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A revisão criminal e a soberania dos veredictos no tribunal do júri

A revisão criminal e a soberania dos veredictos no tribunal do júri

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A Revisão Criminal implica na desconstituição da coisa julgada formada sobre uma sentença condenatória, visando acabar com os erros registrados no julgamento, possibilitando à Justiça outro olhar sobre a sentença condenatória irrecorrível.

Não cometam injustiça num julgamento; não favoreçam os pobres, nem procurem agradar os grandes, mas julguem o seu próximo com justiça.

Levíticos 19:15

RESUMO:O estudo tem como ponto de partida a análise da coisa julgada no processo penal brasileiro nos seus principais aspectos. Neste quadrante, explora, ainda, alguns princípios que informam o instituto, confrontando a segurança jurídica das relações com a liberdade individual, a justiça e a dignidade da pessoa humana. Ademais, expõe as principais razões que justificam a relativização da coisa julgada. A pesquisa examina, também, o Tribunal do Júri, fazendo, neste ponto, um breve apanhado histórico sobre a instituição no Brasil. Aborda os princípios básicos da instituição, dando destaque à soberania dos veredictos, visando estabelecer, posteriormente, um contraponto com a Revisão Criminal. Além disso, apura a questão da revogação do Protesto por Novo Júri, debatendo acerca da sua supressão no ordenamento jurídico pátrio. Finalmente, o trabalho trata da Revisão Criminal explanando, em um primeiro momento, a sua disciplina legal e a questão da indenização por erro judiciário, para, posteriormente, introduzir essa análise no Tribunal do Júri. Neste âmbito são apontadas as principais divergências atinentes ao assunto, com vistas a estabelecer uma harmonização entre o princípio da soberania dos veredictos e a Revisão Criminal.

Palavras-Chave: Coisa julgada. Soberania dos veredictos. Tribunal do Júri. Erro judiciário. Revisão criminal.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 2 A COISA JULGADA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO. 2.1 RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA. 2.2 PRINCÍPIOS E REGRAS CONSTITUCIONAIS VOLTADOS À COISA JULGADA. TRIBUNAL DO JÚRI.  3.1 OS PRINCÍPIOS BÁSICOS DO JÚRI. 3.1.1 A Plenitude de Defesa. 3.1.2 O Sigilo das Votações. 3.1.3 A Soberania dos Veredictos. 3.2 O JÚRI NO BRASIL: UM BREVE APANHADO HISTÓRICO. 3.3 REVOGAÇÃO DO PROTESTO POR NOVO JÚRI. 4 REVISÃO CRIMINAL: ASPECTOS GERAIS. 4.1 INDENIZAÇÃO POR ERRO JUDICIÁRIO NA REVISÃO CRIMINAL. 4.2 REVISÃO CRIMINAL DE DECISÃO ORIGINÁRIA DO JÚRI E A SOBERANIA DOS VEREDICTOS. 5 CONCLUSÃO.  REFERÊNCIAS.


1 INTRODUÇÃO

A Revisão Criminal implica na desconstituição da coisa julgada formada sobre uma sentença condenatória, visando acabar com os erros registrados no julgamento, possibilitando à Justiça outro olhar sobre a sentença condenatória irrecorrível.

Sucede que a condenação maculada por erro pode advir de uma decisão do Júri, instituição orientada pelo princípio da soberania dos veredictos. Neste caso, caberia Revisão Criminal para desconstituir a sentença condenatória transitada em julgado, buscando expurgar os erros e não causar injustiças ao cidadão?

Esse questionamento era o foco do presente trabalho, ou melhor, a ideia inicial da pesquisa era, tão somente, considerar a possibilidade da Revisão Criminal nas decisões originárias do Tribunal do Júri. Entretanto, ao longo do estudo, verificou-se que tal questão já se encontrava pacificada na jurisprudência e na doutrina no sentido de admitir que as decisões emanadas dos jurados fossem revistas por meio da Revisão Criminal.

Dessa forma, buscou-se averiguar outros aspectos atinentes à matéria e que ainda restam-se controversos, como, por exemplo: a quem compete o julgamento do pedido revisional: à segunda instância ou ao Tribunal do Júri? Nos casos de nulidade absoluta, quem realizará o juízo rescisório?

A pretensão do trabalho passou a ser, portanto, obter respostas para tais indagações. Mas, para tanto, é preciso conhecer a disciplina legal da Revisão Criminal, além de ser imprescindível a compreensão da instituição do Júri e os seus princípios básicos, sobretudo o princípio da soberania dos veredictos.

Portanto, para suscitar a discussão, o capítulo inicial irá tratar sobre algumas noções que são essenciais para formar a base sobre a qual o estudo será edificado. Assim, serão feitas determinadas considerações a respeito da coisa julgada no processo penal brasileiro: seu conceito, limites, efeitos, formas e natureza jurídica. Serão tratados, ainda, os princípios que informam o instituto, a fim de levar o leitor a confrontar a segurança jurídica com a liberdade individual, a justiça e a dignidade da pessoa humana. Ademais, serão feitas exposições acerca da relativização da coisa julgada, por conta da intrínseca relação que possui com as pretensões do presente trabalho.

O segundo capítulo abordará o Tribunal do Júri propriamente dito e todos os aspectos que a ele estão relacionados, fazendo-se, inclusive, um breve apanhado histórico sobre a instituição no Brasil. Serão apresentados, também, os princípios básicos da instituição: a plenitude de defesa, o sigilo das votações e a soberania dos veredictos. O destaque, porém, será dado a este último, com vistas a atingir um grau de conhecimento que dê subsídio necessário ao estudo. Além disso, será abordada a questão da revogação do Protesto por Novo Júri, abrindo-se, nesse ponto, a discussão acerca da sua supressão no ordenamento jurídico pátrio, com apresentação de diferentes entendimentos.

O último capítulo abrigará as pretensões do trabalho, respondendo às indagações sobre qual o órgão competente para julgar o pedido revisional e a quem cabe o juízo rescisório nos casos de nulidade absoluta. Para tanto, primeiramente, far-se-á uma abordagem geral sobre o instituto da Revisão Criminal, abrangendo toda a sua disciplina legal e, só então, a Revisão Criminal será discutida em sede do Júri. Além disso, o estudo trará a questão da indenização por erro judiciário na Revisão Criminal, haja vista a importância da reparação ao indivíduo condenado injustamente.

Sendo assim, em virtude do grave risco de violação à dignidade da pessoa humana, o que confronta o Estado Democrático de Direito, pondo em xeque todo o sistema constitucional e político adotado pelo ordenamento brasileiro, o manejo da Revisão Criminal deve ser analisado minuciosamente e deve estar bem delineado, a fim de que seja garantida a liberdade individual e a justiça.

Registre-se, no entanto, que a pesquisa não pretende levar o tema à exaustão. O que o estudo almejou foi, através de uma pesquisa exploratória e explicativa, propulsar uma discussão acerca do assunto, na tentativa de buscar redescobrir a Revisão Criminal e ajustá-la à soberania dos veredictos, acrescentando algo ao mundo jurídico.


2 A COISA JULGADA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO

A definição do fato julgado está presente no sistema processual penal e compreende regras e princípios constitucionais. Segundo Eugênio Pacelli de Oliveira (2009, p. 586) “a coisa julgada, sabe-se, não é um efeito, mas uma qualidade da decisão judicial da qual não caiba mais recurso. É a imutabilidade da sentença, de modo a impedir a reabertura de novas indagações acerca da matéria nela contida”.

Assim, fala-se em coisa julgada quando a sentença já não pode mais ser impugnada, tornando-se imutável. Essa imutabilidade pode se dar quando há preclusão dos prazos para recorrer ou, ainda, quando já não há meios de impugnação que possa alterar a sentença.

Nesse sentido, afirma Tourinho Filho (2011b, p. 386) que, “fala-se, então, em coisa julgada, significando tal expressão que o pronunciamento jurisdicional se tornou inalterável, adquiriu a qualidade da imutabilidade”. Logo, “[...] consiste, pois a autoridade da coisa julgada, [...] como a imutabilidade do comando emergente de uma sentença.” (LIEBMAN, 1945, p. 50, grifo do autor).

O legislador trata da coisa julgada no art. 5º da Constituição Federal[1] de 1988, inciso XXXVI, atribuindo-lhe, pois, caráter constitucional. O instituto encontra guarida, também, na Convenção Americana dos Direitos Humanos (art. 8º, item 4), a qual assegura que “o acusado absolvido por sentença transitada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos”. Destarte, trata-se de direito fundamental[2], assegurado constitucionalmente e, em vias de consequência, protegido por cláusula pétrea, não podendo ser removido ou alterado, garantindo o perfeito funcionamento do Estado Democrático de Direito.

A coisa julgada pode ser dividida em formal ou material e dessa divisão surgem importantes consequências.

Quando determinadas decisões transitam em julgado, impedindo que a matéria ali discutida seja revista, tem-se a coisa julgada formal. Há uma impossibilidade de reexaminar a decisão, que adquire contornos de definitividade.

No dizer de Oliveira (2009, p. 587):

Há, com efeito, decisões judiciais que, quando passadas em julgado, impedem a rediscussão da matéria unicamente em relação ao contexto em que foi proferida e especificamente no processo em cujo curso foi prolatada. Fala-se, então, em coisa julgada formal.

Já a coisa julgada material se forma quando há impossibilidade de se rediscutir matéria de uma decisão, em qualquer processo, presente ou futuro. Na opinião de Tourinho Filho (2011b, p. 387) “[...] em nenhum outro juízo poderá a mesma causa ser debatida entre as mesmas pessoas”.

Dessa forma, pode-se distinguir a coisa julgada formal da coisa julgada material pela qualidade que esta última apresenta, estando, ainda, condicionada à formação da coisa julgada formal. De acordo com Liebman (1945, p. 57), “[...] indica, pois, a coisa julgada formal a imutabilidade da sentença como ato processual, e a coisa julgada substancial indica a mesma imutabilidade, em relação ao seu conteúdo e, mormente aos seus efeitos”.

Como se viu, a coisa julgada faz a sentença ser imutável e irretratável e tal efeito é necessário para que se consiga por fim aos litígios, de modo que, se forem prolongados eternamente, criarão uma insegurança jurídica nas relações estabelecidas entre os sujeitos. Nas lições de Paulo Rangel (2012a, p. 113) “o que se quer com a sentença é obter a certeza jurídica e o fim dos conflitos processuais, embora os conflitos sociais possam continuar a existir”.

Todavia, em que pese haja necessidade de por fim aos conflitos processuais, há casos em que é igualmente necessário desfazer a sentença para garantir a liberdade do indivíduo. É o que ocorre, por exemplo, nos casos de erro do judiciário, em que o indivíduo acaba sendo condenado injustamente.

Não há lógica, portanto, em manter uma decisão injusta para priorizar a segurança das relações jurídicas, até porque, “um Estado que pode punir, mas que não pode reparar os seus erros [...] é um Estado injusto e que nem sequer respeita o direito [...].” (CORREIA, 2010 apud RANGEL, 2012a, p. 266).

Nesse sentido, Grinover, Gomes Filho e Fernandes (2011, p. 239) afirmam que quando houver vícios extremamente graves na sentença, deve-se primar pelo valor “justiça” e não pelo valor “certeza”.

Em Marcos Sampaio de Souza (2004, p. 114-115, grifo nosso) encontra-se o seguinte esclarecimento:

A coisa julgada é instrumento de concreção da segurança jurídica, e que somente deve ser afastada em casos extremos, quando sua manutenção importar em situação teratológica, na qual, realmente, não faça sentido e seja de extrema inconveniência à sociedade o respeito a ela [...] Também não se pode deixar de repudiar absurdos agressivos à inteligência e aos sentimentos do homem comum, sendo absurdo eternizar injustiças para evitar a eternização de incertezas [...] A aparente tensão entre os princípios da segurança jurídica e da justiça, se resolve pela busca da convivência de ambos em uma relação de verdadeira complementariedade e interdependência, já que, em essência, a plenitude do cumprimento do objetivo de cada um não prescinde de um respeito mínimo do outro.

Dentro desse contexto surge o binômio segurança jurídica e liberdade individual. A segurança jurídica consiste em não prejudicar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada (art. 5º, XXXVI, CF). A liberdade individual, por sua vez, é assegurada pelos direitos fundamentais, enquanto direitos de defesa, “contra interferências ilegítimas do Poder Público, provenham elas do Executivo, do Legislativo ou, mesmo, do Judiciário” (MENDES, 2000).

Ou seja, há um interesse público em se manter a paz social, sobretudo quando se trata de um Estado Democrático de Direito, onde o respeito aos direitos e garantias fundamentais deve imperar.

Nessa via, outro ensinamento de Paulo Rangel (2012a, p. 150-151):

Pensamos que só se pode falar em um Estado Democrático de Direito na medida em que todos os indivíduos forem objeto de proteção constitucional, sem distinção de qualquer natureza, até porque, em se tratando de caso julgado penal, o que se quer proteger é a liberdade do indivíduo.

Nota-se, então, que segurança jurídica e liberdade individual são dois fatores que estão interligados e, por isso, devem ser conformados, a fim de criar um sistema jurídico harmônico, já que o fundamento da coisa julgada está na necessidade de assegurar a ordem jurídica como instrumento de garantia do indivíduo.

A coisa julgada pode recair sobre a sentença condenatória ou se formar em torno da sentença absolutória passada em julgado. O que vai diferenciar é que a sentença condenatória é passível de revisão criminal e a sentença absolutória, na qualidade de coisa soberanamente julgada, não pode ser objeto desse meio de impugnação (TÁVORA; ALENCAR, 2010).

Isto se dá porque o ordenamento jurídico brasileiro, imbuído pelos “compromissos humanitários que informam o Estado Democrático de Direito” (OLIVEIRA, 2009, p. 591) não admite a revisão pro societate[3], ou seja, não admite que haja reforma da decisão em desfavor do réu.

Na fala de Tourinho Filho (2011b, p. 387), “na esfera penal, se a sentença for absolutória, o trânsito em julgado impede não só o seu reexame (coisa julgada formal), como também a possibilidade de ser instaurado novo processo [...]”. Sendo assim, tendo o sujeito alcançado a liberdade por meio de uma sentença absolutória, desarrazoado seria permitir a sua desconstituição.

A sentença absolutória deverá, por conseguinte, resolver definitivamente a questão penal, afastando toda e qualquer possibilidade de rediscussão sobre a mesma causa. Ou seja, ainda que injusta, a sentença absolutória não pode ser desfeita, pois, “afronta muito mais a sociedade a condenação de um inocente do que a absolvição de um culpado.” (RANGEL, 2012a, p. 267).

No mesmo pensamento incorre Diego Camaño Viera (2001, p. 25, grifo do autor) ao afirmar que:

[...] Si se viola el derecho en daño del acusado se causa un daño cierto y positivo: la condena del inocente. Mientras que si, prefiriéndose la absolución en caso de duda, se ha [...] violado el derecho que tenían los coassociados al castigo del culpable, no se há producido nada más que um mero peligro.[4]

A sentença resguardada pela autoridade da coisa julgada produz efeitos dentro e fora do processo onde foi prolatada. Destarte, têm-se os efeitos endoprocessuais e extraprocessuais, sendo aqueles o fato da sentença ter se tornado imutável e estes, por sua vez, a vinculação do juiz em processos futuros, ficando o mesmo impedido de proferir nova decisão sobre matéria que já foi julgada em outra ação (NERY JÚNIOR, 2004, p. 189).

Os efeitos da sentença podem ser, ainda, declaratórios, constitutivos ou executórios. Mas, qual seria a relação entre o instituto da coisa julgada e os efeitos da sentença? Para Liebman (1945, p. 20-21) “ao efeito constitutivo da sentença poder-se-á comparar e contrapor o seu efeito declarativo, isto é, a sua eficácia de declaração, e não a coisa julgada que se forma sobre a declaração”.

Quer dizer, a sentença pode produzir muitos efeitos, mas não faz sentido vincular a sua existência à autoridade da coisa julgada, porque, ainda que esta não venha a se formar, os efeitos continuarão sendo produzidos. “Identificar a declaração produzida pela sentença com a coisa julgada significa, portanto, confundir o efeito com um elemento novo que o qualifica.” (LIEBMAN, 1945, p. 22).

Por conseguinte, afirma o referido autor, não se pode colocar a coisa julgada no mesmo patamar dos possíveis efeitos da sentença, de modo que se estaria colocando “no mesmo plano coisas heterogêneas e de qualidade bem diversa”. Isto é, “uma coisa é distinguir os efeitos da sentença segundo sua natureza [...], outra é verificar se eles se produzem de modo mais ou menos perene e imutável.” (LIEBMAN, 1945, p. 20-21).

Assim, os efeitos da sentença podem ser produzidos independentemente da formação da coisa julgada, “[...] sem que por isso se lhe desnature a essência.” (LIEBMAN, 1945, p. 22).

A coisa julgada penal encontra, por sua vez, limites de ordem objetiva e subjetiva. O §2º do artigo 110 do CPP dispõe que “a exceção de coisa julgada somente poderá ser oposta em relação ao fato principal, que tiver sido objeto da sentença”, ou seja, os limites objetivos da coisa julgada se formam em torno da parte dispositiva da sentença.

Para Rangel (2012a, p. 200), “[...] no processo penal, o limite objetivo do caso julgado é o fato principal ocorrido no mundo dos homens, [...] recortado e colocado [...] na denúncia, pormenorizadamente pelo órgão acusador”.

No que tange aos limites subjetivos, tem-se que a pena não passa da pessoa do condenado, demonstrando ser o fundamento da limitação subjetiva o próprio direito de liberdade (GRINOVER, 1978, p. 13 apud RANGEL, 2012a, p. 183). De tal modo, só haveria formação da coisa julgada interpartes. Porém, isso não significa dizer que os efeitos produzidos pela sentença não alcance terceiros.

Liebman (1945, p. 108, grifo do autor) esclarece:

A natureza dessa sujeição é para todos, partes ou terceiros, a mesma; a medida da sujeição determina-se, ao revés, pela relação de cada um com o objeto da decisão. Entre as partes e terceiros só há esta grande diferença: que para as partes, quando a sentença passa em julgado, os seus efeitos se tornam imutáveis, ao passo que para os terceiros isso não acontece.

Quer dizer, a eficácia natural da sentença alcança tanto as partes quanto a terceiros, não tendo tais efeitos nenhuma qualidade especial em relação a estes. Lado outro, quando se trata da autoridade da coisa julgada, esta só se verifica entre as partes.

Em relação à natureza jurídica da coisa julgada, diversas teorias existem tentando explicá-la. A primeira delas é a teoria da presunção da verdade, segundo a qual o que provém da sentença é uma presunção de verdade, ou melhor, uma verdade formal, já que a verdade real é difícil de ser alcançada.

Para Moacyr Santos (2003, p. 50), “presume-se que a sentença tenha chegado a verdade, que contenha a verdade [...]”. É dessa ideia que deriva a “definição de Ulpiano: ‘res judicata pro veritate accipitur’ (a coisa julgada é aceita como verdade)” (TOURINHO FILHO, 2011b, p. 389, grifo do autor).

A teoria da ficção, por sua vez, engendrada por Savigny, é outra que tenta explicar o fundamento jurídico da coisa julgada. Para ela, a verdade que emana da sentença é uma verdade criada, que, embora não corresponda à realidade fática, deve ser aceita por todos. Uma terceira teoria é aquela que considera a coisa julgada como um quase contrato judicial, uma vez que estabelecida a relação processual, as partes estariam obrigadas a aceitarem a sentença do juiz (RANGEL, 2012a, p. 118).

Já na visão de Chiovenda, “a coisa julgada é um instituto de natureza processual que resulta da evolução do conceito de processo como relação jurídica processual e da ação como direito autônomo [...].” (SILVA, 2007, p. 30). Essa teoria foi bastante difundida, justificando a razão de ser da coisa julgada na vontade do Estado, ou seja, a sentença expressava um ato de vontade da lei, tornando-se, portanto, imperativa (TOURINHO FILHO, 2011b, p. 390).

Outra teoria difundida e com relevante aceitação foi a perpetrada pelo já citado Enrico Tullio Liebman (1945, p. 36), para quem:

[...] A autoridade da coisa julgada não é efeito da sentença, como postula a doutrina unânime, mas sim modo de manifestar-se e produzir-se dos efeitos da própria sentença, algo que a esses efeitos se ajunta para qualificá-los e reforçá-los em sentido bem determinado.

A coisa julgada deve, portanto, assegurar não só a sentença, como também os efeitos que ela produz, sejam quais forem, declaratórios ou constitutivos, sendo, necessariamente, um atributo e não um efeito em si mesmo (TOURINHO FILHO, 2011b, p. 391).

Assim, de tudo quanto exposto, pode-se concluir que a coisa julgada, instituto com previsão constitucional, se revela como qualidade dos efeitos produzidos pela sentença e não como um efeito propriamente dito, além do que, a segurança jurídica, a justiça e a liberdade do indivíduo, se inter-relacionam dentro do contexto de imutabilidade da decisão, sendo determinante a observação desses fatores para a concretização do Estado Democrático de Direito.

2.1 RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA

A coisa julgada, como dito anteriormente, é um instituto assegurado constitucionalmente e assume, portanto, status de direito fundamental. A questão da coisa julgada e da sua relativização perpassa pelos valores da segurança jurídica e da justiça, não se podendo olvidar de que tais valores estão, também, intimamente ligados ao valor liberdade.

Nesse sentido, José Augusto Delgado (2001 apud SILVA, 2004, p. 214, grifo do autor) afirma que “‘a coisa julgada não deve ser via para o cometimento de injustiças’”. Segue nessa linha Humberto Theodoro Júnior (2002 apud SILVA, 2004, p. 217) sustentando que, “a segurança e a certeza almejadas pelo Direito não pode conviver com uma decisão que contenha uma ‘séria injustiça’”.

Assim é que a moderna doutrina tem caminhado no sentido de admitir a relativização da coisa julgada em casos excepcionais, o que significa dispensar, em certa medida, o valor segurança para dar maior efetividade ao valor justiça, estabelecendo-se, todavia, parâmetros razoáveis, de modo que o valor segurança não seja desnecessariamente comprometido. O valor tradicionalmente atribuído à coisa julgada deveria, pois, ser mitigado (WAMBIER; MEDINA, 2003, p. 231).

No dizer de Lênio Luís Streck (2007), “[...] a própria Constituição não estabelece direitos fundamentais absolutos. Há sempre a necessidade de que se realize o sopesamento diante da colisão de direitos [...]”.

Nesta senda, Cândido Rangel Dinamarco (2002 apud CÂMARA, 2004, p. 17) assevera que a coisa julgada, considerando não se tratar de efeito propriamente dito, mas sim de uma qualidade atribuída aos efeitos de uma decisão, não pode subsistir se os efeitos da sentença, por qualquer motivo, não podem se impor.

Isto é, uma sentença não pode ser inconstitucional e deve, antes de tudo, buscar ser proporcional. A proporcionalidade, um dos pilares do garantismo penal, demanda consideração da necessidade e da adequação da sentença, nos limites impostos pelo Estado Democrático de Direito.

Tem-se, portanto, que a coisa julgada não é absoluta. No dizer de Alexandre Câmara (2004, p. 19) “[...] nem mesmo as garantias constitucionais são imunes à relativização.”. Desse modo, devem ser observados os princípios da razoabilidade, proporcionalidade, legalidade e instrumentalidade, já que não se pode dar a uma sentença que desrespeita o direito positivo, nem que tampouco seja injusta, a proteção da coisa julgada (MARINONI, 2004, p. 162).

Além disso, a coisa julgada não é o único instituto a ser amparado pela Constituição, não tendo motivo, portanto, para prevalecer sobre outros que igualmente estão protegidos constitucionalmente (MARINONI, 2004, p. 162).

No mesmo compasso segue Paulo Rangel (2012a, p. 225, grifo do autor) afirmando que:

Não há menor possibilidade de a ordem jurídica penal conviver com uma sentença injusta, seja por estar eivada de error in iudicando[5], seja de error in procedendo[6], razão pela qual, no processo penal, a sentença condenatória transitada em julgado tem sempre uma autoridade relativa.

É claro que desconstituir uma sentença condenatória transitada em julgado apenas com fundamento em uma “grave ou séria injustiça” é ignorar a própria essência da coisa julgada, na medida em que “grave”, “séria” e justo são conceitos indeterminados (SILVA, 2004, p. 218). Se assim ocorresse, os conflitos acabariam se prolongando ad eternum e as relações seriam eivadas de perene insegurança.

Em Alexandre Câmara (2004, p. 20-21) encontra-se a seguinte lição:

[...] apenas no caso de se ter algum fundamento constitucional é que será possível reapreciar o que ficou decidido por sentença transitada em julgado. Dito de outra maneira, apenas no caso de sentenças inconstitucionais transitadas em julgado será possível relativizar-se a coisa julgada.

Para o referido autor, a inconstitucionalidade é o vício mais grave que uma sentença pode conter e, nesse ponto, está coberto de razão. Não admitir que uma sentença inconstitucional possa ser desconstituída vai de encontro ao Estado Democrático de Direito e ao garantismo penal, que tenta “reduzir ao máximo a possibilidade de erro e do arbítrio” estatal (CRUZ, 2001, p. 10).

Isto posto, não é qualquer injustiça que enseja a desconstituição de uma decisão transitada em julgado, mas, antes, uma injustiça que agrida uma garantia constitucional, um preceito fundamental. Logo, deve-se analisar se um fundamento é relevante e justifica a desconstituição da sentença se este for espelhado na Carta Magna.

À vista disso, se não é possível atribuir à coisa julgada um caráter absoluto, consequentemente não se pode admitir que uma sentença inconstitucional transitada em julgado prevaleça, sob qualquer hipótese, dentro de um Estado Democrático de Direito. Aceitar que a coisa julgada pode ser relativizada em casos excepcionais não causa, diferentemente do que afirma Araken de Assis (2004, p. 58), “uma insegurança geral.”.

Dentro desse quadro, existem alguns remédios adequados para rediscutir a coisa julgada. Assevera Alexandre Câmara (1994, p. 22) que “o primeiro meio adequado para que se suscite a inconstitucionalidade da sentença transitada em julgado é, indubitavelmente, a ‘ação rescisória’”.

No processo civil esse mecanismo é utilizado para desconstituir uma sentença transitada em julgado quando a mesma padece de grave vício, como a violação a literal dispositivo de lei ou, mais amplamente, quando “violar direito em tese” (CÂMARA, 1994, p. 22). Assim, dentro de 02 anos[7] os legitimados podem propor ação rescisória com fins de retratar a sentença viciada.

Já no processo penal pode-se desfazer a coisa julgada por meio de habeas corpus[8] ou revisão criminal. Estes são instrumentos excepcionais que efetivam o Estado Democrático de Direito. A revisão criminal, tema que será aprofundado em capítulo posterior, no dizer de Paulo Rangel (2012a, p. 266) “é o instituto através do qual, no processo penal, se desfaz o caso julgado material para a correção de erros, materiais ou processuais, de uma sentença”. Logo, utiliza-se a revisão criminal para corrigir erros advindos do Judiciário e que se chocam com os direitos fundamentais dos indivíduos.

Nessa via, Alexandre Câmara (1994, p. 26, grifo nosso) sintetiza:

A ineficácia da sentença inconstitucional transitada em julgado poderá ser reconhecida por qualquer meio idôneo, ou seja, por qualquer meio capaz de permitir que essa questão seja suscitada em outro processo, como questão principal ou como questão prévia.

Tendo em conta as considerações já tecidas, conclui-se que, embora a coisa julgada torne a sentença imutável, dando maior segurança às partes da relação jurídica, há que se admitir, em casos excepcionais, a sua desconstituição, já que a segurança jurídica também não pode ser encarada como valor absoluto. Evidente, todavia, que isso não pode ocorrer de qualquer modo, sendo necessário existir fundamento constitucional relevante que autorize a sua relativização.

2.2 PRINCÍPIOS E REGRAS CONSTITUCIONAIS VOLTADOS À COISA JULGADA

Princípio, do latim principium, significa origem, começo, o primeiro impulso dado a algo; aquilo que regula a ação de alguém, um preceito moral (PRINCÍPIO, 2013). No dizer de Paulo Rangel (2012a, p. 6), para o direito isso significa que “princípio é o alicerce sobre o qual repousa toda a fundamentação da ordem jurídica, dando-lhe sustento e vida, além da efetividade necessária para a consecução dos fins a que se destina”.

Os princípios constitucionais são garantias fundamentais dos indivíduos e possuem maior abstração dos seus comandos. Assim, o processo penal “enquanto sistema jurídico de aplicação do Direito Penal” traz alguns princípios imprescindíveis e fundamentais, que estão “destinados a cumprir a árdua missão de proteção e tutela dos direito individuais.” (OLIVEIRA, 2009, p. 32).

Nesse sentido, Paulo Bonavides (2011, p. 256) afirma que “os princípios são verdades objetivas, nem sempre pertencentes ao mundo do ser, senão do dever ser, na qualidade de normas jurídicas, dotadas de vigência, validez e obrigatoriedade”.

Muitos dos princípios ínsitos ao processo penal encontram guarida na Constituição Federal, de modo que ela deve guiar sempre o processo penal, a fim de que seja garantido ao indivíduo proteção contra as arbitrariedades estatais, isto é, a atividade do Estado deve ser razoável, adequada e proporcional.

Tal argumento encontra-se fortemente associado a uma primeira compreensão do garantismo, feita por Luigi Ferrajoli (1998, p. 851-852). O autor afirma que “garantismo designa un modelo normativo de derecho: [...] se caracteriza [...] en el plano jurídico como un sistema de vínculos impuestos a la potestad punitiva del estado en garantía de los derechos de los ciudadanos.” (grifo do autor).[9]

O garantismo é um modelo que se contrapõe ao autoritarismo e é fundado nos princípios fundamentais do Direito, os quais se configuram como “un esquema epistemológico” que assegura uma limitação ao poder punitivo do Estado e às suas arbitrariedades (FERRAJOLI, 1998, p. 34, grifo do autor).

Cumpre destacar agora a diferença entre regras e princípios, ressalvando, à priori, que “ambos são espécies do gênero norma jurídica, porque dizem o que deve ser. Ambos podem ser formulados por meio das expressões deônticas básicas do dever [...]” (ALEXY, 2011, p. 87).

Como caracteriza Canotilho (2003, p. 1160), princícios são normas que sustentam o sistema normativo e possuem alto grau de abstração, sendo vagos e indeterminados. Por esse motivo, não podem ser diretamente aplicados, ou seja, os princípios precisam de concretizadores.

Além disso, os princípios são normas que estão na base, constituindo os fundamentos das regras. Estas, por sua vez, possuem uma abstração menor, são imperativas e podem ser aplicadas diretamente.

Em Alexy (2011, p. 90-91) encontra-se o seguinte esclarecimento:

Princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados [...]. Já as regras são normas que são sempre satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra vale, então, deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais nem menos. Regras contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível. Isso significa que a distinção entre regras e princípios é uma distinção qualitativa, e não uma distinção de grau [...].

Portanto, em virtude do que foi mencionado, percebe-se que o Estado Democrático de Direito brasileiro é um sistema jurídico que contém regras e princípios. Nesse sentido, Humberto Ávila (2010, p. 105) afirma que a prevalência de uma regra ou de um princípio não vai depender da espécie normativa, o que significa que, existindo conflitos entre regras e princípios, deve-se observar quem possui hierarquia constitucional, em nome da supremacia da Constituição.

Como dito anteriormente, o processo penal traz alguns princípios e regras imprescindíveis e fundamentais, como, por exemplo, o princípio do Estado Democrático de Direito, a regra da segurança jurídica, o princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio da ampla defesa e do contraditório, o princípio do favor rei entre outros, que são essenciais para a ordenação da sociedade.

O princípio do Estado Democrático de Direito, de acordo com Alexandre de Moraes (2008, p. 22), significa “a exigência de reger-se por normas democráticas, com eleições livres, periódicas e pelo povo, bem como o respeito das autoridades públicas aos direitos e garantias fundamentais [...]”. No mesmo sentido, afirma Paulo Rangel (2012a, p. 13) que “a Constituição da República brasileira [...] estrutura o Estado Democrático de Direito valorizando a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores do trabalho [...]”.

Isto significa que as regras e os princípios constitucionais devem guiar e garantir todo processo criminal, de modo que os atos eivados de vícios sejam banidos. Como explicita Canotilho (2003, p. 245), o Estado Democrático de Direito compreende a realização da justiça e o direito de ser tratado igualmente com respeito e consideração pela lei e pelos órgãos que a aplicam.

Ainda, na visão de Streck e Morais (2010, p. 98-99), o Estado Democrático de Direito, vinculado à Constituição, é um instumento básico da garantia jurídica, de modo que organiza a sociedade de forma democrática, buscando corrigir as desigualdades através de uma justiça social, ou seja, busca-se uma igualdade não apenas formal, mas também a articulação de uma sociedade justa.

Assim é que, “ao se instituir o Estado Democrático de Direito, o processo penal é constitucionalizado”, gerando segurança e certeza jurídicas, “através do exercício harmônico e independente do Poder Judiciário”. É nessa medida que a relação entre o Estado Democrático de Direito e a coisa julgada é estabelecida, já que esta última também é instrumento de garantia e a sua instituição visa dar maior segurança às relações jurídicas (RANGEL, 2012a, p. 14).

A regra da segurança jurídica consiste em não prejudicar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e o caso julgado, conforme o disposto no inciso XXXVI do art. 5º da CF, o que significa dizer que, dentro do sistema jurídico, o indivíduo não pode ser surpreendido pela violação a essa cláusula.

Para José Afonso da Silva (2012, p. 136), “a segurança jurídica consiste no conjunto de condições que torna possível às pessoas o conhecimento prévio e reflexivo das consequências diretas e imediatas de seus atos e de seus fatos [...]”. O autor ainda difere o direito adquirido do ato jurídico perfeito, alegando que, enquanto “aquele emana diretamente da lei em favor de um titular”, este é “situação jurídica fundada na lei” (SILVA, 2012, p. 137).

Já o caso julgado, na visão de Nelson Nery Júnior (2004, p. 198), seria um instituto do direito, de natureza constitucional, que teria o condão de propiciar segurança nas relações sociais e jurídicas.

Em Paulo de Barros (2011, p. 201-202, grifo do autor) encontra-se o seguinte esclarecimento:

As leis não podem retroagir, alcançando o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. [...] Qualquer agressão a essa sentença constitucional representará, ao mesmo tempo, uma investida à estabilidade dos súditos e um ataque direto ao bem da certeza do direito [...].

Vê-se, portanto, que a regra da segurança jurídica não pode ser apartada do instituto da coisa julgada, tampouco do valor justiça. Não obstante, existem casos excepcionais em que a coisa julgada poderá ser relativizada e aí nasce o dilema trazido à baila por Mendes, Coelho e Branco (2008, p. 457), onde de um lado está a segurança jurídica, “uma das expressões máximas do Estado de Direito” e do outro, a “possibilidade e necessidade de mudança”. Tentar conformar tais pretensões consiste em desafio sedutor, que, todavia, escapa aos estreitos limites deste estudo.

Outro princípio que informa o processo penal é o princípio da dignidade da pessoa humana. Esse princípio encontra guarida no inciso III do art. 1º da CF[10], como um dos seus fundamentos. Para que o Estado atue de forma legítima é preciso que haja respeito à dignidade da pessoa humana, como ensina Paulo Rangel (2012a, p. 22) quando afirma que a pessoa não pode servir de instrumento ao Estado, mas sim ser o fim que se quer alcançar por meio de todos os instrumentos de garantia que existem e que são capazes de assegurar essa dignidade.

O valor inerente à pessoa humana encontra sua origem no pensamento clássico e no ideário cristão, conforme leciona Ingo Sarlet (2008, p. 30). Segundo o autor, o cristianismo considera que o homem possui um valor intrínseco, porque extraiu do Antigo e do Novo Testamento referências de que o ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus.

Se no pensamento filosófico e político da antiguidade clássica a dignidade da pessoa humana se relacionava com a posição social que o sujeito ocupava, no pensamento estoico a dignidade era caracterizada como qualidade que diferenciava o homem das outras criaturas. Já para o pensamento jusnaturalista, o entendimento da dignidade da pessoa humana passou por um “processo de racionalização e laicização, mantendo-se, todavia, a noção fundamental da igualdade de todos os homens em dignidade e liberdade” (SARLET, 2008, p. 32).

O período jusnaturalista, por sua vez, recebeu destaque de alguns nomes, entre eles o de Immanuel Kant. Do ponto de vista de Kant (2008 apud RANGEL, 2012a, p. 23), “[...] quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dela qualquer coisa equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo preço [...], então tem ela dignidade”.

À vista disso, ao homem não se pode atribuir um valor ou preço, porque a dignidade é ínsita à sua condição de ser humano e independe de qualquer circunstância. Neste viés, a pessoa do acusado no processo penal deve ser tratada com respeito, como sujeito de direitos e não como objeto para realização de outros fins.

Destarte, ofende-se a dignidade do acusado quando, por exemplo, se permite que o sujeito seja submetido duas vezes a um processo, pelo mesmo fato, do qual já houve julgamento. Ou seja, se a dignidade do acusado é atingida, causando insegurança jurídica e instabilidade, consequentemente a coisa julgada será atingida, bem como o Estado Democrático de Direito.

Assim, Paulo Rangel (2012a, p. 29) afirma que “não há que se confundir a indignidade de um ato praticado pelo homem (ato criminoso) com a dignidade inerente à sua pessoa”.

De igual modo, na visão de Ingo Sarlet (2008, p. 62):

[...] Onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação do poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade (em direitos e dignidade) e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana e esta (a pessoa), por sua vez, poderá não passar de mero objeto de arbítrio e injustiças.

Logo, todo ser humano merece, igualmente, respeito e consideração, devendo o Estado assumir uma postura ética durante o processo criminal, sobretudo porque a dignidade da pessoa humana é o “núcleo essencial dos direitos e garantias fundamentais” (RANGEL, 2012a, p. 23) e a violação desse núcleo essencial “sempre e em qualquer caso será desproporcional”, já que também por meio da dignidade da pessoa humana se protege os direitos fundamentais (SARLET, 2008, p. 129).

Mais um relevante princípio constitucional é o princípio da ampla defesa e do contraditório, o qual está previsto no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal e que diz: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (BRASIL, 1988).

É através desses princípios que é dada às partes a possibilidade de participar do processo. Por isso, a ampla defesa e o contraditório são instrumentos dos quais não se pode abrir mão, já que, o processo criminal, como foi visto, é instrumento que garante a efetivação dos direitos e garantias fundamentais dos indivíduos.

Ressalte-se, ainda, que a ampla defesa e o contraditório integram um dos dez axiomas[11] formulados por Luigi Ferrajoli (1998, p. 92). Segundo o autor, esses axiomas são “[...] proposiciones prescriptivas; no describen lo que ocurre, sino que prescriben lo que debe ocurrir [...]”[12].

Os axiomas estão divididos entre garantias relativas à pena, ao delito e ao processo, sendo que a ampla defesa e o contraditório se encaixam nesta última e respondem às perguntas de quando e como julgar: “nulla probatio sine defensione”, isto é, não há prova sem defesa (FERRAJOLI, 1998, p. 93).

Segundo Paulo Rangel (2012a, p. 44), para garantir a efetivação da ampla defesa e do contraditório algumas variáveis devem ser observadas. No entanto, tais variáveis não excluem outras existentes. Por exemplo, o réu deve conhecer prévia e inteiramente o teor da acusação que recai sobre si; deve ter acesso às provas constantes do processo, a fim de que possa reagir processualmente; deve haver presença de advogado durante todo o processo, possibilitando uma ampla defesa técnica; deve ser vedado o bis in idem; o réu tem direito a uma sentença congruente e ao duplo grau de jurisdição. Dessa forma, “se desrespeitada qualquer dessas variáveis haverá violação a ampla defesa e ao contraditório [...].” (RANGEL, 2012a, p. 45).

Outro princípio primordial para o processo penal é o princípio do favor rei, que pode ser chamado também de princípio do favor réu, na medida em que “na ponderação entre o direito de punir do Estado e o status libertatis do imputado, este último deve prevalecer.” (TÁVORA; ALENCAR, 2010, p. 62).

No mesmo sentido, Tourinho Filho (2011a, p. 101-102) explicita os seus pressupostos afirmando que “no conflito entre o jus puniendi do Estado, por um lado, e o jus libertatis do acusado, por outro lado, a balança deve inclinar-se a favor deste último se se quiser assistir ao triunfo da liberdade”.

Isto significa que o réu só será privado da sua liberdade se restar comprovada, de modo irrefutável, a sua culpa. Além do que, tendo o réu recorrido, o tribunal não poderá piorar a sua situação jurídica. Por conseguinte, “a proibição de reformatio in pejus é clara disposição do princípio do favor rei.” (RANGEL, 2012a, p. 46).

A reformatio in pejus ocorre “quando o órgão ad quem, no julgamento de um recurso, profere decisão mais desfavorável ao recorrente, sob o ponto de vista prático, do que aquela contra a qual se interpôs o recurso.” (DIDIER JUNIOR; CUNHA, 2009, p. 78).

Lúcio Santoro de Constantino (2004, p. 39, grifo do autor) elenca algumas razões que sustentam a reformatio in pejus, como por exemplo, “o princípio do tantum devolutum quantum appellatum”, o qual “impede uma decisão de maior amplitude, capaz de piorar a situação do recorrente”, ou ainda, “a questão da coisa julgada parcial” e a “proteção ao interesse recursal”.

Fala-se da proteção ao interesse recursal porque se fosse permitido a reforma da decisão para pior, haveria um “efetivo cerceamento recursal ao acusado”, já que o sujeito deixaria de recorrer por temer ser prejudicado, configurando patente afronta ao direito de recurso na ação (CONSTANTINO, 2004, p. 39).

Nesta quadra de exposição, a revisão criminal também se institui, conforme leciona Rangel (2012a, p. 47), “em nome do réu como corolário do princípio do favor rei”. Se novas provas surgem, demonstrando de forma irrefutável que o réu é inocente, não é justo, nem cabível, que o Estado permaneça com a sentença condenatória, ainda que transitada em julgado. Isso afrontaria tanto a dignidade do acusado como o próprio Estado Democrático de Direito. Portanto, o princípio do favor rei é criado, justamente, para “proteger a liberdade e a dignidade do réu.” (RANGEL, 2012a, p. 47).

Tendo em vista os aspectos observados, chega-se ao entendimento de que o processo penal é conduzido por uma série de princípios e regras que acabam transformando-o em um importante instrumento a serviço da liberdade do indivíduo.

Isso quer dizer que é de fundamental importância conhecê-los e estudá-los, pois não se admite que no Estado Democrático de Direito, onde os direitos e garantias fundamentais dos indivíduos devem ser efetivados ao máximo, as regras e os princípios que o informam sejam violados.


3 TRIBUNAL DO JÚRI

O Tribunal do Júri, assim como a coisa julgada, possui assento constitucional, estando disposto no art. 5º, inciso XXXVIII da CF[13], que o reconhece como instituição organizada por lei, sendo assegurado o sigilo das votações, a plenitude de defesa, a soberania dos veredictos e a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

A origem dessa instituição ainda é alvo de divergência entre os doutrinadores, o que leva Rogério Laurita Tucci (1999, p. 12) a dizer que:

Há quem afirme, com respeitáveis argumentos, que os mais remotos antecedentes do Tribunal do Júri se encontram na lei mosaica, nos dikastas, na Heliéia (tribunal dito popular) ou no Areópago gregos; nos centeni comites, dos primitivos germanos; ou, ainda, em solo britânico, de onde passou para os Estados Unidos e, depois, de ambos para os continentes europeu e americano.

Para Tucci (1999, p. 15-16), a origem do tribunal popular, que hoje se denomina Tribunal do Júri, se encontra em Roma, mais precisamente “no segundo período evolutivo do processo penal, qual seja o do sistema acusatório, consubstanciado nas quaestiones perpetuae”. A “quaestio”, afirma o autor, seria uma espécie de comissão, um “órgão colegiado constituído por cidadãos, representantes do populus romano [...]”.

Para que um homem fosse julgado por seus pares, seria necessário que o tribunal popular apresentasse uma estrutura mínima e regras previamente estabelecidas. É nesse viés que ele estabelece comparações entre as “quaestiones perpetuae” e o atual tribunal do júri, colocando-as como a “celula mater da instituição do júri nacional.” (TUCCI, 1999, p. 25).

José Frederico Marques (1997, p. 20), por sua vez, sustentou que o Tribunal do Júri teve sua origem na Inglaterra, “depois que o Concílio de Latrão aboliu as ordálias e os juízos de Deus [...]”. Para o autor, depois da independência do Judiciário face ao Executivo, o júri, que havia sido “levado ao continente europeu como reação à magistratura das monarquias absolutistas”, acabou perdendo sua característica política. Com isso, verificou-se a sua inferioridade, isto é, o “jus libertatis” do acusado também poderia ser protegido por meio da “justiça togada”.

Lado outro, Paulo Rangel (2012b, p. 40) alega que “o tribunal popular, diferente do que muitos pensam, não nasce, propriamente dito, na Inglaterra, pois já existiam, no mundo, outros tribunais com as suas características”.

Nessa linha, Ruy Barbosa (1950, p. 27-28) explicita os seus pressupostos:

Se o Júri, de que já se encontra a prefiguração longínqua nos judices romanos [...], se não nos dikastas gregos, e nos centeni comites dos primitivos germanos, imortalizados por Tácito, autorizando historiadores e entusiastas seus a gabarem-no de medir o curso da civilização [...], recebeu os primeiros traços da sua forma definitiva no solo britânico, depois da conquista normanda, sob Henrique II, extinguindo-se na França, de onde fora transplantado nos seus mais grosseiros rudimentos com as Capitulares, na média idade inglesa é que ele revestiu a imagem, sob que a era moderna o adotou.

O que se vê, portanto, é que a questão da origem do Tribunal do Júri é bastante controversa na doutrina, não havendo certeza, onde, de fato, o Júri surgiu.

Todavia, em que pese as divergências históricas, não pode haver dúvida quanto à destacada natureza pública do Júri, isso porque, além da presença do agente estatal pertencente ao Poder Judiciário, verifica-se, também, a presença dos cidadãos, representantes do povo, “investidos diretamente do poder de julgar sobre a pretensão punitiva estatal.” (VIVEIROS, 2003, 16).

Logo, o Júri é um órgão colegiado e heterogêneo, composto “por um juiz togado, seu presidente e por 25 (vinte e cinco) jurados”[14], que serão alistados pelo juiz e escolhidos posteriormente para compor o Tribunal do Júri e o Conselho de Sentença, os quais possuem elementos permanentes e temporários.

“O presidente do Tribunal do Júri é o órgão permanente que [...] deve estar, durante todo o tempo [...], à testa de seus trabalhos”. A parte temporária são os jurados, já que “o Conselho de Sentença é formado, em julgamento por julgamento, podendo assim compor-se de pessoas diferentes em cada sessão que o Tribunal do Júri realizar [...].” (MARQUES, 1997, p. 122).

Dessa forma, o juiz de direito, agente estatal do Poder Judiciário, é aquele que deve estar legitimado ao exercício da jurisdição criminal, conforme as leis vigentes. Os jurados, por sua vez, são os cidadãos, as pessoas do povo que possuem a função de julgar o réu e que são escolhidos “dentre os de notória idoneidade na comunidade em que vivem.” (TUCCI, 1999, p. 34, grifo do autor).

Segundo o art. 425 do CPP, o presidente do Tribunal do Júri alista, anualmente, cerca de 800 (oitocentos) a 1.500 (um mil e quinhentos) jurados nas comarcas cujo número de habitantes ultrapassa 1.000.000 (um milhão). Nas comarcas que possuem mais de 100.000 (cem mil), o número de jurados é reduzido, ficando entre 300 (trezentos) e 700 (setecentos). Já nas comarcas de menor população o número fica entre 80 (oitenta) e 400 (quatrocentos) jurados.

À vista disso, a instituição do Júri acaba inserindo no processo legal valores democráticos, que se concretizam pela participação do cidadão comum no julgamento de seu semelhante (VIVEIROS, 2003, p. 76-78).

Mauro Viveiros (2003, p. 3) ainda destaca que, “integrando os ‘direitos ou garantias individuais’ [...], o Júri sempre esteve associado à ideia de defesa dos valores sociais mais relevantes, tais como vida, liberdade, segurança individual e propriedade”.

Ocorre que, esse entendimento não é unânime na doutrina, já que existem autores que rejeitam o fato do Júri estar relacionado ao exercício da democracia. Para Frederico Marques (1997, p. 149-150), “o jurado não tem parcela alguma de mandato popular, pois não é escolhido pelo povo para o exercício de suas funções”. Por isso, não seria razoável “[...] invocar os postulados da democracia para justificar a instituição do Júri”.

Nessa esteira, Paulo Rangel (2012b, p. 89-90) também critica a instituição, afirmando que, diferentemente do que a doutrina tradicional pensa, a função dos jurados não é de julgar os seus pares, porque o povo “é a sociedade organizada e incluída no sistema de um mundo globalizado e excludente”.

Para o autor, a função dos jurados, assim como a sua escolha, não passa por um “filtro ético axiológico e, consequentemente, constitucional”, devendo existir uma nova reforma a fim de que o instituto seja, de fato, “um instrumento de garantia do acusado”.

Em Ruy Barbosa (1950, p. 69) encontra-se a seguinte explicação:

Há, em verdade, na questão do júri, duas classes de reformadores distintas: a dos seus adeptos que, crentes na eficácia da instituição, se empenham em aperfeiçoá-la, e a dos seus antagonistas que, mediante providências inspiradas no pensamento oposto, buscam cercear e desnaturar progressivamente essa tradição, até que a eliminem. Os segundos usam sempre o nome de reformadores, quando o que realmente lhes cabe seria o de abolicionistas: porque a tendência dos seus alvitres, é se nem sempre confessada, ao menos sempre manifesta, a abolição do júri.

Isso mostra que o Júri ainda é alvo de muitos debates, sobretudo em razão da reforma processual que ocorreu com a Lei nº 11.689/2008, nascida do Projeto de Lei nº 4.203/2001, que alterou alguns dispositivos do CPP relativos ao Tribunal do Júri (MOREIRA, 2008).

Acerca da reforma, Paulo Rangel (2012b, p. 83) afirma que, “a Lei nº 11.689/2008 não fez uma reforma total do processo penal, mas sim parcial do Tribunal do Júri”.

Para Rômulo Moreira (2008), porém, “é evidente que o ideal seria uma reforma total, completa, que propiciasse uma harmonia absoluta no sistema processual penal, mas, [...] se assim o fosse as dificuldades que já existem hoje, seriam ainda maiores”.

Nesse aspecto, vê-se que o entendimento do referido autor diverge do posicionamento de Rangel (2012b, p. 92), para quem “uma reforma parcial [...] acaba quebrando a harmonia do sistema e, no caso do Júri, acendeu na doutrina críticas ainda maiores à instituição”.

Assim, surgiram críticas à questões como a supressão do libelo; a incomunicabilidade dos jurados; a obrigatoriedade em ser jurado; a redução da idade para exercer a função de jurado, entre outras, que não serão esgotadas no presente trabalho.

A incomunicabilidade dos jurados está prevista no §1º do art. 466 do CPP[15], e tem como finalidade preservar a opinião dos jurados, de modo que eles não podem discutir o caso entre si ou com outrem. Isso, na verdade, é um modo de impedir que um jurado influencie o outro na hora da votação, o que poderia favorecer ou prejudicar o réu (PORTO, 1996, p. 55).

Ressalte-se aqui que, a incomunicabilidade se difere do sigilo das votações, na medida em que “o sigilo visa evitar que se exerça pressão sobre a votação dos jurados, seja com perseguições, ameaças, chantagens, vantagens [...]” (RANGEL, 2012b, p. 81). Ou seja, “o sigilo no julgamento pelo júri expressa-se [...] sob duplo aspecto: o sigilo das votações e a incomunicabilidade dos jurados.” (LOPES, 1999, p. 259).

Logo, a crítica que se estabelece é em relação ao sigilo sob o aspecto da incomunicabilidade dos jurados e não ao sigilo das votações, pois, de fato, o sigilo das votações garante ao jurado uma maior segurança e tranquilidade ao dar o seu voto.

Dessa forma, o CPP estabelece no art. 483[16] que, havendo resposta afirmativa ou negativa de mais de três jurados aos quesitos de materialidade do fato e autoria ou participação, a votação será encerrada e implicará, nos casos em que a resposta for negativa, na absolvição do acusado; ou, nos casos de resposta afirmativa, implicará em formulação de novo quesito.

E o que dizer das cédulas de “sim” e “não”, distribuídas aos jurados? De igual modo, consiste em visível “cerceamento da comunicação dos jurados” (RANGEL, 2012b, p. 246), além de ofender a Constituição, pois não é razoável que a Carta Magna estabeleça a fundamentação das decisões do Judiciário e os jurados se limitem a responder “sim” ou “não” aos quesitos.

Nesses termos, Paulo Rangel (2012b, p. 206), para quem “a linguagem, no júri, tem de ser usada em nome da liberdade e da vida do outro [...]”, deixa claro que: “a incomunicabilidade é o que há de pior no Tribunal do Júri por vedar aos jurados a transparência de seu agir comunicativo, através da ética da alteridade: o respeito ao outro enquanto um ser igual a nós na sua diferença”.

O que a lei pretende com a incomunicabilidade, portanto, é o que os jurados decidam com base nas suas próprias convicções, sem a influência de outrem. Todavia, o que normalmente ocorre difere dessa pretensão, pois é praticamente impossível que os jurados não se comuniquem, sobretudo nos intervalos das sessões.

Outra mudança que não foi bem recebida, e que está relacionada com a questão da obrigatoriedade em ser jurado, foi a redução da idade para exercer tal função. Antes da reforma pela Lei nº 11.689/2008, a idade para ser jurado era de 21 anos, mas hoje, de acordo com o art. 436 do CPP, os cidadãos maiores de 18 anos, que tenham notória idoneidade, devem ser alistados para exercer a função de jurado, salvo as hipóteses do art. 437 do CPP[17].

Essa redução evidencia a escolha de um critério desproporcional e eticamente irresponsável, já que no Júri o bem em jogo é a liberdade do ser humano. Para ser jurado, portanto, deveria se exigir do sujeito certa experiência de vida, o que normalmente não ocorre a alguém de 18 anos. Além disso, por conta da obrigatoriedade do serviço, a função de jurado no Brasil está longe de ser um exercício de cidadania (RANGEL, 2012b, p. 195-196).

Com a modificação, a instituição do Júri fica ainda mais vulnerável às críticas e podem ocorrer sérias consequências ao réu, sobretudo em face da soberania dos veredictos. A redução da idade para exercer a função de jurado pode ocasionar a formação de um Conselho de Segurança muito jovem, sem a necessária experiência de vida, tornando difícil exigir uma idoneidade manifesta de um sujeito que acabou de se tornar habilitado, pela lei[18], à prática dos atos da vida civil.

Vê-se, por conseguinte, que o legislador confundiu inexperiência com a falta de conhecimento dos jurados, que é, ou deveria ser, predicado substancial do Júri, e acabou ocasionando uma mudança pouco ou nada eficaz à instituição. Sendo assim, melhor seria ter mantido o dispositivo “velho”, em detrimento de uma reforma pouco funcional e eficiente, que acabou tornando ainda mais frágil a questão da responsabilidade dos jurados.

Destaca-se, ainda, que, além da natureza pública, o Júri se caracteriza por sua natureza condenatória, na medida em que “tem por causa finalis o julgamento de uma acusação”. O que se pede ao Júri é que “se julgue procedente o libelo [...], que é o instrumento formal da acusação”, isso porque, com a denúncia ainda não existe acusação, mas apenas imputação (MARQUES, 1997, p. 104-105, grifo do autor).

Na visão de Barão de Ramalho (1956 apud MARQUES, 1997, p. 338), o libelo “consiste na ‘exposição escrita e articulada do fato criminoso, feita em forma legal, em que se pede a punição do réu”. Isto quer dizer que apenas no libelo é que vai ocorrer o pedido de condenação.

Desse modo, o Tribunal do Júri poderia decidir, julgando acerca do crime e da autoria e o presidente do Júri poderia decidir, na sentença, sobre as sanções penais aplicáveis ao caso (MARQUES, 1997, p. 105).

O libelo, apesar disso, no dizer de Paulo Rangel (2012b, p. 179), “foi revogado pela Lei nº 11.689/2008”, embora sempre tenha existido, na doutrina, “manifestações contrárias e a favor do libelo”. Para o autor, o libelo era “uma fonte de nulidade quando o MP não era estruturado em carreira como é hoje” e, devido à estrutura acusatória do processo, a função de julgar não era do juiz.

Portanto, a supressão do libelo acarreta nulidades ao processo e não agilidade, pois se corre o risco de ter uma “denúncia vaga, ambígua ou genericamente formulada, por falta de informações precisas [...]”, já que o libelo era “um importante guia de orientação para os jurados e para a própria defesa, que conhecendo antecipadamente os termos da acusação” se articulava melhor para “um embate lógico em plenário.” (VIVEIROS, 2003, p. 224).

Posto isso, e superando as polêmicas que cercam a instituição, ressalta-se o caráter contraditório e oral do Júri, notadamente, na medida em que a “contrariedade da instrução criminal [...] está inserida entre os direitos e garantias individuais, no contexto da Carta Magna [...]” (TUCCI, 1999, p. 35, grifo do autor).

Assim, a fim de que “o órgão julgador competente, devidamente formado o seu convencimento, possa se pronunciar o mais corretamente possível, e com justiça” (TUCCI, 1999, p. 35), é que se considera a contraditoriedade do processo penal.

Já a oralidade, nas palavras de Frederico Marques, (1997, p. 84) “é o que tem o Júri de mais consubstancial e típico”, isto é, “júri é linguagem.” (RANGEL, 2012b, p. 152).

O Júri está inserido na organização judiciária, sendo considerado como um órgão especial da justiça comum e, embora “sua organização seja regulada em lei federal, a sua formação e recrutamento estão entregues à magistratura local dos Estados.” (MARQUES, 1997, p. 91-92).

De acordo com o autor, suas atribuições são definidas por lei e pela Constituição, ou seja, só é da competência do Júri o que a lei ou a Constituição lhe houver reservado. Assim, o que não for de competência do júri será da competência da justiça togada.

A instituição do Júri poderá, ainda, ser classificada em comum e especial, desde que o texto da Carta Magna seja respeitado, porque “nada impede que ao lado de um Júri comum existam formas especiais do Tribunal do Júri.” (MARQUES, 1997, p. 98, grifo do autor). A forma especial desse Tribunal está prevista e disciplinada na Lei nº 1.521/51, que dispõe “sobre crimes contra a economia popular”.

O procedimento da instituição do Júri é desenvolvido em duas fases distintas: a primeira, que corresponde a um juízo de admissibilidade feito pelo juiz e a segunda, que se refere ao julgamento pelo corpo de jurados (VIVEIROS, 2003, p. 34).

Ao juízo de admissibilidade dá-se o nome de “fase da formação da culpa”, a qual se desenvolve “a partir do recebimento da denúncia do Ministério Público [...]”. Nessa fase serão recolhidas as provas que servirão para demonstrar a “viabilidade da acusação” e, principalmente, o imediato desenvolvimento do processo. Assim, “encerrada a instrução criminal, abre-se às partes oportunidade para apresentação de alegações finais, culminando com decisão denominada sentença de pronúncia [...] cuja função [...] é encaminhar o réu a julgamento perante o Júri.” (VIVEIROS, 2003, p. 34).

Antes da fase de julgamento, porém, existe uma fase preparatória, que é uma fase intermediária, posta entre a fase da formação da culpa e a fase do julgamento. Ela é inserida “para a preparação do processo a ser enviado à sessão de julgamento do Tribunal do Júri”, o que significa dizer que será desenvolvida na presença de “um juízo monocrático, pois que a instância é dirigida por juiz singular da magistratura togada.” (MARQUES, 1997, p. 117).

Destarte, encerrada a fase da formação de culpa e vencida a fase preparatória, segue-se para a fase ulterior do julgamento, onde o Júri irá apreciar o mérito do processo, isto é, “sucede-se [...] ao judicium accusationis, o judicium causae [...]” do plenário de julgamento (MARQUES, 1997, p. 425).

Essa fase terá início “quando operar-se a preclusão no tocante à pronúncia” (MARQUES, 1997, p. 429) e terminará, após as alegações orais, com a votação dos quesitos e a pronúncia da sentença (MARQUES, 2009, p. 220).

Ocorre que, o juiz pronunciará o réu apenas se estiver convencido da materialidade do fato e de que há sinais suficientes de autoria ou de participação, conforme dispõe o art. 413 do CPP[19]. Ou seja, em caso de dúvida, o juiz deverá absolver o réu e não pronunciá-lo, mandando-o a Júri, como ensina a doutrina tradicional, sob pena de se ter uma condenação injusta.

Paulo Rangel (2012b, p. 152), nesse sentido, alega que:

[...] Se há dúvida, é porque o Ministério Público não logrou êxito na acusação que formulou em sua denúncia, sob o aspecto da autoria e materialidade, não sendo admissível que sua falência funcional seja resolvida em desfavor do acusado, mandando-o a júri, onde o sistema que impera, lamentavelmente, é o da íntima convicção.

Portanto, no caso do juiz não ter se convencido da materialidade do fato ou da existência de sinais suficientes de autoria ou de participação, não poderá pronunciar o acusado e, a despeito do que estabelece o art. 414 do CPP[20], não deveria impronunciá-lo, mas sim absolvê-lo.

É que a decisão de impronúncia acaba deixando o réu numa situação de insegurança, visto que ele não é condenado nem absolvido. Isto é, encontra-se numa “área cinzenta”, esperando a extinção da punibilidade ou o surgimento de novas provas. Além do que, “no Estado Democrático de Direito não se pode admitir que se coloque o indivíduo no banco dos réus [...] como se o tempo é que fosse lhe dar a paz e a tranquilidade necessárias.” (RANGEL, 2012b, p. 162).

Apesar disso, o legislador, entendendo de forma diversa, preservou, na reforma, a sentença de impronúncia, que se caracteriza como a decisão que encerra a formação da culpa, extinguindo o processo mediante sentença terminativa, “dando pela inviabilidade da acusação, isto é, tendo o autor como carecedor da ação penal.” (TUCCI, 1999, p. 42, grifo do autor).

José Frederico Marques (1997, p. 359) esclarece:

A sentença de impronúncia, assim como a de despronúncia[21], encerra o processo penal condenatório, mas não decide do mérito da pretensão punitiva. Com isso, apresenta-se tal decisão, como interlocutória mista, a qual pondo fim à instância penal, tem ainda o nome de decisão terminativa.

Outra possibilidade de encerramento da formação da culpa e que também impede o encaminhamento da imputação para o julgamento pelo Júri é a sentença de absolvição sumária. Nos casos em que restar provada a inexistência do fato; demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime; provado não ser o acusado autor ou partícipe do fato ou, ainda, quando restar provado que o fato não constituiu infração penal, conforme o disposto no art. 415 do CPP, o juiz poderá absolver, desde logo, o acusado.

Conforme leciona Paulo Rangel (2008, p. 543, grifo do autor):

Trata-se de um verdadeiro e único caso de julgamento antecipado do caso penal no processo penal brasileiro, pois o juiz natural da causa é o Tribunal do Júri, porém, neste caso, o juiz singular (presidente do Tribunal do Júri, que dirige o processo), verificando a presença dos requisitos previstos no art. 411[22] do CPP, antecipa o julgamento e dá ao réu o status libertatis.

Dessa maneira, a sentença de absolvição sumária é definitiva, uma vez que “declara improcedente a pretensão punitiva do Estado, incidindo, desse modo, sobre o meritum causae” (MARQUES, 1997, p. 359), e “afastando de vez a competência do Tribunal do Júri.” (TUCCI, 1999, p. 45).

Ressalte-se que, a sentença absolutória não deve se estender aos crimes conexos que foram levados ao Júri, pois, absolvido o réu, cessa a competência da instituição para julgar o delito conexo. Assim, havendo absolvição, o juiz deverá esperar o trânsito em julgado da decisão para remetê-la ao juiz singular competente, que se manifestará sobre o crime conexo (RANGEL, 2008, p. 544).

A respeito, o Tribunal de Santa Catarina:

RECURSO CRIMINAL - TENTATIVA DE HOMICÍDIO SIMPLES (CP, ART. 121, CAPUT, C/C ART. 14, II)- ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA QUE SE IMPÕE - ACUSADO QUE AGIU SOB O MANTO DA LEGÍTIMA DEFESA (CP, ART. 25)- PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS - PLEITO DESCLASSIFICATÓRIO DO CRIME PREVISTO NO ART. 16, PAR.ÚN, IV, PARA O ART. 14, CAPUT, AMBOS DA LEI N. 10.826/2003 - IMPOSSIBILIDADE - ARTEFADO COM NUMERAÇÃO RASPADA EM TESE - ARMA DE USO PERMITIDO - IRRELEVÂNCIA - PERÍCIA DEFINITIVA PENDENTE DE CUMPRIMENTO - EXAME TÉCNICO JÁ DETERMINADO PELO JUIZ A QUO - REMESSA DOS AUTOS A ORIGEM PARA JULGAMENTO DO FEITO EM RELAÇÃO AO DELITO CONEXO - NECESSIDADE DE AGUARDAR-SE O TRÂNSITO EM JULGADO DO PRESENTE DECISUM PARA POSTERIOR ANÁLISE. I - É cediço que a "absolvição sumária por legítima defesa, na firme compreensão da jurisprudência e doutrina pátrias, somente há de ter lugar, quando houver prova unívoca da excludente, a demonstrá-la de forma peremptória (Código de Processo Penal, artigo 411). (HC 99194/PE, rel, Min. Felix Fischer, j. em 18-8-2008)." Assim sendo, para a caracterização da aludida excludente de ilicitude, necessário se faz coexistência dos pressupostos delineados no art. 25 do Código Penal, quais sejam, o uso moderado dos meios necessários para repelir injusta agressão, atual ou iminente, a direito próprio ou alheio. Dessa forma, em se evidenciado a existência do exercício da legítima defesa por parte do acusado, na medida em que este somente desferiu o tiro contra um dos agressores visando proteger sua vida, bem como a de seu filho, reagindo, assim, à agressão atual e injusta por parte dos agressores, além de não ter em momento algum ultrapassado os limites necessários e os meios moderados para sua caracterização, a absolvição sumária se mostra imperiosa, não havendo necessidade de se submeter o réu a julgamento pelo Tribunal do Júri. II - Apesar de o caput do art. 16 da Lei n.º 10.826/03 referir-se a armas de fogo, munições ou acessórios de uso proibido ou restrito, o parágrafo único, ao incriminar a conduta de portar arma de fogo modificada, refere-se a qualquer arma, sendo irrelevante o fato de ela ser de uso permitido, proibido ou restrito." (REsp n. 918867, rela. Mina. Laurita Vaz, j. em 28-9-2010). III - Em sendo decretada a absolvição sumária, deve o crime conexo ser julgado pelo juízo comum, haja vista não se enquadrar dentre os de competência do Tribunal do Júri, de modo que sua análise recairá sobre o juízo singular, cuja remessa dos presentes autos se fará necessária após o trânsito em julgado do presente decisum. (SANTA CATARINA, 2011, grifo nosso).

Sem embargo, poderão existir casos em que o juiz que proferiu a sentença no Júri possui uma jurisdição cumulativa, sendo o competente para julgar os crimes conexos que foram atraídos pela instituição (RANGEL, 2012b, p. 171). Isso ocorre, pois a CF, ao estabelecer a competência do Júri para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, não limitou a possibilidade de o Júri julgar os crimes que lhe forem conexos (VIVEIROS, 2003, p. 237).

Em 2007, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu ser possível o julgamento dos crimes conexos pelo Júri:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 213, CAPUT, E ART. 213 C/C ART. 14 INCISO II, TODOS DO CP, E ART. 10, § 1º, INCISO III DA LEI 9.437/97. JÚRI. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO FEITO. DESCLASSIFICAÇÃO PRÓPRIA. CRIMES CONEXOS. COMPETÊNCIA. JUIZ PRESIDENTE. I - Verificada a presença de crimes conexos em relação ao delito doloso contra a vida, o juiz natural da causa - incluindo aí os crimes conexos - será o Tribunal do Júri. II - Contudo, operada em Plenário a desclassificação própria do delito doloso contra a vida, ao Juiz Presidente competirá julgar tanto o delito desclassificado quanto os demais porventura a ele conexos. (Precedentes do Pretório Excelso). Ordem denegada. (BRASIL, 2007a, grifo nosso).

A propósito, o julgamento dos crimes dolosos contra a vida e seus conexos, de competência do Júri, abrange tanto os delitos consumados quanto os tentados[23]. Esses crimes se referem ao homicídio doloso, simples, privilegiado ou qualificado; induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio; infanticídio e aborto, em todas as suas modalidades[24]. O latrocínio, em que pese resulte em morte, não compete ao Tribunal do júri, mas ao juiz singular, de acordo com o que estabelece a Súmula 603 do STF.

Dentro desse contexto, sobreleva-se a questão do desaforamento[25], que consiste numa “derrogação de competência territorial” (MARQUES, 1997, p. 259), ou seja, noutros termos, o julgamento do réu é transferido “para o foro de outra Comarca [...] ou para outra Vara da mesma Seção Judiciária da Justiça Federal [...]” (TUCCI, 1999, p. 51).

O desaforamento, tratado no capítulo II, seção V do CPP, é um instituto excepcional e constitui característica peculiar do Júri. Nas lições de Tucci (1999, p. 90), “daí a sua valia, em prol da efetivação da normalidade do julgamento, com provável reflexo no acerto do veredicto”.

Por fim, cabe evidenciar as semelhanças e diferenças entre Júri e escabinado, a fim de não confundir os institutos. Embora ambos sejam órgãos heterogêneos, compostos por magistrados e leigos, e possuam “recrutamento popular, sorteio e [...] divisão do julgamento”, diferem quanto às atribuições dos seus membros: no escabinado, o caso é julgado “em conjunto, pelos juízes leigos e juízes profissionais [...]”; no júri, apenas “o elemento popular decide sobre a existência e autoria do crime.” (MARQUES, 1997, p. 33-35).

3.1 OS PRINCÍPIOS BÁSICOS DO JÚRI

A CF/88 consagrou no seu art. 5º, inciso XXXVIII, alguns princípios basilares que informam o Tribunal do Júri: a plenitude de defesa; o sigilo das votações e a soberania dos veredictos. Esses princípios são fundamentais e visam estruturar melhor a instituição, conferindo-lhe “um perfil constitucional apropriado à sua natureza popular.” (VIVEIROS, 2003, p. 17).

Porquanto os princípios do sigilo das votações e da ampla defesa terem sido analisados em capítulo anterior, aqui serão tratados de forma breve e o destaque será conferido à soberania dos veredictos, tendo em vista que a sua ideia, por vezes, é confundida com a ideia de onipotência e arbitrariedade e, além disso, o seu conhecimento é imprescindível à compreensão do presente estudo.

3.1.1 A Plenitude de Defesa

A ampla defesa é um direito fundamental que a CF[26] assegura a todos os cidadãos, possibilitando uma defesa sem restrições. Nesse âmbito, quando se fala em plenitude de defesa quer-se dizer que, mais do que ampla, a defesa é potencializada e abrangente.

O princípio da plenitude de defesa é ínsito ao Tribunal do Júri e confia à instituição maior efetividade, levando-se em consideração as particularidades do julgamento popular, como, por exemplo, a decisão baseada na íntima convicção. Isso mostra que, sem a defesa plena, completa, a liberdade do indivíduo restaria prejudicada, justamente pelo fato de que se consagra no Júri a não fundamentação da decisão dos jurados (VIVEIROS, 2003, p. 18).

Isto é, como o Júri decide por livre convicção, sem se limitar ao que foi alegado e provado, a defesa tem que ser a mais completa possível, a fim de que a liberdade do réu, também assegurada constitucionalmente, seja tutelada. Como caracteriza Guilherme de Souza Nucci (1999 apud VIVEIROS, 2003, p. 18), “um tribunal que decide sem fundamentar seu veredicto precisa proporcionar ao réu uma defesa acima da média [...]”.

A jurisprudência se manifesta no mesmo sentido:

TRIBUNAL DO JÚRI (PLENITUDE DE DEFESA) – TRÉPLICA (INOVAÇÃO) – CONTRADITÓRIO/AMPLA DEFESA (ANTINOMIA DE PRINCÍPIOS) – SOLUÇÃO (LIBERDADE) – 1- Vem o júri pautado pela plenitude de defesa (Constituição, art. 5º, XXXVIII e LV). É-lhe, pois, lícito ouvir, na tréplica, tese diversa da que a defesa vem sustentando. 2- Havendo, em casos tais, conflito entre o contraditório (pode o acusador replicar, a defesa, treplicar sem inovações) e a amplitude de defesa, o conflito, se existente, resolve-se a favor da defesa – Privilegia-se a liberdade (entre outros, HC-42.914, de 2005, e HC-44.165, de 2007). 3- Habeas corpus deferido. (BRASIL, 2009a, grifo nosso).

Sendo assim, é de extrema relevância que se atribua à defesa não só amplitude, mas também plenitude, com o propósito de tornar a instituição do Júri mais efetiva e de resguardar a liberdade, valor sagrado do homem.

3.1.2 O Sigilo das Votações

O princípio do sigilo das votações, como já retratado no ponto 3 do presente capítulo, não deve ser confundido com a incomunicabilidade dos jurados. De dizer-se que, esse princípio permite ao jurado se posicionar sobre o caso de forma mais espontânea e livre, possibilitando uma decisão mais tranquila e refletida. Caso contrário, sentindo-se pressionado e exposto, o jurado poderia comprometer a sorte do réu (VIVEIROS, 2003, p. 20-21).

Por isso, a votação será realizada em sala secreta, conforme dispõe o art. 485, caput, do CPP[27] e os jurados receberão as cédulas de “sim” e “não”, para que respondam aos quesitos, computando os votos (TUCCI, 1999, p. 62).

Esse procedimento secreto é, portanto, uma forma de se garantir a segurança dos jurados e a sua quebra implica em nulidade do julgamento (LOPES, 1999, p. 259). Nessa linha, Ruy Barbosa (1950, p. 107) já afirmava que “‘[...] o segredo é da essência das deliberações do júri [...]’”.

O autor também ensinou que:

Base fundamental do júri, na expressão de uns, parte da sua essência, na de outros, não podia o sigilo do voto ser subtraído ao júri, senão por quem sôbre êste possuísse a autoridade de criar e destruir. Se os estados, em face da cláusula da constituição que lhe dá existência nacional, não podem abolir o júri, tão pouco lhes seria lícito desfalcá-lo na sua base e na sua essência; porque é pela essência, que as compõe, ou pela base, onde assentam, que as realidades existem, ou se extinguem. (BARBOSA, 1950, p. 109).

3.1.3 A Soberania dos Veredictos

Soberania é um termo ligado, à priori, “à caracterização do poder do Estado” (VIVEIROS, 2003, p. 22), como um poder perpétuo e absoluto. No entanto, para a moderna teoria do Direito, essa soberania se ajusta à ordem jurídica. Assim, Kelsen (2000, p. 544) descreve que o Estado pode ser considerado poder soberano, porque se entende que a ordem jurídica desse Estado seja suprema, “[...] acima da qual não existe nenhuma outra ordem jurídica”.

Contudo, a soberania aqui tratada não alcança essa definição. A soberania dos veredictos consiste na impossibilidade do Poder Judiciário, ou qualquer outro órgão estatal, alterar o conteúdo das decisões dos jurados. Ou seja, a “[...] soberania dos veredictos traduz [...] a impossibilidade de uma decisão calcada em veredicto dos jurados ser substituída por outra sentença sem essa base [...].” (VIVEIROS, 2003, p. 23-26).

A própria instituição do Júri, frise-se, e não apenas os seus veredictos, é revestida pela soberania. Como define Mossin (1997, p. 99), o júri soberano “é aquele ao qual não se substitui nenhum magistrado para julgar uma questão criminal já decidida pelos jurados”.

Isso significa que o Judiciário só pode interferir no judicium acusationis, estando impedido de intervir na fase do judicium causae, que diz respeito apenas aos jurados:

Nova intervenção judiciária é justificável apenas em situações que não digam respeito à decisão do Conselho de Sentença, pois esta nasce da convicção íntima dos jurados – imperscrutável – consequente da irretorquível soberania constitucional dos veredictos. (NASSIF, 1996 apud VIVEIROS, 2003, p. 25).

Em conformação a esse pensamento, Roberto Lyra (1935 apud BARBOSA, 1950, p. 14) afirma que “o júri não está adstrito ao alegado e provado nos autos, nem à estreiteza dos textos, e não seria Júri se deixasse de sentir o conjunto das realidades individuais e sociais”.

A soberania dos veredictos, ressalte-se, associada ao fato do Júri decidir por sua consciência, é um dos motivos que levam muitos doutrinadores a criticarem a instituição e ficarem temerosos quanto à impossibilidade de se rever um julgado que contenha erro (MOSSIN, 1997, p. 99). Não obstante, adiante-se que, não há razão para tal temor.

Uma prova de que a soberania não pode ser, e não é, onipotente e “sem freios” (MARQUES, 1997, p. 75), é a previsão do art. 593, inciso III, alínea ‘d’ do CPP: “caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias [...] das decisões do Tribunal do Júri, quando [...] for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos” (BRASIL, 1941).

Saliente-se, entretanto, que, para quem defende a soberania dos veredictos de forma irrestrita, esse dispositivo fere o preceito constitucional, como afirma José Armando da Costa Júnior (2007, p. 44):

Essa sistemática, data vênia, ofende extraordinariamente a soberania dos veredictos, que sofre um profundo e evidente revés em seu significado, em seu sentido. Está-se, na verdade, diante de uma soberania incompleta, truncada, vacilante. Se se estivesse diante de uma verdadeira soberania, nenhum recurso poderia ser previsto contra as decisões de mérito do Tribunal do Júri.

Eugênio Pacelli de Oliveira (2009, p. 805), embora reconheça a preocupação com o risco de erro ou desvio no julgamento pelo júri, também vai abraçar essa tendência:

Por mais compreensível e louvável que seja a preocupação com o risco de erro ou desvio no convencimento judicial do júri popular, fato é que aludido dispositivo legal põe em cheque a rigidez da soberania das decisões do júri. Aliás, não será a única vez, porquanto será possível também a modificação da aludida decisão pela via da ação de revisão criminal (art. 621, CPP), a ser julgada diretamente nos tribunais.

Todavia, com o devido respeito, o presente trabalho diverge dos referidos autores, pois entende que a possibilidade de recorrer da decisão dos jurados não fere a soberania dos veredictos, visto que ela pode ser mitigada para salvaguardar a liberdade do indivíduo, direito fundamental igualmente garantido pela Constituição Federal. Além do que, a soberania dos veredictos não significa onipotência ou arbitrariedade dos jurados, não podendo, assim, acobertar os possíveis erros no julgamento.

3.2 O JÚRI NO BRASIL: UM BREVE APANHADO HISTÓRICO

O júri alcançou o Brasil na época em que a Corte Portuguesa se transferiu para o país, em 1807. Isso ocorreu porque Portugal, no século XIX, havia sofrido forte influencia política da Inglaterra, onde o júri já existia desde 1215, e, por esse motivo, o Príncipe Regente D. Pedro acabou sendo compelido pelas orientações inglesas (VIVEIROS, 2003, p. 13).

Assim, o júri foi instituído no Brasil por meio do Decreto Imperial de 18 de junho de 1822 para julgar, tão-somente, os crimes de imprensa (TUCCI, 1999, p. 31). Nesta data, o Senado da Câmara do Rio de Janeiro solicitou ao Príncipe Regente D. Pedro, “a criação do Juízo dos Jurados.” (MARQUES, 1997, p. 38, grifo do autor).

Esse júri era composto por 24 jurados, dos quais “16 poderiam ser recusados, formando-se um conselho de oito jurados.” (VIVEIROS, 2003, p. 12). Os 24 jurados eram “‘juízes de fato’, cidadãos selecionados ‘dentre os homens bons, honrados, inteligentes e patriotas’, e do seu pronunciamento cabia apelação para o Príncipe.” (TUCCI, 1999, p. 31).

Essa instituição não demorou a alcançar status constitucional, o que ocorreu na Constituição Política do Império de 25 de março de 1824. Essa carta estabeleceu a independência do Poder Judiciário, que seria composto de juízes que aplicariam as leis e de jurados que se pronunciariam sobre os fatos. Além disso, juízes e jurados teriam lugar tanto no cível, como no criminal (VIVEIROS, 2003, p. 13).

Já em 1830, a Lei de 20 de setembro conferiu ao Júri uma organização mais específica, com a instituição do Júri de Acusação e do Júri de Julgação. Dois anos depois, o Código de Processo Criminal de 29 de novembro de 1832, que seguiu a “mesma linha orientativa das leis inglesas, norte-americanas e francesas”, ampliou demasiadamente as atribuições do Júri, trazendo ao instituto duras críticas por parte da doutrina contrária à ampliação (TUCCI, 1999, p. 31).

Este código estabeleceu dois conselhos de jurados: “o primeiro conselho, ou Júri de acusação, composto de vinte e três jurados e o segundo, ou júri de sentença, de doze.” (MARQUES, 1997, p. 39).

Essa fase, chamada de “regência”, acarretou em diversas reformas importantes, que tentaram “suprimir ou diminuir as atribuições de órgãos da Monarquia e estabelecer uma nova estrutura legal para o País”. Aqui, só os cidadãos que fossem eleitores e que tivessem reconhecido bom-senso e probidade podiam ser jurados, o que acabava viciando a formação do conselho de sentença (RANGEL, 2012b, p. 61-63).

Após essa fase, em 1841, a Lei nº 261, de 3 de dezembro, e o Regulamento nº 120, de 31 de janeiro, trouxeram acentuadas modificações no Júri e na organização judiciária, como, por exemplo, a extinção do Júri de acusação; a atribuição da fase de formação da culpa e da sentença de pronúncia às autoridades policiais e aos juízes municipais; ampliação e criação de novas atribuições aos juízes de direito, entre outras. Todavia, essas reformas não alteraram as características intrínsecas do Júri (MARQUES, 1997, p. 41-44).

No dizer de Paulo Rangel (2012b, p. 67-69), a Lei nº 261/1841, regulamentada pelo Decreto nº 120/1842, surgiu como consequência das revoltas regenciais: “o júri, como estrutura acusatória”, sofreu “um duro golpe”. Além disso, ela conferia um “conteúdo autoritário e centralista ao Código de Processo Criminal do Império”.

Registre-se que a Lei nº 562, de 2 de julho de 1850 e o Regulamento nº 707, de 9 de outubro do mesmo ano, também implementaram alterações importantes no Júri: subtraíram da sua competência “o julgamento dos crimes de moeda falsa, roubo, homicídio nos municípios da fronteira do Império, resistência e tirada de presos, e bancarrotas.” (MARQUES, 1997, p. 44).

Não obstante, em 20 de setembro de 1871, por força da lei nº 2.033 e do Decreto nº 4.824, de 22 de novembro de 1871, a competência do Júri voltou a ser ampliada, cessando, por exemplo, “a possibilidade das autoridades policiais participarem da formação da culpa.” (VIVEIROS, 2003, p. 13). Também foi restabelecida a competência da instituição “para os crimes que a Lei nº 562/1850 havia atribuído aos juízes.” (MARQUES, 1997, p. 44).

Com a proclamação da República foi promulgado o Decreto nº 848 de 11 de outubro de 1890, que organizou a Justiça Federal e, preservando o júri, criou o Júri Federal (TUCCI, 1999, p. 32). No ano seguinte, porém, a Constituição Federal, de 24 de fevereiro de 1891 discutiu e debateu em plenário a supressão do Júri, mas a decisão, por maioria, foi pela sua permanência (MARQUES, 1997, p. 47).

Assim, o Júri foi “colocado dentro do título referente aos cidadãos brasileiros [...]”, e o seu art. 72, §31 exarou: “mantida a instituição do jury’” (BRASIL, 1891). Essa afirmativa acabou sustentando a ideia de que, tendo sido mantida a instituição, as leis posteriores que pretendessem alterar a sua essência, seriam inconstitucionais, pois “o júri deveria ser mantido do jeito que estava.” (RANGEL, 2012b, p. 74).

Nesse sentido, Ruy Barbosa (1950, p. 49-50, grifo do autor) deixa claro o seu posicionamento:

[...] No sistema que ora nos rege, os limites na fixação do poder são intraspassáveis. Nem o presidente, nem a justiça, nem o Congresso têm o arbítrio de transcender uma linha de uma só faculdade, que a constituição não lhe outorgasse, e tudo o que ela reservou, entre no acervo inalienável da soberania, onde só as reformas constitucionais podem tocar. Ora bem. Se esta é a verdade, nenhum poder constituído, nesta República, tem o direito de por a mão no júri, para o diminuir. E, se o fizerem, todas essas reformas serão nulas [...]. Outro sentido não pode caber, realmente, à fórmula. “‘É mantida a instituição do júri’”. Manter é conservar o que existe [...]. Garantir o júri não pode ser garantir-lhe o nome. Há de ser garantir-lhe a substância, a realidade, o poder.

Conquanto, a Lei nº 515, de 3 de novembro de 1898 e o Decreto nº 4.780, de 27 de dezembro de 1923 acabaram restringindo a competência do Júri federal, subtraindo-lhe crimes como contrabando, peculato, moeda falsa, desacato, desobediência, prevaricação, testemunho falso, entre outros (VIVEIROS, 2003, p. 14).

A Constituição de 16 de julho de 1934, por sua vez, fez alterações mais significativas no Júri, visto que o colocou “fora das declarações de direitos e garantias individuais” e voltou a inseri-lo no capítulo referente ao Poder Judiciário, de modo que a redação do seu art. 72 ficou assim disposta: “é mantida a instituição do Júri, com a organização e as atribuições que lhe der a lei” (BRASIL, 1934). Na Carta de 1937, entretanto, nada se disse a respeito do Júri, o que gerou dúvidas acerca da subsistência da instituição (MARQUES, 1997, p. 50-51).

Ocorre que, com a promulgação do Decreto-Lei nº 167, de 5 de janeiro de 1938, que regulou o Júri, a dúvida outrora existente, acerca da sua permanência, foi dissipada. Esse decreto foi “considerado a primeira lei processual penal da República” e com a influência do Estado Novo, e consequentemente da nova classe que assumia o poder, a independência e a soberania do Júri foram suprimidas (RANGEL, 2012b, p. 77).

Mauro Viveiros (2003, p. 14) esclarece:

[...] O art. 96 daquele Decreto-Lei dispôs expressamente sobre a possibilidade de revisão total dos julgamentos pelo Tribunal de Apelação que poderia, apreciando o recurso, julgar que a decisão do júri nenhum apoio tinha nos autos. Tanto podia aplicar a pena justa, quando absolver o réu, conforme o caso.

Essa inovação, segundo o referido autor, trouxe “excitação nos meios jurídicos”, pois colocou de um lado os que eram contrários à instituição e que, portanto, celebraram a reforma; e de outro, os partidários do Júri, para quem a transformação, praticamente, aboliu a instituição (VIVEIROS, 2003, p. 14).

Já a Carta de 1946 pretendeu manter o Júri, restaurando a sua soberania. Ao legislador ordinário coube estruturar a instituição juridicamente, de modo que o Júri só existiria se obedecesse às imposições do art. 141, §28 da Constituição, que estabelecia que (MARQUES, 1997, p. 57):

É mantida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, contanto que seja sempre ímpar o número dos seus membros e garantido o sigilo das votações, a plenitude da defesa do réu e a soberania dos veredictos. Será obrigatoriamente da sua competência o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

Esse dispositivo, então, possui duas partes: uma, em que se declaram as características essenciais do Júri e outra, em que se declara a sua competência em razão da matéria, a qual pode ser objetivamente ampliada. Ou seja, o legislador pode atribuir ao Júri outros crimes além dos dolosos contra a vida (MARQUES, 1997, p. 58).

A soberania do Júri também foi reconhecida na Carta de 1967, a qual preservou o instituto como direito e garantia individual e limitou a competência para os crimes dolosos contra a vida. Contudo, através da Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, o júri sofreu um severo golpe: sua soberania foi novamente suprimida (VIVEIROS, 2003, p. 15).

Por fim, após o período militar que durou até 1985, a redemocratização do Brasil pela Constituição Federal de 1988 preservou o caráter de direito e garantia fundamental do júri e restaurou a sua soberania, nos termos do art. 5º, inciso XXXVIII, da CF/88: “‘é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. ’” (BRASIL, 1988) (VIVEIROS, 2003, p. 15).

Note-se, portanto, que a instituição do Júri passou por diversas fases e conseguiu, a despeito do que os seus opositores esperavam, resistir a todos os ataques, se consagrando como verdadeiro direito e garantia fundamental e não apenas como um órgão do judiciário.

3.3 REVOGAÇÃO DO PROTESTO POR NOVO JÚRI

O protesto por novo júri foi instituído no Brasil com o Código de Processo Criminal do Império de 1832 e era admitido “aos condenados à morte, degredo, desterro, por cinco ou mais anos, galé ou prisão, por mais de três anos.” (ARANHA, 1988, p. 152).

Quando do decreto-lei nº 3.689/41, o protesto passou a abarcar, além da sucumbência e do interesse, outros pressupostos que lhe diferenciavam dos recursos comuns e sua previsão se encontrava no Capítulo IV do Título II do Livro III do Código (TUBENCHLAK, 1994, p. 153).

O protesto consistia em um recurso exclusivo da defesa, interposto para o Tribunal do Júri quando a pena de reclusão atribuída ao réu fosse igual ou superior a 20 anos, não podendo ser utilizado mais de uma vez. Esse recurso dispensava qualquer tipo de razão e, no caso de ser provido, invalidava o julgamento anterior, “não obstante não ter ocorrido error in procedendo.” (RANGEL, 2012b, p. 256, grifo do autor).

Nas lições de Firmino Whitaker (1926, p. 229, grifo do autor), “protesto é o recurso que o réu dirige a novo jury para a reforma do veredictum que o condemnou (sic), em casos determinados na lei”.

De dizer-se que, deferido o protesto por novo júri proibia-se a aplicação, no segundo julgamento, de pena mais grave, isto é, não se permitia reforma que piorasse a situação do réu, já que a reformatio in pejus é “‘uma regra integrada em nosso sistema processual.’” (PORTO, 1996, p. 288).

Segundo Tubenchlak (1994, p. 154-155), não seria saudável que o réu se sentisse ameaçado, com medo de recorrer, pela possibilidade de uma nova decisão que lhe acarretasse prejuízos maiores.

Na mesma linha segue Aranha (1988, p. 154, grifo do autor):

[...] A pena não pode ser maior que a anterior [...] primeiro porque, sendo exclusivo recurso do réu, atuando como verdadeiro favor rei, em benefício de uma só das partes, seria um contra-senso, feriria a lógica, contrariaria o espírito do conjunto, se viesse a atuar em seu desfavor. Depois porque o princípio da proibição da reformatio in pejus é amplo, sendo um princípio geral previsto em nosso direito e aplicável a todos os recursos [...].

Mas, e se, no novo julgamento, os novos jurados mudassem sua posição, reconhecendo, por exemplo, a presença de alguma qualificadora, a reformatio in pejus poderia ser aplicada para agravar a situação do réu? (CONSTANTINO, 2004, p. 145).

Por tudo o que já foi exposto, o presente trabalho entende que não, embora doutrinadores como Mirabete (2006, p. 688) julguem o contrário, acolhendo a reformatio in pejus indireta:

[...] Tratando-se de julgamento do Júri, há que se respeitar o princípio da soberania dos vereditos, elevado novamente a nível constitucional, nada impedindo que no novo julgamento, em decorrência da decisão dos jurados, deva o juiz aplicar pena mais grave que a anterior.

Acontece, porém, que a Lei 11.689/2008 suprimiu do ordenamento jurídico brasileiro esse recurso, fazendo com que surgissem, também, muitas indagações e posições diversas acerca da sua revogação. Assim sendo, alguns doutrinadores se posicionaram contra e outros a favor da retirada do recurso do ordenamento.

Para Tucci (1999, p. 93), por exemplo, “[...] tem-se como certa a supressão do combatido recurso intitulado protesto por novo júri [...] que, na prática hodierna, tem gerado soluções injustas [...]”.

Compartilhando do mesmo sentimento, Mauro Viveiros (2003, p. 236) afirma:

[...] De fato, essa figura jurídica já não faz sentido no sistema processual, por dois motivos básicos: primeiro, porque há outros crimes considerados de maior gravidade, como o de extorsão mediante sequestro com resultado morte (art. 159, §3º, do CP), por exemplo, apenado com reclusão de 24 a 30 anos e que não admitem esse tipo de recurso; segundo, porque, na prática, o recurso não surte o efeito desejado, ou porque, na maioria das vezes o juiz não fixa uma pena igual ou superior a vinte anos – como um expediente destinado precisamente a frustrar o recurso – ou porque, quando [...] defere-se o protesto, o segundo julgamento em regra é realizado imediatamente e, assim, o resultado acaba se confirmando porque, mesmo sendo outros os jurados, há uma influência direta do primeiro julgamento no segundo.

Data venia, tais argumentos não parecem convencer.

O réu não pode ficar a mercê de uma estratégia processual dos juízes que possuem aversão ao protesto e que, por isso, aplicam pena de 19 anos e meio, para frustrar o cabimento do recurso. Em concordância com o ensinamento de Tubenchlak (1994, p. 155) seria plenamente cabível, nesses casos, a apelação do réu “para ver sua pena elevada a vinte anos, fazendo emergir, então, seu direito de pleitear novo julgamento”.

Nessa via, Adalberto Aranha (1988, p. 155) também se posiciona contra a supressão do protesto afirmando que, “[...] a nossa legislação processual tem como um dos princípios o favorecimento do acusado e este só estará atendido quando ao incriminado dermos todas as oportunidades recursais”. Logo, a revogação do protesto é hipótese menos benéfica ao acusado e fere o espírito da lei processual de “favorecer, ou ao menos minorar, a sorte de todos os processados [...]”.

Paulo Rangel (2012b, p. 256), nesse contexto, também se coloca contra a supressão do protesto por novo júri e questiona: com a revogação do recurso pelo art. 4º da Lei 11.689/2008[28], haveria irretroatividade da lei, isto é, a lei seria aplicada aos fatos anteriores ou apenas para os que fossem cometidos na sua vigência?

Esse questionamento, para ser mais bem respondido, deve ser analisado sob a ótica dos princípios do direito intertemporal, definindo-se, primeiramente, a natureza jurídica da norma que foi revogada (MOREIRA, 2008).

O direito intertemporal possui dois princípios fundamentais: o primeiro, que pode ser encontrado no art. 2º, § único do CP e art. 5º, XL da CF, dispõe que “a lei penal não retroage salvo para beneficiar o réu” (BRASIL, 1988); o segundo, por sua vez, trata da “aplicação imediata da lei processual penal” e está disposto no art. 2º do CPP (MOREIRA, 2008).

Para Rômulo Moreira (2008), considerando-se que a norma revogada teria natureza jurídica puramente processual, a lei anterior, ainda que fosse mais favorável, não prevaleceria por causa do princípio da imediatidade. Entretanto, ao se admitir a natureza híbrida da norma revogada – posição defendida pelo autor – quer dizer, natureza penal e processual, já se poderia falar em ultratividade e retroatividade, a fim de que os dispositivos revogados tivessem “incidência em relação àqueles agentes que praticaram a infração penal anteriormente à entrada em vigor da nova lei [...]”.

Correspondendo a esse entendimento, Paulo Rangel (2012b, p. 258), então, se posiciona sobre a questão:

Trata-se de aplicação do princípio constitucional da irretroatividade da lei processual penal mais severa (art. 5º XL), sob pena de criarmos uma instabilidade jurídica. A lei nova, se benéfica, retroage. Do contrário, irá regular os fatos futuros. O princípio da aplicabilidade imediata da lei processual penal (art. 2º do CPP) tem que passar no filtro axiológico da Constituição, ou seja, se for benéfica a lei processual penal nova aplica-se, desde logo, aos fatos sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior. Do contrário, não. No caso em tela, a revogação do protesto por novo júri é prejudicial ao réu [...]. As regras dos arts. 607 e 608 revogadas são de direito processual penal material. Envolvem pena e o direito amplo de defesa.

Portanto, sendo manifestamente contra a revogação do protesto por novo júri, o referido autor sugere que seria melhor alterar a fundamentação do recurso a retirá-lo do ordenamento, visto que não se pode lutar, numa democracia, para perder direitos, mas sim para “conquistá-los e preservá-los.” (RANGEL, 2012b, p. 258).

Exemplo recente que envolveu a questão do protesto por novo júri e a retroatividade ou irretroatividade da lei revogada foi o caso dos réus Alexandre Nardoni e Anna Carolina Trotta Peixoto Jatobá, mais conhecidos como “casal Nardoni”.

Os réus foram submetidos a julgamento acusados de terem praticado, em concurso, crime de homicídio doloso contra Isabella Oliveira Nardoni, menor incapaz, utilizando recurso que dificultava a defesa da vítima (MENDONÇA, 2010).

Pelo suposto crime, o Júri, então, condenou o réu Alexandre Nardoni à pena de 31 anos, 1 mês e 10 dias de reclusão e condenou a ré Ana Carolina Jatobá à pena de 26 anos e 08 meses de reclusão. Ambos também foram condenados a 8 meses de detenção e 24 dias-multa, por fraude processual (MENDONÇA, 2010).

O crime ocorreu em março de 2008, antes, portanto, da extinção do protesto por novo júri. Todavia, a sentença condenatória só foi proferida em março de 2010, ou seja, quando a Lei 11.689/2008, em vigor desde agosto de 2008, já tinha revogado o recurso. Apesar disso, a defesa de Alexandre Nardoni apresentou pedido de novo júri, contudo, a ministra Laurita Vaz, do Superior Tribunal de Justiça, negou seguimento ao recurso da defesa, afirmando que:

A norma exclusivamente processual, como é o caso do dispositivo em questão, se submete ao princípio tempus regit actum, ou seja, a lei processual penal deve ser aplicada a partir de sua vigência, conforme preconizado no art. 2.º do Código de Processo Penal, in verbis: "A lei processual aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior." Assim, a norma que exclui recurso tem vigência de imediato, sem prejuízo dos atos já praticados. Vale observar que, para a aferição da possibilidade de utilização de recurso suprimido, a lei que deve ser aplicada é aquela vigente quando surge para a parte o direito subjetivo ao recurso, ou seja, a partir da publicação da decisão a ser impugnada. (BRASIL, 2013a).

Como se vê, o “casal Nardoni” não teve direito ao recurso do protesto por novo Júri, sobretudo porque a decisão da Ministra Laurita Vaz considerou que a natureza das normas que tratam de recursos seria puramente processual, o que levaria a uma aplicação imediata da lei processual penal, com base no art. 2º do CPP (tempus regit actum).

Outrossim, nas palavras de Andrey Mendonça (2010):

[...] A norma que extingue ou cria um recurso é tipicamente processual. Realmente, a existência ou não de um recurso não irá alterar a situação material do acusado, não permitirá que o Estado aplique ou deixe de aplicar o seu direito de punir ou, ainda, não sujeitará o acusado a qualquer sanção. Apenas será uma alteração do direito de ação – do qual o recurso retira a sua natureza, por ser seu prolongamento – sem qualquer reflexo no direito de punir. Assim sendo, não temos dúvidas em asseverar que as normas que tratam de recursos são tipicamente processuais. Justamente por isto, sua disciplina intertemporal é a prevista no art. 2.º do CPP.

Oportunamente, o presente trabalho discorda de tal posicionamento entendendo que, a norma revogada tem natureza híbrida, sendo possível, portanto, a concessão do protesto por novo júri aos que, na vigência da lei, praticaram crimes dolosos contra a vida, ainda que a condenação tenha sido posterior à data da revogação. Por isso, no caso concreto, o “casal Nardoni” teria direito ao protesto por novo júri, levando-se em consideração a data do fato e não a data da publicação da sentença.

Ressalte-se, ainda, que merecem ser combatidos outros pontos trazidos por Andrey Mendonça (2010), para justificar a revogação do protesto por novo júri e a natureza puramente processual das normas que tratam de recursos.

Segundo o autor, o fato do protesto ser dirigido ao juiz presidente do júri e não a um Tribunal, ou seja, ser “interposto de juízo a quo para juízo a quo”, afastaria a garantia ao duplo grau de jurisdição, pelo próprio conceito do princípio. O trabalho, todavia, discorda desse entendimento. O duplo grau, nesse caso, deve ser interpretado de forma ampla, como a oportunidade dada ao réu de ter seu julgamento revisto, ainda que fosse pelo Tribunal e não pelo Júri.

Depois, confrontando o protesto com o princípio da ampla defesa, o autor afirma que esse princípio não asseguraria “uma infinitude de produção defensiva a qualquer tempo”. De fato, tal princípio não assegura uma defesa ad eternum, mas também não é essa a finalidade do protesto.

O fundamento do princípio da ampla defesa é possibilitar à parte "o direito de produzir provas em seu favor, o direito de demonstrar sua inocência (total ou parcial), tudo isso, evidentemente, no sentido de garantir o devido processo legal" (COSTA JÚNIOR, 2007, p. 60), e a revogação do protesto atinge diretamente o direito do réu de se defender amplamente. Além do que, o protesto não é aplicado a qualquer tempo. Existem, como foi visto, requisitos para o seu cabimento.

Por último, o autor alega, aviltando o recurso, que, “no protesto por novo júri não há uma absolvição imediata do acusado [...] Não há garantia de que será absolvido ou um afastamento automático do ius puniendi”. Ocorre que, mesmo não havendo garantia de absolvição, enquanto for permitido ao réu protestar, haverá possibilidade de um resultado distinto e isso deve ser levado em consideração num ordenamento jurídico partidário do garantismo penal.

Dessa forma, reputa-se frustrada a inovação trazida pela reforma, que, nas palavras de Paulo Rangel (2012b, p. 258), “[...] em nada de importante, quanto ao compromisso com um processo penal democrático [...]”, alterou a situação que já existia.

A revogação do protesto por novo júri, sobretudo quando se trata da questão dentro do direito intertemporal, foi de grande prejuízo ao réu, fazendo com que perdesse direitos ao invés de preservá-los, porque o protesto dá a certeza de um novo júri, diferentemente dos demais recursos, que podem restar improvidos sem dar ao réu qualquer chance de um novo julgamento.

Portanto, registra-se a crítica do presente trabalho quanto à supressão do protesto por novo júri, por entender que a sua existência, longe de ir contra a soberania dos veredictos dos jurados e mesmo fundamentado apenas em razão da penalidade, é de grande valor para a concretização de um processo penal mais democrático.


4 REVISÃO CRIMINAL: ASPECTOS GERAIS

Revisão é uma palavra proveniente do latim revisio e significa ato ou efeito de rever; novo exame, nova leitura (REVISÃO, 2013).

Para o processo penal o termo revisão criminal vai denotar “novo exame da causa já decidida”, por meio da qual “a justiça tem outra visão da sentença (ou acórdão) condenatória irrecorrível, com a oportunidade de eliminar erros registrados no julgamento.” (MÉDICI, 2000, p. 26).

Nas palavras de Heráclito Mossin (1997, p. 49, grifo do autor), “a revisio em sentido jurídico lato constitui-se no exame ou no estudo de alguma coisa para expurgar dela o que não estiver de acordo ou em harmonia com o direito ou a verdade”.

Para Lúcio Constantino (2004, p. 249), “[...] a ideia da revisão fica atrelada à materialização da preocupação em se demonstrar, a todo tempo, a injustiça da decisão havida”.

A busca por justiça e pela liberdade sempre inquietou o homem e esteve presente na história judiciária, isto é, a possibilidade de ser condenado injustamente já atemorizava o indivíduo desde os tempos mais remotos (ARANHA, 1988, p. 168).

Por isso, em tempos mais antigos, como no direito romano e no direito canônico, já podiam ser encontrados instrumentos semelhantes à revisão criminal, que objetivavam reparar os erros judiciários identificados.

Em Roma, por exemplo, havia, a princípio, a “indulgência do príncipe”, que significava “um favor do soberano, preocupado em reparar injustiças”. Essa indulgência, portanto, não era um direito do condenado (CASTELO BRANCO, 2003, p. 133).

A revisão só deixou “de ser um favor à mercê da vontade do soberano” por meio do “Code d’Instruction Criminelle”, quando, então, surgiu como um direito (ARANHA, 1988, p. 168).

O direito romano trouxe os instrumentos jurídicos mais antigos propiciadores da revisão de um julgamento: a “infitiatio e a revocatio in duplum, no campo civil, e a provocatio ad populum, no âmbito penal.” (MÉDICI, 2000, p. 48, grifo do autor).

De dizer-se que, “a instituição da provocatio ad populum” representava uma “verdadeira diminuição do poder coercitivo e punitivo do magistrado, ao propiciar novo julgamento, por uma assembleia popular.” (MÉDICI, 2000, p. 49).

Entretanto, como assegurou Sérgio Médici (2000, p. 49-50), o instrumento do direito romano que mais se aproximou “da moderna revisão criminal [...]” foi o instrumento da “[...] restitutio in integrum, por pressupor inexistência de recurso ou esgotamento da via recursal (coisa julgada)”.

Esse instrumento, afirmava o autor, “determinava nova manifestação do próprio tribunal (quaestio), com a substituição dos julgadores que tivessem concorrido, de qualquer modo, para a injustiça da decisão.” (MÉDICI, 2000, p. 57, grifo do autor).

No direito canônico a revisão criminal aparecia na “retractatio ou revisio [...]”, somente podendo ser proposta “de sentença [...] formalmente transitada em julgado, desde que esse julgado fosse extremamente injusto, oposto às leis e aos cânones.” (MOSSIN, 1997, p. 32).

Nesse direito havia uma espécie de “hierarquia do poder de julgar”, pois “a sentença nessas condições somente poderia ser revista por uma autoridade superior à que as tivesse proferido.” (MOSSIN, 1997, p. 32).

Vê-se, destarte, que, embora a revisão criminal tenha assumido contornos totalmente diferenciados na modernidade, a sua idealização é assaz longínqua. Nesse âmbito, importa ressaltar o advento da revisão criminal na história brasileira.

No Brasil, a revisão criminal surgiu através do Decreto nº 848, de 11 de outubro de 1890, sendo a competência atribuída ao Supremo Tribunal Federal (CASTELO BRANCO, 2003, p. 134).

Nas lições de Heráclito Mossin (1997, p. 36), a revisão criminal “[...] teve seu surgimento histórico no período colonial, mantendo-se após sua independência, ainda com inspiração nas Ordenações, na Constituição do Império Brasileiro, cuja predominância se encontra inserta em nossa legislação atual”.

O autor observa, ainda, que, na época do Império, a revisão criminal possuía outra denominação. Ela estava incluída no chamado recurso de revista, o que só foi modificado na época da República, quando, então, passou a ter “a designação modernamente consagrada.” (MOSSIN, 1997, p. 36).

Foi nos primeiros anos do Império que as leis portuguesas, “em especial as Ordenações”, permaneceram em vigor no Brasil com a finalidade de “evitar a ocorrência de um vácuo legislativo até a completa organização do Estado brasileiro.” (MÉDICI, 2000, p. 111, grifo do autor).

Assim é que, nas Ordenações Afonsinas, “publicadas em 1446, em nome de D. Afonso V”, se verificava a existência de dois tipos de revistas: “revista de justiça e revista de graça especial”. A revista de justiça estava “fundamentada em prova falsa ou subornação do juiz”. Já a revista de graça especial era concedida “por mercê do rei”. Nessa legislação, “a revisão das sentenças que contivessem erros dependia do puro arbítrio do soberano [...]” (MÉDICI, 2000, 80-82).

Nas Ordenações Manuelinas, “organizadas no reinado de D. Manuel I”, a questão da revisão foi tratada de modo muito semelhante às Ordenações Afonsinas, inclusive pela adoção das revistas de justiça e de graça. A diferença estava, basicamente, no título 78 do Livro III, intitulado “‘Dos que pedem que lhe revejam os feitos.’” (MOSSIN, 1997, p. 39).

Algumas características acentuaram essa diferenciação, como, por exemplo, o fato de que as revistas de graça especial somente poderiam ser requeridas até dois meses, contados do dia da publicação da sentença e, também, o fato de que não se podia alegar matérias de prova fora dos autos (MÉDICI, 2000, 85).

As Ordenações Filipinas, por seu turno, seguiram os mesmos preceitos das Ordenações anteriores, fazendo apenas alguns acréscimos e modificações formais. Contudo, destaca-se o aparecimento de um terceiro tipo de revista: a revista de graça especialíssima. Essa revista era concedida quando a lei expressamente negava a revisão e os reis, por uma espécie de benevolência, permitia a sua utilização (MÉDICI, 2000, p. 85-89).

Com isso, o que se percebe é que as Ordenações, que representavam a principal fonte do direito português, influenciaram sobremaneira o legislador do Império.

Essa influência, contudo, cessou com o surgimento da República, “[...] quando novas bases foram dadas à estrutura judiciária do país, e a revista [...] se extinguiu no penal para dar surgimento à revisão criminal.” (MOSSIN, 1997, p. 46).

Isto posto, a Constituição de 1891 admitiu a revisão criminal em seu texto, “concedendo-lhe força de preceito constitucional”. De igual modo, a Constituição de 1934 preservou o instituto, diferentemente da Carta de 1937, que não fez nenhuma referência à revisão. A Constituição de 1946, por sua vez, “voltou a consagrá-la”, sendo, porém, a de 1969 omissa quanto à questão. Finalmente, “a Constituição de 1988 contemplou-a, embora sem inseri-la no capítulo dos direitos e garantias fundamentais.” (CASTELO BRANCO, 2003, p. 134).

A esse respeito, Frederico Marques (2003, p. 387-388) emite a seguinte opinião:

[...] Se o art. 144, da Constituição, declara que a especificação dos direitos e garantias nela expressos, ‘não exclui outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios que ela adota’, evidente está que o direito do condenado à revisão criminal é um desses direitos e garantias decorrentes dos postulados democráticos da Constituição.

No mesmo sentido, Paulo Rangel (2008, p. 840, grifo do autor) sustenta que não se pode negar que a revisão criminal tenha sede constitucional, “pois, o art. 5º, LXXV, garante, expressamente, que o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença”.

Não obstante, na visão de Mirabete (2006, p. 700), a revisão criminal não pode mais ser compreendida “entre os direitos e garantias individuais da Carta Magna vigente”, estando prevista apenas na lei processual, podendo ser, inclusive, abolida.

Data venia, o presente trabalho, com base em um processo penal garantista, discorda do posicionamento do referido autor, por considerar a revisão criminal como um direito subjetivo do condenado, um instrumento utilizado em seu benefício, para expurgar qualquer tipo de injustiça havida na sentença condenatória.

Assim, a revisão criminal é um instrumento utilizado para desconstituir a coisa julgada formada sobre uma decisão, com o fito de reparar injustiças ou erros judiciários e melhorar a situação do réu, isto é, seu fundamento “tem como base a possibilidade do erro judiciário e os efeitos da coisa julgada.” (ARANHA, 1988, p. 169).

O homem, de forma inquestionável, é um ser imperfeito e por isso, está fadado ao erro em suas tarefas. Não à toa, os indivíduos muito se utilizam de um provérbio latino para justificar as falhas cometidas: “errare humanum est”, ou seja, “errar é humano” (ERRARE..., 2013).

Essa “falibilidade humana, por mais bem aparelhado que seja o instrumental judiciário, pode contaminar a administração da justiça, fazendo-a falhar” (CASTELO BRANCO, 2003, p. 134). Dessa forma, pode-se dizer que o erro judiciário é o erro cometido pelo magistrado em sua atividade processual e no julgamento (MOSSIN, 1997, 25).

Os tipos mais comuns de erros cometidos pelos juízes são os “errores in procedendo” e os “errores in iudicando.” (MOSSIN, 1997, p. 15, grifo do autor). O primeiro “revela um defeito da decisão, apto a invalidá-la.” (DIDIER JUNIOR, CUNHA, 2009, p. 73). Já o segundo, “[...] é uma má-apreciação da questão de direito ou da questão de fato, ou de ambas, pedindo-se, em consequência, a reforma da decisão.” (MOREIRA, 1998, p. 264-265, grifo do autor).

Esses erros podem produzir graves danos ao condenado e, por esse motivo, não podem passar despercebidos, “sendo inaceitável mesmo nas decisões transitadas em julgado.” (MÉDICI, 2000, p. 154). Dessa forma, se faz tão necessária a existência de um instrumento como a revisão criminal.

Além do erro judiciário, a coisa julgada, que foi alvo do primeiro capítulo deste trabalho, também é pressuposto da revisão criminal. Esse instituto revela-se como a imutabilidade da sentença, ou seja, quando uma decisão já não é mais passível de ser discutida, quando não cabe mais recurso.

Essa imutabilidade tem proteção constitucional (art. 5º, XXXVI da CF/88) e tem como fundamento a segurança jurídica e a justiça, pois “[...] não só serve para estabilizar a normatividade jurídica [...]”, como também “[...] para evitar a incerteza do julgado”. Se assim não fosse, “seria altamente inconveniente não só à sociedade bem como ao próprio Estado, eis que sua soberania seria totalmente ineficaz para gerar a paz social.” (MOSSIN, 1997, p. 51).

Dentro de sua ótica, Paulo Rangel (2012a, p. 266, grifo do autor) assim define:

O caso julgado é, em si, a garantia que a sociedade tem de que os litígios não se eternizam e, uma vez instaurado o processo, se alcançará a possível segurança do direito com a paz e a tranquilidade social que todos almejam e, principalmente, a justiça da decisão.

Ocorre que, essa imutabilidade não pode ser absoluta, porquanto “no campo penal, [...] sempre está em jogo um direito insopitável: a liberdade individual”. E, nos casos em que houver erro judiciário, “[...] a autoridade do julgado necessita dobrar-se à tutela da inocência do réu.” (MOSSIN, 1997, p. 57).

Isto quer dizer que, havendo “um erro grave na sentença a ponto de se colocar em choque o valor justiça sobre o valor certeza a sociedade precisará de um instrumento à mão para atacar o caso julgado: é a revisão criminal.” (RANGEL, 2012a, p. 267, grifo do autor).

A revisão criminal possui duas espécies: a revisão pro reo e a revisão pro societate.

A revisão pro reo é aquela que ocorre apenas nas sentenças condenatórias, não podendo, de forma alguma, “ser utilizada para rever absolvição decorrente de sentença irrecorrível”, pois “o erro na condenação de uma pessoa provoca repercussão negativa, na coletividade, muito superior à causada pela absolvição fundada em equívoco do julgador.” (MÉDICI, 2000, p. 229-230).

Já a revisão pro societate se justifica no fato de que tanto a sentença condenatória quanto a absolutória deveriam admitir a revisão da decisão passada em julgado. O principal argumento é que “a verdade real deve prevalecer sobre os interesses da pessoa que foi absolvida por erro judiciário.” (MÉDICI, 2000, p. 233).

Defensores dessa espécie de revisão, como João Barbalho Uchôa Cavalcanti (1924 apud MOSSIN, 1997, p. 77), alegam que:

[...] Justiça é, sim, mandar em paz o inocente perseguido, mas também é castigar o culpado reconhecido como tal. E se este em dados casos, previstos em lei, poderá ser isento de pena, não o deve, entretanto, ficar, se iludiu a justiça ou se ela enganou-se ao absolvê-lo. A punição dos criminosos é condição de segurança geral e a autoridade pública trai a sua missão e compromete os mais altos interesses e deveres da sociedade, quando em contemplações com o crime. Num caso, proclamando inocente o injustamente condenado, a sociedade o reabilita e paga-lhe uma dívida; no outro, fazendo recair a pena legal sobre o criminoso considerado falsamente inocente, a sociedade desafronta a justiça, defende outros inocentes, os demais membros da comunhão, que nela descansam, na confiança de serem protegidos contra os criminosos.

Alguns países como Noruega, Portugal e Suíça admitem a revisão criminal pro societate em sua legislação processual penal por considerarem que o fundamento da revisão se encontra na necessidade de corrigir o erro judiciário da sentença que transitou em julgado, seja ela condenatória ou absolutória (MOSSIN, 1997, p. 75).

No Brasil, entretanto, a opção legal foi pela revisão criminal pro reo, em detrimento da revisão criminal pro societate, ou seja, admite-se a revisão apenas das sentenças condenatórias transitadas em julgado (RANGEL, 2012a, p. 267).

Uma sentença é condenatória quando concretiza a sanção abstrata da lei, “impondo ao réu a pena legalmente cominada para o crime que praticou.” (MIRABETE, 2006, p. 471).

Sucede que, embora o legislador brasileiro tenha optado pela revisão criminal pro reo, havendo sentença absolutória imprópria a revisão criminal pode ser admitida.

Note-se, porém, que, de acordo com o modelo adotado pela legislação processual penal brasileira, não se admite a revisão criminal de sentença absolutória própria e, por isso, faz-se mister esclarecer a diferença entre elas.

A sentença absolutória possui um caráter declaratório-negativo, pois julga improcedente a acusação. Dessa forma, inexistindo o jus puniendi do Estado, impõe-se a absolvição do réu (MIRABETE, 2006, p. 468, 470).

A absolvição vai ocorrer nas hipóteses do art. 386, caput, do CPP[29] e o juiz poderá mandar pôr o réu em liberdade, ordenar a cessação das medidas cautelares e provisoriamente aplicadas ou aplicar medida de segurança, quando cabível.

A sentença absolutória imprópria, por sua vez, vai ocorrer por ausência de imputabilidade[30]. Ela estabelece para o réu uma medida de segurança, ou seja, “não há imposição de pena no sentido estrito do termo, mas há o cerceamento da liberdade de locomoção do indivíduo que é internado em hospital penitenciário até que se restabeleça [...] da doença mental.” (RANGEL, 2012a, p. 280).

Para Sérgio Médici (2000, p. 234, grifo do autor):

A revisão da sentença absolutória firme propicia [...] um verdadeiro abuso da acusação, violando-se, ainda que indiretamente, a garantia do non bis in idem, ou do perigo de dupla acusação [...] consagrada nas principais declarações internacionais relativas aos direitos humanos[31].

Sendo assim, em relação às sentenças absolutórias, admite-se a revisão criminal apenas das sentenças absolutórias impróprias, visto que, negar a revisão em tais casos seria negar a existência de um Estado Democrático de Direito (RANGEL, 2012a, p. 281).

No Código de Processo Penal atual, Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941, as hipóteses de cabimento da revisão criminal estão elencadas no art. 621 em um rol taxativo, que possui “maior rigor científico” que a “antiga legislação processual.” (MARQUES, 2003, p. 407).

A primeira hipótese diz respeito à sentença condenatória contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos.

Em linhas gerais, Mossin (1997, p. 83-86) vai afirmar que a contradição da sentença condenatória ocorrerá quando houver afronta ao valor da lei, não sendo admitida a revisão para simples unificação da jurisprudência. Além do que, essa contradição deve abranger a evidência dos autos.

O autor vai dizer, ainda, que “[...] para que a sentença condenatória seja contrária à evidência dos autos, inconcusso se torna que esteja ela amplamente divorciada das quaestiones facti emergentes do processo [...]” (MOSSIN, 1997, p. 87, grifo do autor).

A segunda hipótese se refere à sentença condenatória fundada em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos. Aqui não basta que se alegue a falsidade, devendo ocorrer prova da alegação. Essa prova precisa ser apresentada com a inicial, “não se permitindo a reabertura do processo para a produção de novas provas.” (MIRABETE, 2006, p. 706).

Além disso, a falsidade deve ter influenciado na conclusão da sentença, ou melhor, “[...] é necessário que a prova falsa tenha sido a razão de decidir [...], inexistindo nos autos outros elementos de convicção lastreadores do decreto condenatório.” (MIRABETE, 2006, p. 706).

Afinal, a terceira hipótese consiste em admitir a revisão após a sentença, ao se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.

Nesse caso, a expressão “novas provas” trazida pela proposição legal abarca tanto as provas supervenientes quanto aquelas que já existiam, mas que não haviam sido elucubradas.

Em relação às provas preexistentes, mas não cogitadas, não há uma obrigação de se produzir prova nova, bastando “ao revisionando apontar essa prova”, para que haja possibilidade de revisão criminal (MOSSIN, 1997, p. 92). Quanto às provas ulteriores, “o condenado poderá apresentar elementos instrutórios supervenientes para fazer prova de fatos que convençam de sua inocência.” (MARQUES, 2003, p. 413).

A produção da nova prova será feita mediante justificação criminal, dada a impossibilidade de se produzir provas durante a ação revisional, ou seja, não se afigura possível a dilação probatória (MIRABETE, 2006, p. 707). Além disso, há “necessidade da obediência ao princípio do contraditório”. Portanto, “uma vez ajuizada a justificação, cumpre ao magistrado dar ao Ministério Público conhecimento do pedido, bem como intimá-lo para a audiência [...]” (MOSSIN, 1997, p. 93-94).

O Tribunal de Justiça do Pará, no julgamento de uma Revisão Criminal, optou pela impossibilidade da dilação probatória e, consequentemente, pela necessidade da justificação criminal:

REVISÃO CRIMINAL. ERRO JUDICIÁRIO. INOCÊNCIA DO REQUERENTE. AUSÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO JUDICIAL PRÉVIA. IMPOSSIBILIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA EM SEDE DE REVISIONAL. NÃO CONHECIMENTO. Há entendimento jurisprudencial consolidado no sentido de que em sede de revisão criminal, por ser incabível dilação probatória, impõe-se a necessidade de prévia justificação judicial, diante da necessidade de produção de provas do alegado. In casu, não foi realizada a justificação prévia, por conseguinte, o pedido não pode ser conhecido, já que esta Corte não tem competência para realizar a instrução criminal necessária. Pedido revisional não conhecido, à unanimidade. (PARÁ, 2007, grifo nosso).

Saliente-se que, se o pedido revisional estiver fundado em novas provas poderá ser reiterado, conforme disposição do § único do artigo 622 do CPP, isto é, não havendo novas provas, é impossível repetir o pedido.

Esse impedimento “[...] decorre do respeito devido à coisa julgada, formal e material, que envolve a sentença proferida na revisão criminal.” (CASTELO BRANCO, 2003, p. 142, grifo do autor).

Como afirma Heráclito Mossin (1997, p. 135), “[...] somente será admissível a reprodução do pedido consubstanciado em idêntico suporte legal, quando estiver ele instruído com novas provas”.

“É que o requerimento de revisão que contenha as mesmas partes, pedido e causa de pedir de decisão anterior, resta prejudicado, pois não traz novidade capaz de persuadir o juízo a uma diversa decisão.” (CONSTANTINO, 2004, p. 259).

A revisão criminal também pode ser admitida, após a sentença, pela descoberta de circunstâncias que importem em diminuição da pena do condenado. Entretanto,

[...] só podem ser consideradas para efeito do pedido revidendo, as circunstâncias legais comuns ou genéricas atenuantes e as causas de diminuição da pena previstas na Parte Geral do Código Penal e as circunstâncias legais especiais ou específicas compostas pelas causas de diminuição da pena elencadas na Parte Especial do Estatuto Processual substantivo. (MOSSIN, 1997, p. 95).

Sobre a taxatividade do art. 621 do CPP, Lúcio Constantino (2004, p. 262) considera que “não é possível limitar a possibilidade jurídica da causa de pedir”, já que, ocorrendo nulidade absoluta do feito, por exemplo, o caso só poderia ser julgado por meio da revisão criminal, mesmo não havendo previsão legal para tanto. Dessa maneira, a taxatividade do cabimento da revisão criminal restaria mitigada.

Nesse ponto, fazem-se necessárias algumas ponderações.

O legislador, certamente, agiu de modo correto ao delimitar a esfera de incidência da revisão criminal, fixando as suas hipóteses de cabimento, pois, se assim não o fosse, a “liberalidade processual culminaria em ensejar a incerteza absoluta dos julgados, o que, efetivamente, não seria aconselhável em vista dos próprios fins da jurisdição penal.” (MOSSIN, 1997, p. 81).

Porém, no caso específico da nulidade, considerando que a revisão criminal foi criada em favor do réu, o presente trabalho considera que mesmo não estando presente entre as hipóteses do art. 621 do CPP, a nulidade absoluta[32] poderia ser admitida como um fundamento do pedido da revisão criminal, até porque, o art. 626 do CPP possibilita ao Tribunal anular o processo nos casos em que o pedido revisional for julgado procedente.

Cumpre ressaltar, ainda, que a revisão criminal não está subordinada a prazo, podendo ser requerida a qualquer tempo, antes da extinção da pena ou após, conforme dispõe o art. 622 do CPP.

Dessa maneira, “só será intempestivo ou extemporâneo o pedido de revisão, quando não estiver findo o processo-crime” (CONSTANTINO, 2004, p. 250), pois “a expressão ‘qualquer tempo’ usada pelo legislador processual penal pressupõe, como é evidente, a existência de processo findo [...]” (MOSSIN, 1997, p. 126).

Atente-se para o fato de que o legislador fala no art. 622 do CPP da extinção da pena e não da extinção da punibilidade. A punibilidade ocorre quando há possibilidade de se aplicar uma sanção, quando há pretensão punitiva do Estado. Desse modo, para os casos de extinção da punibilidade é importante saber quando ela foi decretada, pois só será admitida a revisão se a punibilidade tiver sido extinta após a prolação da sentença condenatória (CONSTANTINO, 2004, p. 264).

Ou seja, se houver extinção da punibilidade “no curso do feito cognitivo, não caberá revisão face à ausência de condenação”. Se o Estado perde o seu poder de punir, o prosseguimento do processo fica prejudicado, sendo impossível se insurgir via revisão criminal (CONSTANTINO, 2004, p. 264). O mesmo, porém, não ocorre quanto à extinção da pena, já que a revisão pode ser requerida antes ou depois da sua extinção.

Para Heráclito Mossin (1997, p. 129), entretanto, quando o legislador tratou de “‘extinção da pena'”, quis dar à expressão uma interpretação ampla, objetivando abranger tanto “as causas extintivas da pena, como também da punibilidade [...]”.

A revisão criminal suscita, ainda, divergências em relação à sua natureza jurídica, o que torna a questão muito discutida.

No dizer de Mirabete (2006, p. 701, grifo do autor):

Uns a entendem como uma função sui generis, mais de ação rescisória do que recurso [...] Outros a consideram como remédio jurídico processual e não recurso ou revista. Há os que a entendem como recurso excepcional, por só caber de sentenças transitadas em julgado pois pretendem que todo recurso é ação, ou recurso misto.

Para alguns doutrinadores, então, a revisão criminal tem natureza de recurso, primeiro porque no Código de Processo Penal ela está posta no Livro III, Capítulo VII, do Título II, nominado “dos recursos em geral”. Depois, por causa do procedimento, onde não se estabeleceria uma nova relação jurídico-processual (ARANHA, 1988, p. 170).

Assim entende Borges da Rosa (2000, p. 1112) ao afirmar que, “a revisão é recurso por meio do qual se pede novo exame do caso julgado ou processo findo, no intuito de se conseguir a sua reforma total ou parcial”.

No entanto, diversos doutrinadores discordam desta natureza jurídica e afirmam tratar-se de verdadeira ação penal, pois consideram que somente é possível interpor recurso quando não tenha havido coisa julgada; além do que, por meio da revisão criminal se instaura nova relação jurídica e, consequentemente, um novo procedimento. Também, o fato da revisão criminal não estar sujeita à tempestividade, como o recurso está (MOSSIN, 1997, p. 62-65).

Como assentado por Frederico Marques (2003, p. 391), “a revisão criminal é ação penal constitutiva[33], de natureza complementar, destinada a rescindir sentença condenatória em processo findo”.

No mesmo pensar, Lúcio Constantino (2004, p. 262) assegura que:

[...] A revisão criminal é uma ação criminal autônoma e que tem como único objetivo atacar uma decisão condenatória transitada em julgado. Assim, é de se considerar a revisão como uma ação de eficácia desconstitutiva ou constitutiva negativa, destinada a rescindir sentença condenatória. Se houver pedido e deferimento de indenização, a revisão portará, ainda, a eficácia condenatória.

Já no entendimento de Sérgio Médici (2000, p. 151, grifo do autor), a revisão não seria recurso, nem ação. Seria, na verdade, um “meio de impugnação do julgado”, pois a coisa julgada impediria a interposição de recurso e, “ao requerer a revista da sentença, o condenado não está propriamente agindo, mas reagindo contra o julgamento, com o argumento da configuração de erro judiciário”.

Ao depois aduz:

Mas um exame profundo permite concluir que não se trata de recurso, de ação ou de uma combinação entre ambos, conquanto apresente algumas características de ação e de recurso. Se não existe possibilidade de interpor recurso após o trânsito em julgado da sentença, é evidente que a revisão dele se afasta, eis que por meio dela o condenado objetiva exatamente a revista do julgado irrecorrível. Por outro lado, não pode ser considerada ação em razão da inexistência de partes [...] Preferimos, então, afastar a revisão das características específicas dos recursos e das ações. Trata-se de meio de impugnação das sentenças condenatórias definitivas irrecorríveis, que propicia o reexame de uma causa penal já julgada, como garantia do condenado em face de demonstração de erro ou ilegalidade no julgado. (MÉDICI, 2000, p. 274-275).

Todavia, a despeito das diversas posições, a tendência maior no direito pátrio, acolhida também no presente trabalho, é considerar a revisão criminal como ação penal, por estabelecer uma nova relação jurídica.

Logo, admitindo-se a revisão criminal como ação penal, “há de se aplicar relativamente a ela toda a doutrina, princípios e conceitos atinentes à teoria geral da ação” (MOSSIN, 1997, p. 68).

Ação, do latim actio, significa, comumente, ato ou efeito de agir (AÇÃO, 2013). Juridicamente, no entanto, pode possuir sentidos variados, como o “direito material em movimento”, “direito autônomo em relação ao direito material” ou “exercício daquele direito abstrato de agir.” (DIDIER JUNIOR, 2010, p. 193-194).

Mas, apesar das diversas teorias, para a análise do instituto da revisão criminal, a acepção adotada será a de ação como direito autônomo em relação ao direito material, entendendo que a revisão criminal “seria o direito de provocar a jurisdição”, ou melhor, seria a “‘pretensão à tutela jurídica’, que se exerce contra o Estado para que ele preste justiça.” (DIDIER JUNIOR, 2010, p. 193-194).

Em tal caso, “como todas as demais ações, a revisão criminal tem as seguintes condições de exercício: legitimação à causa, interesse de agir, possibilidade jurídica.” (CASTELO BRANCO, 2003, p. 135, grifo do autor).

Essa possibilidade deve ser “observada com relação ao pedido ou à causa de pedir.” (CONSTANTINO, 2004, p. 250). A possibilidade jurídica do pedido consiste em ser “o pedido do autor da ação penal rescisória [...] admitido pelo Direito Processual Penal.” (MOSSIN, 1997, p. 71). Já a possibilidade jurídica da causa de pedir está atrelada “aos incisos dispostos no artigo 621 do CPP e que estabelecem as hipóteses cabíveis.” (CONSTANTINO, 2004, p. 250).

Para Frederico Marques (2003, p. 395), “a possibilidade jurídica do pedido confunde-se com as condições fundamentais da revisão: a) existência de sentença penal condenatória; b) estar findo o processo em que foi proferida a condenação”.

No entanto, Paulo Rangel (2008, p. 843) adverte: “em verdade, a sentença condenatória não é a possibilidade jurídica do pedido, mas sim pressuposto para que se possa admitir a revisão criminal, bem como que esta sentença tenha passado em julgado [...]”.

Outra condição de procedibilidade da revisão criminal é o interesse de agir. “Somente haverá interesse de agir quando a pretensão rescindenda formulada pelo autor justifique a tutela estatal.” (MOSSIN, 1997, p. 73).

Essa condição, por vezes, é confundida com os fundamentos do pedido previstos no art. 621 do CPP. Segundo Marques (2003, p. 396), “[...] desde que a razão do pedido revisional seja outra, esse pedido será manifestamente inepto”.

Sucede que, o interesse processual se traduz, “em última análise, em um pedido idôneo a provocar a tutela jurisdicional do Estado” (MOSSIN, 1997, p. 73), ou seja, esse interesse “é a necessidade que o legitimado tem de procurar o Estado para reparar o erro judiciário” (RANGEL, 2008, p. 845), portanto, não deve ser confundido com as hipóteses do art. 621 do CPP.

A última condição de procedibilidade da ação de revisão criminal é a legitimidade ad causam, isto é, “a pertinência subjetiva da lide formada entre o erro judiciário e o direito de liberdade individual ou status dignitatis do acusado.” (MOSSIN, 1997, p. 72, grifo do autor).

Os legitimados a pedirem a revisão criminal estão previstos no art. 623 do CPP: “a revisão poderá ser pedida pelo próprio réu ou por procurador legalmente habilitado ou, no caso de morte do réu, pelo cônjuge, ascendente, descendente ou irmão” (BRASIL, 1941). Vê-se, portanto, que o artigo apresenta um rol taxativo de legitimados ativos.

Nesse contexto, surgem algumas questões que merecem ser analisadas:

O art. 133 da Constituição Federal dispõe que “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei” (BRASIL, 1988).

O art. 1º, inciso I, da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil), por sua vez, considera a postulação a órgão do Poder Judiciário e juizados especiais atividade privativa da advocacia.

Dessa forma, como o pedido revisional poderia ser requerido pelo próprio réu, se este não goza de capacidade postulatória?

Para Tales Castelo Branco (2003, p. 137, grifo do autor), deve-se considerar revogado o art. 623 do CPP e “exigir a intervenção do advogado para ajuizar a revisão criminal [...]”, pois assim se estaria preservando, “de forma efetiva e não apenas quimérica, os princípios constitucionais da defesa da liberdade (artigo 5º, caput) e do amplo acesso à justiça (artigo 5º, XXXV)”.

No dizer de Lúcio Constantino (2004, p. 263), “[...] a revisão criminal deverá conter pedido com lavra de quem tenha capacidade de postulação”. Por isso, o condenado, “[...] observando a ausência de capacidade postulatória, deverá abrir vista do petitório a um defensor dativo ou público para a ratificação dos termos da vestibular. Somente após, uma vez confirmado o pedido, haverá de ser processado”.

Julio Mirabete (2006, p. 701), porém, afirma que “a permissão do réu para pedir revisão não foi afetada pelo artigo 133 da Constituição Federal”, nem tampouco foi revogada pelo art. 1º, I, da Lei nº 8.906/94.

Para o autor, no pedido revisional feito pelo condenado, o que existe é um “[...] mero pedido de reexame da decisão [...]”. Além do que, o pedido está “[...] inserido na garantia do direito de petição (art. 5º, XXXIV, a, da Constituição Federal).” (MIRABETE, 2006, p. 702).

Heráclito Mossin (1997, p. 120), no mesmo sentido, anota que:

Inobstante, em regra, o pressuposto processual da capacidade postulatória seja atributo do advogado, é inconcusso que esta excepcionalidade abrangida pela norma processual penal não se vê anulada pelo Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, porquanto esse Diploma não fez referência expressa à revisão criminal no sentido de vê-la exercida exclusivamente pelo advogado.

O Superior Tribunal Federal, no julgamento da Revisão Criminal de nº 5377-SP, entendeu que assiste capacidade postulatória ao próprio condenado para propor a ação revisional:

Cuida-se de ação de revisão criminal em que se veicula pedido de reexame de decisão que não emanou, nem foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (fls. 11). Reconheço, preliminarmente, que assiste capacidade postulatória, ao próprio condenado, para ajuizar, pessoalmente, sem necessidade da intervenção de Advogado, a ação de revisão criminal. É que o art. 623 do CPP, como já decidido por esta Suprema Corte, foi recebido pela vigente Constituição republicana, inexistindo, entre esse preceito legal e a regra inscrita no art. 133 da Lei Fundamental, qualquer situação de conflito hierárquico-normativo (RTJ 146/49-50, Rel. p/ o acórdão Min. CELSO DE MELLO - RTJ 155/202, Rel. Min. MARÇO AURÉLIO - RTJ 159/937, Rel. Min. OCTÁVIO GALLOTTI - HC 73.827/SP, Rel. Min. MARÇO AURÉLIO, v.g.): "[...] O art. 623 do CPP foi recepcionado na ordem constitucional resultante da Carta Política de 05.10.1988, tal como sucede com o art. 654 do mesmo diploma legal, de referência ao habeas corpus, não obstante a norma do art. 133 da referida Lei Maior." (RT 742/520, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA - grifei) De outro lado, a jurisprudência de ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal também reconhece que, não obstante a superveniência do Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94), tal diploma legislativo não alterou o art. 623 do CPP, que, em consequência, subsiste íntegro, de tal modo que continua a inexistir, em nosso sistema de direito positivo, qualquer obstáculo de ordem jurídico-formal que impeça o condenado de promover, ele próprio, independentemente de assistência técnica prestada por Advogado, a pertinente ação de revisão criminal (HC 72.981/SP, Rel. Min. MOREIRA ALVES - RHC 80.763/SP, Rel. Min. SYDNEY SANCHES): "O Supremo Tribunal Federal, em diversas ocasiões, já proclamou que a Lei nº 8.906/94 não alterou o art. 623 do Código de Processo Penal, que permite que o próprio sentenciado requeira a revisão criminal." (Lex/JSTF 224/367, Rel. Min. ILMAR GALVÃO - grifei). "Continua em vigor o art. 623 do CPP, que possibilita ao próprio réu o ajuizamento de pedido de revisão criminal, regra que não foi alterada pelo art. 1º, I, da Lei 8.906, de 04.07.1994 (Estatuto da Advocacia)." (RT 755/559, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - grifei) Cumpre insistir, de outro lado, por necessário, que a competência originária do Supremo Tribunal Federal, para processar e julgar as ações de revisão criminal restringe-se, unicamente, por efeito do que dispõe a Constituição da República (art. 102, I, j), aos pedidos que visem a desconstituir os julgados emanados desta própria Corte Suprema (RT 564/399 - RvC 5.352/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).O exame da presente causa, no entanto, evidencia que a decisão ora questionada não emanou, nem foi mantida pelo Supremo Tribunal Federal (fls. 11), quer no julgamento de ação penal originária ou de recurso criminal ordinário (RISTF, art. 263, caput), quer, ainda, no julgamento de recurso extraordinário (RISTF, art. 263, parágrafo único), razão pela qual falece, a esta Corte, competência originária para processar e julgar a presente ação de revisão criminal. Sendo assim, e tendo em consideração as razões expostas, não conheço da presente ação de revisão criminal. Arquivem-se os presentes autos. Publique-se. Brasília, 19 de novembro de 2003. Ministro CELSO DE MELLO Relator. (BRASIL, 2003, grifo nosso).

Portanto, nota-se que nem a Constituição Federal nem a Lei nº 8.906/94 afetaram a possibilidade de o próprio réu ajuizar o pedido revisional, ainda que ele, em regra, não detenha capacidade postulatória.

Em relação ao procurador legalmente habilitado, Heráclito Mossin (1997, p. 121) vai dizer que a habilitação a que se refere o art. 623 do CPP “se circunscreve à outorga de procuração pelo revisionando a qualquer pessoa capaz, [...] independentemente de esta conter poderes especiais, posto serem estes indispensáveis”.

Entretanto, Mirabete (2006, p. 702), na sua ótica, sustenta que o procurador legalmente habilitado se refere ao advogado que “está devidamente inscrito no quadro da OAB” e que, nesse caso, o condenado não precisaria conceder poderes especiais ao advogado. Mas, defende, também, que haveria possibilidade do pedido revisional ser feito por procurador não habilitado a quem fosse outorgado poderes especiais, já que o próprio réu é legitimado ao ajuizamento da ação de revisão criminal.

O procurador, então, só poderia ser alguém “nomeado ou constituído pelo condenado”, o que impediria o defensor[34] dativo a propor a ação de revisão criminal. Porém, tal não seria um obstáculo, nos casos em que o réu fosse pobre, à nomeação de um causídico[35] para ajuizar o pedido revisional. Nessa situação, a procuração do defensor seria dispensável (MIRABETE, 2006, p. 702).

Ainda, “se o réu for doente mental, e não tiver representante legal, ou colidirem os interesses deste com os do condenado, caberá o pedido de revisão a curador nomeado por autoridade judiciária [...]” (MARQUES, 2003, p. 398), por analogia com o art. 53 do Código de Processo Penal[36].

E quanto ao Ministério Público? Estaria ele legitimado a propor ação de revisão criminal em favor do condenado?

As posições doutrinárias são divergentes.

Alguns doutrinadores afirmam, em virtude da previsão legal, não ser o Ministério Público legitimado a propor a revisão criminal. Como caracteriza Mirabete (2006, p. 703), “o Ministério Público, por falta de previsão legal, não pode pedir a revisão em favor do condenado. O novo Regimento Interno do STF não prevê mais a possibilidade de o Procurador-Geral da República pedir revisão [...]”.

De igual modo, na visão de Tales Castelo Branco (2003, p. 135-136), “o Ministério Público não está legitimado à ação de revisão em benefício do condenado, por inexistência de previsão legal [...]”.

Alega-se, ademais, que o Ministério Público, na condição de representante do Estado-Administração, é o sujeito passivo do pedido de revisão, o que acaba colocando-o no pólo oposto ao do condenado (MARQUES, 2003, p. 396).

Adalberto Aranha (1988, p. 176) vai dizer, ainda, que a lei anterior que permitia que o Ministério Público pedisse a revisão criminal era “marcada por excessiva e indevida liberalidade”.

Com o devido respeito, o presente trabalho diverge de tais posicionamentos e entende ser possível a legitimidade ativa do Ministério Público para propor ação de revisão criminal, pois, o fato da lei processual penal não ter colocado o Ministério Público no rol dos legitimados, bem como as demais alegações, não constitui óbice à sua legitimidade ad causam.

Como acertadamente afirmou Paulo Rangel (2008, p. 844, grifo do autor):

[...] Há que se interpretar a lei ordinária de acordo com a Constituição e não a Constituição de acordo com a lei ordinária, o que significa dizer: a lei (art. 623 CPP) realmente não legitima o Ministério Público a propor a revisão criminal, porém, a Constituição, em seu art. 127, caput, incumbe o Ministério Público de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis, e, óbvio que, se incumbe, deve dar a ele todos os meios legais para, via jurisdicional, cumprir sua incumbência.

Ou seja, “[...] a legitimidade não é em favor do condenado, mas, sim, a favor da reintegração do ordenamento jurídico agredido com o erro judiciário.” (RANGEL, 2008, p. 844).

Além do que, se o Ministério Público pode interpor recurso em favor do acusado, como o habeas corpus, por exemplo, porque estaria impedido de propor revisão criminal em sua defesa? Não há lógica.

Alguns autores, contudo, no anseio de justificar essa incoerência, afirmam que “embora tenha ampla legitimidade para recorrer, a revisão criminal não é um recurso, e, sendo uma ação exclusiva da defesa, o Ministério Público não pode utilizá-la.” (CASTELO BRANCO, 2003, p. 135-136, grifo do autor).

Acontece que, essa proibição não é razoável, pois o que se pretende, afinal, é restabelecer a ordem jurídica que foi violada. Sendo assim, proibir o Ministério Público de propor revisão criminal em defesa do acusado é ir de encontro ao verdadeiro Estado Democrático de Direito, cujos alicerces são formados pelos princípios constitucionais (RANGEL, 2008, p. 844).

Nessa esteira, Lúcio Constantino (2004, p. 258, grifo do autor) contribui com seus ensinamentos asseverando que, “[...] o Ministério Público pode ingressar com revisão, nos moldes da principiologia que o permite interpor habeas corpus, pedir absolvição do acusado etc.”.

Todavia, enquanto as legislações processuais penais mais evoluídas, como o Direito Processual Penal francês, o Código De Processo Penal italiano e o Código de Procedimento penal Russo legitimam o Ministério Público a promover a revisão criminal, o Brasil segue retroagindo (MOSSIN, 1997, p. 125).

Isso, pois, no caso da legislação brasileira, o Ministério Público nem sempre foi considerado parte ilegítima a propor a revisão criminal. Nas Constituições de 1891 e 1934, por exemplo, o Parquet estava arrolado como sujeito de direito para propor a revisão criminal. Entretanto, essa titularidade foi retirada com a justificativa “de se evitar prejuízo à liberdade do cidadão, máxime quando economicamente pobre e de reduzida instrução.” (CERONI, 2005, 114).

Na verdade, o Ministério Público só não agregou o rol dos legitimados, porque o Código de Processo Penal que está em vigor ainda é o de 1941, “quando a posição do Ministério Público era totalmente diversa, não tendo assumido, ainda, o status de defensor da sociedade bem delineado pela Constituição de 1988”. Dessa forma, “não é de se estranhar [...] que o legislador do processo penal não apontasse o parquet como um dos legitimados para propor a revisão criminal.” (PINTO, 2006).

Ademais, hodiernamente, tem-se entendido que o termo “cônjuge”, por conta da nova concepção de família trazida pela Constituição de 1988, deve ser interpretado de forma ampla, a fim de reconhecer o companheiro ou companheira como legitimados ativos, ainda que não estejam previstos (CASTELO BRANCO, 2003, p. 135).

Assim, não faz sentido utilizar a Constituição como suporte para ampliar a interpretação de um termo e abarcar o companheiro(a) que, expressamente, não foram elencados, e deixar de fazer o mesmo em relação ao Ministério Público, já que a mesma Constituição o coloca como instituição essencial à função jurisdicional, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Portanto, a interpretação deve ser ampla tanto para abarcar o companheiro (a), como para abranger o Ministério Público.

Todavia, a jurisprudência, a respeito da legitimidade do Ministério Público, ainda não está pacificada, como é possível observar dos julgados abaixo:

REVISÃO CRIMINAL - LEGITIMIDADE. O Estado-acusador, ou seja, o Ministério Público, não tem legitimidade para formalizar a revisão criminal, pouco importando haver emprestado ao pedido o rótulo de habeas corpus, presente o fato de a sentença já ter transitado em julgado há mais de quatro anos da impetração e a circunstância de haver-se arguido a competência da Justiça Federal, e não da Justiça Estadual, sendo requerente o Procurador da República. (BRASIL, 2001, grifo nosso).

REVISÃO CRIMINAL. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA O PLEITO REVISIONAL. POSSIBILIDADE. ART. 127 CONSTITUIÇÃO FEDERAL. FUNÇÃO CONSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE FISCAL DA LEI E DEFENSOR DOS INTERESSES DA COLETIVIDADE. MÉRITO. ABSOLVIÇÃO IMPRÓPRIA. INSANIDADE MENTAL. ACOLHIMENTO. LAUDO PERICIAL ATESTA INIMPUTABILIDADE DO RÉU NA ÉPOCA DOS FATOS. ABSOLVIÇÃO DECRETADA. APLICAÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA. REVISÃO CRIMINAL CONHECIDA E PROVIDA. Mesmo não existindo expressa previsão no Código do Processo Penal, é possível o pedido de Revisão Criminal pelo representante do Ministério Público no exercício de sua função constitucional de fiscal da lei e defensor dos interesses. (PARANÁ, 2009b, grifo nosso).

O presente trabalho, no entanto, entende ser possível ampliar o rol dos legitimados para alcançar o Ministério Público; o companheiro(a); o curador, bem como o procurador não habilitado, investido de poderes especiais pelo condenado.

Quanto a essa questão, de grande valia é a lição de Heráclito Mossin (1997, p. 125):

Indubitavelmente, se a instituição sob consideração tem o dever constitucional de defender interesses individuais indisponíveis, nada mais evidente que se lhe dê a legitimação ativa para postular contra o Estado, quando deparado for no decisum sobre o meritum causae, sob o manto da res iudicata formal, o error in iudicando ou in procedendo.

No que se refere ao procedimento da revisão criminal, o Código de Processo Penal vai disciplinar a matéria no art. 625 e parágrafos.

O requerimento, que será distribuído ao relator e ao revisor, deve ser instruído com a certidão de trânsito em julgado da sentença condenatória e com os documentos que se façam necessários à comprovação dos fatos alegados, podendo, o relator, mediante solicitação do requerente, determinar que os autos originais sejam apensados. Isso, porém, só será feito se não dificultar a execução normal da sentença.

Nessa esteira, saliente-se o fato de que o relator ou revisor será um desembargador que, em qualquer fase do processo, não tenha proferido decisão.

Além disso, no caso do pedido ter sido instruído de forma insuficiente ou se não for conveniente à justiça que se apensem os autos originais, o relator poderá indeferir o pedido liminarmente, sendo essa decisão passível de recurso. Esse recurso será de ofício "para as câmaras reunidas ou para o tribunal (plenário) [...]" (CERONI, 2005, p. 151).

Uma vez interposto o recurso, por petição e independentemente de termo, o relator irá apresentar o processo em mesa para ser julgado, relatando-o sem tomar parte sobre a questão.

Sobre a denominação desse recurso, alguns doutrinadores o chamam de agravo, outros de agravinho ou agravo regimental[37] e há aqueles que o denominam de recurso inominado.

Tales Castelo Branco (2003, p. 141), por exemplo, integra a doutrina que denomina tal recurso de inominado. Julio Mirabete (2006, p. 711), por sua vez, ensina que, “da decisão que indeferir o pedido cabe recurso, normalmente o agravo, ou outro recurso inominado, para as câmaras reunidas ou para o Plenário, conforme disponha o regimento interno do tribunal [...]”.

Já na visão de Heráclito Mossin (1997, p. 159), “o recurso em questão será o agravo regimental, previsto nos Regimentos Internos dos Tribunais [...]”. Esse entendimento é ratificado por Lúcio Constantino (2004, p. 251) ao afirmar que “caberá agravo regimental contra indeferimento liminar da revisão”.

Carlos Roberto Ceroni (2005, p. 152), se posicionando da mesma maneira, conclui ser cabível “o agravo regimental, no prazo de cinco dias, da decisão do relator que indefere liminarmente o processamento da revisão criminal”.

No entanto, se o requerimento não for indeferido liminarmente, o processo será encaminhado para o Ministério Público, que se manifestará através de parecer opinativo, em dez dias. Posteriormente, também no prazo de dez dias, o relator e o revisor examinarão os autos e julgarão o pedido na sessão designada pelo presidente.

Esse julgamento é realizado da mesma forma que os outros recursos, pois a revisão é “doutrinariamente uma ação” e “procedimentalmente um recurso”, e, havendo empate no julgamento, a decisão que prevalecerá será a que for favorável ao condenado (ARANHA, 1988, p. 178-179).

Ressalte-se, porém, que, mesmo nos casos em que o pedido não for rejeitado liminarmente, o relator e o revisor, ao examinarem os autos, podem proferir decisão julgando o pedido improcedente. Essa decisão, por sua vez, também será passível de recurso.

De acordo com Ceroni (2005, p. 150, grifo do autor), cabe recurso extraordinário e recurso especial quando a improcedência do pedido “estiver relacionada com as hipóteses do inciso III, letras a, b e c, respectivamente, dos arts. 102[38] e 105[39] da Carta Magna”. Por isso, aduz o autor, “[...] esses dois recursos [...] devem cingir-se à eventual violação do art. 621, I, do estatuto processual penal, [...] sob pena de transformar a via revisional em reiteração da ordinária”.

Para Lúcio Constantino (2004, p. 253), o recurso extraordinário é cabível, mas com determinadas restrições, pois o art. 325, inciso IV, do Regimento Interno do Supremo, alterado pela Emenda Regimental n. 2, de 04 de dezembro de 1985, estabelece o cabimento do recurso extraordinário “nas revisões criminais de processos por crime a que seja cominada pena de reclusão” (BRASIL, 2013b), ou seja, o recurso extraordinário não seria cabível nos casos de “contravenção penal ou delito apenado com detenção”.

Quanto ao recurso especial, o autor sustenta que seria cabível nas hipóteses do art. 105, III da Constituição Federal e jamais para “reexaminar a matéria fática da revisão criminal.” (CONSTANTINO, 2004, p. 253).

Outros recursos, como os embargos de declaração, embargos de divergência, embargos infringentes e de nulidade, também são cabíveis. A doutrina, no entanto, se posiciona de maneira divergente em relação aos embargos infringentes e de nulidade.

Os embargos de declaração objetivam reparar os ônus decorrentes de ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão da decisão embargada (MOSSIN, 1997, p. 168). Os embargos de divergência, por sua vez, são cabíveis, em nível de STF e STJ, em matéria de recurso extraordinário ou especial, respectivamente.

Assim, cabem embargos divergentes ao STF quando a decisão de uma turma divergir da decisão de outra Turma ou do Plenário na interpretação do direito federal e são cabíveis ao STJ quando “a decisão da turma divergir do julgamento de outra turma, da seção ou do órgão especial [...]” (MOSSIN, 1997, p. 174).

Quanto aos embargos infringentes e de nulidade, alguns autores, como Tales Castelo Branco (2003, p. 141), entendem ser descabíveis em sede de revisão criminal, “pois o Código de Processo Penal só os permite das decisões proferidas em apelação e em recurso em sentido estrito”.

Compartilhando do mesmo pensar, Lúcio Constantino (2004, p. 252) afirma que, por não ser um recurso, a revisão criminal não estaria direcionada à segunda instância e, por isso, os embargos infringentes e de nulidade não seriam cabíveis.

Os embargos infringentes e de nulidade, esclareça-se, são cabíveis, no prazo de dez dias, “quando não for unânime a decisão de segunda instância, desfavorável ao réu”, conforme disposto no art. 609, parágrafo único, do CPP.

Outros autores, porém, entendem admissíveis os embargos infringentes e de nulidade na revisão criminal, afirmando, como é o caso de Carlos Roberto Ceroni (2005, p. 154), que:

[...] O rigorismo exagerado na interpretação de uma lei pode levar a sérios equívocos e incontornáveis injustiças. Indubitavelmente, em homenagem às garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, é de ser admitido os embargos das decisões de improcedência, não unânimes, proferidas em revisões criminais. Não podemos olvidar, outrossim, que os embargos infringentes e de nulidades podem ser interpostos em revisão criminal em face da similitude desta com a ação rescisória, em relação à qual se admite os embargos [...]

Essa questão, no Supremo Tribunal Federal, já não é mais discutida, pois, no art. 333, inciso II, do seu Regimento Interno, está estabelecido que “cabem embargos infringentes à decisão não unânime do Plenário ou da Turma que julgar improcedente a revisão criminal” (BRASIL, 2013b).

O presente trabalho, a despeito dos argumentos contrários, se alinha ao entendimento favorável à admissão dos embargos infringentes e de nulidade em sede de revisão criminal, sobretudo porque esses recursos são admitidos na ação rescisória e a analogia, nesse caso, se mostra favorável ao condenado.

Acontece que, o pedido revisional também pode ser aceito e, sendo assim, a decisão que deferir a revisão irá determinar uma nova relação jurídica (CONSTANTINO, 2004, p. 261). Por esse motivo, é de salutar importância o estudo dos efeitos da decisão.

Os efeitos da revisão criminal, elencados no art. 626 do CPP, são a absolvição do réu, a modificação da pena, a alteração da classificação da infração ou a nulidade do processo. Em todo caso, porém, não será admitida a reformatio in pejus.

A absolvição do réu, determinada pelo reconhecimento de alguma das hipóteses do art. 621 do CPP, é o efeito mais amplo da revisão criminal e implica no “restabelecimento de todos os direitos perdidos em virtude da condenação” (BRASIL, 1941)[40]. Isso significa que “não mais existirão a pena, a medida de segurança, os efeitos extrapenais da condenação [...] etc.” (MIRABETE, 2006, p. 714).

Contudo, se a absolvição tiver sido conferida “em virtude de inimputabilidade por doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado, deve o Tribunal impor medida de segurança”, obrigatoriamente (MIRABETE, 2006, p. 714). Essa imposição está expressamente autorizada pela parte final do art. 627 do CPP.

Pode ocorrer, também, a alteração da classificação da infração – contravenção ou crime – ou modificação da pena. Nesse caso, a modificação será para melhor, já que não há possibilidade de se agravar a pena imposta pela decisão revista.

Assim, o tribunal pode “desclassificar um crime mais grave para um menos grave [...] ou [...] transformar o crime qualificado em simples, ou este em delictum privilegiatum”. A modificação da pena, por sua vez, ocorrerá “quando houver a inexistência de agravante erroneamente considerada na sentença ou acórdão, ou quando a fixação da reprimenda for excessiva.” (MOSSIN, 1997, p. 110, grifo do autor).

Finalmente, a nulidade do processo.

Esse efeito, trazido pelo art. 626 do CPP, gera algumas dissensões doutrinárias: a nulidade, de forma isolada, pode ser a causa de pedir da ação de revisão criminal ou só pode ser reconhecida quando o Tribunal der provimento ao pedido revisional, cujos fundamentos se encontram no art. 621 do CPP?

Para alguns autores não há possibilidade da nulidade ser causa de pedir do pedido revisional, porque o Código de Processo Penal atual não a elencou entre as hipóteses do art. 621, que são taxativas.

Defendendo essa posição, Heráclito Mossin (1997, p. 108, grifo do autor) alega:

Com efeito, o legislador processual penal, de forma expressa, enumera no art. 621 as hipóteses de cabimento da revisão criminal. Tal indicação é taxativa e não meramente exemplificativa. O numerus clausus ali considerado não pode ser alterado, em face da própria natureza do instituto revisional diante da coisa julgada formal, como já acentuado precedentemente.

Outros autores, contudo, não compartilham do mesmo entendimento.

Frederico Marques (2003, p. 417, grifo do autor), por exemplo, vai afirmar que se “afigura incontroverso que a nulidade pode ser a causa petendi da rescisão pleiteada pelo condenado” e que, “se ao juiz da revisão é dado anular o processo, nada há que impeça o pedido de revisão com esse único objetivo”.

Paulo Rangel (2008, p. 857) se posiciona no mesmo sentido. Para ele, o art. 621 do CPP, no seu inciso I, prevê a nulidade ao afirmar que a revisão será admitida quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal, pois a expressão “lei penal” integraria “tanto a lei material penal quanto a lei formal penal, ou seja, o direito penal e o direito processual penal.”

Carlos Roberto Ceroni (2005, p. 76, grifo do autor), vai ainda mais longe ao declarar que “[...] é possível ao tribunal revisor proferir decisão ultra petita, ou seja, ainda que não requerido pelo peticionário, poderá reconhecer a nulidade absoluta”.

A esse respeito, o presente trabalho entende que a nulidade pode, sim, ser causa de pedir da ação de revisão criminal, ainda que o legislador não a tenha colocado expressamente no rol do art. 621 do CPP.

É que, como já explanado em momento anterior, mesmo que a taxatividade seja necessária para evitar a incerteza absoluta dos jugados, nesse caso específico, haveria de se levar em conta o art. 626 do CPP, harmonizando-o com o art. 621 do referido diploma legal, e, também, o fato de ser a revisão criminal um instituto criado em favor do condenado.

Em vista de tais considerações, de quem seria a competência para conhecer e julgar o pedido revisional?

Segundo Frederico Marques (2003, p. 399), “a regra, que hoje impera, é a seguinte: compete a revisão criminal ao Tribunal que proferiu a decisão rescindenda, ou que a deveria proferir em caso de apelação”.

No dizer de Mirabete (2006, p. 709-710):

[...] A competência para o processo de revisão é do Tribunal que proferiu o acórdão revidendo em ação penal originária ou em razão de recurso, ou, se não houve recurso do processo originário do primeiro grau, do Tribunal que seja competente para conhecer do recurso interposto contra a sentença rescindida.

Conforme o art. 624 do CPP, as revisões criminais seriam processadas e julgadas pelo Supremo Tribunal Federal, quanto às decisões criminais que tivesse proferido e pelo Tribunal Federal de Recursos[41], Tribunais de Justiça ou de Alçada[42] nos demais casos.

De lembrar-se, ainda, que não apenas a legislação processual estabelece a competência dos Tribunais para processar e julgar os pedidos revisionais, como também seus regimentos internos[43]. O Regimento Interno do STF, por exemplo, estabelece no art. 263 a competência do Supremo para “julgar as revisões criminais referentes às condenações por ele mantidas.” (CASTELO BRANCO, 2003, p. 138).

Os Tribunais podem ter competência originária ou recursal. A competência originária é aquela em que o Tribunal irá conhecer diretamente “do pedido condenatório contido no processo de conhecimento”. A competência recursal, por seu turno, ocorre quando a sentença condenatória, proferida por um juízo de primeiro grau, é recorrida em segunda instância (MOSSIN, 1997, p. 161).

Nos casos de competência originária, cada Tribunal será competente para “rever a decisão rescindenda por ele proferida”. Já nos casos de competência recursal, tendo sido julgado o recurso pelo segundo grau e formada a coisa julgada sobre o acórdão, a revisão criminal deverá ser proposta “diante do Tribunal que proferiu sua decisão no processo findo [...]” (MOSSIN, 1997, p. 161).

Pode ocorrer, lado outro, do juízo de primeiro grau proferir uma sentença condenatória que transite em julgado. Nessa situação, caso haja a pretensão de rescindir a sentença proferida na primeira instância, o condenado deve encaminhar o pedido revidendo ao Tribunal “que deveria conhecer e julgar a apelação.” (MOSSIN, 1997, p. 162).

No sistema brasileiro, diferentemente do que acontece no sistema francês ou português, o juízo rescindente e o juízo rescisório se encontram no mesmo órgão, ou seja, o Tribunal é competente para realizar o juízo de admissibilidade da revisão, aceitando-a ou não, e também é competente para realizar novo julgamento, a fim de substituir a decisão atacada (ARANHA, 1988, p. 180).

Como descrito por Frederico Marques (2003, p. 420, grifo do autor):

Na revisão, tal qual como na ação rescisória civil, ao judicium recindens sucede-se, de imediato, o judicium rescisorium. Ocorrendo algum dos erros judiciários capitulados e descritos nos itens do art. 621, o Tribunal rescinde a sentença condenatória. Todavia, logo a seguir, profere a decisão adequada ao caso, ou absolvendo o condenado, ou lhe impondo pena menos grave. Quando o pedido se fundar [...] em nulidade do processo, só funcionará, como é óbvio, o judicium recindens, – o que igualmente ocorrerá se a nulidade for decretada, apesar de não a ter pedido o condenado.

Por essa razão, inclusive, que não se pode falar em efeito suspensivo na revisão criminal, já que, em regra, sendo admitida a revisão, a execução da sentença condenatória não fica suspensa (ARANHA, 1988, p. 180).

Nessa via, o Tribunal de Justiça de Pernambuco decidiu pela impossibilidade de se suspender a execução de sentença condenatória transitada em julgado, pela inexistência de efeito suspensivo:

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS LIBERATÓRIO. HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO. PRISÃO DECORRENTE DE SENTENÇA CONDENATÓRIA TRANSITADA EM JULGADO. PEDIDO PARA AGUARDAR EM LIBERDADE O JULGAMENTO DA REVISÃO CRIMINAL. POSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO IMEDIATA DA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM DENEGADA. DECISÃO UNÂNIME. 1. Sentença condenatória transitada em julgado deve ser cumprida de imediato, não podendo ser suspensa até o julgamento final da revisão criminal, que não detém efeito suspensivo capaz de impedir a sua execução; 2. Ordem Denegada. Decisão Unânime. (PERNAMBUCO, 2009).

No entanto, havendo urgência e gravidade em algumas circunstâncias e sendo manifesta a presença do fumus boni iuris e do periculum in mora, poder-se-ia aplicar, excepcionalmente, por analogia, “os dispositivos do Código de Processo Civil que normatizam o poder de cautela do juiz, principalmente concedendo-lhe a possibilidade de antecipar os efeitos da tutela[44] pretendida [...]” (CASTELO BRANCO, 2003, p. 140-141, grifo do autor).

Nesse caso, a analogia pode ser aplicada, primeiro, porque a hipótese não está prevista. Não há na Constituição, no Código de Processo Penal ou em qualquer outro diploma legal, “previsão expressa no sentido de utilização da antecipação de tutela em sede de revisão criminal”. Segundo, porque a ação rescisória e a revisão criminal, em que pese algumas diferenças[45], são muito semelhantes e, finalmente, porque essas semelhanças não são superficiais (PIMENTEL, 2011, p. 123-125).

Além do que, o CPP, no seu art. 3º, dispõe expressamente que “a lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito” (BRASIL, 1941).

Assim, sendo possível antecipar a tutela, o juiz deverá pôr o condenado em liberdade, ainda que a parte não tenha requerido, ou seja, pode agir de ofício (PIMENTEL, 2011, p. 145).

Essa possibilidade, de agir de ofício, se justifica no fato de que, “na revisão, visa-se a reparação de uma injustiça e o interesse da solução não é exclusivo do condenado, mas em primeiro lugar da própria sociedade.” (ARANHA, 1988, p. 180).

Também, por analogia, poderá ser aplicado, em sede de revisão criminal, o disposto no art. 580 do Código de Processo Penal (MIRABETE, 2006, p. 713): “no caso de concurso de agentes (Código Penal, art. 25), a decisão do recurso interposto por um dos réus, se fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal, aproveitará aos outros”, ou seja, há um efeito extensivo.

É nessa direção que alguns Tribunais de Justiça, como o do Paraná, tem caminhado:

REVISÃO CRIMINAL - ART. 157, § 2º, INCISOS I E II (TRÊS VEZES), C/C O ART. 71, AMBOS DO CÓDIGO PENAL - ARGÜIÇÃO DE EXCESSIVIDADE NA FIXAÇÃO DA PENA-BASE - FALTA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DA SANÇÃO - PENA-BASE FUNDAMENTADA EM APENAS 04 CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS - MÉRITO RECURSAL PREJUDICADO E, DE OFÍCIO, ANULAÇÃO DA SENTENÇA COM EXTENSÃO AOS CO-RÉUS. "A finalidade da revisão criminal é corrigir erros de fato ou de direito ocorridos em processos findos, quando se encontrem provas da inocência ou de circunstância que devesse ter influído no andamento da reprimenda" (ex-TACRSP - RT 638/376). O mérito recursal resta prejudicado, pois, de ofício, anula-se a dosimetria da pena, ante a ausência de análise de todas as circunstâncias do artigo 59 do Código Penal, o que viola o princípio da individualização da pena. Os efeitos desta decisão estendem-se aos co-réus. (PARANÁ, 2009a, grifo nosso).

Faz-se necessário esclarecer, nesse ponto, que os casos de analogia tratados foram in bonam partem, isto é, em benefício do condenado.

Importa essa advertência, pois, antes do art. 594 do CPP[46] ter sido revogado pela Lei 11.719/08, alguns autores o invocavam, fazendo analogia com a apelação, na defesa da necessidade do condenado ser recolhido à prisão para propor ação de revisão criminal (MOSSIN, 1997, p. 136). Essa analogia, entretanto, era prejudicial ao condenado, ou seja, in malam partem.

Tal artigo, todavia, foi revogado e, além disso, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula de nº 393 afirmando que, “para requerer revisão criminal, o condenado não é obrigado a recolher-se à prisão” (BRASIL, 1964).

Cumpre destacar, ainda, que “a fuga do condenado após a propositura do pedido revisional não causa a deserção” (MIRABETE, 2006, p. 703), pois, o artigo 595 do CPP, que tratava da deserção nos casos de apelação, e que era utilizado por analogia na revisão criminal, também foi revogado.

Isso mostra que, em que pese o art. 3º do CPP autorize a aplicação analógica, não há possibilidade de se valer da analogia para prejudicar o réu, como queriam fazer em relação à prisão e à deserção.

4.1 INDENIZAÇÃO POR ERRO JUDICIÁRIO NA REVISÃO CRIMINAL

O Código de Processo Penal, no art. 630, caput, dispõe que “o tribunal, se o interessado o requerer, poderá reconhecer o direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos” (BRASIL, 1941). Além disso, dispõe, no §1º do referido artigo, que a União ou o Estado responderão pela indenização.

Desse dispositivo, portanto, pode-se inferir uma espécie de responsabilidade objetiva do Estado, que decorre, justamente, do erro judiciário. Essa compreensão foi adotada “pela jurisprudência e, posteriormente, pela Constituição de 1946.” (CASTELO BRANCO, 2003, p. 147).

Hoje, a Constituição Federal de 1988, prevê não somente a responsabilidade objetiva do Estado[47], como também a possibilidade de reparação por erro judiciário, dispondo, no seu art. 5º, inciso LXXV, que “o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença” (BRASIL, 1988).

Não poderia ser outra a previsão constitucional.

A procedência da revisão criminal indica que houve um “desregramento da condenação” e, por isso, “o prejuízo do condenado deve ser indenizado.” (CONSTANTINO, 2004, p. 260).

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento de um Recurso Extraordinário, reconheceu o art. 5º, LXXV da CF/88 como uma garantia e, por conseguinte, devida a indenização pelo Estado:

ERRO JUDICIÁRIO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO. DIREITO À INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DECORRENTES DE CONDENAÇÃO DESCONSTITUÍDA EM REVISÃO CRIMINAL E DE PRISÃO PREVENTIVA. CF, ART. 5º, LXXV. C.PR.PENAL, ART. 630. 1. O direito à indenização da vítima de erro judiciário e daquela presa além do tempo devido, previsto no art. 5º, LXXV, da Constituição, já era previsto no art. 630 do C. Pr. Penal, com a exceção do caso de ação penal privada e só uma hipótese de exoneração, quando para a condenação tivesse contribuído o próprio réu. 2. A regra constitucional não veio para aditar pressupostos subjetivos à regra geral da responsabilidade fundada no risco administrativo, conforme o art. 37, § 6º, da Lei Fundamental: a partir do entendimento consolidado de que a regra geral é a irresponsabilidade civil do Estado por atos de jurisdição, estabelece que, naqueles casos, a indenização é uma garantia individual e, manifestamente, não a submete à exigência de dolo ou culpa do magistrado. 3. O art. 5º, LXXV, da Constituição: é uma garantia, um mínimo, que nem impede a lei, nem impede eventuais construções doutrinárias que venham a reconhecer a responsabilidade do Estado em hipóteses que não a de erro judiciário stricto sensu, mas de evidente falta objetiva do serviço público da Justiça.(BRASIL, 2007b).

O dever de indenizar do Estado se constitui em um verdadeiro direito subjetivo do condenado, que foi vítima de uma injustiça. A expressão “se o interessado o requerer”, trazida pelo art. 630, caput, do CPP, deixa claro esse fundamento jurídico, pois confere ao condenado a faculdade de agir “quanto à provocação do Estado-Juiz [...]” (MOSSIN, 1997, p. 140).

Nas lições de Frederico Marques (2003, p. 425), “reconhece-se, assim, àquele que foi vítima de condenação injusta, o direito público subjetivo a uma indenização adequada pelos prejuízos sofridos em virtude da sentença condenatória”.

Essa reparação deve ser pleiteada, preferencialmente, quando a revisão for requerida, sendo que, “no juízo da revisão, não se fixa o quantum debeatur, mas apenas a obrigação de reparar o dano advindo do erro judiciário.” (MARQUES, 2003, p. 426, grifo do autor).

Caso seja apresentada posteriormente, o Estado deverá ser ouvido, ou seja, “[...] elaborado o pedido indenizatório, isoladamente, há de incidir sobre ele o contraditório, devendo dar-se oportunidade de a Fazenda respectiva contestá-lo.” (MOSSIN, 1997, p. 144).

O Tribunal revisor, portanto, só irá reconhecer “o direito à indenização, que deverá ser liquidada no juízo cível, constituindo o acórdão um título judicial executório ilíquido.” (MIRABETE, 2006, p. 715).

Conforme o §1º do art. 630 do CPP, “por essa indenização, que será liquidada no juízo cível, responderá a União, se a condenação tiver sido proferida pela justiça do Distrito Federal ou de Território, ou o Estado, se o tiver sido pela respectiva justiça” (BRASIL, 1941).

Existe uma divergência doutrinária quanto à possibilidade da indenização abarcar também os danos morais. Embora alguns autores sejam contra essa possibilidade, não há dúvidas de que uma condenação injusta fere a honra do sujeito, abrindo espaço para a reparação por dano moral.

Frederico Marques (2003, p. 428), contrário à indenização por dano moral, preleciona que “[...] o art. 630 não se destina a reparar o dano moral, e sim o prejuízo material que o condenado efetivamente sofreu”. Afirma, ainda, que o condenado, “na ação executória, deve [...] provar os prejuízos realmente havidos com a sentença injusta”.

Outra não é a lição de Adalberto Aranha (1988, p. 182), para quem “as lesões morais só podem ser reparadas moralmente, já que não há estimativa pecuniária possível”.

Data vênia, não assiste razão aos autores ao negarem a possibilidade de reparação por dano moral.

É que, “a condenação criminal afeta de maneira irreversível a honra daquele que foi objeto da reprimenda legal. Seu conceito diante da coletividade se vê abalado e menoscabado”. E, mesmo que o sujeito, vítima do erro judiciário, seja absolvido via revisão criminal, “a humilhação e o ultraje que sobre ele incidiu, [...] não faz com que ele recobre sua honra e dignidade perdidas quando da condenação.” (MOSSIN, 1997, p. 142).

Mirabete (2006, p. 714), abordando a questão sob consideração, assevera que “apesar da opinião em contrário da doutrina tradicional, hoje não se deve negar a possibilidade de ser pedida pela vítima do erro judiciário a indenização por dano moral”.

O dano imaterial é muito mais devastador e incisivo do que o dano material, porque atinge a honra e a dignidade do sujeito, causando dor e vergonha e, em que pese o dinheiro não possa repor o sofrimento causado pela condenação injusta, “[...] se o dano patrimonial, quando verificado, deve ser reparado, com muito mais razão e valor, deverá também sê-lo o moral, que ofende o indivíduo em seu âmago [...]” (MOSSIN, 1997, p. 143).

Sendo assim, considera-se que a indenização pelos danos morais sofridos, combinada com a reparação material, é mais do que devida.

Destaque-se, porém, que, embora a reparação deva ser interpretada de forma ampla, a indenização só será caracterizada quando houver um erro judiciário grave, capaz de causar efetivos prejuízos ao condenado, não sendo suficiente, portanto, que a condenação tenha sido apenas injusta (ARANHA, 1988, p. 182).

Nessa via, o §2º do art. 632 do CPP declara expressamente as hipóteses em que a indenização será indevida: quando o condenado der causa ou concorrer para o erro ou injustiça da condenação, ou quando a acusação for meramente privada.

Quanto à primeira hipótese, não poderia ser diferente. Se o condenado tiver contribuído ou dado causa ao erro que resultou em sua condenação, não tem porque o Estado indenizá-lo, ressalvando-se, aqui, entretanto, a questão da confissão obtida por coação, onde, “positivada a ausência de fraude do réu, a indenização se impõe” por culpa visível do Estado (MIRABETE, 2006, p. 715).

Em relação à segunda hipótese, o legislador retirou do Estado o dever de indenizar, dada a substituição no pólo ativo da relação jurídico-processual. Essa proposição, contudo, é equivocada, pois, ainda que o particular aja em nome próprio, está defendendo o interesse punitivo do Poder Público (MOSSIN, 1997, p. 146).

Como assente deixa Lúcio Constantino (2004, p. 260):

Enquanto a acusação é de natureza privada, a condenação, por sua vez, não é. Quem decreta o juízo condenatório é o magistrado, representante do Estado/Judiciário. A decisão do juiz não possui natureza particular, capaz de ensejar somente a exclusiva responsabilidade do particular. O decreto condenatório é ato público e que consubstancia a vontade do Estado. Muito embora tenha o juiz posicionado entendimento sobre a acusação apresentada, desnecessário se questionar se a acusação é pública ou privada, pois em ambos os casos a decisão será do Estado.

Também se afina com esse entendimento Adalberto Aranha (1988, p. 183):

Na segunda hipótese a exclusão do Estado nos parece injusta, pois foi um de seus órgãos quem proferiu a condenação injusta, embora a ação fosse impulsionada pela pseudovítima. A melhor solução seria a que desse à vítima o direito de pleitear a indenização do Estado, tendo este direito regressivo contra o autor da ação penal injusta.

Para Frederico Marques (2003, p. 429-430, grifo do autor), todavia, “a obrigação de indenizar estará a cargo, exclusivamente, do querelante, uma vez que teria procedido como improbus litigator”, excetuando-se, apenas, as ações privadas subsidiárias da pública, “em que o Ministério Público permanece como litisconsorte necessário do Estado, até final”.

Dado o exposto, a conclusão a que chega o presente trabalho é de que o Estado está obrigado a indenizar o condenado, vítima do erro judiciário, mesmo nos casos de ação penal privada, já que a Constituição Federal, ao determinar que o Estado indenize o condenado por erro judiciário, não restringe essa indenização às ações de iniciativa pública.

4.2 REVISÃO CRIMINAL DE DECISÃO ORIGINÁRIA DO JÚRI E A SOBERANIA DOS VEREDICTOS

A revisão criminal, ação autônoma que desfaz a coisa julgada formada sobre uma sentença condenatória, com a finalidade de acabar com os erros registrados no julgamento, será analisada neste ponto, especificamente, em relação às decisões originárias do Júri, tendo em vista que a sua disciplina legal já foi amplamente abordada em item anterior.

Durante muito tempo a doutrina se afligiu com a questão da revisão criminal em face do princípio da soberania do júri: haveria ou não a possibilidade de uma sentença condenatória transitada em julgado, emanada do tribunal popular, ser desconstituída por ação revisional?

Hoje, com tranquilidade, pode-se afirmar que sim.

Nessa ótica, Julio Mirabete (2006, p. 704) esteia o entendimento de que:

Não se pode pôr em dúvida que é admissível a revisão de sentença condenatória irrecorrível pelo Tribunal do Júri. A alegação de que o deferimento do pedido revisional feriria a ‘soberania dos veredictos’, consagrada na Constituição Federal, não se sustenta.

É que a soberania dos jurados não é absoluta e, havendo erro no julgamento, não poderia ela prevalecer frente à liberdade do indivíduo, que também é direito e garantia constitucional.

Assim, “[...] por entender-se que o direito de defesa e a soberania do júri se igualam como preceitos de garantia do acusado” é que não se pode obstar a possibilidade de proposição da ação de revisão criminal (CASTELO BRANCO, 2003, p. 142, grifo do autor).

No dizer de Frederico Marques (2003, p. 393-394, grifo nosso):

A sentença condenatória, desde que o processo se encontre findo, é suscetível de revisão, qualquer que ela seja, pouco importando, também, o juízo de que tenha emanado. [...] A soberania dos veredictos proferidos pelo Tribunal do Júri não impede, outrossim, a revisão, desde que condenatória a sentença. Nem poderia ser de outra forma, uma vez que a revisão é direito individual provindo diretamente da Constituição, tanto como o julgamento perante o Júri.

Portanto, hoje, doutrina e jurisprudência são pacíficas no sentido de admitir a revisão criminal das decisões originárias do Tribunal do Júri e, como se viu, não poderia ser diferente.

Por isso, a questão de maior expressividade, aqui, é saber quem teria competência para, julgada procedente a revisão, realizar o juízo rescisório, posto que o juízo rescindente, indiscutivelmente, pertence à segunda instância.

As posições doutrinárias e jurisprudenciais são divergentes.

Alguns autores consideram que o tribunal seria competente para realizar tanto o juízo rescindente – juízo de admissibilidade da revisão, quanto o juízo rescisório, proferindo nova decisão. Outros, no entanto, consideram que o tribunal realizaria apenas o juízo rescindente, determinando novo julgamento pelo Júri, que exerceria o juízo rescisório.

Aqueles que julgam ser o Tribunal do Júri o órgão competente para realizar o juízo rescisório se fundamentam nas seguintes ideias:

a)    a soberania dos jurados consiste, justamente, na impossibilidade da substituição de suas decisões pelo juiz;

b)    se o tribunal ad quem proferisse nova decisão, a soberania dos veredictos restaria frontalmente agredida, o que não poderia ocorrer, tendo em vista a sua condição de garantia constitucional;

c)    esse seria o único modo de harmonizar a ação revisional com a soberania dos veredictos.

Segundo Mauro Viveiros (2003, p. 232), “[...] se é indiscutível que todo acusado condenado tem a garantia constitucional de revisão da condenação, a qualquer tempo, os tribunais, no entanto, não dispõem de competência material para se substituírem ao tribunal popular [...]”.

Em igual sentindo, Adalberto Aranha (1988, p. 175):

No nosso modesto entender o pedido revisional das decisões oriundas do júri só admite o juízo rescindendo, isto é, anular o julgamento, o seu limite. Ao júri caberá um novo julgamento, tal como na apelação, atento sempre ao princípio da soberania que dá ao Tribunal Popular toda a competência para o julgamento quanto ao merecimento. No nosso pensar, em tal hipótese deveriam surgir dois juízos: o da admissibilidade e o do julgamento, este só é possível pelo júri.

Outro não foi o entendimento da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento de Habeas Corpus, no ano de 2002:

PROCESSO PENAL. REVISÃO CRIMINAL. TENTATIVA DE HOMICÍDIO. TRIBUNAL DO JÚRI. DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. MÉRITO DA ACUSAÇÃO. RÉU QUE DEVE SER SUBMETIDO A NOVO JÚRI. MANUTENÇÃO DE SUA CONSTRIÇÃO CAUTELAR. - Como se sabe, as decisões proferidas pelo Tribunal do Júri não podem ser alteradas, relativamente ao mérito, pela instância ad quem, podendo, tão-somente, dentro das hipóteses previstas no art. 593, do Código de Processo Penal, ser cassadas para que novo julgamento seja efetuado pelo Conselho de Sentença, sob pena de usurpar a soberania do Júri. Na verdade, o veredicto não pode ser retificado ou reparado, mas sim, anulado. - O cerne da questão, no presente pedido, situa-se no fato de que a decisão do Júri foi reformada, em seu mérito, em sede revisional que, diferentemente da apelação, cuja natureza é recursal, trata-se de verdadeira ação que é ajuizada sob o manto do trânsito em julgado. - A meu sentir, seguindo a exegese da melhor doutrina, o reconhecimento pelo Tribunal a quo, de que a decisão do Júri foi manifestamente contrária à prova dos autos, ainda que em sede revisional, não tem o condão de transferir àquela Corte, a competência meritória constitucionalmente prevista como sendo do Tribunal do Júri. Portanto, entendo que cabe ao Tribunal, mesmo em sede de revisão criminal, somente a determinação de que o paciente seja submetido a novo julgamento. - No que tange à possibilidade do paciente aguardar ao novo julgamento em liberdade, não assiste razão ao impetrante. Com efeito, depreende-se dos autos que o réu foi preso em flagrante delito e nessa condição permaneceu durante toda a instrução e por ocasião da pronúncia. Desconstituída a r. sentença que o condenou e mantidas as condições que demonstravam a necessidade de sua prisão cautelar esta deve ser mantida, em decorrência do restabelecimento da sentença de pronúncia, não se exigindo nova e ampla fundamentação. - Ante o exposto, concedo parcialmente a ordem, para anular o v. acórdão objurgado, determinando a realização de novo julgamento pelo Tribunal do Júri mantendo-se a constrição do acusado. (BRASIL, 2002b, grifo nosso).

No entanto, em que pese tais considerações, o presente trabalho se alinha à corrente contrária na defesa de que o tribunal ad quem seria competente para realizar ambos os juízos: o rescindente e o rescisório.

Tal entendimento se justifica pelo seguinte:

a)    a revisão criminal, assim como a soberania dos jurados, encontra amparo Constitucional;

b)    o sistema legal pátrio estabelece no art. 626 do CPP que o tribunal, tendo julgado procedente a revisão, poderá alterar a classificação da infração, absolver o réu, modificar a pena ou anular o processo;

c)    transitada em julgado a sentença condenatória, a atribuição do Júri se perfaz.

Como expõe Tales Castelo Branco (2003, p. 143), “[...] o artigo 626 do Código de Processo Penal não estabelece qualquer restrição distintiva [...]”. Ou, como afirmou Lúcio Constantino (2004, p. 263), “pensamos acertada tal posição, face à falta de previsão legal para remeter a novo julgamento popular”.

Na mesma direção, ainda, Paulo Rangel (2012a, p. 270):

[...] Em relação ao art. 626 há regra expressa autorizando o tribunal de justiça absolver, diante da prova nova de inocência do réu que foi apresentada em sua petição de revisão. Não sendo lícito ao intérprete diminuir o alcance do texto legal em desfavor do condenado, já que o instituto da revisão criminal foi criado em seu benefício.

Ademais, em certas situações, fica patente o despropósito de submeter o condenado a novo julgamento, como, por exemplo, quando, “após o trânsito em julgado da condenação, fique comprovado, em sede de revisional, que a suposta vítima de homicídio esteja viva”. Ou, quando o erro na condenação só tenha sido reconhecido após o cumprimento da pena (MÉDICI, 2000, p. 201). Nesses casos, qual seria a razão para o tribunal determinar novo julgamento pelo Júri? Como se vê, não há.

Sérgio Médici (2000, p. 200-201, grifo do autor) sustenta, ainda, o fato de que “a revisão criminal destina-se exclusivamente a corrigir o erro judiciário e não ao reexame de toda a prova ou à ampla discussão do mérito da causa”, portanto, “se o erro judiciário é reconhecido pelo tribunal superior, deve ser por ele corrigido”. Assim, o Tribunal ad quem, ao realizar o juízo rescisório, não estaria ofendendo a soberania dos veredictos.

Além disso, uma vez que a sentença condenatória tenha transitado em julgado, tem-se por finda a função do Júri, visto que a "soberania tem limitação de caráter processual" e, nesses casos, "o que efetivamente acontece é proporcionar a outro colegiado, constituído por juízes togados, a possibilidade de remediar um erro cometido por aquela instituição." (MOSSIN, 1997, p. 99-100).

Em todo caso, sublinhe-se, a pena imposta pela decisão revista não poderá ser agravada, pois veda-se a reformatio in pejus indireta e, em relação à anulação do processo, o entendimento é pacífico no sentido de que o tribunal poderá realizar apenas o juízo rescindente, determinando novo julgamento pelo tribunal popular, visto que, nesta situação, a competência do juiz natural é restaurada. Logo, se assim não fosse, “estaria ferindo o preceito constitucional do duplo grau de jurisdição.” (ARANHA, 1988, p. 183).

Embasando tal posicionamento, a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios:

REVISÃO CRIMINAL. JÚRI. SOBERANIA. JUÍZO RESCINDENTE E RESCISÓRIO. ALCANCE DA EXPRESSÃO NOVAS PROVAS (CPP 621, III). LEI 9.807/99 (ART. 14). INAPLICABILIDADE. PROTEÇÃO DESNECESSÁRIA. CRIME HEDIONDO. REGULAÇÃO ESPECÍFICA. 1. Em sede de revisão criminal, compete ao tribunal de justiça exercer o juízo rescindente e também o rescisório - salvo, quanto a este, se houver anulação da sentença - em relação às decisões do júri, sem receio de ofensa à soberania dos veredictos, pois essa garantia constitucional, a par de restringir-se ao processo em que proferidos os veredictos, coexiste com outras favoráveis ao réu, como a ampla defesa e a própria liberdade. 2. O conceito de "novas provas" (CPP 621, iii) deve ser tomado em sentido amplo, de modo a alcançar também aquelas que, posto já estivessem nos autos, não foram valoradas pelo juízo, hipótese essa distinta da inadmissível reavaliação da prova. 3. A diminuição de pena disciplinada no art. 14, da lei 9.807/99, não encerra um fim em si mesma. É, ao lado de outras, medida protetiva cuja aplicação, portanto, somente se justifica quando necessária para resguardar o réu colaborador contra eventuais ameaças motivadas pela sua colaboração, o que não se verifica no caso. Essa é a ratio legis, cuja observância se impõe também para assegurar a harmonia entre esse diploma e a LC 95/98. 4. Caso se queira ver de outra maneira, no sentido de que o citado art. 14 é apenas uma causa de diminuição, sem finalidade protetiva, continuaria inaplicável à espécie. É que a condenação se deu por crime hediondo, que tem regulação própria (8.072/90) segundo a qual a delação só diminui a pena quando propiciar o desmantelamento de quadrilha voltada à prática de delitos com aquela natureza (art. 8º, § único), hipótese alheia ao que consta dos autos, que versa sobre homicídio cometido mediante concurso eventual de agentes. Incide na espécie a regra lex posterior generalis (9.807/99) non derrogat priori speciali (8.072/90). 5. De resto, são cumulativos os requisitos do mencionado art. 14. (BRASIL, 2009b, grifo nosso).

Afinal, de grande valia é a lição de Frederico Marques (1997, p. 102-103, grifo nosso) sobre o assunto:

Fixa-se a competência mínima do Júri, para que o réu considerado autor de homicídio possa ter garantido o seu direito de liberdade, de maneira mais eficaz, através do julgamento de um tribunal popular. Mas se o juiz togado absolve esse réu, desde logo, atentado algum foi cometido contra sua liberdade, nem em perigo esta se encontra para tornar obrigatório o julgamento pelo Júri. Afigura-se-nos, por isso, perfeitamente viável que a lei ordinária autorize os órgãos judiciários de segundo grau a absolverem o réu, sempre que, em recurso próprio, seja alegado que a condenação do Júri foi injusta, e tal injustiça ficar comprovada.

Destarte, pelo que foi analisado, vê-se que a soberania dos veredictos, mesmo sendo uma garantia constitucional, deve ceder face à comprovação de que o Júri condenou erroneamente, pois o direito de liberdade que está em jogo, direito fundamental do indivíduo, também é protegido pela Constituição Federal. Além do que, o fato de o Tribunal ad quem realizar os juízos rescindente e rescisório não significa desrespeito a essa soberania, posto que não há atentado contra a liberdade do réu.


5 CONCLUSÃO

Inicialmente, cumpre dizer que a pesquisa desenvolvida buscou analisar a revisão criminal nas decisões originárias do Júri, frente ao principio da soberania dos veredictos, demonstrando as diferentes posições doutrinárias e jurisprudenciais acerca do assunto, que é alvo, ainda, de grandes questionamentos.

Evidencie-se que o alcance deste objetivo final dependeu da apreciação de algumas questões e conceitos básicos sobre o Tribunal do Júri, o instituto da coisa julgada e a revisão criminal. Portanto, antes de abordar o desígnio deste trabalho, é de fundamental importância retomar algumas noções acerca de tais assuntos, tendo em vista que elas foram a base sobre a qual se edificou esse estudo.

O Tribunal do Júri sempre foi uma instituição polêmica, sobretudo por ser relacionado à democracia. Essa instituição, de natureza pública e condenatória, com caráter contraditório e oral, possui assento constitucional (art. 5º, XXXVIII, CF) e é competente para julgar os crimes dolosos contra a vida.

O Júri chegou ao Brasil quando a Corte Portuguesa se transferiu para o país, em 1807, sendo instituído por meio do Decreto Imperial de 18 de junho de 1822. Nessa época, a sua competência estava restrita aos crimes de imprensa. Em 1824 o Júri alcançou o status de garantia constitucional e em 1832 teve suas atribuições ampliadas. Contudo, em 1841 e 1850 a instituição foi alvo de grandes modificações, principalmente em relação à sua organização e atribuições. Ademais, as Cartas de 1934, 1946 e 1967 também realizaram importantes alterações no Júri. Todavia, foi em 1988 que o Júri ficou, finalmente, consagrado como um direito fundamental e não apenas como um órgão do judiciário.

Nesse contexto, destacam-se os princípios básicos da instituição: plenitude de defesa, sigilo das votações e soberania dos veredictos. A plenitude da defesa garante ao Júri uma maior efetividade, posto que, como os jurados não precisam fundamentar as suas decisões, a defesa deve ser a mais ampla possível.

O sigilo das votações, por sua vez, possibilita aos jurados uma manifestação mais livre, sem pressões e isso é muito relevante, na medida em que a insegurança do jurado ao votar pode comprometer a sorte do réu. De dizer-se, ainda, que o sigilo das votações não pode ser confundido com a incomunicabilidade dos jurados, pois esta consiste em impedir que os jurados se comuniquem entre si, evitando a influência sobre o voto.

Já a soberania dos veredictos é a impossibilidade de se substituir a decisão dos jurados por outra do Poder Judiciário ou de qualquer outro órgão do Estado. A soberania, atrelada ao fato de que os jurados não precisam fundamentar as suas decisões, causa duras críticas ao Júri, mas, é importante que se diga, essa soberania não é onipotente e absoluta, tendo em vista a possibilidade de recorrer das decisões dos jurados.

O Tribunal do Júri, saliente-se, relativamente ao seu procedimento, possui uma fase de formação da culpa, uma fase preparatória e uma fase de julgamento. Nesta última, quando a sentença será prolatada, poderá haver pronúncia, impronúncia, desclassificação ou absolvição sumária. Em todo caso, qualquer que seja a decisão dos jurados, a sentença poderá transitar em julgado, e, por isso, a pesquisa considerou oportuno tratar, também, da coisa julgada.

A coisa julgada, instituto que se forma interpartes e que se constitui como a qualidade dos efeitos da sentença, impede que uma decisão seja rediscutida, pois a torna imutável. Dessa forma, a coisa julgada põe fim aos litígios, conferindo maior segurança jurídica às relações. No entanto, embora haja a necessidade de se por fim aos conflitos, em casos excepcionais, como, por exemplo, o erro judiciário, a coisa julgada deverá ser relativizada, a fim de que a sentença seja desconstituída. Frise-se, nesse ponto, que a coisa julgada pode recair sobre uma sentença condenatória ou absolutória, mas a desconstituição só ocorrerá em relação àquela e nos casos de sentença absolutória imprópria. A coisa julgada, portanto, não é absoluta.

O erro judiciário que ocorre num julgamento pode gerar graves consequências ao condenado, atingindo, sobretudo, a sua liberdade individual, além de macular a sua honra e dignidade. Por isso, não há razão para que coisa julgada prevaleça incólume enquanto o cidadão é injustamente condenado. Ou seja, a partir do momento em que se contrapõem os valores certeza e justiça, segurança jurídica e liberdade individual, o valor atribuído à coisa julgada deve ser mitigado, principalmente em virtude do Estado Democrático de Direito.

Além disso, a coisa julgada, apesar de ter status constitucional (art. 5º, XXXVI, CF) e estar prevista, também, na Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 8º, nº 4), não é o único instituto amparado pela Constituição Federal, não havendo razão, portanto, para prevalecer sobre o direito fundamental de liberdade, mormente quando se constata erro no julgamento. Por esta razão, o trabalho firmou o entendimento de que é possível, e mais, necessário, haver a relativização da coisa julgada, a fim de que a sentença condenatória maculada por erro seja desconstituída. Nesse ponto, registre-se, é que a revisão criminal se insurge, como o remédio apto a desfazer essa coisa julgada.

A revisão criminal instaurou-se no Brasil em 1890, através do Decreto nº 848 e teve por inspiração as Ordenações portuguesas. Entretanto, vislumbra-se que a sua idealização seja assaz longínqua, tendo em vista que no direito romano e no direito canônico já havia instrumentos semelhantes. Hoje, porém, a revisão adquiriu outros contornos, passando a ser considerada como direito subjetivo do condenado, apesar de não ter sido inserida no capítulo de direitos e garantias fundamentais da Constituição.

A legislação pátria, advirta-se, só admite a revisão pro reo, diferentemente de outros países como Noruega, Suíça e Portugal, que admitem a revisão pro societate. Isto significa que, no Brasil, a revisão criminal não tem incidência sobre sentenças absolutórias próprias, incidindo, tão somente, sobre as sentenças condenatórias e absolutórias impróprias, emanadas de qualquer juízo. Dito isto, conceitua-se a revisão criminal como o instrumento capaz de desconstituir uma sentença condenatória transitada em julgado, para expurgar os erros do julgamento. Assim, a revisão criminal tem como pressupostos, justamente, a coisa julgada e o erro judiciário.

Nessa via, é importante evidenciar que o erro judiciário enseja indenização ao condenado, por parte do Estado, quer em ação pública, quer em ação privada, por possuir uma responsabilidade objetiva. Essa indenização deve ser pleiteada, preferencialmente, quando a revisão for requerida e será liquidada no juízo cível. Além disso, frise-se, a indenização abrangerá tanto os danos materiais como os danos morais, e será devida quando causar graves prejuízos ao condenado.

A revisão criminal será admitida nas hipóteses do artigo 621 do CPP e, quando isso ocorrer, o Tribunal poderá alterar a classificação da infração, absolver o réu, modificar a pena ou anular o processo, conforme disposição do artigo 626 do CPP. Observa-se, com isso, que a regra no ordenamento jurídico pátrio é que o Tribunal realize tanto o juízo rescindente, admitindo ou inadmitindo a revisão, quanto o juízo rescisório, efetivando um novo julgamento, salvo, porém, nos casos em que o pedido revisional se fundar em nulidade do processo, quando então o Tribunal realizará apenas o juízo rescindente.

Assim, tendo feito essa retomada, o escopo do trabalho pode, finalmente, ser delineado, visto que, como foi dito, as noções tratadas aqui embasaram o desfecho do estudo.

Nessa esteira, é de suma importância atentar para o fato de que a doutrina e a jurisprudência pacificaram o entendimento de que é possível haver revisão criminal nas decisões do Júri, dado que a soberania não é absoluta e, sendo preceito constitucional tal qual a liberdade do indivíduo, não tem razão para prevalecer sobre esta, restando, portanto, superada essa questão.

Destarte, dentro desse quadrante, o mais relevante é compreender quem possui competência para realizar o juízo rescisório, por duas razões:

a)    o ordenamento jurídico pátrio, ao estabelecer a competência do Tribunal ad quem para realizar ambos os juízos, aparentemente, ofende a soberania dos veredictos;

b)    a doutrina e a jurisprudência ainda apresentam divergências sobre o assunto.

Logo, há autores que sustentam ser o Tribunal do Júri o órgão competente para realizar o juízo rescisório da ação de revisão criminal nas decisões originárias dessa instituição, posto que, se o Tribunal ad quem proferisse nova decisão, a soberania dos veredictos seria desrespeitada, além do mais, essa seria a única forma de compatibilizar a revisão criminal com o princípio. Essa linha foi defendida pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça no julgamento de um habeas corpus, onde ficou assentado o entendimento de que a instância ad quem não poderia alterar o mérito das decisões do Júri, cabendo ao Conselho de Segurança o novo julgamento.

Outros autores, porém, abraçam posicionamento contrário, afirmando que o juízo rescisório, assim como o rescindente, pertence ao Tribunal revisor, sem que, por isso, a soberania dos veredictos seja ofendida. Nessa direção, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, ao julgar uma revisão criminal, formou entendimento de que ambos os juízos pertencem à segunda instância, sem receio de ofensa à soberania dos veredictos, já que esse princípio, como garantia constitucional, coexiste com outras garantias constitucionais favoráveis ao réu, como a ampla defesa e a própria liberdade.

A partir de tais considerações é que o presente trabalho chega à conclusão de que a coisa julgada pode ser relativizada em casos excepcionais, como o erro judiciário, a fim de que a sentença condenatória viciada seja desconstituída, sendo que, no processo penal brasileiro, o remédio apto a realizar essa desconstituição é a revisão criminal, ação penal utilizada em favor do condenado.

Conclui-se, também, que a sentença condenatória desconstituída pela revisão criminal pode emanar de qualquer juízo, inclusive do Tribunal do Júri. Deste modo, uma vez admitida a revisão criminal, o órgão competente para julgar o pedido revisional é o Tribunal ad quem, com a ressalva, no entanto, dos casos de nulidade absoluta, em que o Tribunal realizará apenas o juízo de admissibilidade da revisão, encaminhando ao Júri o novo julgamento. Vale registrar, nessa via, o entendimento de que o julgamento pelo Tribunal ad quem não ofende o princípio da soberania dos veredictos, dado que a revisão criminal, assim como a soberania, encontra amparo na Constituição Federal, além do que, o artigo 626, do CPP, fixa, expressamente, a competência da segunda instância para julgar o pedido revisional. Ademais, tendo transitado em julgado a sentença condenatória, a função do Júri se completa, não havendo razão em impedir que outro colegiado corrija o erro cometido pelo Tribunal Popular.

Enfim, não se trata de querer usurpar a função do Júri ou limitar a sua efetividade, pelo contrário, trata-se, aqui, de tentar conformar a revisão criminal e a soberania dos veredictos, a fim de que esta não seja invocada contra o réu, prejudicando a sua liberdade e, também, para que a revisão consiga atingir eficazmente as suas finalidades, pois, apenas desse modo é que serão alcançados resultados positivos para o réu injustamente condenado, que é o principal destinatário dessa ação e o maior beneficiário de toda essa discussão.


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Notas

[1] Art. 5º, XXXVI, CF/88: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” (BRASIL, 1988).

[2] Cumpre destacar a distinção entre direitos fundamentais e direitos humanos, na medida em que aqueles estão “[...] relacionados com posições básicas das pessoas, inscritos em diplomas normativos de cada Estado” e ainda, “são [...] garantidos e limitados no espaço e no tempo [...]”. Os direitos humanos, por sua vez, estão “reservados para aquelas reivindicações de perene respeito a certas posições essenciais do homem [...] e não possuem como característica básica a positivação numa ordem jurídica particular” (MENDES; COELHO; BRANCO, 2008, p. 244).

[3] O ordenamento jurídico brasileiro optou pela revisão apenas em benefício do acusado, não se podendo, por tal motivo, rever sentença absolutória passada em julgado. “A revisão pro reo [...] não produz consequência negativa para a Justiça ou para a sociedade; já a revisão pro societate pode transformar-se em instrumento de perseguição ou de indesejável constrangimento para a pessoa absolvida por decisão com trânsito em julgado.” (MÉDICI, 2000, p. 230, grifo do autor).

[4] “Se há violação do direito prejudicando o acusado, causa-se um dano certo e positivo: a condenação do inocente. Enquanto que, se preferir absolver em caso de dúvida, terá violado (frente à verdade desconhecida) o direito da sociedade de ver o culpado castigado, produzindo-se, nesse caso, nada mais que um mero perigo.” (CAMAÑO VIERA, 2001, p. 25, tradução nossa).

[5] Error in iudicando é o erro no julgar, isto é, o magistrado aprecia mal o lhe foi dado para ser decidido. “[...] É uma má-apreciação da questão de direito ou da questão de fato, ou de ambas, pedindo-se, em consequência, a reforma da decisão.” (MOREIRA, 1998, p. 264-265, grifo do autor).

[6] “Chama-se error in procedendo o vício de atividade, que revela um defeito da decisão, apto a invalidá-la. Denuncia-se o vício de atividade, pleiteando-se a invalidação da decisão. [...] São erros que dizem respeito à condução do procedimento, à forma dos atos processuais, não concernindo ao conteúdo do ato em si.” (DIDIER JUNIOR; CUNHA, 2009, p. 73-74, grifo do autor).

[7] Art. 495, CPC: “O direito de propor ação rescisória se extingue em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da decisão.” (BRASIL, 1973).

[8] Art. 647, CPP: “Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar” (BRASIL, 1941).

[9] “Garantismo designa um modelo normativo de direito: [...] no plano jurídico se caracteriza como um sistema de restrições impostas ao poder punitivo do estado na garantia dos direitos dos cidadãos” (FERRAJOLI, 1998, p. 851-852, grifo do autor, tradução nossa).

[10] Art. 1º, CF: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político” (BRASIL, 1988).

[11] Os axiomas formulados por Ferrajoli são: “A1 Nulla poena sine crimine; A2 Nullum crimen sine lege; A3 Nulla lex (poenalis) sine necessitate; A4 Nulla necessitas sine injuria; A5 Nulla injuria sine actione; A6 Nulla actio sine culpa; A7 Nulla culpa sine judicio; A8 Nullum judicium sine accusatione; A9 Nulla accusatio sine probatione; A10 Nulla probatio sine defensione” (FERRAJOLI, 1998, p. 93).

[12] “[...] proposições prescritivas; não descrevem o que ocorre, mas prescrevem o que deve ocorrer [...]” (FERRAJOLI, 1998, p. 92).

[13] Art. 5º, XXXVIII, CF/88: “É reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida” (BRASIL, 1988).

[14] Art. 447, CPP: “O Tribunal do Júri é composto por 1 (um) juiz togado, seu presidente e por 25 (vinte e cinco) jurados que serão sorteados dentre os alistados, 7 (sete) dos quais constituirão o Conselho de Sentença em cada sessão de julgamento” (BRASIL, 1941).

[15] Art. 466, §1º, CPP: “O juiz presidente também advertirá os jurados de que, uma vez sorteados, não poderão comunicar-se entre si e com outrem, nem manifestar sua opinião sobre o processo, sob pena de exclusão do Conselho e multa, na forma do § 2º do art. 436 deste Código” (BRASIL, 1941).

[16] Art. 483, CPP: “Os quesitos serão formulados na seguinte ordem, indagando sobre: I – a materialidade do fato; II – a autoria ou participação; III – se o acusado deve ser absolvido; IV – se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa; V – se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação. § 1º A resposta negativa, de mais de 3 (três) jurados, a qualquer dos quesitos referidos nos incisos I e II do caput deste artigo encerra a votação e implica a absolvição do acusado. § 2º Respondidos afirmativamente por mais de 3 (três) jurados os quesitos relativos aos incisos I e II do caput deste artigo será formulado quesito com a seguinte redação: O jurado absolve o acusado?” (BRASIL, 1941).

[17] Art. 437, CPP: “Estão isentos do serviço do júri: I – o Presidente da República e os Ministros de Estado; II – os Governadores e seus respectivos Secretários; III – os membros do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras Distrital e Municipais; IV – os Prefeitos Municipais; V – os Magistrados e membros do Ministério Público e da Defensoria Pública; VI – os servidores do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública; VII – as autoridades e os servidores da polícia e da segurança pública; VIII – os militares em serviço ativo; IX – os cidadãos maiores de 70 (setenta) anos que requeiram sua dispensa; X – aqueles que o requererem, demonstrando justo impedimento” (BRASIL, 1941).

[18] Art. 5º, caput, CC: “A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil” (BRASIL, 2002a).

[19] Art. 413, CPP: “O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação” (BRASIL, 1941).

[20] Art. 414, CPP: “Não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, o juiz, fundamentadamente, impronunciará o acusado” (BRASIL, 1941).

[21] “Dá-se o nome de despronúncia: a) à decisão do juiz que se retrata, em recurso em sentido estrito, impronunciando o réu; b) à decisão proferida pelo tribunal, quando do julgamento de recurso em sentido estrito contra decisão de pronúncia, que afasta a competência do Tribunal do Júri, impronunciando o réu.” (BONFIM, 2009, p. 515).

[22] Atual artigo 397 do CPP, com redação dada pela Lei nº 11.719/08: “Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar: I - a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; II - a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; III - que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou IV - extinta a punibilidade do agente” (BRASIL, 1941).

[23] Art. 74, CPP: “A competência pela natureza da infração será regulada pelas leis de organização judiciária, salvo a competência privativa do Tribunal do Júri. § 1º Compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes previstos nos arts. 121, §§ 1º e 2º, 122, parágrafo único, 123, 124, 125, 126 e 127 do Código Penal, consumados ou tentados” (BRASIL, 1941).

[24] Os crimes contra a vida estão dispostos no Título I, Capítulo I da parte especial do Código Penal.

[25] Art. 427, CPP: “Se o interesse da ordem pública o reclamar ou houver dúvida sobre a imparcialidade do júri ou a segurança pessoal do acusado, o Tribunal, a requerimento do Ministério Público, do assistente, do querelante ou do acusado ou mediante representação do juiz competente, poderá determinar o desaforamento do julgamento para outra comarca da mesma região, onde não existam aqueles motivos, preferindo-se as mais próximas” (BRASIL, 1941).

[26] Art. 5º, LV, CF: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (BRASIL, 1988).

[27] Art. 485, CPP: “Não havendo dúvida a ser esclarecida, o juiz presidente, os jurados, o Ministério Público, o assistente, o querelante, o defensor do acusado, o escrivão e o oficial de justiça dirigir-se-ão à sala especial a fim de ser procedida a votação” (BRASIL, 1941).

[28] Art. 4º, Lei 11.689/2008: “Ficam revogados o inciso VI do caput do art. 581 e o Capítulo IV do Título II do Livro III, ambos do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal” (BRASIL, 2008).

[29] Art. 386 do CPP: “O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: I – estar provada a inexistência do fato; II – não haver prova da existência do fato; III - não constituir o fato infração penal; IV – estar provado que o réu não concorreu para a infração penal; V – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal; VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1º do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência; VII – não existir prova suficiente para a condenação” (BRASIL, 1941).

[30] Art. 26 do CP: “É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento” (BRASIL, 1940).

[31] Art. 8º, nº 4 do Pacto de São José da Costa Rica: “O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos” (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 1969).

[32] “As nulidades relativas [...] somente podem ser admitidas como fundamento da revisão quando, além de não convalidadas (nos termos do art. 572, do CPP), ocasionaram prejuízo (efetivamente demonstrados), influírem na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa (atrts. 563 e 566 do CPP) e provocaram flagrante erro judiciário.” (CERONI, 2005, p. 74).

[33] “Ação constitutiva é a demanda que tem o objetivo de certificar e efetivar direitos potestativos”. Esse direito, por sua vez, “é o poder jurídico conferido a alguém de submeter outrem à alteração, criação ou extinção de situações jurídicas.” (DIDIER JUNIOR, 2010, p. 220). As ações constitutivas se diferem das ações declaratórias e condenatórias, embora todas sejam espécies de ações de conhecimento. As ações declaratórias “tem o objetivo de certificar a existência ou inexistência de uma situação jurídica [...] É demanda de mera certificação”. Já as ações condenatórias ou ações de prestação são aquelas em que há direito a uma prestação, ou seja, “é o poder jurídico, conferido a alguém, de exigir de outrem o cumprimento de uma prestação.” (DIDIER JUNIOR, 2010, p. 221-216).

[34] Art. 4º da Lei Complementar 80/94: “São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras: XI – exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado” (BRASIL, 1994).

[35] Art. 134 da CF/88: “A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV” (BRASIL, 1988).

[36] Art. 53 do CPP: “Se o querelado for mentalmente enfermo ou retardado mental e não tiver representante legal, ou colidirem os interesses deste com os do querelado, a aceitação do perdão caberá ao curador que o juiz Ihe nomear” (BRASIL, 1941).

[37] No Tribunal de Justiça da Bahia, o recurso de agravo regimental encontra disposição nos artigos 319 a 321 do Livro IV, Título IV, Capítulo II do seu Regimento Interno.

[38] Art. 102 da CF/88: “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição; d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal” (BRASIL, 1988).

[39] Art. 105 da CF/88: “Compete ao Superior Tribunal de Justiça: III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal; c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal” (BRASIL, 1988).

[40] Art. 627 do CPP: “A absolvição implicará o restabelecimento de todos os direitos perdidos em virtude da condenação, devendo o tribunal, se for caso, impor a medida de segurança cabível” (BRASIL, 1941).

[41] “Com o advento da Constituição Federal de 1988, foi extinto o Tribunal Federal de Recursos, sendo criados os Tribunais Regionais Federais, que são os órgãos, atualmente, competentes para conhecer dessa espécie de Revisão Crimina.” (MARQUES, 2003, p. 401).

[42] Os Tribunais de Alçada, contudo, foram extintos pelo art. 4º da EC nº 45, de 8 de dezembro de 2004: “Art. 4º Ficam extintos os tribunais de Alçada, onde houver, passando os seus membros a integrar os Tribunais de Justiça dos respectivos Estados, respeitadas a antiguidade e classe de origem” (BRASIL, 2004).

[43] O Regimento Interno do Tribunal de Justiça da Bahia trata da Revisão Criminal nos artigos 302 a 312, do Livro IV, Título III, Capítulo III.

[44] Art. 273, do CPC: “O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu” (BRASIL, 1973).

[45] A ação rescisória difere da ação de revisão criminal, basicamente, em dois aspectos: o prazo e a legitimidade. Na ação rescisória, “o direito de propor a ação se extingue em dois anos, contados do trânsito em julgado da decisão” (BRASIL, 1973), conforme o art. 495 do CPC. Já na revisão criminal, não há prazo, podendo o condenado propor a revisão antes da extinção da pena, ou após. Quanto ao rol de legitimados, na revisão criminal o próprio réu, procurador legalmente habilitado ou, no caso de morte do réu, o cônjuge, ascendente, descendente ou irmão podem requerer. Na ação rescisória, por sua vez, tem legitimidade para requerer (Art. 487 do CPC): “quem foi parte no processo ou o seu sucessor a título universal ou singular, o terceiro juridicamente interessado e o Ministério Público, se não foi ouvido no processo em que Ihe era obrigatória a intervenção ou quando a sentença é o efeito de colusão das partes, a fim de fraudar a lei.” (BRASIL, 1973).

[46] Art. 594, do CPP: “O réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, ou prestar fiança, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória, ou condenado por crime de que se livre solto” (BRASIL, 1941).

[47] Art. 37, §6º, da CF/88: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa” (BRASIL, 1988).


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CRUZ, Susan Kellen dos Reis. A revisão criminal e a soberania dos veredictos no tribunal do júri. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4021, 5 jul. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30022. Acesso em: 3 maio 2024.