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O Tribunal Militar Internacional para a Alemanha – Tribunal de Nuremberg

seu caráter de exceção e o princípio da legalidade

O Tribunal Militar Internacional para a Alemanha – Tribunal de Nuremberg: seu caráter de exceção e o princípio da legalidade

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O presente trabalho expõe os dois lados da discussão sobre o Tribunal de Nuremberg, com enfoque nos debates quanto ao seu caráter de exceção e na atenção ao princípio da legalidade, especialmente o da anterioridade da lei penal.

“É neste cenário que estes réus pedem, agora, ao Tribunal, que digam que eles não são culpados de planejarem, executarem ou conspirarem para cometer esta longa lista de crimes e injustiças. Eles se põem diante deste julgamento como o ensanguentado Gloucester se pôs diante de seu rei trucidado. Ele implorou à viúva, como eles imploram aos senhores: 'Diga que eu não os trucidei'. E a Rainha respondeu: 'Então diga que trucidados eles não foram. Mas mortos eles estão...' Se os senhores disserem desses homens que eles não são culpados, será o mesmo que dizer que não houve guerra, que não houve massacre, que não houve crime'” [1]

Sumário: 1Introdução. 2Breve histórico e estrutura do Tribunal de Nuremberg. 2.1O Terceiro Reich e a Segunda Guerra Mundial. 2.2A criação do Tribunal – Do Plano Morgenthau ao Acordo de Londres. 2.3Os personagens. 2.3.1Os Juízes. 2.3.2Os promotores e advogados de defesa. 2.3.3Os réus. 2.4As acusações. 3O caráter de tribunal de exceção do Tribunal de Nuremberg. 3.1Conceito de tribunal de exceção. 3.2Jurisdição e competência do Tribunal de Nuremberg. 3.3A independência e imparcialidade dos juízes. 3.4As limitações ao direito de defesa. 3.4.1As regras procedimentais e os diferentes sistemas jurídicos mesclados em Nuremberg. 3.4.2A proibição da defesa de cumprimento de ordens superiores – o Princípio do Fuhrer. 4O princípio da legalidade e a aplicação de lei “ex post facto”. 4.1Conceito do princípio da legalidade penal. 4.2A acusação número dois – Crimes contra a Paz. 4.3Mitigação ao princípio da irretroatividade da lei penal. 5Conclusão. 6APÊNDICE A - Os réus em Nuremberg. 7ANEXO A - Acordo de Londres de 08 de agosto de 1945. 8ANEXO B - Estatuto do Tribunal Militar Internacional para a Alemanha. REFERÊNCIAS. 


1 Introdução

 “Nós não devemos jamais esquecer que a atuação pela qual julgamos esses réus hoje é a atuação pela qual a história nos julgará amanhã.

[…]

Os crimes que procuramos condenar e punir foram tão calculados, tão malevolentes, e tão devastadores que a civilização não pode tolerar que eles sejam ignorados, porque não pode sobreviver a eles serem repetidos.”[2]

O Tribunal de Nuremberg, formalmente denominado Tribunal Militar Internacional para a Alemanha, foi criado no final da Segunda Guerra Mundial pelos Estados Unidos da América, Reino Unido, França e União Soviética – vencedores do conflito – com o objetivo de julgar e punir 24 dos mais graúdos líderes do regime nazista, que governou a Alemanha entre 1933 a 1945, acusados de crimes contra a paz, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e crime de conspiração para o cometimento desses crimes.

Desde sua criação, o Tribunal foi tachado como um tribunal de exceção, uma corte formada pelos vencedores da guerra para condenar os derrotados. Das críticas  contra ele lançadas, as mais contundentes certamente são a de que o direito de defesa dos réus teria sido limitado – característica de tribunais de exceção -, de que o Tribunal carecia de legitimidade e que o julgamento violou o princípio da legalidade, aplicando legislação ex post facto.

Tão numerosas quanto as críticas foram as defesas proferidas em favor da criação e atuação do Tribunal, sob a assertiva de que, não somente teria ele agido dentro da lei, como teria, de fato, preenchido lacunas e criado um novel sistema de repressão e punição de condutas até então ignoradas pelo Direito. Para seus defensores, o Tribunal conduzira um julgamento muito mais justo do que o esperado.

O presente trabalho pretendeu expor os dois lados dessa discussão, com enfoque nos debates quanto ao caráter de exceção do Tribunal e na atenção ao princípio da legalidade, especialmente o da anterioridade da lei penal. Para tanto, utilizou-se das opiniões de diversos juristas e historiadores. Buscou-se tanto opiniões manifestadas no calor dos acontecimentos quanto teses elaboradas e aperfeiçoadas muito tempo após o encerramento dos trabalhos da corte. Acima de tudo, como fonte primordial, usou-se da íntegra do julgamento, disponibilizada na internet, buscando-se as soluções e justificativas exaradas pelo próprio Tribunal para resolver as controvérsias surgidas.

Este trabalho se divide em três capítulos. No primeiro, apresenta-se um breve histórico da criação do Tribunal, bem como de sua estrutura, trazendo à baila informações imprescindíveis para a compreensão das discussões objeto do estudo. O segundo capítulo traz à tona todo o debate quanto ao caráter de exceção do Tribunal, com foco na legitimidade de sua criação. O capítulo discute, ainda, o papel da defesa e dos defensores durante o julgamento, com o fito de identificar a existência ou não de cerceamento do direito de defesa dos réus.

O terceiro capítulo, por fim, se debruça sobre a polêmica da aplicação de legislação ex post facto pelo Tribunal, em contrariedade ao princípio da legalidade. Especial atenção é dispensada ao crime de guerra de agressão, objeto de profundas discussões.

Cabe aqui um parêntese. O resultado a que o Tribunal de Nuremberg chegou não pode, e nem deve, ser questionado. O presente estudo não se propõe a reescrever a História. Nem nenhum autor aqui abordado jamais desejou tal. O que será aqui analisado é tão somente as diferentes abordagens, favoráveis e contrárias, às controvérsias que, inevitavelmente, emanaram de um julgamento ímpar na história da civilização moderna. É uma tentativa de chegar a um consenso quanto a questões que permeiam, desde os momentos mais pavorosos do maior conflito que a humanidade testemunhou, até os dias de hoje, qualquer discussão quanto a justiça e quanto ao papel do Direito na sociedade. Pois, em 1945, o mundo viu-se diante de um cenário inédito na história da civilização moderna: ali estavam homens responsáveis pela mais profunda e elaborada selvageria que uma nação dita civilizada poderia cometer; o que fazer com eles, era a pergunta. A resposta não foi executá-los sumariamente; foi submetê-los ao Tribunal. Se o Tribunal foi perfeito ou não, se suas falhas, caso sejam elas assim consideradas, o mancharam irremediavelmente, será esse o objeto desse estudo.

 


2 .Breve histórico e estrutura do Tribunal de Nuremberg

“Se estiverdes decidido a executar um homem, qualquer seja o caso, não há lugar para julgamento: o mundo não respeita tribunais que só se constituem para condenar.”[3]

Em 20 de novembro de 1945, passados seis meses da rendição incondicional da Alemanha de Adolf Hitler, subjugada e destruída pelos Aliados, teve início a primeira sessão do Tribunal Militar Internacional para a Alemanha, que passou aos anais da História como o Tribunal de Nuremberg.

Ao longo de onze meses, o Tribunal, composto por oito juízes representantes das Quatro Potências vencedoras da Segunda Guerra Mundial, ouviu dezenas de testemunhas e teve acesso a milhares de documentos, tudo a traçar um quadro das terríveis atrocidades cometidas pelo nazismo durante os seis anos anteriores.

Durante o julgamento, os juízes e o mundo descobriram o extermínio sistemático de milhões de seres humanos, o planejamento e a execução de guerras brutais, a tortura, a escravização, o saque e destruição sistemáticos a que as forças de Hitler submeteram a Europa.

Em 1 de outubro de 1946, por fim, o Tribunal sentenciou os 22 réus presentes, absolvendo três dos acusados e condenando os demais a penas que variavam de 10 anos de prisão a morte por enforcamento.

Logo após o apagar das luzes do imponente Palácio da Justiça de Nuremberg, onde o julgamento ocorrera, já surgia ao mundo a pergunta: afinal, houve justiça? Houve ali um julgamento legal, ou apenas um arremedo de processo que acobertou uma vingança das nações vitoriosas, e uma humilhação dos derrotados.

2.1 .O Terceiro Reich e a Segunda Guerra Mundial

Em 30 de janeiro de 1933, após uma série de vitórias eleitorais e artimanhas políticas, Adolf Hitler, líder do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães – Partido Nazista –,  foi nomeado chanceler do Reich Alemão, nome oficial da então república federal da Alemanha (mais conhecida como “República de Weimar”).

Durante os seis anos e meio seguintes, Hitler transformou uma Alemanha  fraca e humilhada pelos vencedores da Primeira Guerra Mundial (Reino Unido e França, principalmente) numa potência econômica e militar – o Terceiro Reich – bem como num Estado totalitário, onde ele, na condição de líder supremo (o Fuhrer), tinha poder total sobre tudo e todos. Por meio de artimanhas diplomáticas e políticas, sempre assegurando ao mundo suas intenções pacíficas, ele expandiu as fronteiras alemãs para abarcar todos os alemães que viviam nos países vizinhos, sob o lema “Povos em cujas veias corre o mesmo sangue devem pertencer ao mesmo Estado.”[4], incorporando ao Reich alemão a Áustria, a Tchecoslováquia e a região do Memel, no litoral do Mar do Norte.

Em 1 de setembro de 1939, desta vez procurando obter o “espaço vital” (Lebensraum), “o solo que lhe [povo alemão] compete neste mundo”,[5] necessário para o desenvolvimento e prosperidade da “Grande Alemanha” (Grossdeutschland) que sonhava construir, Hitler deu início, com a invasão da Polônia, à Segunda Guerra Mundial, um conflito bélico de proporções globais, que levou à morte entre 50 a 70 milhões de pessoas.[6]

Nos seis anos seguintes, o exército alemão invadiu e ocupou a Noruega, Dinamarca, Holanda, Bélgica, França, Luxemburgo (todos durante o ano de 1940), Iugoslávia, Grécia, parte do norte da África, parte da União Soviética (durante 1941), Albânia, Itália e Hungria (estes entre 1943 a 1944, durante o recuo das forças armadas alemãs na frente oriental) A partir de 1943, os Aliados (encabeçados pelo Reino Unido, França, União Soviética e Estados Unidos da América) assumiram a ofensiva, e, em 8 de maio de 1945, uma Alemanha arruinada e ocupada rendeu-se incondicionalmente, dando fim ao conflito.

Durante os seis anos de guerra, as forças armadas alemãs (aqui compreendendo o exército regular, a SS , a Gestapo e as demais forças de combate e policiamento alemãs)  foram responsáveis pelo extermínio de milhões de pessoas nos países ocupados, obedecendo a uma política de genocídio motivada por ideais racistas, inspirados por Hitler. Essa política genocida, que teve a participação maciça da população civil, também incluiu a pilhagem e a destruição de cidades, parques industriais, plantações, etc., e a submissão de populações inteiras a privações e sofrimento sem precedentes.[7]

O nazismo, em suma, produziu uma ruína física e moral sobre a Europa e a humanidade, aflorando das profundezas da desumanidade um colapso da civilização nos tempos modernos.[8]

2.2 .A criação do Tribunal – Do Plano Morgenthau ao Acordo de Londres

Já durante o curso da guerra, mais especificamente a partir da contra-ofensiva aliada no verão de 1943 (com a derrota alemã nas batalhas de Stalingrado, na frente oriental, e El-Alamein, no norte da África), os Aliados iniciaram conversações entre si, a fim de decidirem quais medidas seriam tomadas em face às atrocidades alemãs então conhecidas, uma vez consolidada a derrota da Alemanha.

Smith, aponta a preocupação dos Aliados, outrossim, com as consequências da futura derrota alemã, escaldados pelos eventos posteriores à queda do ditador italiano Benito Mussolini em 1943, ocasião em que este e seus associados lograram estabelecer um estado ditatorial no norte da Itália.[9]

A primeira idéia de submeter os responsáveis alemães pelas atrocidades cometidas durante a guerra a um julgamento surgiu durante a Conferência de Moscou, em outubro de 1943, por meio da Declaração de Moscou, na qual os EUA, o Reino Unido e a União Soviética declararam que, uma vez terminado o conflito:

“(...) os oficiais alemães e homens e membros do Partido Nazista responsáveis por, ou que tenham consentidamente tomado parte, nas atrocidades acima mencionadas, massacres e execuções, serão enviados de volta aos países onde seus abomináveis atos foram cometidos, de modo que sejam julgados e punidos de acordo com as leis desses países liberados e dos governos livres que serão erigidos então.

(...)

A declaração acima não prejudica o caso dos criminosos alemães cujas ofensas não possuem localização geográfica em particular, e que serão punidos por meio de decisão conjunta dos Aliados.[10]

Tal declaração era vaga o bastante para evitar que os prisioneiros aliados nas mãos dos alemães sofressem algum tipo de represália, mas devidamente incisiva em garantir aos países aliados (especialmente aqueles ainda ocupados pelos alemães) que os responsáveis pelas crueldades seriam, de alguma forma, “punidos.”

Essa declaração, todavia, deixava em aberto o que seria feito dos chamados “grandes criminosos de guerra”, aqueles que ocupavam cargos e posições de liderança no regime nazista (compreendidos pelo termo “criminosos alemães cujas ofensas não possuem localização geográfica em particular”)

Com o desenrolar da guerra, e a libertação das nações ocupadas pelos alemães, as forças aliadas desvelaram o horror dos crimes nazistas: os campos de concentração[11], as ruínas de aldeias e vilas destruídas por atos de vingança, os testemunhos de prisioneiros de guerra e civis, tudo a formar um quadro diabólico de assassinatos em massa e maus tratos, infligidos a povos considerados “inferiores” (untermenschen) segundo a lógica perversa instilada por Hitler.

Tanto nos Estados Unidos quanto no Reino Unido, logo surgiram, nos bastidores do esforço de guerra, duas correntes de pensamento sobre como seriam punidos os nazistas. A primeira, mais radical, era patrocinada pelo primeiro-ministro britânico, Winston Churchill, e pelo Secretário do Tesouro norte-americano, Henry Morgenthau Jr., e consistia em, simplesmente, executar sumariamente todos os alemães que fossem acusados de terem cometido crimes, no que ficou conhecido como “Plano Morgenthau”. Smith sumariza a essência desse plano:

“Morgenthau e os que o acompanhavam não tinham tempo a perder, não tinham paciência com processos complexos no relativo a crimes de guerra. Aceitaram a promessa aliada de que os criminosos de guerra do escalão inferior seriam mandados de volta ao cenário dos crimes que praticaram para encontrar ali o destino que lhes coubesse. Quanto aos grandes criminosos de guerra, aos altos funcionários públicos e do Partido Nazista, brilhava pela simplicidade a solução descoberta pelo Tesouro: que se entregasse uma lista de criminosos à vanguarda das forças aliadas; estas, com a lista, identificariam e passariam imediatamente pelas armas os criminosos capturados.”[12]

A outra corrente, liderada pelo Ministro da Guerra norte-americano, Henry L. Stimson, advogava um julgamento dos criminosos de guerra capturados, em grande parte como forma de realçar a singularidade dos crimes por estes cometidos, malgrado a complexidade e as controvérsias jurídicas e políticas que um julgamento desses poderia causar, conforme Stimson relatou ao presidente norte americano Franklin D. Roosevelt:

“É principalmente mediante a prisão, a investigação e o julgamento de todos os líderes nazistas e de todos os instrumentos do sistema nazista de terrorismo, como a Gestapo, com a imposição de castigo tão rápido, tão pronto, tão severo quanto possível que podemos demonstrar o sentimento de horror que tal sistema inspira ao mundo e fazer com que os alemães compreendam nossa determinação de, uma vez por todas, extirpá-lo e a todos os seus frutos.[13]

A ideia de um julgamento, além de seguir os ideais jurídicos norte-americanos, era recebida com simpatia, surpreendentemente, pela União Soviética. Smith indica que o ditador soviético, Josef Stalin, entendia que uma execução sumária dos nazistas levaria a crer que os Aliados estariam agindo por mera vingança.[14]

A corrente liderada por Morgenthau dava sinais de que seria seguida pelos Aliados quando, ao final de 1944, o teor de suas propostas veio a público. Imediatamente, a opinião pública nos países Aliados voltou-se furiosamente contra a ideia de uma execução sumária, sem julgamento, enquanto que, na Alemanha nazista, as forças alemãs empreenderam uma violenta resistência às tropas invasoras, ante a perspectiva de que uma rendição significaria a morte.

Os Aliados, então, rapidamente decidiram pela realização de um julgamento, nos moldes do que Stimson planejara, a fim de apaziguar o clamor público. Um projeto foi logo providenciado, traçando as bases do que seria o Tribunal de Nuremberg.

Mesmo tendo vencido a ideia de uma execução sumária, o julgamento já nascia com graves falhas, como indica Smith:

“O projeto não garantia aos membros das organizações nazistas as proteções usuais de processo em boa e devida forma, mas o aspecto vulnerável desse ponto, seu aspecto criticável, não pareceu, na época, tão importante ou premente. Diante do que planejara Morgenthau, qualquer procedimento judiciário beneficiava-se com uma aura de moderação e de humanidade.[15]

Conforme a guerra ia chegando ao seu fim, com a liberação dos países ocupados pelas tropas alemãs e o recuo destas para o interior da Alemanha, os princípios da Declaração de Moscou começaram a ser postos em prática, como descreve Joanisval Brito Gonçalves:

“As Convenções de Armistício com a Romênia (19/09/44), Finlândia (19/09/44), Bulgária (28/10/44), Hungria (30/01/45), continham em seus textos cláusulas que obrigavam os governos dos países vencidos a colaborar com os aliados para a captura e julgamento dos Criminosos de Guerra. Buscou-se também evitar que os criminosos de guerra identificados pelos aliados obtivessem asilo nos países neutros. […] Os governos aliados logo procederam com apelos aos países neutros para que não acolhessem os pedidos de asilo dos acusados do Eixo. Alguns desses apelos assemelhavam-se mais a ameaças, de modo que os países neutros, que acolhessem os acusados de crimes de guerra pelos aliados, poderiam vir a sofrer represálias dos membros das Nações Unidas.[16]

Por fim, em 8 de maio de 1945, após a captura de Berlim pelo exército soviético e o suicídio de Hitler, a Alemanha finalmente rendeu-se incondicionalmente aos Aliados. Em 5 de junho do mesmo ano, os EUA, a União Soviética, o Reino Unido e a França dissolveram o governo alemão (então chefiado pelo Almirante Karl Doenitz, nomeado pelo próprio Hitler como seu sucessor em seu testamento), através da “Declaração Referente à Derrota da Alemanha e Assunção de Autoridade Suprema pelas Potências Aliadas”, passando a exercerem eles a autoridade sobre a Alemanha.

Essa mesma declaração estabelecia, em seu artigo 11, que:

“a) Os principais dirigentes nazistas, designados pelos representantes aliados e todas as pessoas, a qualquer momento nomeados ou designados por seu grau, sua função, seu emprego, pelos representantes aliados como suspeitos de terem cometido, ordenado ou encorajado crimes de guerra ou atos de violência análogos, serão detidos e postos à disposição dos governos aliados.

b) Na mesma situação encontra-se qualquer nacional de quaisquer das Nações Unidas que seja acusado de ter cometido infrações às leis de seu país, e que possa a qualquer momento ser identificado ou designado em virtude de seu cargo, seu posto ou seu emprego pelos representantes aliados.

c) As autoridades e o povo alemães submeter-se-ão a todas as diretivas estabelecidas pelos representantes aliados para a detenção e para que sejam postas à disposição tais pessoas.[17]

Após semanas de árduas e exaustivas negociações entre as Quatro Potências (EUA, URSS, Grã-Bretanha e França), a 8 de agosto de 1945, concluiu-se o Acordo de Londres, que em seu artigo primeiro estipulava, remetendo à noção de “grandes criminosos de guerra” presente na Declaração de Moscou:

“Deverá ser estabelecido, após consulta ao Conselho de Controle para a Alemanha[18], um Tribunal Militar Internacional para o julgamento de criminosos de guerra cujas ofensas não possuem localidade geográfica em particular, sejam eles acusados individualmente ou por sua capacidade como membros de organizações ou grupos ou em ambos.[19]

Concomitantemente, as Quatro Potências elaboraram e ratificaram o Estatuto do Tribunal, que especificava seu formato e funcionamento, bem como estabelecendo as normas processuais que o regeriam.

Por fim, escolheu-se a cidade de Nuremberg, no sudeste da Alemanha, como o local dos julgamentos. O motivo principal era o fato de que o Palácio da Justiça da cidade era um dos poucos edifícios, senão o único, ainda em boas condições numa Alemanha arrasada pela guerra. Outrossim, fora em Nuremberg que os nazistas haviam conduzido os grandes comícios do período pré-guerra, bem como fora ali que haviam sido aprovadas, em 1935, as Leis de Nuremberg (que haviam privado os judeus alemães de sua cidadania). Dessa forma, a escolha da cidade obedecia a um critério tanto logístico quanto simbólico.[20]

Decidiu-se por um julgamento principal, dos líderes das diferentes áreas do governo nazista e das forças armadas alemãs, o “Julgamento dos Grandes Criminosos de Guerra Nazistas.” Findo os trabalhos desse julgamento, outros julgamentos seriam realizados, sempre sob a regência do Estatuto e do Acordo de Londres (apesar desses julgamentos serem conduzidos sempre somente pelos EUA), cada julgamento específico para um grupo homogêneo de réus.[21]

Em 20 de novembro de 1945, foi inaugurada a primeira sessão pública do Tribunal Militar Internacional para a Alemanha, com as palavras do seu Presidente, Sir Geoffrey Lawrence:

“O julgamento que está prestes a começar é único na história da jurisprudência do mundo, e é de suprema importância para milhões de pessoas ao redor do globo. Por essas razões, repousa sobre todos que tomam qualquer parte neste julgamento uma responsabilidade solene de executar suas funções sem medo ou favorecimento, de acordo com os sagrados princípios da lei e da justiça.

Tendo os quatro signatários [as Quatro Potências] invocado o processo judicial, é dever de todos os interessados cuidar para que o julgamento de nenhum modo se afaste dos princípios e tradições que, por si só, dão à justiça sua autoridade e o lugar que deve ocupar em todos os estados civilizados.[22]

Em 1 de outubro de 1946, quase um ano depois da primeira sessão, dos 24 réus julgados pelo Tribunal, doze foram condenados à forca (Goering, von Ribbentrop, Keitel, Kaltenbrunner, Rosenberg, Frank, Frick, Streicher, Sauckel, Jodl, Seyss-Inquart e Bormann) sete foram condenados a  diferentes penas de prisão (Hess, Funk, Doenitz, Raeder, von Schirach, Speer e von Neurath) e três foram absolvidos (von Papen, Fritzsche e Schacht). Um dos réus cometeu suicídio na prisão antes do início do julgamento (Ley) e o outro foi dispensado pela Promotoria antes da primeira sessão do Tribunal (Krupp).

2.3 .Os personagens

2.3.1 .Os Juízes

O Tribunal Militar Internacional era constituído por quatro juízes e quatro suplentes, apontados pelas Quatro Potências (ou Signatários), segundo o art. 2º do Estatuto. Os quatro titulares deveriam estar presentes para que os trabalhos ocorressem (ou um dos suplentes, na ausência de um dos titulares). Eles próprios deveriam escolher, dentre eles, o Presidente, que teria voto de desempate exceto quanto às sentenças.

Ressalte-se que, não havia obrigação de que os juízes fossem especialistas em Direito Penal ou Direito Internacional. A escolha dos juízes pelos Signatários era livre.

Os magistrados eram inamovíveis, ou seja, uma vez indicados, não poderiam ser substituídos. A escolha deles, outrossim, não poderia ser questionada pela Promotoria ou pela Defesa ou Réus, conforme dispunha o art. 3º do Estatuto.

Como não havia júri, caberia aos juízes presidirem o julgamento e darem o veredicto.

Foram escolhidos como juízes titulares em Nuremberg:

ñ    Lord Geoffrey Lawrence: apontado pelo Reino Unido, “Magistrado itinerante e representante na Inglaterra da Justiça do Rei, é, nesta qualidade, a segunda personalidade do Reino, nas suas deslocações oficiais.[23]” Foi escolhido pelos demais como Presidente do Tribunal, tanto em razão de sua experiência quanto pelo fato de que sua escolha não desagradaria a ninguém[24];

ñ    Francis Biddle: apontado pelos norteamericanos, era o Procurador-Geral dos EUA e amigo pessoal do presidente norteamericano Roosevelt;

ñ    Henry Donnedieu de Vabres: apontado pela França, um dos maiores especialistas e fomentadores do Direito Penal Internacional à época, não era juiz em seu país de origem, mas professor; e

ñ    Iona T. Nikitchenco: apontado pela União Soviética, juiz da Suprema Corte da URSS, havia presidido os Julgamentos de Moscou (em 1936 e 1937), farsas jurídicas através das quais os inimigos de Stalin foram condenados e executados. Sua parcialidade ante os réus e o julgamento em si era conhecida por todos.

Os juízes suplentes, que raramente tiveram a necessidade de substituir os titulares, mas que foram auxiliares na elaboração das sentenças, foram:

ñ    Lord Norman Birkett, apontado pelo Reino Unido, Juiz da Suprema Corte britânica, foi crucial na elaboração de muitas das sentenças;

ñ    John J. Parker, apontado pelos EUA, Juiz da Corte de Apelação norte americana;

ñ    Robert Falco, apontado pelos franceses, Conselheiro da Corte de Cassação francesa; e

ñ    Alexandre F. Volchkoff, apontado pela União Soviética, Comissário do Povo para a Justiça da URSS e professor.

2.3.2     Os promotores e advogados de defesa

Os promotores, responsáveis pela elaboração da denúncia e pela condução dos trabalhos da acusação, conforme os arts. 14 e 15 do Estatuto, eram, assim como os juízes titulares, em quatro, cada um indicado por uma das Quatro Potências:

ñ    Robert H. Jackson, apontado pelos EUA, era Procurador-Geral e juiz da Suprema Corte. Segundo Lazard, “conduziu brilhantemente o início do processo. Cometeu depois alguns erros que prejudicaram seu prestígio. Os americanos diziam mesmo que sua carreira política nos EUA se havia de ressentir.[25]”;

ñ    Sir Hartely Schawcross, apontado pela Grã-Bretanha, era também Procurador-Geral. Todavia, Schawcross compareceu poucas vezes em Nuremberg, sendo seu substituto, Sir David Maxwell-Fyffe, sub-Procurador Geral, o efetivo representante britânico na Promotoria. Com o tempo, “sua autoridade ia aumentando.” [26];

ñ    François De Menthon, apontado pela França, Procurador-Geral e ex-ministro da Justiça na França liberada. Mas, segundo Lazard, o procurador francês “foi primeiro De Menthon e depois Champetier de Ribes. [Ambos se ausentaram] muitas vezes de Nuremberga. A França foi praticamente representada por Charles Dubost, delegado no Tribunal de Aix-en-Provence.[27]”; e

ñ    Roman Rudenko, apontado pela URSS, general do Exército Vermelho promotor na URSS, era também comandante do Campo Especial N.º 7 da NKVD, localizado no antigo campo de concentração alemão de Sachsenhausen, onde se encontravam encarcerados milhares de oficiais e membros do Partido Nazista. Como relata Lazard: “O seu interrogatório das testemunhas é coisa temível. A sua dialética é hábil. A voz, apesar de muito doce, penetra como um ácido.”[28]

Os promotores eram auxiliados por uma gama de ajudantes, responsáveis pela coleta das provas documentais por toda a Europa. Ademais, como explica Smith, os promotores decidiram dividir entre si os trabalhos de acusação: os norte americanos cuidaram da acusação de conspiração; os britânicos dos crimes contra a paz; os soviéticos dos crimes de guerra cometidos na Europa Oriental; e os franceses dos crimes de guerra cometidos na Europa Ocidental.[29]

Do outro lado, amparados pelo art. 16 do Estatuto, cada réu tinha direito a um advogado que por ele poderia ser escolhido, ou dentre uma lista de advogados alemães  preparada pelo Tribunal, ou por uma indicação pessoal, que seria submetida à aprovação do Tribunal.

A lista de advogados preparada pelo Tribunal incluía nomes como o internacionalista Otto Stahmer (advogado de Goering), o professor Fritz Sauter (advogado de von Ribbentrop, Funk e von Schirach), o penalista Franz Exner (advogado de Jodl) e o major Robert Servatius (advogado de Sauckel e, posteriormente, advogado de Adolf Eichmann no seu julgamento em Israel em 1962).

2.3.3     Os réus

Ainda antes da criação do Tribunal, os Aliados já discutiam quem seriam os homens a ocuparem o banco dos réus. Os nomes seriam escolhidos, principalmente, de diversas listas de “criminosos de guerra” elaboradas pelos Aliados a partir de 1943, época em que fora firmada a Declaração de Moscou.

O principal nome, obviamente, era Hitler. Mas ele, junto com diversas outras figuras de proeminência do regime nazista, já havia desaparecido quando da derrota da Alemanha: junto com o ditador, o Ministro da Propaganda, Josef Goebbels e o chefe da SS, Heinrich Himmler, haviam cometido suicídio; Heinrich Muller, chefe da Gestapo, Adolf Eichmann, supervisor logístico do extermínio dos judeus, Josef Mengele, médico responsável pelos experimentos humanos conduzidos nos campos de concentração, dentre outros, estavam desaparecidos. Foi corriqueiro que, durante o interrogatório dos réus, estes acusassem os desaparecidos pelos crimes que lhes eram imputados.

Ainda assim, nas mãos das Quatro Potências, havia um número enorme de oficiais e ex-membros do governo nazista.

A primeira lista oficial, redigida pelos britânicos em 21 de junho de 1945, possuía apenas 10 nomes. Esse número aumentou gradativamente (chegando a absurdas sugestões de inclusão de até 100 réus) até chegar, em 27 de agosto do mesmo ano, aos 24 réus indiciados em Nuremberg.[30]

Importante ressaltar que, conforme nota Smith:

“Escolheram-se os nomes antes que se preparasse um indiciamento, e antes mesmo que se houvesse negociado a Carta que estabelecia a lei mediante a qual alguns deles seriam julgados. O que orientou a seleção dos nomes não foi a ação pessoal, a crueldade ou a notoriedade dos réus, mas a consideração de que se encaixavam no plano norte americano para julgar organizações.”[31]

Os 24 réus do Tribunal de Nuremberg representavam praticamente todas as esferas políticas, econômicas e militares do Terceiro Reich. Todavia, conquanto alguns nomes fossem unanimidade para figurar perante o Tribunal, outros eram objeto de forte discussão, como melhor demonstrado no apêndice A deste trabalho.

De qualquer forma, era unânime a opinião de que, no banco dos réus em Nuremberg, sentavam-se senão todos, grande parte dos responsáveis pelas atrocidades criminosas cometidas pela Alemanha nazista.

2.4 .As acusações

As acusações estavam previstas nas alíneas do art. 6º do Estatuto do Tribunal:

“Art. 6º -  O Tribunal (...) será competente para julgar e punir quaisquer pessoas que, agindo por conta dos países europeus do Eixo, tenha cometido, individualmente ou sob o título de membros de organizações, qualquer dos crimes seguintes.

Os seguintes atos, ou qualquer um entre eles, são crimes submetidos à jurisdição do Tribunal e elencam uma responsabilidade individual:

a) Crimes contra a paz: a saber, a direção, preparação, o desencadeamento ou a persecução de uma guerra de agressão, ou de uma guerra violadora de tratados, garantias ou acordos internacionais, ou a participação em um plano concertado ou em um complô[32] para a realização de qualquer um dos atos precedentes;

b) Crimes de guerra: a saber, as violações das leis e costumes de guerra. Tais violações compreendem, sem limitar-se a estes, o assassinato, os maus-tratos e a deportação para trabalhos forçados, ou com qualquer outro objetivo, das populações civis nos territórios ocupados, o assassinato e os maus-tratos dos prisioneiros de guerra ou de pessoas no mar, a execução de reféns, a pilhagem de bens públicos ou privados, a destruição sem motivo de cidades e vilas, bem como a devastação não justificada pelas exigências militares;

c) Os crimes contra a humanidade: a saber, o assassinato, o extermínio, a escravização, a deportação e qualquer outro ato desumano cometido contra quaisquer populações civis, antes ou durante a guerra; ou ainda as perseguições por motivos políticos, raciais ou religiosos, cometidos em prosseguimento a todos os crimes sob a competência do Tribunal Internacional, ou a eles vinculados, mesmo que tenham tais perseguições constituído ou não uma violação do direito interno do país onde foram perpetradas.

Os dirigentes, organizadores, colaboradores ou cúmplices que tenham participado na elaboração ou execução de um plano concertado ou de um complô para o cometimento de qualquer um dos crimes acima definidos são responsáveis por todos os atos perfeitos realizados por qualquer pessoa na execução deste plano.[33]

No indiciamento, cada réu seria acusado tanto individualmente – por suas condutas – quanto coletivamente – pelas condutas das forças alemãs em geral durante a guerra.

Nas palavras de Gonçalves:

“Acrescente-se que a determinação de tais encargos coletivos era uma maneira de fazer com que nenhum dos acusados em Nuremberg conseguissem escapar ao castigo dos vencedores. Afinal, além das responsabilidades individuais – que a excelência da Promotoria cuidou para que fossem extensivamente apresentadas – os homens em Nuremberg seriam responsabilizados pelos “crimes” cometidos pelas forças alemãs durante a guerra e até por criminosos comuns ou extremistas, ainda na Europa de antes da deflagração do conflito. Responsabilizavam-se aqueles homens de Estado por todos os males que afligiram o mundo causados pela guerra entre as Grandes Potências.[34]

Quando do indiciamento, os crimes foram reunidos em quatro acusações: Crime de Conspiração ou Plano Comum (Acusação Número Um); Crimes contra a Paz (Acusação Número Dois); Crimes de Guerra (Acusação Número Três); e Crimes contra a Humanidade (Acusação Número Quatro).

No apêndice da denúncia, constavam os encargos individuais de cada um dos 22 réus, descrevendo as acusações individuais contra cada um deles conforme os cargos que ocuparam na Alemanha nazista.


3 .O caráter de tribunal de exceção do Tribunal de Nuremberg

“- O que foi Hiroshima? Não foi sua experiência médica? Os EUA teriam jogado bombas tão facilmente sobre a Alemanha como o fizeram no Japão? Acho que não. Para a sensibilidade americana, uma criança caucasiana é muito mais humana do que uma japonesa.

- Nós estávamos em guerra com o Japão, um país que nos atacou sem provocação. Vocês assassinaram milhões de seus próprios cidadãos.

- E os cidadãos americanos descendentes de japoneses, que foram colocados em custódia preventiva em seus próprios campos de concentração?

- Isso foi errado.

-  Por que o mesmo não ocorreu com os cidadãos americanos descendentes de alemães e italianos?

- Eu disse que isso foi errado!

- E os negros em seu exército? Eles tem permissão para comandar tropas em combate? Podem se sentar nos mesmos ônibus que os brancos? As leis de segregação em seu país e as leis anti-semitas no meu não são diferentes apenas quanto ao grau?[35]

A criação, instalação, funcionamento e consequências do Tribunal de Nuremberg suscitaram, desde as negociações para sua constituição até hoje, inúmeras questões controversas quanto à sua natureza, aos seus procedimentos e à sua eficácia.

A primeira é talvez a mais constantemente lembrada e discutida, qual seja, a de que o Tribunal possuía um caráter eminentemente de exceção, posto que consistia num instrumento para aplicar uma forma de punição pelos vitoriosos sobre os vencidos, sem respeitar princípios básicos do Direito e, principalmente, sem oferecer à defesa dos réus qualquer chance. Ou, nas palavras de Hermann Goering, o Tribunal comprovaria que “O vencedor será sempre o juiz, e o vencido será sempre o acusado.”[36]

3.1 Conceito de tribunal de exceção

Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Junior assim conceituam a ideia de tribunal de exceção:

“O conteúdo jurídico do princípio pode ser resumido na inarredável necessidade de predeterminação do juízo competente, quer para o processo, quer para o julgamento, proibindo-se qualquer forma de designação de tribunais ou juízos para casos determinados.

[…] Nesse sentido, Pontes de Miranda aponta que a 'proibição dos tribunais de exceção representa, no direito constitucional contemporâneo, garantia constitucional: é direito ao juízo legal comum', indicando vedação à discriminação de pessoas ou casos para efeito de submissão a juízo ou tribunal que não o recorrente por todos os indivíduos.[37]

Mais adiante, complementam:

“O princípio, contudo, não veda a existência de juízos especializados, desde que guardado o caráter generalizador da norma que os criar, que só ofenderá o princípio em estudo no caso de, por via transversa, buscar a submissão de situações ou pessoas predeterminadas à competência desses novos órgãos.[38]

Já Alexandre de Moraes complementa essa definição:

“O referido princípio deve ser interpretado em sua plenitude, de forma a proibir-se não só a criação de tribunais ou juízos de exceção, mas também de respeito absoluto às regras objetivas de determinação de competência, para que não seja afetada a independência e imparcialidade do órgão julgador.[39]

Em seguida, Moraes ressalta que a instituição de um tribunal de exceção fere de morte o Estado de Direito, visto que “sua proibição revela o status conferido ao Poder Judiciário na democracia.[40]

Em suma, caracteriza-se como tribunal de exceção aquele criado a posteriori às condutas que por ele serão apreciadas, com jurisdição e regras próprias, com caráter temporário e/ou excepcional, e que, fundamentalmente, se opõe à ordem constitucional do país em que vigora. Em razão dessa criação e constituição excepcional, os procedimentos de um tribunal de exceção são sempre suspeitos (quando não flagrantemente) de cercearem a defesa dos acusados.

3.2.Jurisdição e competência do Tribunal de Nuremberg

O Tribunal de Nuremberg foi criado por um tratado, o Acordo de Londres, firmado entre as Quatro Potências em 8 de agosto de 1945, ou seja, exatos três meses após a rendição incondicional da Alemanha. Toda a base organizacional, desde os limites de sua jurisdição até os detalhes procedimentais dos julgamentos, foram acordados entre as Quatro Potências por meio de negociações, sem limitarem-se a suas próprias normas jurídicas internas.

Inquestionável, ademais, que o Tribunal de Nuremberg foi criado única e exclusivamente para julgar os acusados pelos crimes naquela oportunidade estabelecidos. Sua jurisdição não se alongava no tempo nem no espaço, pois, de acordo com o art. 1º do Estatuto, o Tribunal tinha competência apenas para julgar “os grandes criminosos de guerra do Eixo europeu”. Dessa forma, não possuía competência para julgar crimes cometidos posteriormente ou que não se relacionassem à conduta alemã sob o regime nazista.

Tratava-se, portanto, de um tribunal ad hoc, ou seja, criado especificamente para uma ocasião e objetivo específicos, e que somente existiria enquanto esse objetivo não fosse alcançado, in casu, o sentenciamento dos acusados.

Anos depois, quando o julgamento de Adolf Echmann[41] levantou questão semelhante, a filósofa Hannah Arendt, ao traçar um paralelo desse julgamento com o de Nuremberg, concordou que o caráter de exceção deste lhe era ínsito, uma vez que  o Tribunal e os julgamentos que proferiu “eram internacionais apenas no nome, sendo de fato cortes dos vitoriosos[42]”, ressaltando que “a autoridade de seu julgamento, duvidosa em qualquer caso, não foi corroborada quando a coalizão que ganhou a guerra e se lançou nessa empresa conjunta se rompeu, para citar Otto Kirchheimer, 'antes que secasse a tinta dos julgamentos.[43]

Georg Schwarzenberger também classifica como ad hoc o Tribunal, alertando que sua excepcionalidade  servia aos interesses das Quatro Potências, pois tornava-o uma lei da qual “na condição de vitoriosos, alguns dos vencedores foram capazes de se auto-excluir.”[44].

Já Gonçalves abraça as críticas tecidas por Celso Albuquerque Mello, ao apontar o inquestionável caráter de exceção do Tribunal, uma vez ter ele sido “extinto após ter proferido o julgamento.”[45]

Um dos juízes titulares do Tribunal, o francês Donnedieu de Vabres, concordou com essa visão, alguns anos após o encerramento dos trabalhos do Tribunal:

“O Tribunal Militar Internacional é uma jurisdição ad hoc, na qual a instituição é posterior às infrações as quais ele recebeu a missão de reprimir. As incriminações são vagas, e as penas quase inteiramente deixadas à apreciação discricionária dos juízes.[46]

Curioso notar, ademais, conforme diz Gonçalves, que o Tribunal de Nuremberg, em sua criação e funcionamento, se assemelhava tecnicamente aos tribunais específicos criados pelos nazistas durante o Terceiro Reich, tribunais esses que o próprio Indiciamento denunciava como criminosos e ilegais, ao tipificar os crimes contra a humanidade sob a Acusação Número 4:

“Cortes especiais foram estabelecidas, a fim de executar a vontade dos conspiradores; agências e departamentos favorecidos do Estado e do Partido tiveram permissão de operarem ao largo até mesmo da lei nazista, e para esmagar todas as tendências e elementos que eram considerados 'indesejáveis'”.[47]

Dentre esses tribunais nazistas, denominados de “cortes especiais (Sondergericht)”, aos quais Nuremberg poderia ser comparado, o mais famoso certamente fora o Tribunal do Povo (Volksgerichtshof), que, entre 1934 a 1945, executou milhares de opositores ao regime de Hitler, e cujo funcionamento o ilustre historiador Ian Kershaw descreve como um “torpe arremedo de julgamento legal, em que a sentença de morte era uma certeza desde o início” e onde os acusados tinham limitada chance de se defenderem e de cujas sentenças inexistia direito à apelação.[48]

O próprio Tribunal, todavia, por meio de seus juízes, atacou esse argumento, ao justificar a si próprio como resultado do exercício soberano concedido às Quatro Potências pela rendição incondicional da Alemanha:

“A elaboração do Estatuto foi o exercício do poder legislativo soberano pelos países aos quais o Reich alemão rendeu-se incondicionalmente; e o direito inquestionável desses países de legislar quanto aos territórios ocupados foi reconhecido pelo mundo civilizado. O Estatuto não se trata de um exercício arbitrário de poder da parte das nações vitoriosas, […].”[49]

A justificativa exarada pelo Tribunal se apoiava na noção da debellatio, assim  conceituada pelo professor de direitos humanos israelense Eyal Benvenisti:

“[...] se um Estado inimigo desintegrou-se totalmente, e nenhum outro poder dá continuidade à luta em benefício do soberano derrotado, então a ocupação transfere a soberania. Como dito por Ernst Feilchenfeld, 'Se um beligerante conquista todo o território de um inimigo, a guerra está terminada, o Estado inimigo deixa de existir, as regras quanto a sucessão de Estado referentes a anexação completa aplicam-se e não há mais espaço para regras concernentes a mera ocupação.”[50]

Na visão do Tribunal, tendo as Quatro Potências dissolvido o governo alemão e passado a exercerem autoridade legal sobre a Alemanha, por meio da “Declaração Referente à Derrota da Alemanha e Assunção de Autoridade Suprema pelas Potências Aliadas” de 5 de junho de 1945, possuíam elas pleno poder legislativo, autorizando-as a criar o Tribunal como se este estivesse sendo criado pelo próprio Poder Legislativo alemão.

O juiz titular americano, Francis Biddle, ao comentar isoladamente, seis meses após o fim do julgamento, a criação do Tribunal, seguiu a mesma linha de raciocínio: “É uma lei aceita em qualquer lugar a que permite aos vencedores estabelecerem tribunais, com leis, jurisdição e procedimentos definidos, nos territórios que eles conquistaram e ocuparam.”[51]

Quincy Wright, especialista em Direito Internacional e consultor do promotor  Jackson durante o julgamento em Nuremberg, também sustentou a legalidade do Tribunal, baseado numa assertiva semelhante, considerando o fato de que os acusados estavam sob custódia das Quatro Potências:

“Todo Estado possui, porém, autoridade para julgar qualquer pessoa  sob sua custódia que cometa crimes de guerra, conquanto essas ofensas ameacem sua segurança. Acredita-se que essa jurisdição é ampla o bastante para cobrir a jurisdição provida pelo Estatuto. Se cada signatário do Estatuto pode exercer tal jurisdição individualmente, eles podem concordar em estabelecer um tribunal internacional para exercer a jurisdição conjuntamente. O contexto das declarações do Tribunal sugerem que este intencionou essa limitação.”[52]

Wright continua seu pensamento, justificando a criação do Tribunal pelo fato de que as Quatro Potências que ocupavam a Alemanha possuíam a competência para tanto, tendo como limitação somente “os princípios fundamentais da justiça, os quais até mesmo um conquistador deve observar em relação aos habitantes do território anexado.”[53]

Hans Kelsen também entendeu que a noção de debellatio, ratificada pela dissolução do Estado alemão pelas Quatro Potências, justificava a criação do Tribunal. Para ele, a rendição incondicional da Alemanha em 8 de maio de 1945  possibilitava aos vencedores aplicarem a debellatio e dissolverem o Estado soberano alemão, tornando-os os verdadeiros sucessores da nação. Dessa forma, a criação do Tribunal configurava uma medida tomada pelo próprio Estado alemão: “Um tratado internacional, do qual as Quatro Potências ocupantes, na capacidade de soberanos sobre o território ocupado e sua população, são as partes contratantes, é equivalente a um tratado concluído com a Alemanha.”[54]

Arendt, por sua vez, entendeu que, malgrado Nuremberg fosse realmente uma corte de exceção, havia uma justificativa aceitável para tal:

“[...] o julgamento na corte dos vencedores era talvez inevitável no fim da guerra (ao argumento do magistrado Jackson sobre Nuremberg: 'Ou os vitoriosos julgam os vencidos ou teremos de deixar os vencidos julgar a si mesmos', deve-se acrescentar o compreensível sentimento dos Aliados de que eles, 'que tinham arriscado tudo, não podiam permitir neutros' [Vabres])[55]

Ademais, a opinião pública à época não pareceu importar-se com a aparente “justiça dos vitoriosos” imposta em Nuremberg. Susane Karstedt, após estudar algumas pesquisas de opinião realizadas durante os anos seguintes ao julgamento, opinou que a realização destes pelas nações vitoriosas “livrou as emergentes e ainda fracas forças democráticas [da Alemanha pós-guerra] da tarefa altamente explosiva de julgar a antiga liderança nazista […] e também contribuiu para o fato dos alemães sentirem-se livres da responsabilidade de julgarem as atrocidades [...]”[56]

Mas Kelsen advertia que, para que esse entendimento fosse verdadeiramente capaz de afastar qualquer contestação à legitimidade do Tribunal, as Quatro Potências deveriam “fazer uma declaração considerando-as como exercendo soberania conjunta sobre o território alemão e sua população, com base na debellatio completa da Alemanha, e, consequentemente, considerar o governo militar estabelecido por elas como o legítimo sucessor do último governo alemão.”[57]

É de se notar, todavia, que, conforme Benvenisti aduz, jamais as Quatro Potências fizeram uma declaração nesse sentido. Muito pelo contrário, elas sempre consideraram-se tão somente ocupantes do território da Alemanha derrotada. Outrossim, os governos da Alemanha Oriental e Alemanha Ocidental, estabelecidos em 1949, foram desde sempre considerados os verdadeiros sucessores legítimos do Terceiro Reich.[58]

A  defesa mais contundente em afastar a noção de juízo de exceção do Tribunal foi aquela feita pelo promotor norte americano Robert Jackson em seu discurso inicial perante o Tribunal:

“Este Tribunal, conquanto seja novo e experimental, não é produto de especulações abstratas, nem é criado para justificar teorias legalistas. Este inquérito representa o esforço prático de quatro das nações mais poderosas, com o apoio de 17 outras, em utilizar a lei internacional para enfrentar a maios ameaça de nossos tempos – a guerra agressiva.

[…]

Infelizmente, a natureza desses crimes é tal que a acusação e julgamento devem ser feitos pelas nações vitoriosas sobre seus antagonistas derrotados. O escopo global das agressões cometidas por esses homens deixou poucos neutros. […]

[…]

A verdadeira parte reclamante neste Tribunal é a Civilização.”[59]

Para Jackson, portanto, a natureza dos crimes cometidos pelos réus impedia qualquer outro tipo de julgamento que não um imposto pelos vencedores, até porque eram vencedores, nesse caso, toda a humanidade. As Quatro Potências não atuavam em Nuremberg como vencedores strictu sensu, mas sim como representantes da humanidade, e o julgamento em si emanaria princípios a serem seguidos universalmente.

Segundo Henry T. King, o princípio da jurisdição universal, mencionado por Jackson e utilizado pelos defensores do Tribunal, “é a antítese da soberania nacional integral.” Para ele, o Tribunal julgava “crimes tão odiosos que tornam-se crimes não somente contra as vítimas, mas contra toda a humanidade.”[60]

Durante um dos julgamentos posteriores ao Julgamento dos Principais Criminosos de Guerra Nazistas (mais especificamente, o chamado “Julgamento dos Reféns, ou Caso List), os juízes expressaram a base desse princípio, conforme ele fora estabelecido em Nuremberg:

“[...] um crime internacional é um ato reconhecido universalmente como criminoso, e que é considerado uma grave questão de interesse internacional, não podendo ser deixado, por alguma razão válida, sob a jurisdição exclusiva do Estado que teria controle sobre ele sob circunstâncias normais.”[61]

Durante o julgamento de Eichmann, em 1962, o princípio da jurisdição universal foi melhor esmiuçado pelos juízes israelenses. Para eles, os nazistas equiparavam-se aos piratas perante as leis internacionais tradicionais, na condição de hostis humani generis. Dessa forma, “os crimes […] não apenas possuem um caráter internacional, mas seus efeitos danosos e assassinos foram tão envolventes e alastrados que sacudiram as fundações da comunidade internacional”[62]

Arendt, mesmo crítica à utilização do princípio em comento no caso de Eichmann, concordou quanto ao caráter internacional dos crimes nazistas, ao definir o genocídio do povo judeu como um “ataque à diversidade humana enquanto tal, isto é, uma característica do 'status humano' sem a qual a simples palavra 'humanidade' perde o sentido.”[63]

De qualquer forma, as Quatro Potências decidiram fulminar imediatamente qualquer alegação que pusesse em dúvida a jurisdição do Tribunal, ao elaborar o art. 3º do Estatuto: “Nem o Tribunal, nem seus membros ou seus substitutos poderão ser discutidos pela promotoria ou pelos réus ou seus defensores.”[64]

3.3.A independência e imparcialidade dos juízes

Uma das características de tribunais de exceção é, indubitavelmente, a suspeita que sempre recairá sobre a independência e imparcialidade dos juízes.

Os juízes do Tribunal de Nuremberg, todavia, eram oriundos das nações vencedoras da guerra, compatriotas de muitas das vítimas das atrocidades alemãs. Dificilmente poder-se-ia considerá-los imparciais ante os réus e os crimes de que eram acusados.

Importante ressaltar, outrossim, que o juiz titular americano, Francis Biddle, o juiz titular soviético, Iona T. Nikitchenco, e os juízes titular e substituto franceses, Donnedieu de Vabres e Robert Falco, respectivamente, atuaram nas negociações do Acordo de Londres e do Estatuto do Tribunal, ou seja, tiveram participação na construção do Tribunal do qual agora tomavam parte como juízes.

Muitos críticos, à época e depois, levantaram a questão do porque juízes neutros não foram escolhidos para o julgamento. Gonçalves nota que “Por mais dignos e retos em seus julgamentos que fossem, não haveria um elemento psicológico subjetivo que poderia influenciar-lhes no julgamento daqueles que eram acusados de terem provocado um tão avassalador conflito contra suas nações?[65]

Mais adiante, Gonçalves desenvolve sua crítica:

“Os magistrados (…) seriam, em razão de seus cargos, tecnicamente 'desnacionalizados' ou 'supranacionais'. (…) [cabendo] ao juiz apenas os interesses da Justiça, deixando de lado quaisquer outras considerações de ordem nacional ou política. (…) Muito depois de Nuremberg ainda se perguntava por que o Tribunal não fora composto também por membros de países neutros, ou apenas por estes, ou ainda porque dele não pode participar a própria Alemanha, que dispunha de magistrados de reputação internacional. Sem dúvida, caso houvesse participação de árbitros neutros, o veredicto de Nuremberg seria menos questionável.”[66]

Os advogados de defesa, em 19 de novembro de 1945, protocolaram uma petição ao Tribunal, questionando a suposta imparcialidade dos juízes, por terem estes sido apontados pelo mesmo poder que criara o Estatuto, que formava a promotoria e que delineara os crimes que eram ali examinados. O Tribunal indeferiu essa petição dois dias depois, sob alegação de que essa tese consistia em ataque à jurisdição do Tribunal e, assim, violadora do art. 3º do Estatuto.[67]

Já Lazard, todavia, manifestou um pensamento em vigor à época, no tocante à suposta imparcialidade de juízes de nacionalidades diversas. Para ele, ao indagar se seria possível colocar juízes alemães ou neutros no Tribunal:

“Toda a justiça alemã era nazista. É evidente. Teria por conseguinte sido preciso procurar, nos campos de concentração alemães, juízes da oposição detidos há mais de dez anos. Ter-se-ia encontrado algum? E ninguém se pouparia a dizer que se vingavam hoje dos seus senhores de ontem.

Não teria sido necessário haver pelo menos alguns neutros ao lado dos Aliados? Esta observação é em princípio exata, mas praticamente sem alcance. Não há neutralidade que resista. Teria sido preciso não ser homem para não manifestar durante cinco anos nem simpatia, nem reprovação” [68]

Ainda que o aspecto subjetivo da imparcialidade dos juízes seja fonte de eterna controvérsia, a análise do aspecto objetivo, das ações dos juízes, possibilita uma conclusão quanto a essa questão.

À primeira vista, pode-se crer que os homens que julgaram os réus em Nuremberg estavam ali a serviço de seus países.

Smith procurou traçar um perfil da independência de cada juiz, analisando suas ações antes e durante o julgamento. Quanto aos juízes americanos, opinou que:

“Não havia nada de que Biddle mais gostasse do que de uma oportunidade para mostrar que era dono do próprio nariz, e há sinais de que Washington não queria meter-se com qualquer um de seus dois representantes. (…) os juízes eram de tal forma independentes que o Ministério da Guerra nem sequer vislumbrava o que pensavam, e o próprio Jackson teve de recorrer a rumores e a insinuações para avaliar-lhes a posição.[69]

Sobre os juízes britânicos:

“Nas deliberações, associaram-se com mais constância às posições assumidas pela Promotoria do que o fizeram os juízes norte-americanos, mas, por outro lado, esforçaram-se por manter, mais que no caso dos norte-americanos, distância social e pessoal do grupo britânico dos promotores.[70]

Pode-se inferir, assim, que os juízes americanos e britânicos atuaram em Nuremberg livres de qualquer influência de seus governos, tanto pelo temperamento dos próprios juízes quanto pelas atitudes dos governantes.

Em relação aos juízes franceses, porém, Smith não é tão categórico em afirmar sua imparcialidade:

“Os escassos materiais […] relacionados com as ações dos juízes franceses mostram que, num momento determinado das deliberações, Donnedieu de Vabres reconheceu francamente que fora oficialmente notificado dos desejos de seu governo quanto a um aspecto em consideração pelo Tribunal.[71]

Mas Smith aponta, todavia, as ações objetivas da dupla de juízes franceses, a fim de presumir-se que eram, na medida do possível, imparciais:

“Dada a escassez de material a respeito, seria extrema imprudência chegar, por esse incidente, à conclusão de que Donnedieu de Vabres e Robert Falco eram, comumente, dirigidos por Paris. A melhor luz possível a esse respeito é fornecida pelo comportamento que tiveram durante as deliberações: os argumentos que apresentavam e a maneira por que votavam eram tão independentes que, muitas vezes, discordavam da Promotoria, dos outros juízes e, quase com a mesma frequência, um do outro.”[72]

A grande crítica reside, indubitavelmente, sobre os juízes soviéticos. Nikitchenco era conhecido por ter presidido os Julgamentos de Moscou, que haviam condenado inimigos políticos de Stalin e que foram tudo menos julgamentos legais. Smith indica que ele e Volchkov:

“Comportavam-se, por vezes, como autômatos que, como supunha a maior parte dos observadores ocidentais, só estavam em Nuremberg para cumprir ordens de Stalin. Os soviéticos, e Volchkov em particular, seguiram constantemente uma linha dura, votando pela condenação de todos os réus em todos os itens da acusação e em favor do enforcamento de qualquer possível acusado.[73]

Importante frisar o comportamento de Nikitchenko durante as negociações para o Acordo de Londres, ocasião em que expressou a seguinte opinião quanto ao julgamento do qual iria participar (fato que, à época, lhe era desconhecido):

“Nós não estamos lidando aqui com o tipo normal de casos em que a questão é de roubo, assassinato ou ofensas menores. Estamos lidando aqui com os principais criminosos de guerra que já foram condenados, e cuja condenação já foi anunciada por ambas as declarações de Moscou e da Criméia pelos chefes dos governos [Aliados] (…) O caso da Promotoria é inquestionavelmente conhecido pelo juiz antes do início do julgamento, e não há, portanto, necessidade de se criar um tipo de ficção de que o juiz é uma pessoa desinteressada que não tem nenhum conhecimento do que aconteceu. Se tal procedimento for adotado, de que o juiz deve ser, supostamente, imparcial, tal levará somente a atrasos desnecessários e oferecerá oportunidade ao acusado de causar atrasos na ação do julgamento.”[74]

Ainda assim, as opiniões radicais dos juízes soviéticos sempre encontraram ao menos uma opinião igual do lado “ocidental”. Smith tenta sumarizar a questão da imparcialidade dos magistrados com a afirmação de que “embora os membros do Tribunal gozassem de diferentes graus de autonomia, e embora cada juiz usasse de forma singular suas prerrogativas, os réus enfrentaram uma Corte surpreendentemente isenta de controle exterior.”[75]

3.4 .As limitações ao direito de defesa

Outra característica dos juízos de exceção é, sem dúvida, a dificuldade dos acusados de defenderem-se propriamente. É do caráter de um tribunal de exceção o julgamento rápido, onde algumas das garantias do acusado são postas de lado em busca de uma justiça rápida e eficiente.

O Tribunal Militar Internacional para a Alemanha era, como seu próprio nome já indica, um tribunal militar. Preferiu-se estabelecer um tribunal desse caráter (ainda que alguns dos seus membros fossem civis) para que, nas palavras de Georg Schwarzenberger, fosse dada ênfase à rapidez do processo, ainda que em detrimento do direito de defesa dos réus.[76] Já para Joseph  S. Robinson, major do exército americano e estudioso do Direito, preferiu-se a constituição de um tribunal militar pois “A jurisdição de cortes-marciais não se estende aos atos criminosos de não-combatentes em território ocupado, nem a crimes que são hoje referidos no geral como 'crimes de guerra'.[77] Desse modo, havendo dentre os réus inúmeros civis, e ante a natureza dos crimes pelos quais eram acusados, somente um tribunal militar poderia julgá-los.

Ninguém pode negar, outrossim, que para os advogados de defesa, a tarefa imposta em Nuremberg era colossal, quase impossível. Todos eles eram oriundos de um país onde o princípio do processo legal fora enterrado na lama. Por 12 anos, desde a ascensão de Hitler ao poder, esses advogados não haviam enfrentado um julgamento baseado inteiramente na lei.

Os advogados tinham à frente, primordialmente, o sentimento de aversão que o mundo parecia nutrir pelos alemães. Assim, surgiu um consenso entre eles de que, mais que defender os réus (ainda que tal empresa não fosse de todo impossível), importava mais tentar provar a inocência do povo alemão:

“[...] sofriam os advogados, como todos os alemães, o choque da derrota, e da destruição e tristeza que os cercavam. Selecionados em geral por nutrirem sentimentos antinazistas, ou se terem comportado com frieza em relação ao regime de Hitler, os advogados de defesa alemães, em sua maioria, responsabilizavam os réus pela desgraça própria e pela desgraça do país. Eles estavam tão chocados, e frequentemente tão irritados como a Corte e o público assistente pela revelação de exemplos de fria brutalidade.”[78]

Todavia, como Biddle aponta, os juízes tratavam os advogados de forma radicalmente diferente do modo como eram tratados pela opinião pública, o que os auxiliou no cumprimento de suas funções:

“Após o julgamento ter começado, e conforme prosseguiu por dez meses, o conceito de que todo o procedimento era nada mais do que um elaborado ato de vingança disfarçada desapareceu gradualmente. De acordo com uma previsão do Estatuto, aos réus individuais foi permitida a escolha de seus próprios advogados, e nos poucos casos em que eles não exerceram esse direito, o Tribunal nomeou defensores para representá-los. De início, os réus e seus defensores estavam céticos e até hostis. Mas, gradualmente, conforme eles passaram a perceber que as decisões do Tribunal eram objetivas, frequentemente contrárias às sugestões da Promotoria, essa atitude mudou.[79]

Mesmo assim, a defesa viu-se diante, muitas vezes, de obstáculos praticamente intransponíveis.

3.4.1     As regras procedimentais e os diferentes sistemas jurídicos mesclados em Nuremberg

Uma das primeiras discussões a surgirem entre as Quatro Potências, ainda durante as tratativas quanto à redação do Estatuto, foi a de qual sistema jurídico seria utilizado para o julgamento. Isto porque, os sistemas jurídicos das quatro nações aliadas divergiam entre si profundamente.

Reuniam-se em Nuremberg três sistemas diferentes entre si: o sistema britânico e norte americano, baseado na common law, o sistema francês e o sistema soviético. Conforme relata Gonçalves, o primeiro era habitual à maioria dos juízes e da acusação; já o francês era bastante semelhante ao sistema jurídico alemão e, portanto, favorável à defesa; e o soviético era novíssimo.[80]

Durante as tratativas para a elaboração do Acordo e do Estatuto do Tribunal, os delegados das Quatro Potências (dentre eles Jackson, Nikitchenko e o futuro promotor britânico no julgamento, Lord Maxwell-Fyfe) gastaram bastante tempo debatendo quais aspectos de cada sistema jurídico seria utilizado. Optou-se, por fim, num misto dos procedimentos continentais (francês e alemão, derivados do direito romano-germânico) e anglo-saxão (britânico e norte americano) mas que, ainda segundo Gonçalves, trouxe mais efeitos positivos à Promotoria. Isto se deu fundamentalmente pela opção do contra-interrogatório (cross-examination) dos réus e das testemunhas, técnica bastante difundida no direito anglo-saxão mas inexistente nos sistemas continentais.[81]

É característico dos tribunais militares, conforme diz Robinson, não se aterem a regras de procedimento formais, uma vez não serem estabelecidos formalmente segundo o Direito em vigor no país em questão. Para ele, “[...] as formas e regras [estatuídas no Direito comum] são, quando conveniente, usadas e aplicadas. A falta de obediência a essas normas, todavia, não torna os procedimentos ilegais.”[82]

Assim, sendo Nuremberg um misto dos sistemas continental e anglo-saxão, os advogados não tinham a experiência nem a técnica que os promotores (ao menos os americanos e ingleses) possuíam.

Smith sumariza bem os desafios que os advogados enfrentavam quanto às regras procedimentais:

“Em geral, era extremamente difícil para advogados educados na tradição da Europa continental compreender a forma contestatória de julgamento, tão familiar aos anglo-saxões. A ideia que faziam do melhor meio para que o Tribunal chegasse a uma conclusão judiciosa não era o combate irrestrito entre a Promotoria e a defesa, funcionando os juízes como árbitros. Estavam acostumados a um sistema fundado em maior entendimento entre a defesa, a Promotoria e os juízes; em Nuremberg, porém, a defesa e a Promotoria eram inimigos mortais, e os advogados alemães não logravam fugir à impressão de que os outros os tinham na conta de auxiliares dos bandidos. Alguns dos promotores, e muitos dos soldados aliados de serviço em Nuremberg, encaravam com hostilidade não apenas os réus, mas os alemães em geral. (…)  lembrava-se sempre aos advogados de defesa, seja em matéria de contatos pessoais, seja no que dizia respeito às instalações postas à disposição dos mesmos, que eram cidadãos de segunda classe, desde que fosse possível considerá-los cidadãos de qualquer espécie.”[83]

Ao optarem pela mescla dos diferentes procedimentos adotados pelos sistemas jurídicos de cada um, as Quatro Potências decidiram, outrossim, abolir talvez a única característica comum a todas: a instituição de uma corte de revisão das sentenças.

O artigo 26 do Estatuto estabelecia que “O julgamento do Tribunal quanto à culpabilidade ou inocência de qualquer Réu deverá expressar as razões em que se basear, será definitivo e não estará sujeita a revisão.”[84]

Fulminou-se, peremptoriamente, qualquer possibilidade de os réus terem suas sentenças revistas por uma instância superior. O que se permitia era apenas que os réus apelassem ao Conselho de Controle dos Aliados para que tão somente suas penas (não a condenação em si) fossem revistas. 

Smith relata como três dos réus condenados solicitaram essa revisão, ainda que buscando penas mais honrosas (Jodl e Keitel solicitaram a conversão da pena de enforcamento para a de fuzilamento, e Raeder solicitou a conversão de sua pena de prisão perpétua para execução por fuzilamento). O Conselho simplesmente ouviu o próprio promotor-chefe norte americano Jackson, que opinou pelo indeferimento de todos os pedidos (por não haverem motivos “políticos” para tanto), e acatou in totum toda a fundamentação dele, denegando qualquer tipo de revisão.

3.4.2     A proibição da defesa de cumprimento de ordens superiores – o Princípio do Fuhrer

Estipulou o Estatuto do Tribunal a proibição de utilização de algumas teses de defesa, dentre elas quaisquer teses que utilizassem questões internacionais (procurando vedar, dessa forma, que os advogados trouxessem à baila as diversas condutas das Quatro Potências que enquadravam-se nas definições dos crimes ali julgados)

Mas a proibição mais danosa à defesa era, certamente, a que vinha prevista no art. 8º do Estatuto: “O fato de o réu ter agido em cumprimento a ordem de seu governo ou de seu superior não o eximirá de responsabilidade, mas poderá ser considerado atenuante quanto à punição se o Tribunal entender que a justiça assim o requer.” [85]

Tratava-se aqui de afastar a utilização, pela defesa, do argumento de obediência a ordens superiores. Ressalte-se que essa proibição referia-se tão somente à responsabilização penal dos réus, podendo os juízes aceitarem eventual alegação nesse sentido para atenuar a pena imposta ao condenado.

Mirabete assim define o cumprimento de uma ordem hierarquicamente superior como excludente de culpabilidade:

“Trata-se, segundo a doutrina, de um caso especial de erro de proibição. Supondo obedecer a uma ordem legítima do superior, o agente pratica o fato incriminado.

A dirimente exige que a ordem não seja manifestamente ilegal, uma vez que, se flagrante a ilicitude do comando da determinação superior, o sujeito não deve agir. É possível ao subordinado a apreciação do caráter da ordem […] Assim, deve desobedecê-la se tem conhecimento da ilicitude do fato. […]

Não sendo a ordem manifestamente ilegal, se o agente não tem condições de se opor a ela em decorrência das consequências que podem advir no sistema de hierarquia e disciplina a que está submetido, inexistirá a culpabilidade pela coação moral irresistível, estando a ameaça implícita na ordem ilegal.”[86]

Mirabete ainda elenca três requisitos para a exclusão da culpabilidade: que a ordem seja emanada da autoridade competente; que tenha o agente atribuições para a prática do ato; e que não seja a ordem manifestamente ilegal.

Mais além, Kai Ambos define o conceito de coação, atento à natureza dos crimes em questão:

“[A coação] requer, no plano objetivo, que o subordinado se encontre em uma situação de coação extrema que não lhe deixe nenhuma outra possibilidade que cumprir a ordem. Tal situação de coação fracassa se o subordinado comete o fato ativa e voluntariamente. Pode existir, no entanto, quando o subordinado, caso não cumpra a ordem, fique exposto a uma situação de perigo ameaçante para sua vida. É discutido se um perigo grave é suficiente. A resposta depende da ponderação de bens: se o bem jurídico ameaçado prevalece essencialmente sobre o lesionado, então dever-se-á considerar suficiente um perigo grave; do contrário, especialmente quando a mesma ação em estado de necessidade é perigosa para a vida, pode exigir-se ao subordinado tolerar o perigo. Isto é assim, pois, em princípio, é inadmissível – ao menos nos crimes contra a humanidade – a ponderação de vida contra a vida.”[87]

Prossegue Ambos, ainda, dizendo que: “O conceito de ordem superior emerge da necessidade da manutenção da disciplina e ordem dentro de organizações hierarquizadas. Mas tais valores são mitigados […] pela especial gravidade dos crimes envolvidos.”[88]

Ambos resume, por fim, o âmago da ordem superior com uma frase de Edward Wise: “Uma pessoa não pode ter sua responsabilidade criminal excluída pelo simples argumento de que estava seguindo ordens de um superior.”[89]

A Alemanha de Hitler era um Estado totalitário, onde o ditador possuía autoridade plena e irrestrita sobre tudo e todos. Ian Kershaw, um dos maiores estudiosos de Hitler e do Terceiro Reich, descreve bem esse aspecto, ao narrar a sessão do Parlamento alemão (o Reichstag) do dia 26 de abril de 1943, quando foi aprovada uma resolução que dava poderes plenos a Hitler de exarar ordens supralegais:

“Assim que Hitler terminou o discurso, Goebbels leu em voz alta a 'Resolução' do Reichstag que dava poderes ao Fuhrer [Hitler] 'sem ficar preso aos preceitos legais existentes', em sua capacidade de 'líder da nação, comandante supremo da Wehrmacht [Forças Armadas alemãs], chefe de governo e ocupante supremo do Poder Executivo, como supremo senhor da lei e líder do Partido', de remover de cargo e punir quem, independente da posição, deixasse de cumprir seu dever, sem respeito por direitos de pensão e sem qualquer procedimento formal estipulado.

Naturalmente, a 'Resolução' foi aprovada por unanimidade. Os últimos retalhos da constitucionalidade estavam rasgados. Agora Hitler era a lei.

[…] Como o chefe do judiciário em Dresden comentou, com o fim de toda a autonomia judicial, a Alemanha se transformara agora num 'verdadeiro Estado do Fuhrer.'”[90]

Vigorava na Alemanha nazista, portanto, o Fuhrerprinzip, ou o “Princípio do Fuhrer”, segundo o qual a palavra de Hitler era lei, da qual ninguém podia eximir-se do cumprimento. Por meio desse princípio, conforme relata Gonçalves, a culpabilidade por grande parte dos crimes julgados em Nuremberg recairia única e exclusivamente sobre Hitler, não podendo os réus responderem por terem não apenas seguido ordens mas, fundamentalmente, terem seguido a lei alemã.[91]

O juiz titular francês, Donnedieu de Vabres, que, aparentemente, concordou, após sua atuação em Nuremberg, com diversas das críticas proferidas contra o Tribunal, também abraçou esse argumento, ao declarar que:

“Ora, em uma Alemanha nacional-socialista, Hitler detinha a totalidade do poder legislativo, executivo e, mesmo, ao final de sua dominação, judiciário. As disposições legais e regulamentares não eram, ao contrário do que ocorre em um país livre, consequência de uma deliberação, da manifestação de uma vontade coletiva, mas sim a expressão da vontade de um único homem que as concebia e as impunha. As leis de Hitler […] - mesmo que despachadas por um ministro, um alto funcionário, ou um chefe do exército, e portando a menção: 'O Fuhrer determinou..., o Fuhrer ordenou...' - mão passavam de leis de Hitler.”[92]

Gonçalves nos traz ainda a opinião de Jose Augustin Martinez, no sentido de que o Tribunal deveria ter considerado a situação interna da Alemanha sob Hitler, o controle despótico que este exercia sobre todos, e ter feito a seguinte pergunta: “Seria possível que alguém se opusesse aos desejos de Hitler ou ousasse desobedecer a suas ordens?”[93]

O Tribunal preferiu abster-se de qualquer discussão quanto a esse aspecto, simplesmente proibindo terminantemente qualquer alegação de obediência a ordens superiores ou governamentais (aí incluindo a obediência à lei). Mas Kai Ambos, ao dissertar sobre a questão em comento, entendeu que esse tipo de defesa, aplicada ao Direito Internacional, necessita de certos ajustes:

“[...] este ponto de vista foi relativizado ao estabelecer-se que se deve tratar de uma ordem manifestamente antijurídica. Este critério foi seguido, também, para as ordens impostas por meio da lei. Sua validade ajusta-se ao direito penal internacional material, do qual se segue, entre outras coisas, que existe um valor mais elevado que a mera fidelidade à lei.”[94]

Foi Arendt, todavia, quem realmente se debruçou sobre essa questão, ainda que filosoficamente, sem esmiuçar seu aspecto legal. Isto pois, durante o julgamento de Eichmann, este defendera seus atos dizendo que não apenas cumpria ordens, mas cumpria, essencialmente, a lei.

Para Arendt, Eichmann (e, por analogia, todos os nazistas abaixo de Hitler) procuravam justificar seus atos por meio do “imperativo categórico” de Immanuel Kant:

“[...] Eichmann deu uma definição quase correta do imperativo categórico: 'O que eu quis dizer com minha menção a Kant foi que o princípio de minha vontade deve ser sempre tal que possa se transformar no princípio de leis gerais' Ele [todavia] distorcera seu teor para: aja como se o princípio de suas ações fosse o mesmo do legislador ou da legislação local – ou, na formulação de Hans Frank para o 'imperativo categórico do Terceiro Reich', que Eichmann deve ter conhecido: 'Aja de tal modo que o Fuhrer, se souber de sua atitude, o aprove.”[95]

Mas Arendt aponta como a verdadeira noção de imperativo categórico de Kant jamais poderia aplicar-se às condutas dos subordinados de Hitler:

“Kant, sem dúvida, jamais pretendeu dizer nada desse tipo; ao contrário, para ele todo homem é um legislador no momento em que começa a agir: usando essa 'razão prática' o homem encontra os princípios que poderiam e deveriam ser os princípios da lei. Mas é verdade que a distorção inconsciente de Eichmann está de acordo com aquilo que ele próprio chamou de versão de Kant 'para uso doméstico do homem comum'. No uso doméstico, tudo o que resta do espírito de Kant é a exigência de que o homem faça mais que obedecer à lei, que vá além do mero chamado da obediência e identifique sua própria vontade com o princípio que está por trás da lei – a fonte de onde brotou a lei. Na filosofia de Kant, essa fonte é a razão prática; no uso doméstico que Eichmann faz dele, seria a vontade do Fuhrer.”[96]

Ainda assim, o Tribunal decidiu simplesmente eximir-se de qualquer discussão quanto a esse aspecto, e dificilmente considerou a “obediência a ordens” como atenuante das penas que cominou.

Além das limitações aqui descritas, a defesa viu-se prejudicada por diversos outros aspectos: a dificuldade em produzir provas (os advogados trabalhavam sozinhos, e não tinham liberdade nem meios para procurarem, em uma Alemanha em ruínas, documentos favoráveis aos réus), o modo como a Promotoria apresentava provas (muitas vezes documentos únicos, sem que cópias fossem disponibilizadas previamente à defesa), a atitude dos réus (alguns admitiam abertamente a realização de condutas criminosas, outros, como Streicher, tratavam todo o julgamento como um show, despertando a ira dos juízes), a inexistência de uma estratégia comum de defesa (alguns dos réus odiavam-se, e culpavam uns aos outros pelos crimes de que eram acusados), as dificuldades quanto às diferentes línguas faladas durante o julgamento (houve muitas reclamações quanto às traduções de documentos feitas pela Promotoria, bem como quanto à tradução simultânea das conversações e testemunhos durante o julgamento).

Porém, como nota Smith, a defesa foi, na medida do possível, sempre auxiliada pelos juízes, zelosos por um julgamento verdadeiramente justo.[97] Eles obrigaram a promotoria a  ler os documentos que apresentavam (dessa forma submetendo-os à tradução simultânea em francês, alemão, russo e inglês, conforme o caso), protegeram os advogados de ataques da imprensa, etc. Em suma, procuraram, conforme possível, propiciar aos réus uma justa oportunidade de se defenderem, até quando qualquer defesa parecia impossível.            


4.O princípio da legalidade e a aplicação de lei “ex post facto”

“- O senhor concorda comigo que esse documento foi obtido pela mais intolerável pressão e ameaça de agressão? É uma questão simples. O senhor concorda?

- Nesse sentido, não.

- Que outro tipo de pressão o senhor poderia impor sobre o chefe de um Estado que não seja ameaçá-lo de que seu exército marchará sobre ele, com força descomunal, e que a força aérea bombardearia Praga?

- Guerra, por exemplo.

- E o que é isso senão guerra?”[98]

4.1.Conceito do princípio da legalidade penal

Um dos princípios básicos da lei penal, talvez o mais essencial de todos, é o da legalidade, ou o princípio da reserva legal, ou ainda, da anterioridade da lei penal, também conhecido pelo famoso brocardo “Nullum crimen, nulla poena sine praevia lege” (“Não há crime, não há pena sem lei anterior”).[99]

Julio Fabbrini Mirabete, que considera esse princípio norma básica do Direito Penal moderno (aquele posterior ao Iluminismo), assim o define:

“Pelo princípio da legalidade, alguém só pode ser punido se, anteriormente ao fato por ele praticado, existir uma lei que o considere como crime. Ainda que o fato seja imoral, anti-social ou danoso, não haverá possibilidade de se punir o autor, sendo irrelevante a circunstância de entrar em vigor, posteriormente, uma lei que o preveja como crime.

[…]

O postulado básico inclui também, aliás, o princípio da anterioridade da lei penal no relativo ao crime e à pena. Somente poderá ser aplicada ao criminoso pena que esteja prevista anteriormente na lei como aplicável ao autor do crime praticado.[100]

Nelson Hungria e Cláudio Heleno Fragoso, por sua vez, resumiram esse princípio numa simples frase, “Não há Direito Penal vagando fora da lei escrita.[101]

Já William A. Schabas define esse princípio como uma das regras que não apresenta qualquer derrogação na maior parte das convenções de direitos humanos, pois “uma pessoa não pode ser punida se os atos incriminados, quando praticados, não eram como tais em lei.”[102]

Ainda que essencial, esse princípio, todavia, encontra certa mitigação em algumas legislações penais atuais e passadas, como nos indica Mirabete:

“Na Inglaterra, não há nenhuma disposição constitucional expressa a esse respeito, e o Código Penal dinamarquês de 1930 estabelece que um fato é punível também quando 'inteiramente assimilável' a determinada incriminação. […] Na União Soviética, o princípio da reserva legal, suprimido desde 1919, foi novamente inscrito na legislação pelo Código Penal de 1960.[103]

Cumpre ressaltarmos, ainda, que, na Alemanha nazista, esse princípio também encontrou forte mitigação, como relata Mirabete: “Alterou-se na Alemanha nazista o Código Penal em 1935 para permitir-se a punição de qualquer fato segundo 'os princípios fundamentais do Direito Penal' e 'o são sentimento do povo.”[104]

Igor Pereira, ao debruçar-se sobre essa exceção ao princípio da legalidade na Alemanha de Hitler, assim entendeu como objetivo dessa alteração legal:

“A extrema mitigação do princípio da legalidade foi levada a cabo pelo nazismo, para atingir com mais facilidade os seus objetivos autoritários e eliminatórios. […] A partir daí o Direito Penal abriu escancaradamente as portas para a política criminal nazista, nulificando a importância da lei ao colocá-la em conjunto com o conceito de 'são sentimento do povo', que nada mais foi do que uma cláusula aberta para o morticínio. Se o princípio da legalidade nos permite trabalhar com a ideia de que sem legalidade só pode haver liberdade, a sua diluição na abstração do sentimento do povo nos leva à intelecção de que, na Alemanha  nazista, sem legalidade só há liberdade, caso o indivíduo estivesse em conformidade com o desejo do partido nacional socialista. Hungria identificou bem o mote das ideologias autoritárias: 'a necessidade não tem lei'. (Not kennt kein Gebot). O próprio absurdo do nazismo é um exemplo contundente da importância da legalidade para a liberdade de cada ser humano. Tanto que após a Segunda Guerra Mundial, o art. 2º do Código Penal Alemão foi declarado inaplicável e derrogado expressamente pelos aliados, tendo sido substituído por uma versão nova do princípio da legalidade [...][105]

Por outro lado, a lei penal instituída após a ocorrência do fato por ela declarada como criminoso, ou seja, a lei que retroage para declarar criminosos fatos pretéritos, é denominada de lei ex post facto.

Nas palavras do saudoso professor Hans Kelsen:

“[...] Blackstone, falando sobre 'métodos irracionais' de elaboração de leis, refere-se a 'leis ex post facto, quando, após uma ação (indiferente em si mesmo) é cometida, o poder legislativo, então, pela primeira vez, declara-a ter sido um crime e impõe uma punição sobre a pessoa que a cometeu.' Isto é uma lei penal retroativa […]

A regra estabelecida pela primeira vez pela jurisprudência romana foi incorporada pela doutrina do direito natural. […] Regular a conduta humana que teve lugar no passado é impossível. Se uma lei retroativa significa uma lei prescrevendo uma certa conduta do homem no passado, a regra contra legislação retroativa expressa uma necessidade lógica.

Essa foi, provavelmente, a ideia que sustentou a doutrina do direito natural da inadmissibilidade de leis ex post facto. Para entendê-la, devemos considerar que, de acordo com a doutrina do direito natural, o império da lei é uma norma prescrevendo diretamente a conduta desejada dos sujeitos, sem levar em consideração sanções atreladas à conduta contrária. Sanções não são essenciais à lei, uma vez que suas regras são derivadas da natureza ou da razão e evidentes ao homem como sendo providas de razão. Uma regra estabelecendo que os homens devem se comportar de um certo modo é sem sentido se refere-se ao passado e não ao futuro.[106]

Kelsen resumia a questão da irretroatividade da lei numa frase. Leis retroativas “são consideradas injustas, pois fere nossos sentimentos de justiça impor a um indivíduo uma sanção que ele não previu, já que essa sanção não estava ligada à sua conduta e, consequentemente, essa conduta não era ainda ilegal, no momento em que ele cometeu a ação ou omissão [...]”[107]

Os crimes de que eram acusados os réus em Nuremberg, descritos no art. 6º do Estatuto, eram, sem dúvida, crimes novos, uma vez que inexistia legislação que os previsse anteriormente. Dentre as acusações, certamente a Acusação numero 2 era a que despertava as maiores críticas.

4.2.A acusação número dois – Crimes contra a Paz

O art. 6º, alínea a, do Estatuto do Tribunal conferia a este competência para julgar “Crimes contra a Paz”, que consistiam, especificamente, em “planejar, preparar, iniciar ou mover uma guerra de agressão, ou uma guerra em violação a tratados, acordos ou compromissos internacionais, ou participar de um plano ou conspiração comum para a consumação de qualquer um dos atos anteriores”[108]

Segundo o Indiciamento, os réus eram acusados de terem promovido (compreendendo-se nesse verbo as condutas de planejar, preparar, iniciar e mover) guerras de agressão contra a Polônia, França, Reino Unido, Dinamarca, Noruega, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Iugoslávia, Grécia, União Soviética e Estados Unidos da América,[109] bem como de terem cometido atos de agressão anteriormente à deflagração da Segunda Guerra Mundial, tais como a remilitarização da Renânia, em 1935, e a ocupação da Tchecoslováquia, em 1939, sempre em violação de tratados internacionais.[110]

Era elemento do tipo o conceito de guerra de agressão, a qual, segundo Hermes Marcelo Huck, até hoje inexiste. Narra este, que, no período pré guerra, as nações chegaram próximo de definir o que seria uma guerra de agressão, sem, no entanto, atingirem um acordo definitivo quanto à questão:

“Durante a Conferência para redução e limitação de armamentos, que se realizou em 1933, o tema da agressão é amplamente debatido, e o representante da União Soviética apresenta uma proposta de definição enumerativa para o conceito. Segundo tal proposta, caracterizar-se-ia como agressor o Estado que primeiro cometesse atos de agressão, tais como declaração de guerra a outro Estado, invasão do território estrangeiro, com ou sem declaração de guerra, ataque praticado contra o território, navios ou aeronaves de outro Estado e a imposição de bloqueio naval. A Comissão de Assuntos de Segurança, criada no seio da própria Conferência, ao examinar a proposta soviética, adicionou à lista uma outra hipótese de agressão, qual seja, o apoio a grupos armados dentro do território do Estado agressor, com o objetivo de invadir o território de outro Estado, ou recusa, não obstante a solicitação do Estado invadido, em tomar as medidas necessárias em seu território para cessar a concessão de apoio e proteção aos referidos grupos. Essa proposta de definição enumerativa, criticada por sua grande rigidez, a ponto de não admitir a inclusão de outros tipos de atos igualmente agressivos, foi inserida no Projeto de Convenção para o Desarmamento, de 1933 [...]”[111]

Essa definição, como explica Huck, serviu de base para tratados firmados entre a URSS e alguns de seus países satélites (dentre eles os países bálticos)[112], mas não foi aceita pela ampla maioria das demais nações. Isto porque, o conceito de agressão, a ensejar sua ilegalidade, sempre suscitou divergências profundas entre os Estados, uma vez que, até a eclosão da Segunda Guerra Mundial, a guerra era vista como um direito soberano dos Estados.[113] Importante notar que, a Liga das Nações, criada em 1919, ao final da Primeira Guerra Mundial, já declarara a guerra de agressão legítima “se formalmente bem declarada e desfechada dentro dos prazos e condições do Pacto [da Liga das Nações]”, ainda que patente seu caráter 'moral ou politicamente injusta em seus objetivos e finalidades.”[114]

A ausência de uma definição de guerra de agressão foi vencida pelo Tribunal, como afirma Smith por meio da utilização frequente do segundo elemento do tipo do art. 6º, alínea a, o de “guerra em violação a tratados, acordos ou compromissos internacionais.” O Tribunal eximiu-se de definir o conceito de guerra de agressão, mas deparou-se, todavia, com complexa questão: os tratados que os réus teriam supostamente violado não traziam qualquer tipo de sanção ou responsabilidade ao indivíduo transgressor.[115]

Os tratados utilizados como base para a acusação de crimes contra a paz eram, essencialmente, o Pacto da Liga das Nações, firmado em 1919, e o Pacto de Paris, ou Tratado Briand-Kellog, firmado em 1928, ambos tratados aos quais a Alemanha aderira.

O primeiro trazia em seu art. 10 a seguinte disposição: “Os membros da Liga responsabilizam-se em respeitar e preservar contra agressão externa a integridade territorial e independência política existente de todos os membros da Liga.”[116]

O segundo estipulava em seu art. 1º que seus signatários “declaram solenemente, em nome de seus respectivos povos, que condenam o recurso à guerra para a solução de controvérsias internacionais, e renunciam a ela como instrumento de política nacional nas relações entre si.”[117] Para Gonçalves, esse artigo, bem como o tratado em si, não passavam de “uma declaração moral, para atender os anseios de uma forte corrente idealista das relações internacionais” ante o horror experimentado durante a Primeira Guerra Mundial.[118]

Outros tratados também tomados como base para a acusação eram as Convenções de Haia, firmadas em 1889 e 1907, e que instauraram um regime de segurança coletiva internacional que, conforme narra Gonçalves, “mostrou sua ineficiência em virtude da Grande Guerra [Primeira Guerra Mundial].[119]

Malgrado a existência desses tratados que, ao menos moralmente, tornavam ilegal a guerra de agressão, era costume no Direito Internacional de então, conforme suso exposto, a utilização da guerra como extensão da política externa nacional.[120]

A defesa dos réus, conforme diz Gonçalves, utilizou-se dessa ambiguidade para combater essa acusação. Para ela, não havia como imputar aos réus conhecimento de que a guerra de agressão tornara-se ilegal se, concomitantemente aos atos por eles praticados, outros países também o haviam feito. Ou seja, não havia como presumir que a guerra de agressão era ilegal ou até criminosa se ela era aceita, ainda que tacitamente, pelo costume internacional:

“Admitindo-se que havia um direito novo sendo moldado, que condenava a guerra de agressão, e que este direito convivia no sistema internacional com uma concepção jurídica que admitia a 'guerra como continuação da política', para que fosse a acusação dos crimes contra a paz aplicável aos acusados, deveriam estes, argumentava a Defesa, ter consciência daquele novel Direito. As provas de que os réus em Nuremberg recepcionavam o sistema jurídico nascente caberiam à Acusação. E, em caso de dúvida, deveria decidir-se em favor dos acusados. Diante de um direito em transição, não seria cabível uma interpretação que resultasse em condenação das condutas daqueles homens.”[121]

Kelsen nota que os tratados em comento não traziam, outrossim, qualquer proibição quanto ao planejamento, preparação ou iniciação de uma guerra de agressão, mas somente tornavam ilegal a utilização da guerra por um Estado. Esses tratados tampouco traziam qualquer estipulação quanto a responsabilidade penal individual daqueles que travassem esse tipo de guerra.[122]

Para ele, o Tratado de Briand-Kellog não tornava ilegal a guerra de agressão nos moldes que o Tribunal agora considerava. Isto porque, a guerra de agressão poderia ser definida como “uma guerra por parte de um Estado que é o primeiro a iniciar hostilidades contra seu oponente.” Dessa forma, quando a França e o Reino Unido, em 1939, “declararam guerra à Alemanha sem que tivessem sido por ela atacados, essa guerra era, tecnicamente, uma guerra de agressão, mas em completa conformidade com o Pacto Briand-Kellog e, dessa forma, legal.”[123]

Assim, ainda segundo Kelsen, uma guerra em violação a tratados era, em si, ilegal, mas não, necessariamente, uma 'guerra de agressão” como queria fazer crer o Tribunal.

O Tribunal, por sua vez, aplicou um entendimento bastante divergente à controvérsia em questão. Para ele, ao considerar que o Tratado Briand-Kelogg fora ratificado por 63 nações, incluindo a Alemanha:

“As nações que assinaram o Tratado ou aderiram a ele incondicionalmente condenaram o recurso a guerra no futuro como instrumento de política, e a renunciaram expressamente. Após a assinatura do Tratado, qualquer nação que utilize a guerra como instrumento de política nacional viola o Tratado. Na opinião do Tribunal, a renúncia solene da guerra como um instrumento de política nacional envolve, necessariamente, a proposição de que tal guerra é ilegal perante a lei internacional; e que aqueles que planejam e movem tal guerra, com suas terríveis e inevitáveis consequências, estão cometendo um crime ao fazê-lo.”[124]

Mais adiante, ao reconhecer que o Tratado de Briand-Kelogg não cominava expressamente nenhuma sanção quanto à violação de seus artigos, o Tribunal, traçando uma analogia com as Convenções de Haia, declarou que:

“A Convenção de Haia de 1907 proibiu a utilização de certos métodos de conduta de guerra. [...] Muitas dessas proibições já eram reforçadas muito antes da data da Convenção, mas, desde 1907, elas certamente tornaram-se crimes, puníveis como ofensas contra as leis de guerra; a Convenção de Haia, todavia, em nenhum momento declara tais práticas como criminosas, tampouco alguma pena é prevista, ou qualquer menção a uma corte para julgar e punir transgressores. Há muitos anos, porém, tribunais militares têm julgado e punido indivíduos culpados por violar as regras de guerra terrestre estabelecidas por aquela Convenção. Na opinião do Tribunal, aqueles que promovem guerra de agressão estão fazendo algo igualmente ilegal, e de muito maior gravidade do que a violação de uma das regras da Convenção de Haia.”[125]

O Tribunal também entendeu que, ainda que o conceito de guerra de agressão fosse indefinido, as nações haviam, certamente, prescrito sua utilização: “A resolução unânime [...] de vinte e uma repúblicas americanas da Sexta Conferência Pan-Americana, em Havana[126], declarou que ‘a guerra de agressão constitui um crime internacional contra a espécie humana’.[127]

Note-se que, o Tribunal optou por simplesmente justificar a declaração de que a guerra de agressão (ainda que indefinido seu conceito) era uma guerra ilegal e, portanto, criminosa.

Não bastava ao Tribunal, todavia, declarar criminosa a guerra de agressão.Se fazia necessário declarar a responsabilidade penal dos réus quanto à utilização desse tipo de guerra.

O Tribunal reconheceu, expressamente, que o Tratado de Briand-Kelogg não trazia nenhuma punição ao Estado que movesse uma guerra de agressão. Tampouco trazia qualquer sanção ao indivíduo, membro desse Estado, que participasse na conduta dessa guerra. Mas, nas palavras do Tribunal, “Crimes contra a lei internacional são cometidos por homens, não por entidades abstratas, e somente ao punir indivíduos que cometem tais atos podem as previsões da lei internacional serem reforçadas.”

Para o Tribunal:

“[...] a essência do Estatuto [do Tribunal] é que indivíduos possuem deveres internacionais que transcendem as obrigações nacionais de obediência impostas por seu Estado. Aquele que viola as leis de guerra não pode obter imunidade enquanto em execução da autoridade do Estado se o Estado, ao autorizar a ação, desloca-se de sua competência sob a lei internacional.”[128]

    Kelsen mais uma vez debruçou-se sobre a questão, apontando a inexistência de qualquer legislação, nacional ou internacional, que estabelecesse a responsabilidade individual de agentes de uma guerra por tê-la movido, ainda que esta fosse declarada ilegal. Ele atacou a decisão do Tribunal de utilizar-se da analogia com tribunais militares que aplicavam sanções a indivíduos com base na Convenção de Haia, pois “[esses tribunais] aplicam a lei positiva nacional, a lei do Estado que transformou as leis da Convenção de Haia - regras regulando a conduta na guerra - em sua própria legislação penal”[129], enquanto o Tribunal aplicava uma novel lei internacional, que nenhum Estado incorporara em seu ordenamento jurídico, e sobre a qual ainda residiam muitas divergências.

Ademais, Kelsen concordou com a tese de que violações ao Pacto Briand-Kelogg somente poderiam ser cometidas por Estados, não por indivíduos, ao contrário das previsões da Convenção de Haia, estas sim passíveis de violação por um indivíduo. Isto porque, nenhum indivíduo, sozinho, poderia mover uma guerra de agressão, mas somente sob as ordens de seu governo, estando acobertados pelo ato de Estado.[130]

Dessa forma, ao estabelecer responsabilidade penal a indivíduos pela violação ao Tratado Briand-Kelogg, o Tribunal “criou nova lei, ainda não estabelecida [...] ou válida como regra de Direito Internacional.”[131]

Kelsen concluiu, por fim, que o Tribunal, ao declarar a responsabilidade penal dos réus por Crimes contra a Paz, não poderia basear-se nos tratados internacionais então existentes, mas somente no Acordo de Londres, o que implicaria na aplicação de lei ex post facto: “Para o Tribunal eles [os réus acusados por guerra de agressão] eram criminosos, e isso significa passíveis de punição, somente sob a lei criada pelo Acordo de Londres, que é a única base legal do julgamento [...] e o Acordo de Londres [nesse sentido] certamente criou lei nova.”[132]

4.3 .Mitigação ao princípio da irretroatividade da lei penal

Os defensores da opinião de que, desconsideradas quaisquer argumentações quanto à aplicabilidade dos tratados aos quais a Alemanha pré-guerra aderira, Nuremberg não desrespeitou o princípio em comento, são unânimes em apoiar-se numa inovadora noção de mitigação do princípio do nullum crime, nulla poena sine previae lege.

Kelsen foi, sem dúvida, o mais aguerrido defensor dessa tese. Para o ilustre professor, muito mais importante do que considerar como injusto punir alguém por uma conduta que, à época em que ela fora cometida, não havia sanção aplicável, era analisar se a conduta em si, indiferente a época em que cometida, já não guardava um caráter de imoralidade intrínseca:

“Se é injusto não atar a um certo ato uma sanção se, por exemplo, um legislador omitiu punição pelo roubo de eletricidade porque ele não previu a possibilidade de tal ato, é certamente justo promulgar uma lei determinando tal sanção, mesmo com força retroativa, especialmente se o ato ou omissão é geralmente considerado como uma violação da moral ou outra norma maior, ainda que não ilegal.[...] Existe uma clara diferença entre uma lei retroativa por meio da qual um ato 'indiferente' em si ou 'inocente' quando realizado é atado a uma punição e uma lei retroativa por meio da qual um ato que era imoral ou, de qualquer outra forma, conflitante com uma norma maior, é tornado ilegal.”[133]

Kelsen ressalta que a absoluta irretroatividade da lei é fantasiosa, pois “[...] toda lei é retroativa, uma vez que altera a situação legal estabelecida sob uma lei anterior.”[134], ou seja, levando-se esse princípio ao pé da letra, “a regra contra leis retroativas evita qualquer mudança da lei.”[135]

Debruçando-se sobre a natureza dos crimes julgados em Nuremberg, Kelsen é categórico em reconhecer que os mesmos, ainda que não formalmente expressos em qualquer legislação, constituíam “violações abertas aos princípios da moral geralmente reconhecidos pelos povos civilizados” e, desse modo, descaradamente ilegais à época em que cometidos.[136]

O Tribunal, por sua vez, decidiu seguir essa linha de raciocínio, ao declarar, como aponta Smith, que o Direito não surgia somente de legislações e tratados: “o Direito surgia do costume e daquilo em que acreditavam os países 'civilizados' do mundo. […] Só havia inovação relativamente ao processo; a consciência pública internacional definira o crime [...]”[137]

Ademais, o Tribunal também reconheceu que:

“[...]a um soldado ter sido ordenado a matar ou torturar em violação às leis internacionais de guerra jamais foi reconhecido como defesa para tais atos de brutalidade. [...] O que se deve observar, conforme, em variados graus, as leis penais da maioria das nações, não é a existência da ordem, mas se a escolha moral era, de fato, possível.”[138]

Kai Ambos, ao debruçar-se sobre o tema, entendeu, a partir do legado de Nuremberg, por abarcar essa noção de mitigação do princípio da irretroatividade da lei penal dentro da figura da proteção da confiança, ou seja, de que não caberia ao Direito proteger o autor de uma conduta cuja criminalidade era por ele sabida, ainda que não houvesse lei que assim o estipulasse. Para tanto, bastaria que a criminalidade dessa conduta estivesse identificada pelos costumes internacionais da época:

“[...] é suficiente que a ação em questão seja punível segundo os princípios não escritos do direito consuetudinário. Pelo geral, isto é afirmado com o argumento de que os fatos em questão – guerra de agressão, crimes contra a humanidade e crimes de guerra – eram puníveis no momento do fato segundo o costume internacional.

Assim, o autor que cometeu tais fatos não poderia invocar sua confiança protegida, isto é, que ele confiava em que os fatos não eram puníveis. Antes bem, deveria ter sabido que sua conduta era punível.A violação da proibição da retroatividade não existe, portanto se esta é entendida como uma mera norma de proteção de confiança.”[139]

Ambos, outrossim, avança ainda mais na questão, procurando combater eventuais críticas à ideia de proteção de confiança (principalmente aquela que entende inexistir possibilidade de utilização do direito consuetudinário para estabelecer punições), justificando o afastamento do princípio da legalidade também perante o princípio de justiça:

“Desse modo, é possível sua desconsideração quando a justiça não exija a proteção do autor senão, justamente, seu castigo. Essa relativização e, ao mesmo tempo, carga normativa da proibição de retroatividade com um valor de orientação adaptável caso por caso foi sustentada em Nuremberg [...]”[140]

Kai Ambos, por fim, procura fulminar qualquer crítica à mitigação do princípio da legalidade delineando o Direito Internacional como um ordenamento jurídico dinâmico, do qual “não é possível exigir uma determinação formal, no sentido de um ordenamento jurídico escrito”, concordando, enfim, que no Direito Internacional “se há de tolerar um determinado grau de insegurança.”[141]

Mesmo ante essas justificativas, Kelsen nos lança uma observação contundente:

“Contra essa visão pode-se opor que o afastamento da regra contrária a leis 'ex post facto' é um dos métodos que tornaram o regime nazista tão odiado aos olhos do mundo civilizado, e que as forças que travaram uma guerra para destruir o regime nazista não devem aplicar seus detestáveis princípios.”

Termina Kelsen, porém com a brilhante afirmação, que resume bem a essência de qualquer controvérsia quanto ao assunto:

“[...] ninguém tem o direito de tomar vantagem do princípio de justiça que ele próprio não respeita. […] um assassino não pode se opor a pena de morte com o mandamento 'não matarás' […]  A não-aplicação da regra contra leis 'ex post facto' é uma sanção justa aplicada sobre aqueles que violaram essa regra e, portanto, abdicaram do privilégio de serem protegidas por ela.”[142]


5 .Conclusão

“Entraremos para a História como os maiores estadistas de todos os tempos, ou os maiores criminosos.”[143]

Em Nuremberg, pela primeira vez criou-se um tribunal internacional para julgar crimes então definidos como internacionais, crimes até então jamais imaginados. A brutalidade e o horror nazistas, finalmente derrotados em 1945, abriram os olhos do mundo para a necessidade de uma resposta dentro dos ditames legais para a barbárie institucional ocorrida na Europa ocupada.

A grande questão, todavia, desde o momento em que se decidiu pela criação de um tribunal dessa natureza, residiu, basicamente, em duas perguntas: seria esse tribunal, criado e dirigido pelos vencedores da guerra, imparcial? E, poderiam as desprezíveis condutas nazistas, as quais nenhuma legislação jamais previra, serem classificadas, ante o sistema penal então vigente, como crimes?

O presente trabalho se utilizou de diversas opiniões dos mais variados estudiosos, tanto juristas quanto historiadores, bem como das fundamentações esposadas pelo próprio Tribunal. Não são muitos os autores que se arriscaram a enveredar pelas entranhas das questões ora levantadas. Aqueles que se dispuseram, trouxeram opiniões frequentemente discordantes entre si, mas igualmente importantes.

Dificilmente se encontra um autor que seja totalmente contrário aos julgamentos realizados em Nuremberg. As exceções são, obviamente, tingidas por fatores ideológicos, de pessoas ainda influenciadas pelo nazismo e pelo revisionismo ou negacionismo. Mas, também dificilmente se encontra um autor que seja acrítico a Nuremberg. Porém, onde um autor aponta uma polêmica gritante, outro autor, de igual renome, apresenta uma solução cabível. Se Schwarzenberger classificou o Tribunal como carente de legitimidade, Jackson e Arendt o apontaram como resultado da jurisdição internacional aplicável aos crimes ali analisados. Se Kelsen concordava que o crime de guerra de agressão carecia de um conceito a embasar sua própria existência, ele próprio encarava como necessária a mitigação do princípio da legalidade penal.

Foi o Tribunal um tribunal de exceção? Os que respondem afirmativamente ressaltam seu caráter de uma corte ad hoc, ou seja, criada especialmente e unicamente para aquele julgamento. São os autores que acusam o Tribunal de parcialidade, especialmente frisando a participação dos juízes soviéticos, claramente predispostos a condenarem todos os réus sem aterem-se a provas. São também os autores que apontam o cerceamento da defesa dos réus, com enfoque na proibição da alegação de ordens superiores, na utilização de lei ex post facto e nas limitações físicas a que fora submetida a Defesa.

Os autores que, por outro lado, procuram defender o Tribunal, entendem que, por mais que, de fato, ele tenha sido um tribunal de exceção, isso não acarretou em nenhum prejuízo aos réus. São os autores que advogam que a criação do Tribunal foi legítima, utilizando-se da noção de debellatio, que a defesa teve sim chances reais de atuar – do que faz prova a absolvição de três réus e as penas de prisão cominadas a vários, quando era esperado que todos fossem condenados à forca – que o princípio da legalidade não deve ser levado ao extremo, a ponto de deixar impunes condutas claramente imorais.

O Tribunal em si respondeu, na medida do possível, essa questão. Quanto à sua legitimidade, de fato não cabia ao Tribunal discuti-la, pois um órgão não tem como questionar a si mesmo. Mas, em nenhum momento, ele deu motivo à crítica de que os réus sentaram-se no banco da corte já com a corda no pescoço. Não apenas pelo fato de que três dos réus foram absolvidos, mas, essencialmente, porque cada réu, por mais que as provas fossem inquestionáveis quanto à sua culpa, teve a oportunidade de defender-se, de fazer-se ouvir pelos juízes, de explicar-se. Se suas explicações não lhes salvaram da forca, não o foi porque o Tribunal estava predisposto a condená-los, mas sim porque eles próprios já haviam sido condenados, por meio de seus crimes.

A principal questão posta em Nuremberg talvez tenha sido não a legitimidade do Tribunal ou a obediência pelo julgamento dos princípios mais comezinhos do direito de defesa. O que Nuremberg suscitou e respondeu foi a dúvida se uma conduta claramente imoral, mas não ilegal, poderia ser punida pelo Direito. Isto porque, para os Aliados, era muito fácil simplesmente executar todos os réus, e mandar às favas qualquer escrúpulo ou opinião pública. Decidiu-se, porém, submetê-los ao império da lei, submeter ao Direito condutas que sequer poderiam ser consideradas humanas. A grande dificuldade do Tribunal foi julgar crimes que ninguém poderia imaginar pudessem ser cometidos, julgar esses crimes como se fossem crimes comuns. Nesse campo, não há como discordar que Nuremberg fez um trabalho excelente. Mesmo com falhas, algumas bastante graves, não há como alegar que o julgamento foi um erro. Muito pelo contrário, Nuremberg foi a única resposta possível para um acontecimento que desafiou a lógica humana.

Foi essa resposta, apesar de ser a única possível, correta? Sim. Não apenas porque, ante todos os argumentos expostos neste trabalho, demonstrou-se que o julgamento não foi um arremedo de processo, um show Trial como alardeado por muitos. A principal razão é que, desde aquele 1 de outubro de 1946, quando o Tribunal proferiu suas sentenças, um horror semelhante ao nazista, ao menos na escala levada a cabo por Hitler, não se repetiu. Pois Nuremberg mostrou ao mundo que, ainda que imprevisível e incontrolável, a desumanidade da qual o ser humano é capaz pode, deve e será rigorosamente punida, não pela brutalidade das armas, mas pela justiça do Direito.


6 .APÊNDICE A - Os réus em Nuremberg

“- O senhor ainda diz que nem Hitler nem o senhor sabiam da política de extermínio dos judeus?

- Quanto a Hitler, eu disse que eu não acredito. Quanto a mim, eu disse que eu não sabia, nem aproximadamente, a extensão com que esses eventos estavam ocorrendo.

- O senhor não sabia em que grau, mas o senhor sabia que havia uma política que almejava o extermínio dos judeus?

- Não, uma política de imigração, não liquidação dos judeus.”[144]

“Eu morro como um homem inocente.”[145]

Sentar-se-iam no banco dos réus em Nuremberg, a princípio, 24 réus, representando as esferas política, econômica, militar e social do regime nazista. Dos 24, 2 (Gustav Krupp von Bohlen und Halbach e Robert Ley) não foram levados a julgamento. Dos 22 restantes, um (Martin Bormann) foi julgado in absentia – sem estar presente.

A personalidade e as ações dos réus compõem um assunto ímpar em, qualquer relato do Tribunal. Expõem-se aqui breves comentários quanto a cada réu e sua atitude durante o julgamento, bem como a sentença e pena cominada.

Os réus estão listados de acordo com a ordem na Denúncia apresentada pela Promotoria e no julgamento proferido pela corte.

a) Hermann Wilhelm Goering – um dos mais antigos seguidores do Partido Nazista, Goering era, certamente, o mais importante réu em Nuremberg, tanto por sua fama quanto pelo efetivo poder que exerceu durante os 12 anos do regime nazista[146]. Fora presidente do Reichstag (o Parlamento alemão), comandante da Luftwaffe (a Força Aérea alemã), chefe do Plano Quadrienal, sucessor político designado pelo próprio Hitler e Reichsmarshall (Marechal do Reich – cargo criado especialmente para ele. A amplitude dos cargos e postos que ocupara fazia de Goering o único réu implicado em todas as esferas de poder da Alemanha nazista e, nas palavras do Promotor Jackson, ao iniciar seu interrogatório, “o único homem ainda vivo que pode nos expor os verdadeiros propósitos do Partido Nazista e as entranhas de seu funcionamento.”[147]

Durante o julgamento, como demonstra Smith[148], foi o líder do grupo que se negava a admitir os crimes do nazismo, defendendo ardorosamente Hitler. Seu confronto com o promotor norte americano Robert Jackson passou aos anais da História como exemplo de sua inteligência e perspicácia. Refutou veementemente, todavia, sua aprovação quanto às invasões da Noruega e da União Soviética pela Alemanha, afirmando que discordara de Hitler, mas preferira não levar a público essa discordância de opiniões.

O Tribunal declarou, na sentença, que Goering, responsável pela direção da Luftwaffe, estava implicado nos bombardeios que haviam arrasado cidades e causado a morte de milhares de civis. Autorizara a execução de milhares de prisioneiros de guerra, comandara diretamente a pilhagem de milhares de obras de artes nos países ocupados, bem como trazia sua assinatura o único documento recuperado pelas Quatro Potências que mencionava de forma expressa a infame “Solução Final da Questão Judaica” [149] Fora, de fato, “o ditador da economia do Reich”[150] e sua discordância quanto às guerras de agressão travadas pela Alemanha foi considerada mais uma questão estratégica do que moral.

Condenado por todas as acusações, foi sentenciado à forca, mas suicidou-se horas antes da execução.

b) Rudolf Hess – Tal Goering, Hess fora um dos primeiros membros do Partido Nazista, tendo acompanhado Hitler na prisão quando do putsch (tentativa de golpe) deste em 1923, tornando-se confidente do ditador alemão desde então, chegando a ser nomeado seu sucessor na hipótese de Goering não poder ocupar a liderança do país. Ocupara a vice-liderança do Partido Nazista até 1941 (abaixo somente de Hitler) quando, inexplicavelmente, voou até o Reino Unido, a fim de, supostamente, obter um acordo de paz com os britânicos. Foi imediatamente preso e, quando apareceu em Nuremberg, quatro anos depois, seu estado mental era deplorável.[151]

Antes do julgamento, declarou ter perdido a memória de todo o período que servira a Hitler, levando seu advogado a pedir sua exclusão do processo. Diante dos juízes, porém, Hess declarou ter fingido a amnésia, o que levou os juízes a rejeitarem o apelo do advogado.   

Sua defesa foi caótica. Hess negou-se a responder perguntas tanto da Promotoria quanto de seu advogado. Alegou ter conhecimento de fatos e opiniões que claramente jamais poderia saber. Defendeu sem reservas o regime nazista e Hitler.

O Tribunal, ante as provas apresentadas, aceitou que Hess não estivera envolvido ativamente no planejamento e execução dos crimes listados na Denúncia, mas decidiu que sua culpa residia no fato de que ele “deve ter sido informado dos planos agressivos de Hitler quando estes vieram a existir.”, bem como do tratamento dispensado aos povos dos países ocupados pelas forças armadas alemãs. Dessa forma, como aponta Smith, Hess foi condenado com fundamento apenas em razão de sua posição no governo nazista, sem haver provas de sua criminalidade individual.[152]

Assim, foi condenado em todas as acusações, tendo sido sentenciado à prisão perpétua.[153]                                            

c) Joachim von Ribbentrop – Ministro das Relações Exteriores, entre 1938 a 1945, vaidoso, arrogante e prepotente[154], von Ribbentrop era acusado de intimidar e enganar vários líderes de nações européias a firmar acordos com a Alemanha, a fim de justificar a invasão e ocupação daquelas por essa. Era acusado, ainda, de ter agido ativamente na preparação das guerras de agressão movidas pelo regime nazista, bem como de ter tomado parte nas deportações e extermínio de povos inteiros.

Negou veementemente, durante o julgamento, ter negociado tratados os quais já sabia que a Alemanha não cumpriria, alegando sempre que as circunstâncias levaram a nação alemã a romper as garantias que firmara. Justificou suas ações pela crença absurda de que Hitler buscava a paz ao fazer a guerra. Sua defesa, outrossim, foi enfraquecida pelo próprio estado de saúde de von Ribbentrop, à beira de um colapso nervoso.[155]

O Tribunal, obviamente, desconsiderou todas as alegações de von Ribbentrop, e, ante os testemunhos de ex-líderes de nações européias, firmou o convencimento de que o ex-ministro fora ativo em planejar e preparar, por meio de engodos diplomáticos, as guerras de agressão travadas pela Alemanha, bem como os genocídios praticados nos países ocupados.

Condenado por todas as quatro acusações, foi sentenciado à forca.

d) Robert Ley – Ley fora chefe da Frente de Trabalho Alemã (Deutsche Arbeitsfront), organização que substituíra todos os sindicatos alemães. Nessa posição, era responsável pela “coordenação” da população trabalhadora alemã para seguir a ideologia nazista.

Denunciado pela Promotoria nas quatro acusações, enforcou-se em sua cela pouco menos de um mês antes do início do julgamento, deixando uma breve carta onde afirmava: “Nós renegamos a Deus e, desta forma, fomos por Ele renegados.[156]

e) Wilhelm Keitel – Chefe do Alto Comando das Forças Armadas – Oberkommando der Wehrmacht – desde 1938, fora, nominalmente, o segundo homem na hierarquia do Exército, após Hitler. Na prática, porém, pouco fizera para influenciar o comando militar do ditador, limitando-se somente a fazer cumprir as ordens que recebia dele. Sua subserviência foi classificada durante o julgamento como a de um “general criminosamente desprovido de caráter.” [157]

Keitel mostrou-se arrependido durante o julgamento, ao mesmo tempo em que procurou eximir-se de qualquer responsabilidade quanto à direção das guerras de agressão, alegando estar apenas “cumprindo as ordens” de Hitler. Sua defesa levantou insistentemente a questão de cumprimento de ordens superiores, sem êxito.

Foi levado em alta consideração, pelo Tribunal, o fato de que Keitel assinara a “Ordem dos Comandos” - Kommandobefehl – que autorizava a execução sumária de membros de forças especiais aliadas que tentassem se infiltrar na retaguarda das linhas alemãs. Também considerada foi sua participação ativa na direção dos planos de guerra agressiva travadas pela Alemanha.

Foi condenado em todas as acusações, e sentenciado à forca.

f) Ernst Kaltenbrunner – se Goering era o réu mais importante politicamente em Nuremberg, Kaltenbrunner era, certamente, o mais diretamente responsável por grande parte das atrocidades mais cruéis ali julgadas. Sucessor do temido Reinhard Heydrich na chefia do Reichssicherheitshauptamt (conglomerado dos serviços secretos alemães - RHSA) desde 1943, Kaltenbrunner era o mais graúdo dos oficiais da SS ainda vivos ao final da guerra, e, em sua posição, responsável pela administração dos campos de concentração, pela Gestapo, pela SD e pelos Einsatzgruppen. Sua autoridade nesses campos se submetia somente a Hitler e a Himmler.

Ainda no início do julgamento, foi acometido por uma hemorragia cerebral, o que o privou de comparecer às sessões iniciais da corte. Quando retornou ao Tribunal, ainda sofrendo de forte depressão, foi confrontado por centenas de documentos que traziam sua assinatura, ordenando a execução de milhões de pessoas. Sua defesa foi ao mesmo tempo simples e inverossímil: alegou que fizera um acordo com Himmler quando assumiu a liderança da RHSA, por meio do qual seria responsável somente pela direção dos serviços de inteligência da organização. Em relação às ordens escritas que lhe eram apresentadas como sendo suas, segundo Smith, “tentou todos os estratagemas possíveis para justificá-los e, quando tudo falhou, negou simplesmente que as assinaturas dos documentos fossem legítimas.”[158] o que lhe valeu a alcunha pelos presentes no Tribunal como “o homem sem assinatura (der Man ohne Unterschrift).

Suas alegações, por óbvio, não convenceram o Tribunal. Restou comprovado que Kaltenbrunner fora ativo em executar a política de genocídio advogada por Hitler e delineada por Himmler. Pesou muito o fato de que visitara várias vezes o campo de concentração de Mauthausen-Gusen, onde inspecionara o extermínio de milhares de prisioneiros, bem como executara pessoalmente um general francês ali preso. O Tribunal, todavia, entendeu que inexistiam provas de seu envolvimento nas guerras de agressão e no plano de conspiração, absolvendo-o das acusações 1 e 2.

Foi condenado, porém, pelas acusações 3 e 4, e sentenciado à forca.

g) Alfred Rosenberg – considerado um dos mentores ideológico do nazismo, autor da obra anti-semita “O Mito do Século 20” (Der Mythus des 20-Jarhrunderts), Rosenberg era considerado o filósofo oficial do regime. Ocupara ainda o cargo de Ministro dos Territórios Ocupados do Leste, sendo responsável, ao menos no papel, pela administração civil dos territórios russos ocupados pelo exército alemão.

A defesa de Rosenberg viu-se na necessidade de enfrentar duas linhas de ataque da Promotoria contra ele. Por um lado, conseguiu, a muito custo, provar que não se poderia creditar às obras e aos ensinamentos de Rosenberg as atrocidades cometidas pelos alemães. Por outro lado, tentou de todos os modos comprovar que o cargo de ministro que Rosenberg ocupara não lhe propiciara efetivo poder, e que, quando pudera, trabalhou para amenizar o sofrimento das populações da União Soviética ocupada.

O Tribunal de fato aceitou a assertiva da defesa, no sentido de que “nenhum homem deve ser processado por motivo de seu pensamento.”[159]. Mas os diversos documentos por ele assinados durante sua gestão como administrador dos territórios soviéticos ocupados, determinando a pilhagem de bens e o extermínio de milhares de pessoas, não o livraram da condenação, especialmente considerando o fato de que, ainda que Rosenberg tivesse agido para diminuir a escala das atrocidades, “permaneceu no cargo até o fim.”[160]

Foi condenado em todas as quatro acusações, sendo sentenciado à forca.

h) Hans Frank – apelidado de “Açougueiro da Polônia”, Frank fora chefe do Governo Geral (Generalgouvernment), a administração civil da porção da Polônia não anexada à Alemanha entre 1939 a 1945. Nessa posição, foi acusado de coordenar a brutal repressão a que os poloneses foram submetidos[161].

Sua defesa foi um verdadeiro tiroteio às cegas Enquanto culpava Hitler, Himmler, Heydrich, Sauckel, Goering e Speer pelas atrocidades cometidas contra o povo polonês, afirmava que sempre tentara agir para amenizar a crueldade do tratamento a este último dispensada, vendo-se sempre subjugado pela autoridade daqueles líderes nazistas. A todo momento expressava arrependimento pelos seus atos, contribuindo com a Promotoria ao entregar-lhe seus diários mantidos durante sua administração do Governo Geral.

O Tribunal concordou que a autoridade de Frank era limitada pela jurisdição que diversos outros líderes nazistas possuíam sobre a Polônia, especialmente Himmler e Sauckel. Mesmo assim, não restavam dúvidas de que, quando pode, reprimiu sem escrúpulos a população polonesa (foi ressaltada a ordem por ele dada, em 1943, de que qualquer polonês acusado de esconder judeus deveria ser executado imediatamente).

Foi absolvido da acusação 1, mas condenado pelas acusações 3 e 4, e sentenciado à forca.

i) Wilhelm Frick – Ministro do Interior entre 1933 a 1943 e, posteriormente, Reichsprotektor da Boêmia e da Moravia até 1945, Frick fora um dos poucos homens a servirem Hitler continuamente desde sua ascensão à liderança da Alemanha, em 1933. Um dos responsáveis pelas artimanhas que consolidaram o poder nazista sobre a sociedade alemã, Frick auxiliara o ditador alemão a “coordenar” as instituições da Alemanha para o controle nazista.

A defesa de Frick insistiu na tese de que ele nada mais fizera do que seguir ordens, sem possuir nenhum controle sobre as ações de Himmler e Heydrich, nominalmente seus subordinados. Ademais, o advogado insistiu na inexistência de provas de que Frick ordenara a repressão dos tchecos durante seu período como Reichsprotektor. Frick, todavia, recusou-se a ser interrogado pelo Tribunal.

O caso de Frick causou profundas divisões entre os juízes. O juiz suplente britânico, Parker, e o titular francês, Donnedieu de Vabres, entendiam que ele deveria ser absolvido, pois não passava de um simples burocrata. Já o juiz titular norteamericano, Biddle, e os juízes soviéticos entendiam que o silêncio de Frick na corte era uma admissão de sua culpa, e que sua conduta era a prova irrefutável de que de fato existira uma conspiração nazista para tomar e consolidar o poder na Alemanha.[162]

Após muita discussão, Frick acabou sendo condenado em todas as quatro acusações, e sentenciado à forca, mesmo tendo 69 anos de idade – era o réu mais velho a ser enforcado em Nuremberg.

j) Julius Streicher – Streicher fora Gauleiter de Nuremberg e editor do Der Sturmer, o jornal nazista mais anti-semita à época. Possuidor de um anti-semitismo violento, bem como de uma personalidade pornográfica e sádica, transformara o jornal que editava num veículo para a propagação do anti-semitismo e do ódio racial.

Desprezado até pelos demais réus, Streicher, todavia, tinha a seu favor no julgamento o fato de que nunca pertencera ao círculo de líderes do Terceiro Reich. A Promotoria não logrou apresentar nenhuma prova de que ele tinha conhecimento dos campos de concentração, malgrado ele pleiteasse constantemente o extermínio do povo judeu. A sua defesa foi capaz de demonstrar que Streicher era desprezado por todos os líderes do regime nazista, exceto por Hitler (que, ainda assim, o via com reservas).

Streicher, todavia, como bem aponta Smith, foi mais vítima de seu comportamento do que de suas ações. Seu próprio advogado o detestava, e os juízes viam-se frequentemente irritados com a atitude desprezível e absurda do réu quando falava, obrigando-o diversas vezes a calar-se.[163]

O Tribunal entendeu que a condenação de Streicher careceria de provas concretas. Por outro lado, nenhum dos juízes conseguia esconder a vontade que tinham de condená-lo, em razão de suas atitudes anti-semitas. Para resolver o problema, decidiu-se que Streicher era culpado por incitar, por meio de seu jornal e de seus discursos, o genocídio perpetrado pelas foras armadas alemãs.

Dessa forma, foi condenado somente pela acusação 4, mas ainda assim  sentenciado à forca.[164]

k) Walther Funk – Tal qual Streicher, Funk era considerado por todos um homem fraco, sem importância real no regime nazista. Fora Ministro da Economia em 1938 e Presidente do Reichsbank (Banco Central alemão) de 1939 a 1945. Nessa posição, fora responsável pelo estoque do butim resultante das pilhagens efetuadas pelo exército e pela SS nos países ocupados, principalmente das propriedades dos judeus aniquilados.

Sua defesa era simples, e corroborada por todos os outros testemunhos de líderes importantes do regime: Funk era um simples (mas dedicado, diga-se) cumpridor de ordens, especialmente as de Goering. Seu advogado conseguiu provar que Funk jamais fora ativo no planejamento ou preparação de qualquer crime analisado em Nuremberg, mas simples executor. Especial atenção foi dispensada ao fato de que ele fora conivente com o depósito, pela SS, de toneladas de dentes de ouro retirados dos corpos dos judeus exterminados nos campos de concentração[165]

Smith demonstra que o Tribunal, ao julgar Funk, já aparentava conformidade com a enormidade dos crimes cometidos pelos nazistas – Funk fora o décimo réu a ser objeto de deliberações pelos juízes – o que acarretou na desconsideração de grande parte da tese da Promotoria, no sentido de que as medidas econômicas levadas a cabo por Funk teriam causado fome e exploração deliberadas sobre os povos ocupados. Um dos juízes, ante o patente caráter de subalterno de Funk, chegou a comentar: “Funk não pode alegar que não era conhecedor do assunto; só pode alegar fraqueza.”[166]

Assim, mesmo tendo sido condenado pelas acusações 2, 3 e 4, foi sentenciado à prisão perpétua, escapando da forca.[167]

l) Hjalmar Schacht – de todos os réus em Nuremberg, o caso que mais causou discussões e divisões entre os juízes foi o de Schacht. Ministro da Economia entre 1933 a 1938, ele fora um dos responsáveis pela milagrosa recuperação econômica da Alemanha durante os meses posteriores à ascensão de Hitler ao poder. Era de conhecimento geral (e admitido por ele próprio) que Schacht fora crucial na ascensão e consolidação do poder nazista na Alemanha.

Mas o caso de Schacht esbarrava em dois obstáculos imponentes: o primeiro consistia no fato de que ele rompera relações com Hitler no início da guerra, por discordar das guerras de agressão movidas por esse, o que havia acarretado na sua prisão e internação no campo de concentração de Dachau até o final da guerra. O segundo obstáculo, ainda mais importante, era o fato de que Schacht colaborara secretamente com o governo norteamericano durante a guerra, enviando a esse informações confidenciais.

A Promotoria, e especialmente o Promotor-chefe Jackson, sabiam que Schacht poderia, a qualquer momento, expor suas conexões com o governo dos EUA.[168] Ademais, inexistiam provas de que ele tivera conhecimento das atrocidades cometidas pelos nazistas. A acusação, portanto, consistia unicamente no auxílio que Schacht emprestara a Hitler para reerguer a Alemanha e rearmá-la, em violação direta do Tratado de Versalhes.

Schacht, um dos réus mais inteligentes em Nuremberg, tentou, de início, firmar um tipo de delação premiada com a Promotoria. Quando Jackson recusou, ele subiu ao banco dos réus e afirmou que seu único crime fora violar o Tratado de Versalhes, mas que jamais imaginara que Hitler empreenderia guerras e agressão.

O Tribunal viu-se, portanto, diante de um impasse. Não havia, realmente, provas de que Schacht tivesse participado do planejamento das guerras de agressão. Tampouco poderia se dizer que ele estava implicado nos crimes de guerra e crimes contra a humanidade cometidos. Mas os juízes custavam a acreditar que as ações de Schacht em garantir fundos para o rearmamento da Alemanha poderiam ser absolvidos. Os juízes franceses e norteamericanos apoiavam uma condenação leve – cinco anos de prisão, conforme relata Smith, especialmente devido à razão de que os juízes haviam combinado entre si não absolver nenhum réu[169] - enquanto os juízes britânicos apoiavam desde o início sua absolvição.

Após muita discussão, com muitas mudanças de posição (até mesmo os juízes soviéticos, inclinados a condenarem todos os réus sem ressalvas, viram-se dispostos a admitir que não haviam provas de que Schacht tivesse cometido qualquer crime), o Tribunal, por fim, decidiu absolvê-lo, sob o fundamento de que ele simplesmente realizara sua função de Ministro da Economia ao sustentar o rearmamento da Alemanha, e que não havia provas de que ele o fizera com o intuito de auxiliar Hitler no empreendimento de guerras de agressão.

m) Gustav Krupp – chefe das empresas de siderúrgica e armamentos Krupp, uma das maiores da Alemanha, Krupp fora incluído em Nuremberg a fim de responsabilizar-se o setor empresarial alemão pelas atrocidades nazistas. Krupp, todavia, sequer pode ser levado a Nuremberg, uma vez que seu estado de saúde era deplorável. A Promotoria terminou por decidir retirar as acusações contra ele, não sem antes tentar, sem aprovação dos juízes, substituí-lo por seu filho, Alfried.

n) Karl Doenitz – Tal qual Schacht, o Grossadmiral Doenitz, chefe dos submarinos alemães até 1943, chefe da marinha alemã de 1943 a 1945 e sucessor de Hitler como novo presidente da Alemanha após sua morte, apresentou um dos casos mais discutidos pelo Tribunal.

Doenitz era acusado pela Promotoria de ter empreendido uma guerra submarina brutal, ordenando o afundamento de todo e qualquer tipo de navio que não fosse alemão, o assassinato frio de sobreviventes de naufrágios, a utilização de trabalhadores escravos na construção de navios e diversas violações ao Direito Internacional do Mar.

Mas Doenitz logo valeu-se de um trunfo: tanto ele como seu advogado demonstraram de forma brilhante que os Aliados haviam empregado as mesmas táticas das quais era acusado. Outrossim, alegou que jamais ordenara expressamente o assassinato de sobreviventes, e que, se isso ocorrera, fora em razão de um mal entendido por parte dos seus subordinados. O surpreendente foi que Doenitz conseguiu arrancar de diversos oficiais aliados declarações de que tanto os EUA quanto o Reino Unido também haviam afundado indiscriminadamente navios alemães e se recusado a resgatar sobreviventes.

Os juízes muito discutiram se a defesa de Doenitz podia ser aceita, principalmente os juízes britânicos e soviéticos, que alegavam que eventuais atitudes dos Aliados não poderiam excluir a criminalidade dos atos de Doenitz. O temor, todavia, de que fossem expostas condutas vergonhosas das Marinhas aliadas fez com que os juízes concordassem, por fim, que qualquer acusação contra Doenitz relativa à guerra submarina deveria ser desconsiderada.

Ainda assim, os juízes mostraram-se empenhados em condená-lo. Decidiram que restaram provadas as ações de Doenitz no sentido de planejar e executar guerras de agressão junto a Hitler, bem como que de fato solicitara trabalhadores escravos para a construção de navios. Mas o juiz titular norteamericano, Biddle, admitiu que Doenitz estava sendo condenado por “coisas de pequena importância.”, se comparadas às ações dos demais réus condenados.[170]

Desse modo, foi condenado pelas acusações 2 e 3, e sentenciado a 10 anos de prisão.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                 

o) Erich Raeder – comandante da Marinha alemã antes de Doenitz, Raeder fora acusado em Nuremberg pelos mesmos crimes imputados a Doenitz, mas também por ter proposto e organizado a invasão e ocupação da Noruega.

A sua defesa, ao contrário da de Doenitz, falhou em ressaltar os pontos levantados pela defesa daquele, limitando-se somente a focar na atuação do réu na invasão da Noruega – a qual, segundo Raeder, teria sido muito mais obra isolada de Hitler do que dele. Ainda assim, não podia o Tribunal levar em consideração suas conclusões quanto ao caso de Doenitz sem aplicá-las ao caso de Raeder.

Pesou contra ele, todavia, as provas levantadas pela Promotoria que afastavam a desculpa de que Raeder apenas obedecera a Hitler no caso da Noruega. Restou comprovado que ele planejara ativamente a invasão e ocupação do país, bem como participara, ainda que de modo mais contido, na preparação das demais guerras de agressão levadas a cabo pela Alemanha.

Foi portanto, condenado pelas acusações 1, 2 e 3, e sentenciado a prisão perpétua[171].                                                                                                                               

p) Baldur von Schirach – líder da famosa Juventude Hitlerista (Hitlerjugend), e, a partir de 1940 Gauleiter de Viena, von Schirach era acusado pela Promotoria de ter empreendido uma “lavagem cerebral” na juventude alemã durante o período pré-guerra, transformando crianças em soldados brutais. Era acusado, ainda, de ter deportado milhares de judeus e utilizado milhares de trabalhadores escravos durante seu governo em Viena.

Von Schirach, assim como Frank, mostrou-se o réu mais instável do julgamento, alternando momentos de puro arrependimento, em que chamava Hitler de “monstro”, com ocasiões em que tentava defender seus atos alegando desconhecimento das atrocidades cometidas.[172]

Por mais que a Promotoria se esforçasse, todavia, o Tribunal não aceitou a alegação de que Von Schirach fora determinante para o esforço de guerra alemão ao doutrinar a juventude do país. Os juízes entenderam não haver indícios de que ele agira consciente de que aqueles jovens participariam de guerras de agressão no futuro.

O Tribunal, todavia, encarou com rigor as acusações que pesavam contra ele como Gauleiter em Viena. Muito pesou o fato de que dirigira a deportação de mais de 60.000 judeus daquela cidade para os campos de concentração na Polônia, bem como a comprovação de que recebia periodicamente relatórios dos Einsatzgruppen - os esquadrões da morte da SS que executaram 1 milhão de judeus no Leste Europeu entre 1940 a 1941.

Foi, portanto, condenado pela acusação 4, e sentenciado a 20 anos de prisão.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             

q) Fritz Sauckel – Plenipotenciário do Trabalho, o ex-operário Sauckel fora diretamente responsável pela deportação e pelas condições cruéis a que milhões de trabalhadores escravos utilizados no esforço de guerra alemão foram submetidos.

Sua defesa procurou, durante o julgamento, provar que se esforçara para garantir um tratamento humano a esses trabalhadores, bem como que ele apenas obedecia a quotas impostas por Goering e por Speer.

O Tribunal, todavia, entendeu que Sauckel se empenhara vorazmente em “aumentar o máximo a produção, usando ao mesmo tempo a menor quantidade possível de recursos para alimentar a mão-de-obra.”[173], tendo agido com especial empenho na obtenção do maior número possível de trabalhadores escravos para as industrias alemãs. Os juízes desconsideraram, porém, o fato de que havia abundantes provas corroborando as afirmações de Sauckel de que ele sempre agira em cumprimento de ordens de Goering e Speer.

Condenado nas acusações 3 e 4, foi sentenciado à forca.

r) Alfred Jodl – terceiro na hierarquia do Exército, abaixo de Hitler e Keitel, Jodl era acusado de assinar diversas ordens de execução de soldados, prisioneiros e judeus, especialmente a infame “Ordem dos Comissários” (Kommissarbefehl), que determinava a execução sumária de qualquer comissário político soviético capturado pelos alemães.

Jodl, dono de um intelecto invejável, desde o início do julgamento procurou assemelhar suas condutas com as dos generais aliados, afirmando que nada mais fizera do que cumprir as ordens de Hitler, e que tentara atenuar as ordens mais cruéis quando possível. Foi o réu que mais insistiu na aceitação da defesa de ordens superiores, e seu advogado atacava frequentemente a Promotoria, que chegou a temer que ele conseguisse convencer os juízes a obrigar os oficiais aliados a responderem suas indagações.

O Tribunal, todavia, não acatou as suas alegações, entendendo que Jodl agira com especial zelo no cumprimento das ordens mais cruéis de Hitler, especialmente no tocante à execução de milhares de prisioneiros de guerra.

Foi condenado pelas quatro acusações e sentenciado à forca, não antes de causar uma forte discussão entre os juízes quanto ao tipo de pena de morte que deveria lhe ser aplicada, uma vez que os juízes franceses acreditavam que ele merecia a honrosa execução por fuzilamento.

s) Martin Bormann – somente durante o julgamento de Nuremberg descobriu-se que Bormann fora uma das figuras mais poderosas dos últimos anos do regime nazista. Secretário-geral do Partido Nazista, Bormann tornara-se o braço direito de Hitler após a fuga de Hess para a Grã-Bretanha,                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                 e, assim, sua importância para o julgamento era equivalente à de Goering. Mas havia um detalhe: Bormann estava desaparecido e, sua inclusão no julgamento fora uma decisão bastante controversa da Promotoria, e que deixou os juízes numa situação difícil.

A defesa de Bormann foi, como aponta Smith, uma tarefa quase impossível para seu advogado. Os próprios juízes concordaram com isso quando perceberam a absurdez de levar a julgamento uma pessoa que sequer havia certeza se estava viva.[174] Para os demais réus, todavia, a ausência de Bormann era um auxílio inestimável. Todos, quando possível, tentaram jogar nas suas costas a responsabilidade pelos crimes mais odiosos do regime, a ponto de “sua imagem ameaçar ocultar a do próprio Hitler.”[175]

Julgado in absentia, foi declarado vivo[176] pelo Tribunal, condenado pelas acusações 3 e 4 e sentenciado à forca.

t) Franz von Papen – Vice-chanceler do Reich, e, posteriormente, embaixador em Viena e na Turquia, von Papen era acusado de auxiliar Hitler na consolidação do regime nazista durante a década de 30, e, na visão da Promotoria, simbolizava toda a conspiração nazista para tomar o poder na Alemanha e empreender guerras de agressão.

Von Papen, todavia, logrou demonstrar que agira para auxiliar a ascensão de Hitler com o único intuito de controlá-lo, e que desconhecia qualquer inclinação do regime em cometer as atrocidades levadas a cabo nos anos seguintes. Demonstrou que criticara ferozmente o regime muitas vezes, o que chegou a lhe valer uma temporada na prisão.

Mas, acima de tudo, foi a decisão do Tribunal de afastar qualquer noção de que as atitudes políticas de Von Papen enquanto vice-chanceler teriam constituído crime de conspiração que o salvou de uma condenação. Os juízes entenderam que Von Papen nada mais fora do que um peão utilizado inconscientemente por Hitler, e que não havia a mínima evidência de que ele sequer concordasse, quanto mais tivesse conhecimento, do planejamento das guerras de agressão. Foi ele o primeiro réu que os juízes decidiram absolver.

u) Arthur Seyss-Inquart – Governador (Reichsstatthalter) da Áustria anexada à Alemanha, e posteriormente, Reichskommissar da Holanda ocupada, Seyss-Inquart era responsável, segundo a Promotoria, por enviar milhares de pessoas à morte ao combater a resistência à ocupação alemã naquele último país e instigar a deportação em massa de judeus.

A defesa de Seyss-Inquart era um apanhado de todas as defesas rejeitadas pelos juízes: ele era, no fundo, um homem bom, que sentia piedade de suas vítimas; nada mais fizera do que cumprir as ordens de Berlim; agira sempre de modo a diminuir o sofrimento dos oprimidos. Em suma, como um dos juízes auxiliares comentou, “Não constitui defesa que Seyss-Inquart era menos brutal que Himmler.”[177]

O Tribunal não gastou muito tempo examinando a defesa de Seyss-Inquart, nem as acusações que contra ele pesavam. Apesar dos juízes terem afastado qualquer responsabilidade sua pela anexação da Áustria, era patente que ele agira ativamente nas atrocidades cometidas na Holanda.

Foi, portanto, condenado em todas as acusações e sentenciado à forca.

v) Albert Speer – certamente a figura mais controversa de todo o julgamento, ao lado de Goering, Speer fora Ministro dos Armamentos entre 1943 a 1945 e, nessa posição, responsável por toda a economia da Alemanha durante a guerra, especialmente pela utilização de trabalho escravo e a pilhagem de matérias-primas dos países ocupados. Era, ainda, um dos amigos mais próximos de Hitler.

Durante o julgamento, foi o primeiro dos réus (e o mais incisivo) a arrepender-se e a reconhecer seus erros. Admitiu que de fato solicitara trabalhadores estrangeiros, os quais eram levados à Alemanha à força, mas provou que sempre agira para garantir-lhes as mínimas condições de sobrevivência (e, indiretamente, culpou Sauckel pela desobediência a essas garantias). Outrossim, seu advogado, ao perceber que todo o caso contra Speer se apoiava no uso de trabalho escravo, trouxe à tona o fato relevante que a União Soviética (da qual originava-se a maioria dos trabalhadores escravos) não aderira às Convenções de Genebra e, portanto, a Alemanha não estava obrigada a tratar os cidadãos soviéticos segundo os ditames desse tratado.

A verdade no caso de Speer é que tanto a Promotoria quanto os juízes não estavam inclinados a compará-lo aos mais cruéis réus sentados no banco em Nuremberg. A Promotoria tinha ciência que Speer poderia auxiliar os Aliados com informações vitais no campo da tecnologia. Já os juízes mostraram-se solícitos com a aparente espontaneidade com que Speer denunciava, durante seu interrogatório, suas próprias atitudes criminosas e as de seus colegas.

Mesmo assim, Speer não conseguiu afastar sua responsabilidade pelos maus-tratos a que foram submetidos milhões de trabalhadores escravos. Na sentença mais controversa do Tribunal, foi condenado a 20 anos de prisão, pelas acusações 1 e 2.[178]

x) Constantin von Neurath – Ministro das Relações Exteriores antes de von Ribbentrop, von Neurath teve papel importante durante os primeiros estágios da expansão territorial alemã. Em 1938, porém, foi demitido do Ministério e realocado como Reichsprotektor da Boemia e Moravia (regiões da Tchecoslováquia anexadas à Alemanha), onde foi acusado de liderar perseguições a judeus e repressão a opositores.

A defesa, porém, conseguiu refutar grande parte das acusações que pesavam contra ele. Von Neurath foi pintado como um homem constantemente ludibriado por Hitler, e que em nenhum momento expressou concordância com as ordens que recebia, apesar de executá-las, ainda que de má vontade.

O Tribunal, ao examinar seu caso, viu-se diante de um homem acusado por pequenas condutas em um quadro amplo. Von Neurath havia ordenado execuções, bem como havia participado de reuniões com Hitler em que este planejara invasões e ocupações. Não havia, contudo, prova de sua vontade em cometer os crimes dos quais era acusado. E, ainda quando as provas de seu envolvimento em atrocidades eram irrefutáveis, os juízes perceberam que “se pedia ao Tribunal que atribuísse grande importância [a crimes menores] quando, em toda a sala de sessões, pairava a sombra de milhões de vítimas que, em outros lugares, tinham sido enviadas a túmulos anônimos com a ajuda de métodos mais diabólicos de extermínio.”[179]

Foi, então, condenado em todas as quatro acusações, mas sentenciado a 15 anos de prisão.[180]

y) Hans Fritzsche – de todos os 24 acusados, Fritzsche era certamente o de menor importância, a ponto de sua própria inclusão no julgamento ter se dado somente em razão de ser um dos poucos nazistas capturados pelos soviéticos. Fora diretor do Ministério da Propaganda, sob Josef Goebbels (e, assim, representava o temido chefe da propaganda nazista em Nuremberg), e dirigira um programa de rádio muito popular durante a guerra.

Sua absolvição era dada como certa antes mesmo do julgamento iniciar-se. Sua defesa sequer teve trabalho em provar que Fritzsche não participara de nenhuma atrocidade cometida pelos nazistas, mas somente atuara sob as ordens de Goebbels. Não havia prova sequer que conhecesse o planejamento de guerras de agressão ou da existência dos campos de concentração.

Terminou sendo absolvido, no que foi parabenizado por Goering, quando este saía da corte após receber sua sentença de morte: “Herr Fritzsche, o senhor de fato não pertencia a nosso grupo, e sinto-me sinceramente feliz com sua absolvição.”[181]


7.ANEXO A - Acordo de Londres de 08 de agosto de 1945

ACORDO entre o governo dos ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, o governo provisório da REPÚBLICA FRANCESA, o governo do REINO UNIDO DA GRÃ-BRETANHA E DA IRLANDA DO NORTE e o governo da UNIÃO DAS REPÚBLICAS SOCIALISTAS SOVIÉTICAS para o Julgamento e Punição dos CRIMINOSOS DE GUERRA PRINCIPAIS do EIXO EUROPEU

CONSIDERANDO QUE as Nações Unidas fizeram, de tempos em tempos, declarações de suas intenções de que Criminosos de Guerra sejam levados à justiça;

CONSIDERANDO QUE a Declaração de Moscou de 30 de outubro de 1943 sobre as atrocidades alemãs na Europa Ocupada declarou que os oficiais alemães e os homens e membros do Partido Nazista responsáveis por, ou por terem consentido em, atrocidades e crimes serão enviados de volta aos países onde seus abomináveis feitos foram realizados a fim de que sejam julgados e punidos de acordo com as leis desses países libertados e de seus governos livres que serão criados neles;

CONSIDERANDO QUE a Declaração foi emitida sem prejuízo ao caso dos criminosos principais cujas ofensas não possuem localização geográfica em particular e que serão punidos pela decisão conjunta dos governos dos Aliados;

DECIDEM o governo dos Estados Unidos da América, o governo provisório da República Francesa, o governo do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte e o governo da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (adiante denominados “os Signatários”), agindo nos interesses de todas as Nações Unidas, e por seus representantes autorizados, concluir este Acordo.

Artigo 1º. Deverá ser estabelecido, após consulta ao Conselho de Controle para a Alemanha, um Tribunal Militar Internacional para o julgamento de criminosos de guerra cujas ofensas não possuem localidade geográfica em particular, sejam eles acusados individualmente ou por sua capacidade como membros de organizações ou grupos ou em ambos.

Artigo 2º. A constituição, jurisdição e funções do Tribunal Militar Internacional serão aquelas estabelecidas no Estatuto anexado a este Acordo, e que deste Acordo fará parte constante.

Artigo 3º. Cada um dos Signatários deverá tomar as medidas necessárias para tornarem disponíveis às investigações das acusações, e para julgamento, os criminosos de guerra principais sob sua custódia, os quais deverão ser julgados pelo Tribunal Militar Internacional. Os Signatários deverão, ainda, usar de seus melhores esforços para tornarem disponíveis às investigações das acusações a que respondem, e ao julgamento perante o Tribunal Militar Internacional, os criminosos de guerra principais que não se encontram nos territórios de qualquer um dos Signatários.

Art. 4º. Nada neste Acordo prejudicará as provisões estabelecidas pela Declaração de Moscou em relação ao retorno de criminosos de guerra aos países onde estes cometerão seus crimes.

Art. 5º. Qualquer governo das Nações Unidas poderá aderir a este Acordo por meio de notificação, através do canal diplomático, ao governo do Reino Unido, o qual deverá informar os demais Signatários e os governo aderentes de cada pedido de adesão.

Art. 6º. Nada neste Acordo prejudicará a jurisdição ou os poderes de qualquer corte nacional ou de ocupação estabelecida ou a ser estabelecida em qualquer território aliado ou na Alemanha para o julgamento dos criminosos de guerra.

Art. 7º. Este Acordo passará a vigorar no dia de sua assinatura, e permanecerá em vigor pelo período de um ano, a ser prorrogado indefinidamente, sujeitando-se ao direito de qualquer Signatário de notificar, através do canal diplomático e com um mês de antecedência, sua intenção de extingui-lo. Tal extinção não poderá prejudicar nenhum procedimento já realizado ou nenhuma descoberta já realizada em obediência a este Acordo.

COMO TESTEMUNHAS os abaixo assinados assinaram o presente Acordo.

REDIGIDO em quatro vias em Londres, em 08 de agosto de 1945, sendo as vias em inglês, francês e russo, e cada uma com o mesmo teor de autenticidade.

Pelo governo dos Estados Unidos da América,

Robert H. Jackson

Pelo governo provisório da República Francesa

Robert Falco

Pelo governo do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte

Jowitt C.

Pelo governo da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

I. Nikitchenko

A. Trainin


8 .ANEXO B - Estatuto do Tribunal Militar Internacional para a Alemanha

I. CONSTITUIÇÃO DO TRIBUNAL MILITAR INTERNACIONAL

Art. 1º. Em obediência ao Acordo assinado em 08 de agosto de 1945, pelo governo dos Estados Unidos da América, pelo governo provisório da República Francesa, pelo governo do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, e pelo governo da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, será estabelecido um Tribunal Militar Internacional (doravante denominado “o Tribunal”) para o imediato e justo julgamento e punição dos criminosos de guerra principais do Eixo europeu.

Art. 2º. O Tribunal consistirá de quatro juízes, com um substituto cada. Um juiz e um substituto deverão ser indicados por cada um dos Signatários. Os substitutos deverão, quando possível, estar presentes em todas as sessões do Tribunal. Em caso de enfermidade de qualquer juiz do Tribunal ou sua incapacidade, por qualquer outra razão, de cumprir com suas funções, seu substituto tomará seu lugar.

Art. 3º. O Tribunal, seus juízes e seus substitutos não serão objeto de discussão pela acusação, pelos réus ou por seus advogados. Cada Signatário poderá substituir seus juízes do Tribunal, ou seus substitutos, por razões de saúde ou por outras boas razões, com a exceção de que nenhuma substituição poderá acontecer durante uma sessão, exceto por um substituto.

Art. 4º a) A presença de todos os juízes do Tribunal, ou do substituto do juiz ausente, será necessária para a constituição do quórum.

b) Os juízes do Tribunal deverão, previamente ao início de qualquer julgamento, acordarem-se entre si quanto à escolha, dentre eles, do Presidente, e o Presidente exercerá esse posto durante o julgamento, ou poder-se-á acordar a escolha por meio de voto de não menos do que três dos juízes. O princípio da rotatividade da presidência para julgamentos sucessivos é permitida. Se uma sessão do Tribunal, entretanto, ocorrer em território de um dos quatro Signatários, o representante desse Signatário perante o Tribunal deverá presidi-lo.

c) Exceto o anteriormente disposto, o Tribunal tomará decisões por meio de voto majoritário, e, no caso de empate de votos, o voto do Presidente será o decisivo, considerando-se que condenações e sentenças serão impostas somente por votos afirmativos de ao menos três juízes do Tribunal.

Art. 5º. Em caso de necessidade, e dependendo da quantidade de matérias a serem julgadas, outros Tribunais poderão ser estabelecidos; e o estabelecimento, funções e procedimentos de cada Tribunal serão idênticos, obedecendo ao quanto disposto neste Estatuto.

II. JURISDIÇÃO E PRINCÍPIOS GERAIS

Art. 6º. O Tribunal estabelecido pelo Acordo ao qual se refere o Art. 1º desta, para o julgamento e punição dos criminosos de guerra principais do Eixo europeu, tem a competência para julgar e punir pessoas que, agindo nos interesses dos países do Eixo europeu, seja como indivíduos ou como membros de organizações, cometeram qualquer um dos seguintes crimes.

Os seguintes atos, ou qualquer um deles, são crimes sob a jurisdição do Tribunal aos quais será atribuída responsabilidade individual:

a) CRIMES CONTRA A PAZ: especificamente, planejar, preparar, iniciar ou mover uma guerra de agressão, ou uma guerra em violação a tratados, acordos ou compromissos internacionais, ou participar de um plano ou conspiração comum para a consumação de qualquer um dos atos anteriores;

b) CRIMES DE GUERRA: especificamente, violação de leis ou costumes de guerra. Tais violações incluirão, mas não se limitarão a, assassinato, maus-tratos ou deportação para trabalho escravo, ou para qualquer outro propósito, de população civil de ou em território ocupado, assassinato ou maus-tratos de prisioneiros de guerra ou pessoas ao mar, assassinato de reféns, pilhagem de propriedade pública ou privada, destruição frívola de cidades, vilas ou aldeias, ou devastação não justificada por necessidade militar;

c) CRIMES CONTRA A HUMANIDADE: especificamente, assassinato, extermínio, escravidão, deportação e outros atos desumanos cometidos contra qualquer população civil, antes ou durante a guerra; ou perseguições, por motivos políticos, raciais ou religiosos, a fim de executar, ou em conexão com, qualquer crime de competência deste Tribunal, em violação, ou não, das leis domésticas dos países onde perpetrados.

Líderes, organizadores, instigadores e cúmplices participantes na formulação ou execução de um plano ou conspiração comum para cometer qualquer um dos crimes supramencionados são responsáveis por todos os atos levados a cabo por qualquer pessoa que tenha executado tal plano.

Art. 7º. A posição oficial dos réus, seja como Chefes de Estado ou oficiais responsáveis nos departamentos governamentais, não será considerada como isenção de responsabilidade ou atenuante.

Art. 8º. O fato de o réu ter agido em cumprimento a ordem de seu governo ou de seu superior não o eximirá da responsabilidade, mas poderá ser considerado atenuante se o Tribunal entender que tal será justo.

Art. 9º. Durante o julgamento de qualquer indivíduo membro de um grupo ou organização, o Tribunal poderá declarar (em conexão com qualquer ato pelo qual o indivíduo poderá ser condenado) que o grupo ou organização ao qual o indivíduo pertencera era uma organização criminosa.

Após o recebimento da denúncia, o Tribunal deverá dar ciência, se o caso, de que a promotoria intenciona pedir ao Tribunal a declaração supramencionada, e a qualquer membro da organização será permitido peticionar ao Tribunal requerendo permissão para ser ouvido por este quanto à questão do caráter criminal da organização. O Tribunal terá o poder de aceitar ou rejeitar a petição. Se a petição for aceita, o Tribunal poderá decidir sobre o modo como os peticionários serão representados e ouvidos.

Art. 10. Nos casos em que um grupo ou organização for declarada criminosa pelo Tribunal, a autoridade nacional competente de cada Signatário terá o direito de levar indivíduos a julgamento, perante corte nacional, militar ou de ocupação, em razão de sua associação. Em qualquer desses casos, a natureza criminal do grupo ou associação será considerada provada e não será discutida.

Art. 11. Qualquer pessoa condenada pelo Tribunal poderá ser acusada perante uma corte nacional, militar ou de ocupação, referidas no art. 10 deste Estatuto, por crime que não seja o de associação a um grupo ou organização criminosa, e referida corte poderá, após condená-la, impor-lhe punição independente, e de forma suplementar, à punição imposta pelo Tribunal por participação em atividades criminosos de tal grupo ou organização.

Art. 12. O Tribunal terá o direito de promover os casos contra as pessoas acusadas pelos crimes definidos no art. 6º deste Estatuto quando ausentes, seja por não terem sido encontrados, ou quando o Tribunal, por qualquer motivo, considerar necessário, nos interesses da justiça, conduzir os procedimentos em sua ausência.

Art. 13. O Tribunal deverá redigir regras para seus procedimentos. Essas regras não deverão ser inconsistentes com as provisões deste Estatuto.

III – COMITÊ PARA A INVESTIGAÇÃO E ACUSAÇÃO DOS CRIMINOSOS DE GUERRA PRINCIPAIS

Art. 14. Cada Signatário deverá apontar um Promotor-Chefe para a investigação das acusações e a acusação dos criminosos de guerra principais.

Os Promotores-Chefes agirão como um comitê para os seguintes propósitos:

a) combinar o plano dos trabalhos individuais de cada Promotor-Chefe e seus assessores;

b) decidirem as indicações finais dos criminosos de guerra principais a serem julgados pelo Tribunal;

c) aprovarem a denúncia e os documentos a serem submetidos junto a ela;

d) protocolarem a denúncia e os documentos que a acompanharem ao Tribunal;

e) redigirem e submeterem à aprovação do Tribunal regras de procedimento, contempladas no art. 13 deste Estatuto. O Tribunal terá o poder de aceitar, com ou sem emendas, ou rejeitar as regras submetidas.

O Comitê agirá em todas as matérias supramencionadas através do voto majoritário, e deverá escolher um Presidente, se conveniente e obedecendo ao princípio da rotatividade; contanto seja assegurada uma divisão igualitária de votos referentes à designação de um réu a ser julgado pelo Tribunal, ou os crimes pelos quais ele será acusado, essa proposta será adotada.

Art. 15. Os Promotores-Chefes deverão cumprir, de forma individual e agindo em colaboração com os demais, as seguintes funções:

a) investigar, coletar e produzir, antes ou durante o julgamento, as provas necessárias;

b) preparar a denúncia para aprovação pelo Comitê, de acordo com a alínea c do art. 14 supramencionado;

c) examinar preliminarmente todas as testemunhas necessárias e todos os réus;

d) atuar como promotor durante o julgamento;

e) indicar representantes a cumprirem funções que lhes sejam delegadas;

f) tomar medidas que sejam necessárias a eles para os propósitos da preparação e condução do julgamento.

Fica entendido que nenhuma testemunha ou réu detido pelo Signatário poderá ser removido da posse desse Signatário sem sua anuência.

IV – JULGAMENTO JUSTO PARA OS RÉUS

Art. 16. De forma a assegurar um julgamento justo aos réus, os seguintes procedimentos deverão ser adotados:

a) A denúncia deverá incluir parágrafos específicos detalhando as acusações contra os réus. Uma cópia da denúncia, e de todos os documentos a ela anexados, traduzidos para a língua de entendimento do réu, deverá ser entregue a este em um prazo razoável antes do julgamento;

b) Durante qualquer exame preliminar ou durante o julgamento de um réu, este terá o direito de dar quaisquer explicações relevantes às acusações feitas contra ele;

c) O exame preliminar e o julgamento de um réu deverá ser realizado na língua de entendimento deste, ou para ela traduzido;

d) O réu terá o direito de realizar sua própria defesa perante o Tribunal ou ser assistido por um advogado;

e) O réu terá o direito, de si ou de seu advogado, de apresentar provas durante o julgamento em apoio à sua defesa, e perquirir qualquer testemunha arrolada pela promotoria.

V – PODERES DO TRIBUNAL E REALIZAÇÃO DO JULGAMENTO

Art. 17. O Tribunal terá o poder de:

a) convocar testemunhas para o julgamento, requisitar seu comparecimento e testemunhas, e perquiri-los;

b) interrogar qualquer réu;

c) requerer a produção de documentos e outras evidências;

d) cuidar dos juramentos das testemunhas;

e) indicar oficiais para a realização de quaisquer tarefas designadas pelo Tribunal, inclusive o poder de requerer, para sua custódia. provas.

Art. 18. O Tribunal deverá:

a) limitar o julgamento à apreciação dos casos levantados pelas acusações;

b) tomar medidas estritas para evitar qualquer ação que possa ocasionar atraso considerável, e dispensar questões ou declarações irrelevantes de qualquer tipo;

c) lidar sumariamente com qualquer contumácia, impondo-lhes a punição apropriada, incluindo a exclusão de qualquer réu ou seu defensor de algumas ou de todas as sessões, mas sem prejuízo à determinação das acusações.

Art. 19. O Tribunal não estará limitado às regras técnicas de provas. Deverá adotar e aplicar procedimentos desembaraçados e não técnicos o mais abrangentes possíveis, e admitirá qualquer prova que considerar ser de valor probatório.

Art. 20. O Tribunal poderá solicitar ser informado da natureza de qualquer prova previamente a sua apresentação a fim de julgar quanto à sua relevância.

Art. 21. O Tribunal não requererá provas de fatos de conhecimento comum, mas tomará ciência destes. Também tomará ciência de documentos governamentais oficiais e relatórios das Nações Unidas, inclusive atos e documentos dos comitês organizados pelos diversos países aliados para investigação de crimes de guerra, e de arquivos e descobertas de Tribunais militares ou quaisquer outros das Nações Unidas.

 Art. 22. O assento permanente do Tribunal será em Berlim. As primeiras reuniões do Tribunal e dos Promotores realizar-se-ão em Berlim, em um local a ser designado pelo Conselho de Controle para a Alemanha. O primeiro julgamento realizar-se-á em Nuremberg, e quaisquer julgamentos subsequentes realizar-se-ão nos locais que o Tribunal decidir.

Art. 23. Um ou mais de um dos Promotores principais poderá tomar parte da acusação em cada julgamento.  Da função de qualquer Promotor poderá por ele ser afastada, ou por qualquer pessoa ou pessoas por ele autorizadas.

Da função de Defensor para o Réu poderá o primeiro ser afastado por requerimento do segundo, por meio de qualquer Defensor qualificado profissionalmente a conduzir casos perante a Justiça de seu próprio país, ou por qualquer outra pessoa a ser autorizada especialmente para tanto pelo Tribunal.

Art. 24. Os procedimentos do julgamento deverão seguir o seguinte roteiro:

a) A denúncia deverá ser lida em corte;

b) O Tribunal perguntará a cada Réu se o mesmo se declara “culpado” ou “inocente”;

c) A Promotoria fará alegações iniciais;

d) O Tribunal indagará à Promotoria e à defesa quais provas (se houverem) desejam submeter ao Tribunal, e este decidirá quanto à admissibilidade de tais provas;

e) As testemunhas da Promotoria serão inquiridas, e após as testemunhas da defesa. Após, provas refutórias, cuja admissibilidade deverá ser decidida pelo Tribunal, poderão ser apresentadas tanto pela Promotoria quanto pela defesa;

f) O Tribunal poderá inquirir qualquer testemunha e qualquer Réu, a qualquer tempo;

g) A Promotoria e a defesa deverão interrogar e poderão inquirir quaisquer testemunhas e quaisquer Réus que estejam testemunhando;

h) A defesa apresentará alegações finais à corte;

i) A Promotoria apresentará alegações finais à corte;

j) Cada Réu poderá apresentar alegações finais à corte;

k) O Tribunal procederá ao julgamento e pronunciará a sentença.

Art. 25. Todos os documentos oficiais serão produzidos, e todos os procedimentos da corte serão feitos, em inglês, francês e russo, e na língua do Réu. Os registros poderão ser traduzidos para a língua de qualquer país em que o Tribunal se localize, ou caso o Tribunal considere desejável para os interesses da justiça e da opinião pública.

VI – JULGAMENTO E SENTENÇA

Art. 26. O julgamento do Tribunal quanto à culpabilidade ou inocência de qualquer Réu deverá expressar as razões em que se basear, será final e não estará sujeita a revisão.

Art. 27. O Tribunal terá o direito de impor sobre o Réu, na condenação, morte ou outra punição que determinar justa.

Art. 28. Em complementação a qualquer punição aplicada, o Tribunal terá o direito de despojar o condenado de qualquer bem oriundo de saque e ordenar sua entrega ao Conselho de Controle para a Alemanha.

Art. 29. Nos casos de condenação, as sentenças deverão ser executadas em observância às ordens do Conselho de Controle para a Alemanha, o qual poderá, a qualquer momento, reduzir ou alterar as sentenças, vedado o aumento da severidade das mesmas. Se o Conselho de Controle para a Alemanha, após a condenação e prolação de sentença de qualquer Réu, descobrir novas evidências que, em sua opinião, possibilitarem novas acusações contra ele, o Conselho deverá relatar ao Comitê estabelecido em obediência ao art. 14 deste Estatuto, para que este tome as medidas que julgar necessárias, em atenção aos interesses da justiça.

VII – DESPESAS

Art. 30. As despesas do Tribunal e dos julgamentos deverão ser alocadas aos fundos reservados à manutenção do Conselho de Controle para a Alemanha.


REFERÊNCIAS

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Notas

[1]Alegações Finais do Promotor-chefe norte americano Robert H. Jackson na sessão do dia 26 de julho de 1946 do Julgamento dos Principais Criminosos de Guerra Nazistas do Tribunal Militar Internacional para a Alemanha em Nuremberg – TRIBUNAL MILITAR INTERNACIONAL PARA A ALEMANHA. The International Military Tribunal for Germany – A Document Collection. Disponível em <http://avalon.law.yale.edu/imt/07-26-46.asp> - Acessado em 09/09/2012 (tradução nossa)

[2]Discurso inicial do Promotor-chefe norte americano Robert H. Jackson na sessão do dia 21 de setembro de 1945 do Julgamento dos Principais Criminosos de Guerra Nazistas do Tribunal Militar Internacional para a Alemanha em Nuremberg – TRIBUNAL MILITAR INTERNACIONAL PARA A ALEMANHA. op. cit. Disponível em <http://avalon.law.yale.edu/imt/11-21-45.asp> - Acessado em 09/09/2012 – Tradução nossa

[3]JACKSON, ROBERT H. apud SMITH, BRADLEY F. O Tribunal de Nuremberg, trad. Henrique de Araújo Mesquita. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora, 1979. pg. 49.

[4]HITLER, ADOLF, Minha Luta, 6ª ed. Porto Alegre: Ed. Livraria do Globo, 1941, pg. 11.

[5]Idem, ibidem, pg. 546.

[6]O número de mortos na Segunda Guerra Mundial é fonte de eternos debates. Optamos aqui por colocar os números mais comumente citados nas mais diversas obras a respeito.

[7]KERSHAW, IAN, Hitler, trad. Pedro Maia Soares. 1ª ed. São Paulo: Ed. Companhia das Letras, 2008, pg. 1004.

[8]Idem, ibidem, pg. 1004.

[9]SMITH, BRADLEY F., op. cit., pg. 22.

[10]TRIBUNAL MILITAR INTERNACIONAL PARA A ALEMANHA. op. cit. Disponível em: <http://avalon.law.yale.edu/wwii/moscow.asp> Acessado em 27/07/2012 (tradução nossa)

[11]Os maiores campos de concentração ainda em atividade foram liberados pelos aliados na seguinte ordem: Majdanek, em 23 de julho de 1944; Auschwitz, em 27 de janeiro de 1945; Dachau, em 29 de abril de 1945; e Mauthausen, em 5 de maio do mesmo ano. Centenas de outros campos menores foram liberados durante esse período.

[12]SMITH, BRADLEY F., op. cit., pg. 25.

[13]STIMSON, HENRY L., apud Idem, ibidem, pg. 27.

[14]SMITH, BRADLEY F., op. cit., pg. 31.

[15]Idem, ibidem, pg. 30.

[16]GONÇALVES, JOANISVAL BRITO, Tribunal de Nuremberg – A Gênese de uma Nova Ordem no Direito Internacional, 2ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2004, pg. 71-72.

[17]Idem, Ibidem, pg. 72-73.

[18]O Conselho de Controle para a Alemanha era o “governo” da Alemanha ocupada, ou seja, o órgão militar, formado pelos EUA, URSS e Grã-Bretanha, responsável pela administração militar e política do território alemão.

[19]TRIBUNAL MILITAR INTERNACIONAL PARA A ALEMANHA. op. cit. Disponível em: <http://avalon.law.yale.edu/imt/imtchart.asp> Acessado em 25/07/2012 (tradução nossa)

[20]Idem, Ibidem, Disponível em: <http://avalon.law.yale.edu/imt/jack22.asp> Acessado em 05/08/2012.

[21]Foram, na totalidade, 12 julgamentos ocorridos perante o Tribunal Militar Internacional da Alemanha: O Julgamento dos Doutores, entre 1946-1947 (que julgou os nazistas envolvidos em experiências médicas com humanos), o Julgamento de Milch (que julgou o Marechal-de-Campo da Luftwaffe Erhard Milch), o Julgamento dos Juízes (que julgou juristas do sistema legal nazista, acusados de elaborarem e implementarem as leis raciais do regime), o Julgamento de Pohl (que julgou oficiais da SS envolvidos nos aspectos econômicos das atrocidades cometidas pela organização), o Julgamento de Flick (que julgou os responsáveis pela escravização de milhões de pessoas nos países ocupados), todos em 1947, o Julgamento da IG Farben (que julgou os diretores da empresa IG Farben, responsável pelo emprego de milhares de trabalhadores escravos), o Julgamento dos Reféns (que julgou os oficiais responsáveis por crimes durante a ocupação dos Balcãs), o Julgamento da RuSHA (que julgou os membros do departamento nazista responsável pelas práticas de eugenia do regime), o Julgamento dos Einsatzgruppen (que julgou os oficiais que compunham os esquadrões da SS que fuzilaram milhões de pessoas durante a guerra), o Julgamento da Krupp (que julgou os diretores da empresa Krupp, acusados dos mesmos crimes julgados no Julgamento da IG Farben), todos entre 1947-1948, o Julgamento dos Ministros (que julgou diversos ministros do gabinete nazista) e o Julgamento do Alto Comando (que julgou os membros do Alto Comando das Forças Armadas alemãs), entre 1948-1949.

[22]TRIBUNAL MILITAR INTERNACIONAL PARA A ALEMANHA. op. cit. Disponível em: <http://avalon.law.yale.edu/imt/11-20-45.asp> Acessado em 25/07/2012 (tradução nossa)

[23]LAZARD, DIDIER, O Processo de Nuremberga, trad. Gaetan Martins de Oliveira. Lisboa: Ed. Livraria Morais,  1965, pg. 24.

[24]Smith indica que os americanos temiam que, ao nomear seu juiz como Presidente, fossem vistos como os líderes de todo o processo; os britânicos e americanos não queriam ver um soviético presidindo o Tribunal; e, por fim, todos consideravam o juiz francês “fraco”. SMITH, BRADLEY F. op. cit., pg. 04.

[25]LAZARD, DIDIER, op. cit., pg. 25.

[26]Idem, ibidem, pg. 25-26.

[27]LAZARD, DIDIER, op. cit., pg. 26.

[28]Idem, ibidem,  pg. 26.

[29]SMITH, BRADLEY F., op. cit., pg. 70-71.

[30]SMITH, BRADLEY F., op. cit., pg. 66-67.

[31]Idem, ibidem, pg. 68.

[32]A tradução literal seria “conspiração” ( de “conspiracy”), mas há traduções como “conluio” (Bradley F. Smith) e “conjura” (Didier Lazard). Utilizar-se-á o termo “conspiração”, por maior facilidade de compreensão.

[33]TRIBUNAL MILITAR INTERNACIONAL PARA A ALEMANHA. op. cit. Disponível em: <http://avalon.law.yale.edu/imt/imtconst.asp> Acessado em 25/07/2012 (tradução nossa)

[34]GONÇALVES, JOANISVAL BRITO, op. cit, pg. 102-103.

[35]Diálogo privado entre Hermann Goering e Leon Goldensohn durante pausa no julgamento de Nuremberg, 1946. NUREMBERG (filme). Yves Simoneau. 2000. 180 min. son. color.

[36]GOERING, HERMANN apud GONÇALVES, JOANISVAL BRITO, op. cit., pg 142..

[37]ARAUJO, LUIZ ALBERTO DAVID; JÚNIOR, VIDAL SERRANO NUNES, Curso de Direito Constitucional, 12ª ed.rev. e atual., São Paulo: Editora Saraiva, 2008, pág.182.

[38]Idem, ibidem, pg. 182-183.

[39]MORAES, ALEXANDRE DE, Direito Constitucional, 23ª ed., São Paulo: Ed. Atlas, 2008, pg. 87.

[40]Idem, Ibidem, pg. 87.

[41]Oficial da SS (Obersturmbannfuhrer) responsável pela logística das deportações em massa de judeus para os campos de concentração nazistas. Eichmann foi capturado pelo Mossad (serviço secreto israelense) em Buenos Aires em 1960, onde vivia escondido desde o final da guerra, e julgado em Israel, onde foi condenado à forca e executado em 1962.

[42]ARENDT, HANNAH, Eichmann em Jerusalém – Um Relato sobre a Banalidade do Mal, trad. José Rubens Siqueira. 11ª ed., São Paulo: Ed. Companhia das Letras, 2011, pg. 278.

[43]Idem, ibidem, pg. 278.

[44]SCHWARZENBERGER, GEORG, The Judgment of Nuremberg, Tulane Law Review, Vol XXI, 1947, pag. 328 (tradução nossa)

[45]GONÇALVES, JOANISVAL BRITO, op. cit., pg. 150.

[46]VABRES, M. DONNEDIEU DE, apud Idem, ibidem, pg. 151.

[47]TRIBUNAL MILITAR INTERNACIONAL PARA A ALEMANHA. op. cit. Disponível em: <http://avalon.law.yale.edu/imt/count.asp> Acessado em 12/08/2012 (tradução nossa)

[48]KERSHAW, IAN, op. cit., pg. 883-884.

[49]TRIBUNAL MILITAR INTERNACIONAL PARA A ALEMANHA. op. cit. Disponível em: <http://avalon.law.yale.edu/imt/judlawch.asp> Acessado em 05/08/2012 (tradução nossa)

[50]BENVENISTI, EYAL, The Security Council and the Law of Occupation, IDF Law Review, 2003, pg. 8.

[51]BIDDLE, FRANCIS, The Nuremberg Trial, In METTRAUX, GUENAEL, Perspectives on the Nuremberg Trial, Ed. Oxford University Press, 2008, pg. 201. (tradução nossa)

[52]WRIGHT, QUINCY, The Law of the Nuremberg Trial, In GROSS, LEO, International Law in the Twentieth Century, The American Journal of International Law, Ed. Meredith Corporation, 1969, pg. 634. (tradução nossa)

[53]WRIGHT, QUINCY, op. cit., In GROSS, LEO, op. cit., pg. 636. (tradução nossa)

[54]KELSEN, HANS, The Rule Against Ex Post Facto Laws and the Prosecution of the Axis War Criminals, The Judge Advocate Journal, Vol. II, n.º 3, 1945, pg. 11 (tradução nossa)

[55]ARENDT, HANNAH, op. cit., pg. 297.

[56]KARSTEDT, SUSANE, In BLUMENTHAU, DAVID A. ,The Legacy of Nuremberg, Ed. Martinus Nijhoff Publishers, 2008, pg. 20-21 (tradução nossa)

[57]KELSEN, HANS, op. cit., pg. 11.

[58]BENVENISTI, EYAL, The International Law of Occupation, Princeton University Press, 2004, pg. 93-94 (tradução nossa)

[59]TRIBUNAL MILITAR INTERNACIONAL PARA A ALEMANHA. op. cit. Disponível em: <http://avalon.law.yale.edu/imt/11-21-45.asp> - Acessado em 12/08/2012 (tradução nossa)

[60]KING, HENRY T., Universal Jurisdiction: Myths, Realities, Prospects, War Crimes and Crimes Against Humanity: The Nuremberg Precedent, New England Law Review, 2000, pg. 282-283.  (tradução nossa)

[61]Idem, ibidem, pg. 284. (tradução nossa)

[62]Idem, ibidem, pg. 284. (tradução nossa)

[63]ARENDT, HANNAH, op. cit., pg. 291.

[64]TRIBUNAL MILITAR INTERNACIONAL PARA A ALEMANHA. op. cit. Disponível em: <http://avalon.law.yale.edu/imt/imtconst.asp> Acessado em 12/08/2012 (tradução nossa)

[65]GONÇALVES, JOANISVAL BRITO, op. cit., pg. 153.

[66]Idem, ibidem, pg. 77-79.

[67]TRIBUNAL MILITAR INTERNACIONAL PARA A ALEMANHA. op. cit. Disponível em: <http://avalon.law.yale.edu/imt/v1-30.asp> Acessado em: 12/08/2012 (tradução nossa)

[68]LAZARD, DIDIER, op. cit., pg. 26-27.

[69]SMITH, BRADLEY F., op. cit., pg. 6.

[70]SMITH, BRADLEY F., op. cit., pg. 7.

[71]Idem, ibidem, pg. 7.

[72]Idem, ibidem, pg. 7-8.

[73]SMITH, BRADLEY F., op. cit., pg. 8.

[74]TRIBUNAL MILITAR INTERNACIONAL PARA A ALEMANHA. op. cit. Disponível em: <http://avalon.law.yale.edu/imt/jack17.asp> Acessado em: 27/06/1945 (tradução nossa)

[75]SMITH, BRADLEY F., op. cit., pg. 9.

[76]SCHWARZENBERGER, GEORG, op. cit., pag. 328. (tradução nossa)

[77]ROBINSON, JOSEPH S., Punishment of War Criminals, The Judge Advocate Journal, Vol. II, Ed. 3, 1945, pg. 19. (tradução nossa)

[78]SMITH, BRADLEY F., op. cit., pg. 97.

[79]BIDDLE, FRANCIS, op. cit., In METTRAUX, GUENAEL, op. cit., pg. 201. (tradução nossa)

[80]GONÇALVES, JOANISVAL BRITO, op. cit., pg. 148.

[81]GONÇALVES, JOANISVAL BRITO, op. cit., pg. 148.

[82]ROBINSON, JOSEPH S., op. cit., pg. 20.

[83]SMITH, BRADLEY F., op. cit., pg. 98.

[84]TRIBUNAL MILITAR INTERNACIONAL PARA A ALEMANHA. op. cit. Disponível em: <http://avalon.law.yale.edu/imt/imtconst.asp> - Acessado em 12/08/2012 (tradução nossa)

[85]TRIBUNAL MILITAR INTERNACIONAL PARA A ALEMANHA. op. cit. Disponível em: <http://avalon.law.yale.edu/imt/imtconst.asp> - Acessado em 12/08/2012 (tradução nossa)

[86]MIRABETE, JULIO FABBRINI; FABBRINI, RENATO N., Manual de Direito Penal – Parte Geral, 24ª ed., São Paulo: Ed. Atlas S.A., 2007, pg. 206-207.

[87]AMBOS, KAI, Os princípios gerais do direito penal do Estatuto de Roma, In AMBOS, KAI; CHOUKR, HASSAN, Tribunal Penal Internacional, 1ª ed., São Paulo: Ed. RT, 2000, pg. 105.

[88]AMBOS, KAI, op. cit., In AMBOS, KAI; CHOUKR, HASSAN, op. cit., pg. 159.

[89]Idem, ibidem, pg. 163.

[90]KERSHAW, IAN, op. cit., pg. 743-744.

[91]GONÇALVES, JOANISVAL BRITO, op. cit., pg. 180.

[92]VABRES, DONNEDIEU DE, apud GONÇALVES, JOANISVAL BRITO, op. cit., pg. 181.

[93]MARTINEZ, JOSE AUGUSTIN, apud Idem, ibidem, pg. 181-182.

[94]AMBOS, KAI, op. cit., pg. 104-105

[95]ARENDT, HANNAH, op. cit., pg. 153.

[96]Idem, ibidem, pg. 153-154.

[97]SMITH, BRADLEY F., op. cit., pg. 323.

[98]Trecho do interrogatório de Joachim von Ribbentrop pelo promotor britânico David Maxwell-Fyfe, sobre a invasão da Tchecoslováquia pela Alemanha, durante a sessão do Tribunal de Nuremberg do dia 01/04/1946. TRIBUNAL MILITAR INTERNACIONAL PARA A ALEMANHA. op. cit. Disponível em: <http://avalon.law.yale.edu/imt/04-01-46.asp#ribbentrop4> - Acessado em: 14/08/2012 (tradução nossa)

[99]Brocardo esse elaborado pelo teórico do Direito alemão Paul Anselm von Feuerbach, no início do século XIX, quando da redação do Código Penal da Bavária.

[100]MIRABETE, JULIO FABBRINI; FABBRINI, RENATO N., op. cit., pg. 37-38.

[101]HUNGRIA, NELSON; FRAGOSO, CLÁUDIO HELENO, Comentários ao Código Penal – Vol I, 6ª ed., Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1980, pg. 12.

[102]SCHABAS, WILLIAM A., Princípios Gerais do Direito Penal, In AMBOS, KAI; CHOUKR, HASSAN, op. cit., pg. 159-163.

[103]MIRABETE, JULIO FABBRINI; FABBRINI, RENATO N., op. cit., pg. 38.

[104]Idem, ibidem, pg. 38-39.

[105]PEREIRA, IGOR, A Desconstrução da Legalidade no Tribunal de Nuremberg: Uma Abertura para o Kairós do Perdão, Revista da Faculdade de Direito da UERJ, v.15, 2011, pg. 6.

[106]KELSEN, HANS, op. cit., pg. 8 (tradução nossa)

[107]KELSEN, HANS, op. cit., pg. 9 (tradução nossa)

[108]TRIBUNAL MILITAR INTERNACIONAL PARA A ALEMANHA. op. cit. Disponível em: <http://avalon.law.yale.edu/imt/imtconst.asp> - Acessado em 13/08/2012 (tradução nossa)

[109]O Tribunal aparentemente desconsiderou o fato de que a França e o Reino Unido, em 2 de setembro de 1939, declararam guerra à Alemanha após a invasão da Polônia por esta última.

[110]TRIBUNAL MILITAR INTERNACIONAL PARA A ALEMANHA. op. cit. Disponível em: <http://avalon.law.yale.edu/imt/count.asp> - Acessado em 13/08/2012 (tradução nossa)

[111]HUCK, HERMES MARCELO, Da Guerra Justa à Guerra Econômica – Uma Revisão sobre o Uso da Força em Direito Internacional, 1ª ed.,  São Paulo: Ed. Saraiva, 1996, pg. 132.

[112] O que é irônico, uma vez que, em 1940, a União Soviética ocupou e anexou os países bálticos numa clara violação aos tratados com eles firmados.

[113] O teórico militar prussiano Carl von Clausewitz cunhou a frase mais emblemática dessa doutrina, em seu livro “Da Guerra” (1832): “A guerra é a continuação da política por outros meios”.

[114]HUCK, HERMES MARCELO, op. cit., pg. 131.

[115]SMITH, BRADLEY F., op. cit., pg. 17.                                                                                                                                                                                                      

[116]TRIBUNAL MILITAR INTERNACIONAL PARA A ALEMANHA. op. cit. Disponível em:<http://avalon.law.yale.edu/20th_century/leagcov.asp> - Acessado em: 14/08/2012 (tradução nossa)

[117]Idem, ibidem, Disponível em: <http://avalon.law.yale.edu/20th_century/kbpact.asp> - Acessado em: 14/08/2012 (tradução nossa)

[118]GONÇALVES, JOANISVAL BRITO, op. cit., pg. 127.

[119]Idem, ibidem, pg. 127.

[120]Frise-se que vários dos países signatários desses tratados promoveram guerras que enquadravam-se nos conceitos de guerra ilegal: o Japão invadira a Manchúria em 1933; a Bolívia e o Paraguai, na guerra do Chaco em 1934; a Itália invadira a Etiópia em 1935; e diversos países europeus, bem como a URSS, enviaram forças, ainda que clandestinamente, para auxiliar os lados da Guerra Civil Espanhola, entre 1936 a 1939.

[121]GONÇALVES, JOANISVAL BRITO, op. cit., pg. 128-129.

[122]KELSEN, HANS, Will The Judgement in the Nuremberg Trial Constitute a Precedent in International Law?, The International Law Quarterly, Vol. I, N.º 2, 1947, pg.155 (tradução nossa)

[123]Idem, ibidem, pg.155-156 (tradução nossa)

[124] TRIBUNAL MILITAR INTERNACIONAL PARA A ALEMANHA. op. cit. Disponível em: <http://avalon.law.yale.edu/imt/judlawch.asp> - Acessado em 14/08/2012 (tradução nossa)

[125] Idem, ibidem, Disponível em: <http://avalon.law.yale.edu/imt/judlawch.asp> - Acessado em 14/08/2012 (Tradução nossa)

[126] Ocorrida em 1928.

[127] TRIBUNAL MILITAR INTERNACIONAL PARA A ALEMANHA. op. cit. Disponível em: <http://avalon.law.yale.edu/imt/judlawch.asp> - Acessado em 14/08/2012 (tradução nossa)

[128]Idem, ibidem, Disponível em: <http://avalon.law.yale.edu/imt/judlawch.asp> - Acessado em 14/08/2012 (tradução nossa)

[129] KELSEN, HANS, op. cit., pg.160 (tradução nossa)

[130] Idem, ibidem, pg.161 (tradução nossa)

[131] Idem, ibidem, pg.161 (tradução nossa)

[132] Idem, ibidem, pg.162 (tradução nossa)

[133]KELSEN, HANS, op. cit., pg. 9 (tradução nossa)

[134]Idem, ibidem, pg. 9 (tradução nossa)

[135]Idem, ibidem, pg. 9 (tradução nossa)

[136]Idem, ibidem, pg. 10-11 (tradução nossa)

[137]SMITH, BRADLEY F., op. cit., pg. 16.

[138] TRIBUNAL MILITAR INTERNACIONAL PARA A ALEMANHA. op. cit. Disponível em: <http://avalon.law.yale.edu/imt/judlawch.asp> - Acessado em 14/08/2012 (tradução nossa)

[139]AMBOS, KAI, A Parte Geral do Direito Penal Internacional, 1ª ed., São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2008, pg. 103.

[140]AMBOS, KAI, A Parte Geral do Direito Penal Internacional, 1ª ed., São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2008, pg. 103.

[141]AMBOS, KAI, op. cit., pg. 103.

[142]KELSEN, HANS, op. cit., pg. 46 (tradução nossa)

[143]Palavras de Josef Goebbels, antes de cometer suicídio. KERSHAW, IAN, op. cit. pg. 986.

[144]Trecho do interrogatório de Hermann W. Goering pelo Promotor britânico David Maxwell-Fyfe, sobre os campos de concentração nazistas, durante a sessão do dia 21/03/1946. TRIBUNAL MILITAR INTERNACIONAL PARA A ALEMANHA. op. cit. Disponível em: <http://avalon.law.yale.edu/imt/03-21-46.asp#Goering8> - Acessado em: 13/09/2012 (tradução nossa)

[145]Últimas palavras de Fritz Sauckel antes de ser enforcado, após ser condenado em Nuremberg. SMITH, KINGSBURY. The Execution of Nazi War Criminals. Nuremberg News, Nuremberg, 16/10/1946 (tradução nossa)

[146]Goering, todavia, cairia gradualmente em desgraça perante Hitler, após uma combinação de fracassos da Luftwaffe, a ponto de, nos últimos dias da guerra, o ditador alemão ordenar sua  prisão e subsequente fuzilamento.

[147]JACKSON, ROBERT H. apud TRIBUNAL MILITAR INTERNACIONAL PARA A ALEMANHA. op. cit. Disponível em: <http://avalon.law.yale.edu/imt/03-18-46.asp#Goering5>. Acessado em: 12/09/2012. (tradução nossa)

[148]SMITH, BRADLEY F., op. cit., pg. 191-195.

[149]“Eu, portanto, ordeno ao senhor tomar todas as preparações organizacionais, funcionais e materiais necessárias para a solução total do problema judeu [Endlosung der Judenfrage]  na esfera de influência alemã na Europa.” GOERING, HERMANN W. Authorization Letter from Goering to Heydrich. Disponível em: <http://www.ghwk.de/engl/authorization.htm>. Acessado em: 12/09/2012 (tradução nossa)

[150]TRIBUNAL MILITAR INTERNACIONAL PARA A ALEMANHA. op. cit. Disponível em: <http://avalon.law.yale.edu/imt/judgoeri.asp>. Acessado em: 12/09/2012 (tradução nossa)

[151]Smith aponta que os soviéticos suspeitaram até o último instante dos britânicos, acreditando que estes não condenariam Hess devido à sua fuga para o Reino Unido, o que, na visão dos soviéticos, teria sido parte de um plano secreto de Hitler de firmar a paz com a Grã-Bretanha antes da invasão da União Soviética. Os britânicos negaram terminantemente essas suspeitas. SMITH, BRADLEY F., op. cit., pg. 195-196. 

[152]SMITH, BRADLEY F., op. cit., pg. 198.

[153]Hess ficou preso até 1987, quando, com mais de 90 anos, enforcou-se em sua cela.

[154]KERSHAW, IAN, op. cit., pg. 370.

[155]SMITH, BRADLEY F., op. cit., pg. 201-203.

[156] LEY, ROBERT. Dr. Ley, Nazi Leader, Leaves Note Urging Germans to Rid Nation of Anti-semitism . Jewish Telegraphic Agency, Londres, 28/10/1945.

[157]SMITH, BRADLEY F., op. cit., pg. 203-204.

[158]SMITH, BRADLEY F., op. cit., pg. 206.

[159]Idem, ibidem, pg. 210.

[160]TRIBUNAL MILITAR INTERNACIONAL PARA A ALEMANHA. op. cit. Disponível em: <http://avalon.law.yale.edu/imt/judrosen.asp>. Acessado em: 12/09/2012 (tradução nossa)

[161]“Durante uma entrevista ao jornal oficial nazista, o Volkischer Beobachter, em 06/02/1940, Frank, afirmou: “Em Praga, por exemplo, foram pendurados cartazes vermelhos anunciando que sete tchecos haviam sido fuzilados naquele dia. Eu disse a mim mesmo: se eu desejasse ordenar que deveriam ser pendurados cartazes sobre cada sete poloneses fuzilados, não haveria florestas o suficiente na Polônia para extrair o papel para tantos cartazes. Certamente, devemos ser cruéis.” FRANK, HANS. Ibid, Ibidem, Disponível em: <http://avalon.law.yale.edu/imt/02-15-46.asp> Acessado em: 12/09/2012 (tradução nossa)

[162]SMITH, BRADLEY F. op. cit., pg. 217.

[163]SMITH, BRADLEY F., op. cit., pg. 217-220.

[164]Suas últimas palavras, no cadafalso na prisão de Nuremberg, dão mostra do comportamento de Streicher: “Assim que os guardas o interromperam nos pés da escada para as formalidades de identificação, ele gritou fortemente: 'Heil Hitler'. […] Assim que subiu a plataforma, gritou: 'Agora é tudo com Deus' […] Streicher foi bruscamente virado para confrontar os espectadores, e os encarou. De repente, gritou: 'Festa do Purim (festa tradicional judaica), 1946.' O oficial norteamericano postado no cadafalso disse ao soldado: 'Pergunte se o homem tem últimas palavras a dizer.' Quando o intérprete lhe traduziu, Streicher gritou: 'Os bolcheviques o enforcarão um dia.'” SMITH, KINGSBURY. The Execution of Nazi War Criminals. Nuremberg News, Nuremberg, 16/10/1946 (tradução nossa)

[165]Essa acusação foi veementemente negada por Funk, que alegou não ter conhecimento desses depósitos feitos pela SS. Quando confrontado pelo Promotor suplente norteamericano, Thomas Dodd, com fotos dos dentes depositados nos cofres do Reichsbank, afirmou que não tinha por obrigação perguntar do que se tratavam os depósitos que eram ali feitos, bem como não via nada de anormal naquilo, o que levou Dodd a perguntar-lhe ironicamente: “O senhor alguma vez soube de alguém que tenha depositado seus dentes de ouro num banco para proteção?” TRIBUNAL MILITAR INTERNACIONAL PARA A ALEMANHA. op. cit. Disponível em: <http://avalon.law.yale.edu/imt/05-07-46.asp> - Acessado em: 13/09/2012 (tradução nossa)

[166]SMITH, BRADLEY F., op. cit., pg. 222-223.

[167]Funk foi libertado em 1957, em razão de sua saúde debilitada.

[168]O que, segundo Smith, apavorava os norteamericanos, uma vez que muitas das informações passadas por Schacht durante a guerra haviam sido desconsideradas, e depois provadas verdadeiras, principalmente o aviso dado por Schacht de que a Alemanha invadiria a União Soviética, alguns meses antes da invasão ocorrer – informação essa que os norteamericanos julgaram falsa e decidiram não transmitir aos soviéticos. SMITH, BRADLEY F., op. cit., pg. 291-293.

[169]SMITH, BRADLEY F., op. cit., pg. 295-299.

[170]SMITH, BRADLEY F., op. cit., pg. 282.

[171]Raeder foi libertado em 1955, por questões de saúde.

[172] SMITH, BRADLEY F., op. cit., pg. 251-252.

[173]SMITH, BRADLEY F., op. cit., pg. 225.

[174] SMITH, BRADLEY F., op. cit., pg. 248.

[175] Idem, ibidem, pg. 249.

[176]Anos depois, pesquisas descobriram que Bormann suicidou-se em Berlim, no dia seguinte ao suicídio de Hitler. Seus restos foram encontrados durante uma escavação na cidade.

[177] SMITH, BRADLEY F., op. cit., pg. 232.

[178] Muitos autores, dos quais o mais incisivo é Smith, apontam que Speer foi condenado a 20 anos de prisão enquanto Sauckel foi condenado à morte pelos mesmos crimes. SMITH, BRADLEY F., op. cit., pg. 238-241.

[179] SMITH, BRADLEY F., op. cit., pg. 243.

[180] Von Neurath foi libertado em 1954, por questões de saúde.

[181]GOERING, HERMANN W., apud SMITH, BRADLEY F., op. cit., pág. 317.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZOCOLER, Marcos Rafael. O Tribunal Militar Internacional para a Alemanha – Tribunal de Nuremberg: seu caráter de exceção e o princípio da legalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3766, 23 out. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25599. Acesso em: 2 maio 2024.