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A pessoa como sujeito de direitos na sociedade da informação

garantia fundamental de acesso ao trabalho das pessoas com deficiência

A pessoa como sujeito de direitos na sociedade da informação: garantia fundamental de acesso ao trabalho das pessoas com deficiência

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A inclusão social das pessoas com deficiência, por meio do trabalho, é uma tarefa complexa, a qual envolve educação, qualificação, eliminação de barreiras arquitetônicas, adequação do meio ambiente de trabalho, dentre outros elementos não contemplados, em princípio, no sistema de cotas por si só.

Resumo: A realidade atual revela uma mudança de paradigma social e laboral manifestada por meio do uso das novas tecnologias, propulsoras da Sociedade da Informação, razão pela qual se observa que a premissa de que é também por meio do trabalho que a pessoa alcança sua dignidade é uma verdade de primordial importância, na medida em que os indivíduos participando ativamente da vida em sociedade restam reconhecidos como sujeitos de direitos e deveres e devem ser considerados positivamente dentro de suas diferenças, eis que o verdadeiro alicerce de todos os direitos constitucionalmente conferidos encontra-se baseado no princípio da igualdade face ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Palavras-chave: Pessoa. Sujeito de Direitos. Direito ao Trabalho. Inclusão social.

Sumário: Introdução. 1. Surgimento da discussão da pessoa humana como sujeito de direitos. 2. O reconhecimento da dignidade da pessoa humana enquanto mola propulsora do direito à igualdade entre os sujeitos de direitos. 3. O direito fundamental ao trabalho da pessoa com deficiência e a dignidade da pessoa humana. 4. A terminologia adotada para as pessoas com deficiência. 5. O conceito de deficiência face à pessoa humana. 6. Evolução no ordenamento jurídico do tratamento conferido a pessoa com deficiência. 7. O sistema de cotas previsto no artigo 93 da Lei n°. 8.213/91. 8. A Sociedade da Informação e o direito ao trabalho da pessoa com deficiência: uma forma de conferir efetividade ao princípio da igualdade face ao princípio da dignidade da pessoa humana. Conclusão. Referências bibliográficas.


INTRODUÇÃO

A inclusão social das pessoas com deficiência por meio da inserção ao mercado de trabalho é tema de grande relevância, eis que é também por meio do trabalho que a pessoa obtém boa parte do necessário à sua subsistência e assegura o viver com dignidade.

Entendendo que o trabalho é fundamental para o exercício da cidadania e também para o alcance da dignidade humana, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu como um dos pilares de sustentação da ordem econômica nacional a valorização do trabalho, com a finalidade de propiciar existência digna e distribuir justiça social, por meio da redução das desigualdades sociais. Assim, o critério fundamental para um discernimento a respeito de uma estrutura social é a dignidade humana.

Com o intuito de facilitar e proporcionar melhores condições para as pessoas com deficiência na obtenção de uma vaga no mercado de trabalho a Lei nº. 8.213/91, no artigo 93, estabeleceu uma política de cotas a ser obedecida pelas empresas privadas, sendo esta determinada de acordo com o número de trabalhadores contratados.

Às peculiaridades observadas para esse tipo de prestação de serviços destaca-se como principal vantagem: a ausência de deslocamento do empregado até o local de trabalho, o que gera a possibilidade de inserção de trabalhadores com deficiências no mercado de trabalho. As vantagens podem revestir-se de desvantagens para alguns trabalhadores, trazendo a questão do isolamento social.

Por derradeiro, observa-se que o trabalho modificou-se ao longo do tempo, na medida em que as tecnologias de informação e de comunicação, formadoras da Sociedade da Informação, tornaram-se um elemento indissociável do desenvolvimento da atividade econômica, constituindo-se, igualmente, num fator cada vez mais importante na organização e estruturação das sociedades modernas.

Este novo modelo de organização das sociedades assenta num modo de desenvolvimento social e econômico onde a informação, como meio de criação de conhecimento, desempenha um papel fundamental na produção de riqueza e na contribuição para o bem-estar e qualidade de vida dos cidadãos. Condição para a Sociedade da Informação avançar é a possibilidade de todos poderem aceder às Tecnologias de Informação e Comunicação, presentes no nosso cotidiano que constituem instrumentos indispensáveis às comunicações pessoais, de trabalho e de lazer.


1. Surgimento da discussão da pessoa humana como sujeito de direitos.

Na sociedade atual várias são os pontos de vista a respeito da dignidade da pessoa humana, as quais podem ser representadas pelas mais diversas leituras de seus autores e seus singulares enfrentamentos; elaboradas, mormente, durante as discussões que as elevaram ao reconhecimento constitucional deste princípio. [1]

A Constituição Federal de 1988, como norma diretriz do ordenamento jurídico, ao caracterizar o Estado Brasileiro como “Democrático de Direito”, fez representar a participação de todos os indivíduos na sua concreção diária, bem como elevou a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho a fundamentos da nação, objetivando o bem comum, por meio da construção de uma sociedade livre, justa e solidária, com redução de desigualdades sociais.

Em um contexto de tamanha desigualdade social, não causa surpresa a sociedade ouvir falar do patamar de analfabetismo, desemprego e discriminação. Todas essas expressões são amplamente verificadas quando se busca analisar a história dos indivíduos inseridos na Sociedade da Informação.

Necessário se faz perquirir sobre o momento histórico [2] em que a pessoa humana nasce como sujeito de direitos para passo seguinte compreender o conteúdo e o significado atual da noção de dignidade da pessoa humana. A pessoa humana só se compreende na sua inteireza quando visualizada em sua plenitude, na sua dignidade. Na antigüidade clássica a idéia de dignidade da pessoa humana relacionava-se com a posição social ocupada pelo indivíduo e o seu grau de reconhecimento pelos demais membros da comunidade; por esta razão naquele momento histórico foi possível falar em quantificação e modulação da dignidade, compreendendo-se inclusive admitir a existência de pessoas mais dignas do que outras. [3]

O surgimento da discussão a respeito do direito subjetivo só tem razão de existir quando se tem o reconhecimento político, social e jurídico da pessoa humana como sujeitos de direitos a serem protegidos e tutelados nas relações com o Estado e entre os particulares. Anteriormente ao reconhecimento de todas as pessoas como seres de direitos e obrigações sequer poderia ser conferida a expressão “dignidade da pessoa humana” uma compreensão que pudesse abranger a todos, pois algumas pessoas ainda estavam na seara de serem consideradas objetos de direitos de outros. Não se restringe esta compreensão a um passado muito distante quando nem todos eram considerados cidadãos, mas existem momentos ainda próximos no tempo como no caso dos índios, dos negros e das mulheres que tinham sua capacidade restringida, e ainda em algumas sociedades contemporâneas são gravados de uma série de injustificáveis e inadmissíveis restrições.

A importância do pensamento de Michel Villey a respeito dos direitos subjetivos e sua crítica aos direitos humanos não são de todos conhecidas e, em certo modo de ser, são muito propícias para que se tenha em mente a realização dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana. Compreender esta discussão, que se travou na história, implica compreender melhor a evolução do que inicialmente se chamou de direitos humanos e quais as razões jurídicas que levaram a uma transmutação não apenas na esfera semântica, como também na expectativa política, social e jurídica da efetividade da proteção dos direitos lesados ou ameaçados de lesão. Sujeito de direitos e deveres são, na compreensão de Michel Villey, conforme descreve Alejandro Guzmán Brito:

En efecto, según Villey, la noción de derecho subjetivo tenía que nacer como tal, entre aquellos filósofos que a fines de la Edad Media y en la Epoca Moderna han emprendido una lucha contra la filosofía aristotélico-tomista; contra esa filosofía objetivista y realista, la escuela nominalista y la moderna oponen un mundo de individuos aislados entre sí, que sólo se interconexionan por el nombre común pero no por esencias o naturalezas comunes. Al orden del derecho natural clásico, al carácter natural de la Sociedad de que aquél partía, los modernos oponen el estado presocial, también natural, pero en donde lo natural deja de ser precisamente la Sociedad y pasa a ser el individuo con sus plenas liberdades y poderes. Porque hay que hacer notar que la doctrina del derecho subjetivo nace y se desarrolla también como una doctrina del derecho natural; sólo que si en la concepción antigua el derecho natural era lo justo objetivo, de modo que misión del derecho positivo era la determinación de la parte justa de cada cual, en la doutrina del derecho subjetivo lo natural son precisamente los derechos subjetivos: el hombre, y sus derechos aislado y en contra de todos los demás hombres, constituirá un estado natural; y aunque a dicho estado se ha superpuesto un pacto social, las exigencias del individuo siguen siendo la fuente de los derechos subjetivos, que deben ser analizadas por el jurista y el legislador con el fin de determinar los derechos de cada cual. De acuerdo con este modo de pensar, el dominio, p. ej., ya no será más la parte justa de cosas repartidas entre todos, sino que el poder mismo que se ejerce sobre las cosas en propio provecho. [4]

A essência do pensamento de Michel Villey [5] consiste em advogar a tese de que o direito antigo não conheceu a idéia de direito subjetivo e que esta tem origem moderna. Na busca da origem dos direitos subjetivos, Michel Villey realiza toda uma investigação histórica e filosófica, perpassando o pensamento romano e o ambiente espiritual e individualista cristão. Compreende o autor que as pessoas com necessidade de defender-se e salvaguardar-se diante da catástrofe do poder público apenas na desordem da Alta Idade Média podem encontrar o conjunto de elementos que teriam sido propícios para o nascimento da noção de direito subjetivo. [6]

Defende Michel Villey [7] que pelo fato de o direito romano não conter a acepção subjetiva de Direito, não se deve concluir sua total inexistência, mas sim de supor que esta acepção teria um lugar, muito secundário, e que ela não se afirma com suficiente nitidez. Comenta a exposição teórica do Corpus juris que o leitor pode extrair os sentidos sempre na esteira do direito objetivo.

Michel Villey adverte para que se afastem as traduções simplistas de jus que foram lidas conforme o interesse do intérprete que pretendeu conferir a este vocábulo um significado que os romanos não haviam ainda imaginado. Por esta razão, Villey busca encontrar a primeira afirmação que pretende conferir de fato os contornos desta nova forma de compreender o direito do seu ponto de vista subjetivo, vale referir, da pessoa sujeito de direitos, detentora de faculdades e escolhas (e deveres), e não mais a concepção objetiva em que os papéis sociais estavam previamente delimitados e estratificados frente a variáveis muito pouco alteráveis. [8]

O mundo que se faz nascer dos direitos subjetivos cria faculdades, possibilidades antes ainda desconhecidas ou garimpadas apenas por exceção, e não como regra formal de considerar todos iguais, mesmo que esta igualdade compreenda uma afirmação meramente retórica. Em virtude da pesquisa realizada por Michel Villey, o autor acredita ter encontrado a primeira afirmação textual deste novo conceito nos escritos de Guillermo de Occam, in verbis:

redactados con ocasión de la querella de la pobreza que también enfrentó a la orden franciscana y al Papado (una querella realmente singular, como que se trataba nada menos que de rechazar el título de proprietario por parte de cada uno de los contendientes). De él, la noción pasó a los filósofos neotomistas, como Suárez o De Soto; entre los juristas, aparece tímidamente en Grotius, pero con gran empuje en Pufendorf o Gassendi. Hobbes construye todo su sistema sobre esta noción. [9]

A compreensão e a delimitação do conceito de direitos fundamentais [10] foram sendo construídas na realidade social com o surgimento do mundo moderno, nos séculos XV e XVI; trata-se de conceito histórico, por isso foi sendo costurado em conjunto com a realidade e submetido a esses elementos que concorrem para a sua percepção pelo Direito Positivo.

Conforme José Felipe Ledur, o reconhecimento destes direitos já havia sido anteriormente praticado. Mas refere o autor que

muito antes de os direitos fundamentais terem sido reconhecidos nas mencionadas Declarações, estavam eles presentes na cultura de sociedades ocidentais e não-ocidentais, desde a antigüidade, embora sem o caráter de generalidade que passaram a ter, ao serem positivados nas Declarações de direitos citadas. [11]

Visualizar os direitos fundamentais significa considerar a organização econômica pré-capitalista, primeiro, e a capitalista, depois, nem o poder político, o Estado e as características fundamentais da cultura moderna, o individualismo, o racionalismo, o naturalismo e assim por diante. [12] A edificação e consolidação dos direitos civis, a afirmação da autonomia individual e de um espaço livre da interferência do Estado, assim como no aspecto político que se determinou o surgimento concomitante ao do Estado moderno, [13] no século XVIII, e dos direitos fundamentais clássicos. Com surgimento do Estado, mesmo que da perspectiva meramente formal, a substancial alteração que se faz é compreender que surge o indivíduo como senhor de direitos, pois o indivíduo deixa de ser súdito para ser cidadão e objetiva-se a relação entre o cidadão e o Estado construindo-se um vínculo político-jurídico entre ambos, o qual determina que aquele assuma a soberania. Como sintetiza Ledur: "No estabelecimento de direitos e deveres entre o indivíduo e o Estado está a origem do Estado moderno". [14]

Construído e imposto, por força das pressões de variadas ordens, ao soberano absolutista o respeito ao direito à vida, à liberdade e à garantia da propriedade. Circunscrevem-se aos direitos fundamentais clássicos os identificados como sendo os "direitos de liberdade", por expressarem a idéia de um espaço privado vital não sujeito à violação pelo Estado. Sublinha Ledur que:

(...) esse espaço é expressão da idéia de autonomia do indivíduo diante do Estado. A autonomia tem uma contrapartida, ou seja, a pessoa passa a ter responsabilidade pela preservação e aprimoramento da sua esfera existencial. Assim, além de estar vedada a violação estatal do espaço vital da pessoa, a possibilidade da subsistência do paternalismo nas relações entre o indivíduo e o Estado é eliminada. [15]

Contudo, como as relações jurídicas se travam entre pessoas desiguais, o Estado deve atuar de maneira a proteger, tutelar e prover as necessidades com vistas sempre a reequilibrar as relações no plano concreto dos fatos que se desenvolvem no cotidiano.

A importância que a sociedade confere à dignidade da pessoa humana nas relações pessoais, privadas e de maneira mais ampla com o macrossistema da cultura social e jurídica, enfrentando a sua repercussão concreta e efetiva, está imbricada com a potencialidade que se atribui à capacitação de quem compõe, em última análise, a sociedade.

Desta forma, quanto mais protegida a dignidade da pessoa humana mais desenvolvida, culturalmente, a sociedade e mais próxima de uma realização efetiva das possibilidades de seus formadores.

Uma sociedade que não perquire, não discute e não confere possibilidades para uma ampliada discussão social e jurídica da importância da pessoa em sua plenitude, e, por assim dizer, integral na perspectiva física e psíquica, deixa de cumprir o seu principal papel: o desenvolvimento integral da pessoa. Razão pela qual se faz indispensável partir do ponto de vista da obra desenvolvida pelo pensamento do filósofo alemão Immanuel Kant, que compreende que só aos seres racionais foi conferida a faculdade de se guiar por princípios. Refere o autor:

(...) tudo na natureza age segundo leis. Só um ser racional tem a capacidade de agir segundo a representação das leis, isso é, segundo princípios, ou; só ele tem uma vontade. Como para derivar as acções das leis é necessária a razão a vontade não é outra coisa senão razão prática. Se a razão determina infalivelmente a vontade, as acções de um tal ser, que são conhecidas como objectivamente necessárias, são também subjectivamente necessárias, isso é, a vontade é a faculdade de escolher só aquilo que a razão, independentemente da inclinação, reconhece como praticamente necessário, quer dizer, como bom. [16]

Na perspectiva de Immanuel Kant, ao longo de sua obra, pode ser esclarecida a amplitude do papel do ser por meio do seu ato de vontade apontando os seus contornos:

(...) a vontade é uma espécie de causalidade dos seres vivos, enquanto racionais, e a liberdade seria a propriedade desta causalidade, pela qual ela pode ser eficiente, independentemente de causas estranhas que a determinem; assim como necessidade natural é a propriedade da causalidade de todos os seres irracionais de serem determinados à atividade pela influência de causas estranhas. [17]

Compreender a dignidade da pessoa humana envolve uma séria discussão no campo das idéias na esfera jurídica constitucional e no campo de todas as relações na esfera do direito infraconstitucional inclusive, além de outras repercussões do pleno desenvolvimento da pessoa na perspectiva física, emocional, intelectual, psíquica e afetiva, porém este estudo não tem esta dimensão e permite-se deixar de enfrentá-la de forma extensiva.


2. O reconhecimento da dignidade da pessoa humana enquanto mola propulsora do direito à igualdade entre os sujeitos de direitos.

A dignidade da pessoa humana, enquanto fundamento do Estado Democrático de Direito em que se constitui o Brasil [18], possui "valor supremo de democracia", como quer entender José Afonso da Silva [19], uma vez que, qualquer que seja o aspecto pelo qual o tema seja enfocado, sobressai a dignidade da pessoa humana como valor supremo que fundamenta todo o ordenamento jurídico brasileiro.

Segundo a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 seus fundamentos são, entre outros: a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e o pluralismo político, constantes do artigo 1º, incisos III, IV e V. Igualmente, a Constituição reconhece como direitos sociais, previstos no artigo 6º, a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a assistência aos desamparados. Ainda, proclama que a ordem econômica se funda na valorização do trabalho humano e tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados, entre outros princípios, o da redução das desigualdades regionais e sociais e a busca do pleno emprego, conforme disposto no artigo 170, incisos VII e VIII. No que tange à ordem social, a Carta Magna assevera que ela tem como base o primado do trabalho e como objetivos o bem-estar e a justiça social (artigo 193), além de "promover o bem de todos", sem qualquer tipo de preconceito ou quaisquer outras formas de discriminação (artigo 3º, incisos I, III e IV). [20]

Nesse passo, contextualizam-se os denominados direitos sociais (fundamentais) na ordem constitucional. Todo o elenco dos direitos fundamentais inscritos na Constituição brasileira de 1988 é direito objetivo. Em sentido estrito, os direitos fundamentais sociais se funcionalizam como direitos prestacionais e como direitos de defesa, dirigidos a todos os sujeitos (singulares ou plurais) enquanto conformados à sua concretude, desde uma igualdade substantiva. Os direitos sociais incorporam cinco grandes propostas estabilizadoras das relações inter-humanas: I) aqueles relativos ao trabalho; II) à seguridade, incluídos os direitos fundamentais à saúde, à previdência e à assistência social; III) à educação e à cultura; IV) aos atribuídos à família, incluídos os das crianças e dos adolescentes, bem como aos idosos; V) aqueles relativos ao meio ambiente e, finalmente, VI) aqueles relativos à moradia. Na Constituição brasileira, os direitos sociais estão localizados no Capítulo II do Título II; sendo que o Título II da Constituição lista os direitos e garantias fundamentais. O Estatuto Constitucional de 1988 consagrou a seguridade como um direito fundamental [21] da pessoa humana, vale dizer, a Carta além de contemplar a seguridade como bem jurídico passível de tutela constitucional, consagrou a previdência como direito fundamental, concedendo-lhe uma qualificada proteção jurídica.

Nesse passo, Ingo Wolfgang Sarlet afirma que tanto a Constituição quanto os Direitos Fundamentais compõem “condição de existência e medida da legitimidade de um autêntico Estado Democrático e Social de Direito, tal qual como consagrado também em nosso direito constitucional positivo e vigente” [22].

Nessa linha argumentativa, insiste-se que há que se ter uma noção bem delineada sobre direitos humanos e sobre direitos fundamentais. Por isso repete-se: num primeiro momento, afirma-se que os direitos humanos são os resultados de processos culturais de emancipação do ser humano na luta constante pela dignidade do humano; de outra parte, direitos fundamentais são os resultados de processos culturais de regulação das conquistas alcançadas pelos processos emancipatórios.

Portanto, os direitos fundamentais não são a tão-só positivação dos direitos humanos, são mais; são garantias das conquistas que aqueles alcançaram, pois os direitos humanos cabem dentro dos direitos fundamentais, mas deles extravasam; são também, processos regulatórios não necessariamente vinculados aos direitos humanos, por vezes, revestem garantias derivadas de outros direitos fundamentais, e até mesmo de direitos humanos ainda não albergados pela fundamentalidade constitucional, ou albergados e inscritos em normas de sobre ou superdireito. Imprescindível, pois, demarcar o conceito de direitos fundamentais que não pode ser confundido com o conceito de direitos humanos. Essa identidade de titular, durante muitos anos, provocou imprecisão conceitual, mas atualmente não restam mais dúvidas de que se tratam de noções jurídicas distintas.

É desde o princípio da dignidade humana que se pode discorrer sobre os direitos fundamentais e mais, sobre os direitos humanos, núcleo essencial de ambos. Sobre a dignidade, em especial, remete-se ao ensaio, elaborado em coautoria, entre Carlos Alberto Molinaro e Mariângela Milhoranza [23], onde foi referido que mais que personalidades individuais, os seres humanos incorporam identidades coletivas em permanente mudança, em permanentes contatos, contatos, que se definem quotidianamente numa dinâmica de acertos e contradições.

No Estado Democrático de Direito, é basilar a existência de um sistema de direitos fundamentais, justiça social, igualdade e legalidade, como também é possível a discussão, democrática e instrutiva, da dogmática jurídica.

É preciso entender a extensão jurídica do princípio da igualdade, vale dizer, a interpretação que se faz deve ir muito além do que a literal, uma vez que o próprio princípio da igualdade atribui um tratamento não uniforme às pessoas. Neste sentido, é por demais conhecida a que versa a necessidade de se "(...) tratar igualmente os iguais, na medida de suas igualdades e desigualmente os desiguais, na medida em que eles se desigualam" [24].

De fato, o conteúdo jurídico do princípio da igualdade é dúplice: igualdade formal ou perante a lei, e igualdade material ou igualdade na lei. [25]

A igualdade formal está consagrada no caput do artigo 5º da Constituição da República, in verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (omissis)

A igualdade perante a lei está reiterada no artigo 7º da Constituição da República. De tal modo, a igualdade material ou igualdade na lei representa uma autorização para desigualar em busca da igualdade, diante da necessidade de conferir proteção especial aos direitos de certas pessoas ou grupos. [26]

Assim, o princípio da igualdade nada mais faz do que ventilar situações, de forma que as pessoas compreendidas venham a ser tratadas por critérios diferentes e que, para alguns, sejam deferidos determinados direitos e obrigações que não assistem a outros, sendo que, os pontos de diferença que se atribuem para discriminar determinadas situações devem ser decorrentes de aptidões pessoais e não de outros critérios individuais personalíssimos como raça, sexo, por exemplo. [27]

A dignidade da pessoa humana deve ser vista como o direito individual protetivo de receber tratamento igualitário, no sentido de tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, suprindo as carências físicas, intelectuais, econômicas ou sociais.

Em síntese, é de extrema relevância o estudo da aplicação dos direitos fundamentais nas relações de emprego, eis que, é por meio do trabalho que a pessoa obtém boa parte do necessário à sua subsistência e assegura o direito à dignidade da pessoa humana.


3. O direito fundamental ao trabalho da pessoa com deficiência e a dignidade da pessoa humana.

Desse modo, reconhecer o trabalho como direito fundamental a todos os grupos sociais torna-se imprescindível, como forma de salvaguarda de sua dignidade, vinculado ao princípio da igualdade no seu aspecto material, ou seja, dependente de ações discriminatórias positivas, com o objetivo de corrigir desigualdades. [28]

O direito fundamental ao trabalho consiste na promoção de igualdade de oportunidades por meios capazes de mudar as regras do "jogo do mercado de trabalho" não visam ao reconhecimento de igualdade de tratamento, mas aos meios necessários para torná-la efetiva.

No que pertine à aplicação dos direitos fundamentais nas relações de emprego, de início, conveniente destacar que, conforme Manoel Jorge e Silva Neto, o exame dos Princípios Fundamentais do Estado brasileiro deve preceder o estudo da incorporação dos direitos fundamentais ao contrato de trabalho, em razão de que tais postulados servem de “vetores interpretativos” da própria Constituição e da legislação trabalhista. [29]

Para Queiroz Júnior, o princípio da dignidade da pessoa humana deve ser considerado como fundamento de todo o sistema de direitos fundamentais, vez que esses se constituem em “exigências, concretizações e desdobramentos da dignidade da pessoa humana e com fundamento nesta devem ser interpretados”. [30]

Sayão Romita chama a atenção para um paradoxo, no sentido de que nos estudos sobre relações de trabalho, quase não se vê referência aos direitos humanos, embora o obreiro seja uma pessoa que não deixa de ter tal condição quando inserido no âmbito da relação empregatícia. [31]

A questão da incidência dos direitos fundamentais nas relações de emprego possui clara e indiscutível justificativa: o objeto da relação de emprego é o trabalho e não o trabalhador. Contudo, resta impossível se desmembrar tais figuras, motivo pelo qual o trabalhador detém a proteção dos direitos fundamentais como cidadão e, especificamente como trabalhador. Sendo assim, conclui-se com serenidade que os direitos fundamentais ocupam papel fundamental no ordenamento jurídico pátrio, se configurando como parâmetro dentro do qual devem ser interpretadas todas as normas trabalhistas. [32]

Ainda sobre a aplicação dos direitos fundamentais nas relações de emprego, registra-se existir situações concretas que se configuram como nítidos desdobramentos da aplicação dos direitos fundamentais nas relações de emprego, considerando o caráter de pessoa humana do trabalhador.

Observa-se que o trabalho, enquanto necessidade intrínseca dos seres humanos, pois é por meio dele que a pessoa obtém parte do necessário à sua subsistência e assegura o direito à dignidade da pessoa humana, modificou-se ao longo do tempo. As tecnologias de informação e de comunicação tornaram-se um elemento indissociável do desenvolvimento da atividade econômica em todo o mundo, constituindo-se, igualmente, num fator cada vez mais importante na organização e estruturação das sociedades modernas.

Constata-se que a sociedade moderna caracteriza-se por um processo de constante inovação tecnológica que transformou os meios de comunicação pela velocidade no acesso às informações. A inovação proporcionada pela comunicação via satélite e pelas novas infra-estruturas de telecomunicações são exemplos típicos da Sociedade da Informação.


4. A terminologia adotada para as pessoas com deficiência.

Indiscutível é a divergência terminológica sobre a conceituação dada ao grupo social das pessoas com deficiência, razão pela qual, percorrer-se-à a trajetória dos termos utilizados ao longo da história.

Sassaki deixa claro que “jamais houve ou haverá um único termo correto (...). A razão disto reside no fato de que a cada época são utilizados termos cujo significado seja compatível com os valores vigentes em cada sociedade (...)”. [33]

No passado, os termos que predominavam na sociedade eram "aleijado", "defeituoso", "incapacitado", "inválido", “excepcional”, “retardado”, dentre outros; enfatizando a deficiência mais do que a pessoa. [34] [35]

Passou-se a utilizar o termo “deficiente” por influência do Ano Internacional e da Década das Pessoas Deficientes, estabelecido pela Organização das Nações Unidas - ONU, apenas a partir de 1981. Em meados dos anos 1980, entraram em uso as expressões "pessoa portadora de deficiência" e "portadores de deficiência". Por volta da metade da década de 1990, a terminologia utilizada passou a ser "pessoas com deficiência", que permanece até hoje. [36]

A pergunta que não quer calar tem sido esta: “Qual é o termo correto: pessoa portadora de deficiência, pessoa portadora de necessidades especiais ou pessoa com deficiência?”. Responder esta pergunta tão objetiva é simplesmente trabalhoso, por incrível que possa parecer. A doutrina e a legislação ainda hoje discutem a melhor terminologia.

Sustenta Luiz Alberto David Araújo que a ”expressão ‘pessoas portadoras de deficiência’ tem o condão de diminuir o estigma da deficiência, ressaltando o conceito de pessoa; é mais leve, mais elegante, e diminui a situação de desvantagem que caracteriza esse grupo de indivíduos”.[37]

Guilherme José Purvin de Figueiredo afirma que “atualmente, a expressão pessoa portadora de deficiência começa a ser questionada, propondo-se, alternativamente, sua substituição por portadores de necessidades especiais” [38]. Tal terminologia é adotada pela Constituição Federal de 1988 e pela legislação pátria em vigor.

Com relação à expressão: "pessoas com necessidades especiais” destaca-se que os simpatizantes de tal terminologia enfatizam que o significado das palavras “deficiente” e “deficiência” está intimamente ligado à falta, à carência de algo, o que levaria à impropriedade da terminologia “pessoas portadoras de deficiência”. Ainda, sustenta-se que deficiência é antônimo de eficiência, razão pela qual vincular a pessoa à deficiência que a mesma porta leva à conclusão de que tal pessoa não é eficiente. [39]

No entanto, o termo pesquisado passou a ser questionado, pois, "necessidades especiais" quem não as tem, com ou sem deficiência? [40] Essa terminologia estava relacionada às “necessidades educacionais especiais” de algumas crianças com deficiência, que é utilizado na área da Educação, e passou a ser difundido para todas as circunstâncias, fora do ambiente escolar. [41]

Ainda hoje se utiliza a expressão "pessoas com necessidades especiais", demonstrando-se uma transformação de tratamento que vai da invalidez e incapacidade à tentativa de nominar a característica peculiar da pessoa, sem estigmatizá-la. A expressão "pessoa com necessidades especiais" acabou por tornar-se um gênero que contém as pessoas com deficiência, mas também acolhe os idosos, as gestantes, enfim, qualquer situação que implique tratamento diferenciado. [42]

Compreende Manoel Jorge e Silva Neto [43] que é a expressão “pessoa ou empregado portador de necessidades especiais” a mais apropriada para designar a existência de indivíduos que são tão ou mais capazes que outras pessoas no desempenho de sua atividade laboral.

A terminologia “pessoa com deficiência” é verificada em algumas Declarações Internacionais e, por vezes, é adotada pela doutrina. A diferença entre esta e as anteriores é simples: ressalta-se a pessoa à frente de sua deficiência.

Constata-se que a melhor terminologia a ser utilizada é “pessoa com deficiência”, eis que valoriza a pessoa acima de tudo, independentemente de suas condições, restando evidente a observância aos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana.

Quanto ao termo mais adequado, opta-se pelo referencial de Sassaki que diz que “o conceito de deficiência não pode ser confundido com o de incapacidade (...). O conceito de incapacidade denota um estado negativo de funcionamento da pessoa, resultante do ambiente humano e físico inadequado ou inacessível, e não um tipo de condição”. [44]

Encontrar a terminologia mais adequada para designar um grupo de pessoas é de fundamental importância para sua proteção jurídica, pois também pela linguagem se revela ou se oculta o respeito ou a discriminação.


5. O conceito de deficiência face à pessoa humana.

O conceito de deficiência vinculado à pessoa humana pode ser visualizado na perspectiva doutrinária e legislativa, na esfera constitucional, infraconstitucional, internacional e comunitária; a partir do reconhecimento dos direitos humanos pautados nos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade.

A Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispôs sobre o apoio às pessoas com deficiência e criou um órgão para coordenação das ações do Estado para acompanhar e implementar políticas públicas por meio da Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - CORDE, mas não define quem é o destinatário dessa política e por isso requer regulamentação. A Lei foi regulamentada pelo Decreto nº 914, de 06 de setembro de 1993, atualmente revogado pelo Decreto nº 3.298, 20 de dezembro de 1999, que instituiu a política nacional para a integração da pessoa com deficiência. Sua aplicação e interpretação considerados os valores básicos da igualdade de tratamento e oportunidade, da justiça social, do respeito à dignidade da pessoa humana, do bem-estar, além de outros, indicados na Constituição Federal ou justificados pelos princípios gerais de direito, em complementação ao conceito técnico trazido pela Lei da Pessoa Portadora de Deficiência.

O Decreto n°. 3.298/99, no artigo 3° [45], conceitua e distingue deficiência, deficiência permanente e incapacidade. O artigo 4º do Decreto n°. 3.298/99 especifica a conceituação técnica do ponto de vista médico das deficiências: física, auditiva, visual, mental e múltipla, ressalvadas as alterações previstas no Decreto nº. 5.296, de dezembro de 2004.

A Organização Mundial da Saúde – OMS definiu o conceito de deficiência como sendo “qualquer perda ou anormalidade de estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica” [46], ressaltando que tais restrições não lhes retiram o valor como pessoa humana, o poder de decidir sobre suas vidas e de tomarem decisões [47].

No âmbito da Organização Internacional do Trabalho, o primeiro documento que tratou da conceituação de deficiência foi a Recomendação nº 99, de 25 de junho de 1955, tendo o conceito se repetido na Recomendação nº 168, de 20 de junho de 1983, e aprimorado na Convenção nº 159, de 20 de junho de 1983.

A Convenção nº 159 da OIT, que trata da reabilitação profissional e emprego das pessoas com deficiência, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo nº 51, de 28 de agosto de 1989, e promulgada pelo Brasil por meio do Decreto nº 129, de 18 de maio de 1991, conceitua deficiência no artigo 1, parte 1; entendendo por pessoa deficiente todas aquelas cujas possibilidades de obter e conservar um emprego adequado e de progredir no mesmo fiquem substancialmente reduzidas [48]. O conceito ressalta o caráter funcional das deficiências físicas ou sensoriais, estabelecendo a Convenção o dever dos países signatários de se engajarem em atividades de integração e de fornecerem instrumentos que viabilizem o exercício das atividades profissionais para as pessoas que deles necessitem.  [49]

A Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes elaborada pela Organização das Nações Unidas por meio da Resolução 3.447, de 09 de dezembro de 1975, traz, em seu artigo 1º, a definição de pessoa deficiente. Nesse sentido, conceitua-se pessoa deficiente qualquer pessoa incapaz de assegurar por si mesma, total ou parcialmente, as necessidades de uma vida individual ou social, em decorrência de uma deficiência, congênita ou não, em suas capacidades físicas ou mentais. [50]

No entendimento da ONU, deficiência é um conceito em mutação, resultado da interação entre a deficiência de uma pessoa e os obstáculos que impedem sua participação na sociedade. Quanto mais obstáculos, como barreiras físicas e condutas atitudinais impeditivas de sua integração, mais deficiente é uma pessoa. Não importa se a deficiência é física, mental, sensorial, múltipla ou resultante da vulnerabilidade etária. Mede-se a deficiência pelo grau da impossibilidade de interagir com o meio da forma mais autônoma possível.

A Organização das Nações Unidas, em dezembro de 2006, aprovou o texto da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiências. O Brasil participou intensamente dos debates. O que distingue essa Convenção das outras é seu conteúdo, que foi realizado com ajuda direta de ONGs de pessoas com deficiência. A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu respectivo Protocolo Facultativo foram ratificados pelo Congresso Nacional em 09 de julho de 2008 pelo Decreto legislativo nº 186 e todos os seus artigos são de aplicação imediata. A Convenção no seu artigo 1º diz qual o seu propósito e define o conceito de pessoa com deficiência. [51]

Resta evidente que o próprio conceito de pessoa com deficiência incorporado pela Convenção carrega forte relevância jurídica, porque incorpora na tipificação das deficiências, além dos aspectos físicos, sensoriais, intelectuais e mentais, a conjuntura social e cultural em que o cidadão com deficiência está inserido, vendo nestas o principal fator de cerceamento dos direitos humanos.

Pode-se definir pessoa com deficiência como sendo aquela que, por possuir alguma limitação física, sensorial, mental ou múltipla, enfrenta maiores dificuldades para se inserir na sociedade e nela se manter e se desenvolver, especialmente quando comparada às pessoas que não portam tais limitações, necessitando, pois, de medidas compensatórias com vistas a efetivar a igualdade de oportunidades e acesso ao emprego.

A pessoa com deficiência não é necessariamente incapaz para o trabalho. Capacidade laboral e deficiência são conceitos absolutamente distintos e não devem gerar qualquer confusão. Como exemplo, pode-se citar o gênio da música, Ludwig van Beethoven, que mesmo após ser diagnosticado como surdo compôs, dentre outras, a Nona Sinfonia, considerada tanto ícone quanto predecessora da música romântica; o velejador, Lars Schmidt Grael, que mesmo após sofrer grave acidente náutico que culminou com a mutilação de uma de suas pernas não deixou de praticar o esporte como profissão; e, não por último, mas em especial em razão da pesquisa, o Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, Ricardo Tadeu Marques da Fonseca, enquanto primeiro juiz cego do Brasil. A discussão acerca da deficiência modificou-se para uma visão social, enfatizando a necessidade de os fundamentos e garantias constitucionais estarem à disposição de toda a diversidade humana, sem exclusão de qualquer grupo por qualquer motivo.


6. Evolução no ordenamento jurídico do tratamento conferido a pessoa com deficiência.

O ponto de partida para o reconhecimento do direito a inclusão social das pessoas com deficiência, em especial por meio do trabalho, deu-se a partir da promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela Organização das Nações Unidas, como o mais importante instrumento representante dos direitos humanos, o qual serviu de base para as normas, tratados, convenções internacionais e diretivas comunitárias aprovados. Restou reconhecido no referido instrumento os direitos humanos, como: o direito ao trabalho, independem de previsão expressa em lei e que a dignidade da pessoa humana é considerada intrínseca à própria existência humana.

Passo seguinte, foi aprovada a Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes, a qual destaca o direito ao gozo de todos os direitos, sem exceção, distinção ou discriminação decorrente de qualquer motivo, de maneira a assegurar o pleno respeito à dignidade humana e a viabilizar o processo de inserção social e integração da pessoa portadora de deficiência no mercado de trabalho.

A mesma linha de raciocínio, verifica-se na Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho que arrazoa sobre discriminação em matéria de emprego e profissão, e a Convenção 159 da Organização Internacional do Trabalho sobre habilitação e reabilitação profissional e emprego de pessoas deficientes, considerando que a base para aplicação desta política é o princípio de igualdade de oportunidades entre os trabalhadores. A Recomendação n°. 99 da Organização Internacional do Trabalho discorre sobre a habilitação e reabilitação profissional de pessoas com deficiência, definindo a “reabilitação profissional” como parte de um contínuo e coordenado processo destinado a capacitar a pessoa com deficiência a obter e manter o emprego. Sinaliza a possibilidade de introdução de uma política de cotas, prevê a referida Recomendação, que a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho deve ser promovida mediante a expressa criação de condições e possibilidades de obtenção e manutenção de emprego, dentre elas: (a) contratação, por empregadores, de um percentual de pessoas com deficiência que não acarrete a dispensa de outros trabalhadores; (b) reserva de determinadas ocupações para pessoas com deficiência.

A Recomendação nº. 168 dispõe sobre a readaptação profissional e o emprego das pessoas com deficiência, repetindo e complementando os preceitos contidos na Convenção n°. 159 e na Recomendação nº. 99, em especial, no que se refere à adoção do princípio da igualdade de acesso, conservação e criação de empregos às pessoas com deficiência e contraprestação igual aos demais trabalhadores, inclusive, com uso das ações afirmativas especialmente destinadas a equilibrar trabalhadores com e sem deficiência no acesso ao mercado de trabalho.

No mesmo sentido, a Recomendação nº. 169 trata sobre política de emprego e destaca a necessidade de implementação de medidas para inserir as pessoas com deficiência no contexto de uma política global de emprego e reabilitação profissional.

A Organização Internacional do Trabalho elaborou um conceito vinculado à possibilidade de obtenção e manutenção de emprego, já a Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes traz um conceito mais amplo, voltado para as dificuldades da vida individual e social da pessoa com deficiência.

Cotejando-se a legislação inerente aos países da América do Sul, bloco pertencente o Brasil, afere-se que a Declaração Sociolaboral do MERCOSUL estabelece que as pessoas com deficiência serão tratadas de forma digna e não discriminatória, favorecendo-se a sua inserção na sociedade e no mercado de trabalho.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 prevê normas no âmbito do direito ao trabalho referente às pessoas com deficiência, instituindo no artigo 7º, inciso XXXI, e no artigo 37, inciso VIII, no rol de direitos trabalhistas, a proibição expressa de qualquer discriminação relativa a salários e critérios de admissão de trabalhadores com deficiência, reafirmando, desse modo, o princípio da igualdade, consolidado no caput do artigo 5º.

No âmbito da legislação infraconstitucional, cumpre destacar a Lei nº. 7.853, de 24 de outubro de 1989, a qual atribuiu ao Poder Público o dever de assegurar às pessoas com deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, dentre eles: o direito à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à previdência social e ao transporte, por exemplo. Neste sentido, a Lei prevê a adoção de legislação específica que discipline a reserva de mercado de trabalho, em favor das pessoas com deficiência, nas entidades da administração pública e do setor privado (artigo 2º, inciso III e alíneas).

Seguindo o mandamento da alínea c, inciso III, artigo 2º da Lei nº. 7.853/89 e a diretriz constitucional constante do inciso VIII do artigo 37, foi editada a Lei nº. 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que regula o Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União. Impõe a Lei que a União reserve em seus concursos até 20% das vagas às pessoas com deficiência, havendo iniciativas semelhantes nos Estados e Municípios para o regime dos servidores públicos celetistas e estatutários.

No mesmo sentido, foi promulgada a Lei nº. 8.213, em 24 de julho de 1991, que dispõe sobre o Plano de Benefícios da Previdência Social. O artigo 93 da Lei dirime sobre o sistema de cotas na esfera privada, delimitando que a empresa com 100 ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% a 5% dos seus cargos com trabalhadores reabilitados ou pessoas com deficiências habilitadas. Além das cotas, esta Lei estabelece que a dispensa de trabalhador reabilitado ou pessoa com deficiência habilitada, só pode ocorrer após a contratação de substituto em condição semelhante. O preceito é válido mesmo para o contrato por tempo determinado regulado pela Lei n°. 9.601, de 28 de janeiro de 1998. A redação criou uma polêmica acerca da proteção conferida à pessoa com deficiência, isto é, se há no dispositivo uma modalidade de garantia provisória de emprego ou mero impedimento de dispensa, até que se contrate outro empregado nas mesmas condições e a discussão sobre a possibilidade ou não de reintegração do empregado com deficiência dispensado. A Lei nº. 8.742/93 (Lei Orgânica da Previdência Social) reafirma no âmbito da seguridade social, a garantia das pessoas com deficiência à habilitação e reabilitação.

Tendo em vista a necessidade de regulamentação da Lei nº. 8.213/91 merece destaque o Decreto nº. 3.298, de 20 de dezembro de 1999, o qual instituiu a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência. O Decreto assegura à pessoa com deficiência, por meio da ação conjunta do Estado e da sociedade, o pleno exercício dos direitos básicos. Destaca-se que o Decreto criou o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência - CONADE e definiu uma série de responsabilidades dos órgãos públicos nos campos da educação, saúde, trabalho, cultura, lazer, habilitação e reabilitação profissionais.

Poder-se-ia ainda trazer numerosa lista de diplomas jurídicos que, de uma forma ou de outra, prevêem dispositivos protetores das pessoas com deficiência, nas mais variadas situações. Em todos, busca-se a equiparação de oportunidades da pessoa com deficiência, desde sua escolarização, passando pela promoção individual, familiar e social, e culminando na formação profissional e na qualificação para o trabalho.


7. O sistema de cotas previsto no artigo 93 da Lei n°. 8.213/91.

Um dos vetores para o exame da inclusão social das pessoas com deficiência por meio da inserção ao trabalho, na esfera privada, é a Lei de Cotas ou sistema de reserva legal de vagas, a qual tende a garantir o direito fundamental ao trabalho, via disposição de vagas no mercado de trabalho, conforme dispositivo previsto no artigo 93 da Lei nº. 8.213/91.

O sistema de reserva legal de vagas corresponde a uma forma de ação afirmativa [52]. As ações afirmativas buscam promover a igualdade e o equilíbrio de oportunidades entre os diversos grupos sociais, facilitando o exercício dos direitos ao trabalho, à educação, à saúde, ao esporte, e outros tantos que viabilize o convívio social. [53]

Há o sistema de cota-distribuição, aonde os empregadores pagam um valor determinado por pessoa com deficiência não empregada a fundos especialmente criados para recolher as contribuições e utilizá-las no estímulo de preenchimento de cotas e de ingresso de trabalhadores com deficiência no mercado de trabalho, com adaptação dos locais e instrumentos de trabalho, preparação dos trabalhadores e das entidades, cujo trabalho seja voltado para esta área. [54]

Quanto aos beneficiários do sistema de cotas implementado por meio do artigo 93 da Lei nº. 8.213/91, ratificado pelo artigo 36 do Decreto nº. 3.298/99, verifica-se que estão incluídos no âmbito de proteção todas as pessoas com deficiência habilitadas e os trabalhadores reabilitados.

A Lei deixa claro que, para o preenchimento do percentual imposto, as empresas podem contratar pessoas com qualquer deficiência desde que habilitadas para o trabalho. Assim, as pessoas com formação profissional de nível básico, técnico ou tecnológico, ou curso superior, com certificação ou diplomação, legalmente credenciada pelo Ministério da Educação, assim como os beneficiários reabilitados com certificado de conclusão de processo de habilitação ou reabilitação profissional fornecido pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS. Opcionalmente, as empresas ainda podem contratar aquelas pessoas que, não tendo se submetido a processo de habilitação ou reabilitação, estejam capacitadas para o exercício da função.


8. A Sociedade da Informação e o direito ao trabalho da pessoa com deficiência: uma forma de conferir efetividade ao princípio da igualdade face ao princípio da dignidade da pessoa humana.

A sociedade não é um elemento estático, muito pelo contrário está em constante mutação e como tal, a sociedade contemporânea está inserida num processo de mudança em que as novas tecnologias são as principais responsáveis. Alguns autores identificam um novo paradigma de sociedade que se baseia num bem precioso, a informação, atribuindo-lhe várias designações, entre elas a Sociedade da Informação.

Sociedade da Informação é um termo - também chamado de Sociedade do Conhecimento ou Nova Economia - que surgiu no fim do Século XX, com origem no termo Globalização. Este tipo de sociedade encontra-se em processo de formação e expansão.

Este novo modelo de organização das sociedades assenta num modo de desenvolvimento social e econômico onde a informação, como meio de criação de conhecimento, desempenha um papel fundamental na produção de riqueza e na contribuição para o bem-estar e qualidade de vida dos cidadãos. Condição para a Sociedade da Informação avançar é a possibilidade de todos poderem aceder às Tecnologias de Informação e Comunicação, presentes no nosso cotidiano que constituem instrumentos indispensáveis às comunicações pessoais, de trabalho e de lazer.

As telecomunicações tornaram-se, portanto, imprescindível ferramenta de trabalho, possibilitando uma série de benefícios aptos a agilizar a transmissão de informa&cce


Autores

  • Maria Cristina Cereser Pezzella

    Maria Cristina Cereser Pezzella

    Professora do Programa de Pesquisa e Extensão e Pós-Graduação em Direito da Universidade do Oeste de Santa Catarina UNOESC. Coordenadora/Líder do Grupo de Pesquisas (CNPq) intitulado Direitos Fundamentais Civis: A Ampliação dos Direitos Subjetivos - sediado na UNOESC. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUCRS (1988). Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS (1998). Doutora em Direito pela Universidade Federal do Paraná UFPR (2002). Avaliadora do INEP/MEC e Supervisora do SESu/MEC

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  • Michelle Dias Bublitz

    Mestranda em Direito no Programa de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS. Bolsista CNPq (março/2013 até fevereiro/2014). Bolsista CAPES (de março/2012 até fevereiro/2013). Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade IDC - Instituto de Desenvolvimento Cultural (2009). Graduada pela Universidade Luterana do Brasil ULBRA campus Canoas/RS (2008). Integrante qualificada como Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas (CNPq) intitulado Novas Tecnologias e Relações de Trabalho sob coordenação da Dra. Profa. Denise Pires Fincato, sediado na PUCRS. Integrante qualificada como Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas (CNPq) intitulado “Direitos Fundamentais Civis: A Ampliação dos Direitos Subjetivos”, sob coordenação da Profa. Dra. Maria Cristina Cereser Pezzella, sediado na Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC. Associada do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito - CONPEDI. Advogada.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEZZELLA, Maria Cristina Cereser; BUBLITZ, Michelle Dias. A pessoa como sujeito de direitos na sociedade da informação: garantia fundamental de acesso ao trabalho das pessoas com deficiência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3796, 22 nov. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25919. Acesso em: 4 maio 2024.