se que para maior segurança, todo documento, inclusive o Termo de Consentimento Informado, deverá ser averbado em cartório e reconhecida firma das testemunhas. Tudo isso para melhor assegurar o direito do médico em se precaver, e o do paciente em vislumbrar uma morte suave, doce, através da eutanásia. Adverte-se que jamais o médico poderá aceitar gestos como sendo sinais de concordância com a prática da eutanásia. O paciente só poderá prestar o seu consentimento por escrito, com testemunhas, averbado, e em plena capacidade civil de se autodeterminar.

§ 1º Caso o paciente tenha designado um representante para tal fim, suas informações serão levadas em consideração pelo médico. SGAS 915 Lote 72 | CEP: 70390-150 | Brasília-DF | FONE: (61) 3445 5900 | FAX: (61) 3346 0231| http://www.portalmedico.org.br

Não é suficiente a avaliação do médico considerando a decisão de terceiro sobre a vida ou morte do doente que se encontra incapaz de exercer a sua vontade autônoma, se esse terceiro não apresentar documento com fé pública, ou seja, uma procuração com poderes legais à representação. Para evitar simulação que provoca a nulidade do ato desde a sua origem, deve-se seguir os trâmites legais. Assim qualquer documento privado necessita de duas testemunhas para o feito, inclusive o de que o poder de decidir sobre a vida do paciente foi incumbida a terceiro de sua confiança. No §2º “O médico deixará de levar em consideração as diretivas antecipadas de vontade do paciente ou representante que, em sua análise, estiverem em desacordo com os preceitos ditados pelo Código de Ética Médica”. Neste caso, quando os preceitos de bioética forem descumpridos ou desrespeitados, todavia, mesmo que eles estejam conforme a resolução 1.995/2012, talvez eles não os estejam conforme o direito positivo. A assessoria jurídica deve estar presente em todo o Comitê de Ética para revisar os Termos de Consentimento Informado, sob pena de responsabilizar objetivamente o hospital.

Conforme a bioética, no § 3º “As diretivas antecipadas do paciente prevalecerão sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos familiares” e segundo o direito constitucional, não há que prevalecer a opinião dos familiares do doente terminal, por mais nobre que sejam as intenções destes, pois o bem jurídico tutelado pelo direito é a “vida” do paciente que tem garantido o direito constitucional de “liberdade”. Se o paciente incurável não sofreu nenhum tipo de constrangimento, indução, coação, instigação, a decisão dele prevalecerá sobre a do médico e sobre a dos familiares. É princípio básico da bioética o respeito à vontade do paciente, acima da dos familiares.

A orientação do § 4º “O médico registrará, no prontuário, as diretivas antecipadas de vontade que lhes foram diretamente comunicadas pelo paciente”, este procedimento está errado, equivocado ou incompleto, pois é insuficiente uma anotação no prontuário sobre a vontade do paciente. Faz-se extremamente necessário o Termo de Consentimento Informado do paciente terminal, de preferência, averbado e homologado em Cartório de registro civil, com dois testemunhos com firma reconhecida sobre a última vontade do paciente, de preferência, uma testemunha do médico, e a outra do paciente.

Assim se evitam maiores transtornos para o médico, para o terceiro incumbido de decidir pelo paciente terminal, para o hospital, e assegura que, como se um testamento ou codicilo fosse, a vontade do paciente seja cumprida: morrer de forma breve e sem dor, de se despedir da vida quando ainda é possível preservar a sua imagem, a sua dignidade. No prontuário deveria ser registrado o pedido para firmar o Termo de Consentimento informado, e se o paciente não puder se deslocar até o cartório, que o escrivão ou escriturário venha até o hospital para que seja firmado este documento que poderá ser público ou privado.

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§ 5º Não sendo conhecidas as diretivas antecipadas de vontade do paciente, nem havendo representante designado, familiares disponíveis ou falta de consenso entre estes, o médico recorrerá ao Comitê de Bioética da instituição, caso exista, ou, na falta deste, à Comissão de Ética Médica do hospital ou ao Conselho Regional e Federal de Medicina para fundamentar sua decisão sobre conflitos éticos, quando entender esta medida necessária e conveniente.

Na dúvida, o procedimento eutanásico não deverá ser adotado, pois há o risco de se praticar eugenia. A Constituição Federal não admite nenhum tipo de discriminação, jamais irá permitir que haja um processo seletivo do paciente de baixa renda, em relação ao paciente de média ou alta renda. Se o paciente não puder pagar por um tratamento adequado, então, talvez ele venha a correr o risco de ser eliminado. Não há que se falar em morte piedosa nesta situação, mas de homicídio qualificado com agravante, pois a pessoa eliminada não tinha condições de se defender contra a violência que lhe estava sendo aplicada.

Art. 3º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília-DF, 9 de agosto de 2012

ROBERTO LUIZ D’AVILA HENRIQUE BATISTA E SILVA

Presidente Secretário-geral SGAS 915 Lote 72 | CEP: 70390-150 | Brasília-DF | FONE: (61) 3445 5900 | FAX: (61) 3346 0231| http://www.portalmedico.org.br

Chama-se a atenção para a vigência desta resolução, que passou a vigorar em agosto de 2012, antes da suposta prática de eutanásia pela médica de hospital evangélico no Paraná, em Curitiba, em 2013. A prática da eutanásia não pode ser usada de má-fé, com o intuito de eliminar pacientes vitais, pobres, ou que tenham doado, em vida, seus órgãos, ao falecer. Aqui, urge a intervenção difusa do Ministério Público a todos os casos consentido de eutanásia, como fiscal da lei. A eutanásia deve ser vista como a prática piedosa da beneficência em prestar ajuda ao paciente que sofre de dores intensas e sem diagnóstico de cura, ou seja, sem esperanças de ter de volta a sua vida, na plenitude de uma vida com qualidade de vida em busca da felicidade.

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Sobre a autora
Seline Nicole Martins Soares

Docente em Direito na UFFS/SC; OAB/SC 36972; Mestre em Integração Latino-Americana da UFSM, Especialista em Educação Ambiental da UFSM, Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais da UFSM; Especialista em Direito Constitucional Aplicado da FDJ. Acadêmica da Especialização em Direito Ambiental Uninter. Pesquisadora em Bioética, Biodireito, Direito Ambiental e Direito do Consumidor, Direito Internacional Público e Privado. <br>

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOARES, Seline Nicole Martins. Comentários sobre a Resolução 1.995 de 2012 do CFM:: orientações à eutanásia no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3769, 26 out. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25440. Acesso em: 22 dez. 2024.

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