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Apontamentos sobre o trabalho infantil doméstico

Apontamentos sobre o trabalho infantil doméstico

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Mesmo havendo uma redução nos números de crianças envolvidas no trabalho infantil doméstico, há dificuldades de inclusão da questão em algumas agendas de programas sociais, e as políticas existentes são insuficientes no seu combate eficaz.

INTRODUÇÃO

Deve-se fazer uma análise profunda do Trabalho Infantil Doméstico, sendo de grande relevância o conhecimento a respeito de tamanha problemática para que, após o seu estudo, possa se chegar às formas de erradicação desta modalidade injusta e ilegal de trabalho, ou melhor, de exploração, visualizando como a legislação brasileira e internacional trata o assunto.

O presente trabalho inicia-se com o estudo da origem do Trabalho Infantil em seu sentido amplo, seguido de sua evolução histórica. Depois, o próximo passo para que o objetivo seja alcançado, é expor e examinar em que dispositivos normativos o legislador tratou do tema, identificar quais os fatores que contribuem para sua existência e as consequências provocadas pelo Trabalho Infantil Doméstico e, por fim, as formas de eliminação da utilização desta mão-de-obra.

Este tema, além de importante, é necessário, pois trata-se de um trabalho invisível. O Trabalho Infantil Doméstico acontece no espaço privado das residências, sendo mais difícil detectá-lo e desvendá-lo em larga escala. Sua realidade é oculta, uma vez que o lar brasileiro é inviolável de acordo com a lei, dificultando assim a ação dos organismos de inspeção. Nestas circunstâncias, uma série de abusos podem ocorrer, desde a baixa remuneração e longas jornadas de trabalho, sem direito a descanso semanal remunerado dentre outros, até formas mais críticas de exploração que envolvem atos de violência e abuso sexual.

O assunto era pouco discutido por ser este tipo de trabalho desprotegido por quatro paredes, em casas de família, não sendo atingidos pelas pesquisas dos principais programas de erradicação de exploração de mão­-de-obra no país. Há uma quantidade ínfima de estudos sobre o Trabalho Infantil Doméstico, além do seu termo legal ainda não estar totalmente definido. Estudá-lo é uma forma de conhecê-lo e conscientizar-se de que o problema não é de alguns e sim de toda a sociedade, cabendo, juntamente com as autoridades competentes, a solução da citada problemática. Toda a coletividade deve participar para reduzir e erradicar todas as formas de exploração de mão-de-obra infantil.

Assim, deve-se ater como objetivo precípuo da presente pesquisa um estudo procurando conhecer mais a respeito do tema em baila, observando-se seus aspectos mais importantes no contexto da nossa realidade, identificando-se o impacto provocado na sociedade, seu aspecto legal e dando-se enfoque a um problema que camufla um contexto de violação dos direitos da criança e do adolescente e de perpetuação da exclusão social. A realidade não pode se contrapor às leis. O trabalho não pode ser mais importante que o estudo e desenvolvimento saudável, saltando, assim etapas. A criança tem que ser prioridade absoluta na família, na sociedade e nos planos do governo, não apenas na lei. A infância e a adolescência merecem especial atenção e proteção da legislação e das políticas sociais, enquanto fases do ciclo de vida que devem ser destinadas primordialmente à educação e à formação "biopsicossocial" dos indivíduos.

Esperar-se-á, portanto, que ao fim do presente estudo, o leitor tenha uma ideia geral sobre a temática em questão colocada por autores e doutrinadores, que serviram, de maneira essencial, como auxiliares na feitura deste trabalho. Tem como intuito a informação de aspectos fundamentais na formação do indivíduo sendo este componente de uma sociedade regulada pelo direito, com isso provocando uma maior integração social, na medida em que vai se conscientizando de que cada um deve cumprir o seu papel social, sendo ajudando o próximo, sendo permitindo que o façam.


CAPÍTULO I - CONCEITO E NOÇÕES GERAIS DO TRABALHO INFANTIL DOMÉSTICO

O trabalho infantil é aquele realizado por crianças e adolescentes que estão abaixo da idade mínima para entrar no mercado de trabalho e que executam tarefas insalubres e perigosas, comprometendo sua integridade física, moral, psicológica e social. É o próprio trabalho de menores, crianças e adolescentes, ainda em fase de formação física e mental.

Destaca-se, entre as formas específicas de trabalho infantil, as que possuem crianças envolvidas em atividades ilícitas, no trabalho infantil doméstico e nas atividades informais das zonas urbanas. Menos notado, o Trabalho Infantil Doméstico ocorre dentro dos lares da sociedade, nos afazeres domésticos e, por isso esconde uma realidade de exploração e injustiça. Caracteriza-se como um trabalho de natureza contínua à pessoa ou à família, para o âmbito residencial destas, ou seja, se caracteriza como doméstico quando uma criança ou adolescente com menos de 16 anos presta serviços de forma ininterrupta, considerados sem fins lucrativos, a uma terceira pessoa na residência da mesma ou em função desta.

Esse tipo de trabalho ocorre no interior das casas e permanece oculto ou invisível para a sociedade. De todas as formas de trabalho infantil, é a que mais determina distorções entre idade e série escolar. É importante destacar que a maioria dos trabalhadores infantis são meninas, já que culturalmente tarefas domésticas são fluentemente realizadas pelas mulheres. Elas frequentam a escola, mas como cumprem jornadas intermináveis, não têm tempo para estudar. Quanto mais jovem a menina é submetida ao trabalho infantil doméstico, menor a sua oportunidade de concluir o ensino fundamental. Um dado revoltante é que a família que explora o trabalho infantil doméstico se considera como protetora e assim é vista pela sociedade.

É um fenômeno determinado pela economia, condicionado pela sociedade e influenciado por fatores de natureza cultural, como bem abordado Kassouf (2003, p. 35):

“Trata-se de um fenômeno determinado pela economia, pois um dos fatores que ocasionam o seu surgimento é a miséria e a pobreza extremas. É condicionado pela sociedade devido às desigualdades sociais existentes e devido à ideia de ser considerado mão-de-obra barata. Quanto à influência de fatores culturais, ocorre na medida em que é visto não como um problema, mas sim como solução, pelo fato de afastar suas vítimas da 'ociosidade' e por servir de ajuda no sustenta da família”.

Afirma-se que os fundamentos principais da proteção do trabalho da criança e do adolescente são quatro: de ordem cultural, moral, fisiológica e de segurança, como bem coloca Martins (2005, p. 611):

“Justifica-se o fundamento cultural, pois o menor deve poder estudar, receber instrução. No que diz respeito ao aspecto moral, deve haver proibição de o menor trabalhar em locais que prejudiquem a moralidade. No atinente as aspecto fisiológico, o menor não deve trabalhar em locais insalubres, perigosos, penosos, ou à noite, para que possa ter desenvolvimento físico normal”.

Por isso, o Trabalho Infantil constitui um grande problema, tanto por expor crianças e jovens a um tipo de atividade que muitas vezes, não está ao alcance de suas possibilidades físicas e mentais, quanto por dificultar o seu desenvolvimento escolar.

Assim sendo, não é certo o menor trabalhar em horas excessivas, que são as hipóteses em que há maior dispêndio de energia e maior desgaste. Também, o trabalho em local insalubre, perigoso ou penoso tem mais efeito negativo na criança do que no adulto. O menor, assim como qualquer trabalhador, deve ser resguardado com normas de proteção que evitem os acidentes de trabalho, que podem prejudicar a sua formação normal.

A espécie de doméstico, do gênero trabalho infantil, é visto por alguns autores como forma de introduzir a criança ou o adolescente em alguma atividade que lhe possa ser útil quando adultos e, também, como uma maneira de se enfrentar uma dificuldade econômica, contribuindo assim na sobrevivência da família. Porém, para alguns estudiosos e doutrinadores é resultado do descaso ou egoísmo dos pais que se aproveitam dos esforços de seus filhos sem pensar nas consequências que podem causar a estes.

Esta modalidade de exploração de mão-de-obra gera preocupações específicas devido, pelo menos, a dois fatores. O primeiro deles é a falta de socialização, pois essa forma de trabalho reprime o executor dessa ação a não desenvolver atividades específicas de sua faixa etária, como esporte e lazer, necessários para a vivência de participação e integração social.

Por outro lado, há a questão do local onde essa atividade é realizada, permitindo-se, sob certas circunstâncias, uma série de absurdos que ocorrem, desde a baixa remuneração e longas jornadas de trabalho sem direito a descanso semanal, até formas mais críticas de exploração agravadas com a existência de atos de violência. É tido como ato de solidariedade, mas que esconde uma realidade de injustiças e de abuso.

Geram também preocupações específicas devido ao fato de ocorrer fora do sistema econômico (não visa lucro), tendo um impacto diferente sobre a socialização para o trabalho em relação ao exercido em estabelecimentos empresariais. Ou seja, o trabalho infantil doméstico contribui menos para a experiência do trabalhador do que as outras formas de inserção no mercado de trabalho.

 Apesar da proibição constitucional do trabalho de crianças e adolescentes menores de 16 anos, tem-se verificado a ocorrência frequente do Trabalho Infantil Doméstico. Isso implica em prejuízo no seu desenvolvimento físico, emocional e intelectual.

Importa destacar que as leis nacionais consideram trabalho infantil doméstico o trabalho em regime familiar, desde que ele seja constituído de tarefas de natureza leve, que não traga consequências maléficas e nem atrapalhe o estágio de desenvolvimento físico e intelectual da criança e do adolescente, e seja realizado em um período breve, que não comprometa a frequência ou o desenvolvimento escolar dessa criança. Preveem as leis também que a criança deve ter tempo extra em casa para realizar as tarefas escolares e para o simples lazer, como forma de complementação ao seu sadio desenvolvimento.

Porém, o fato de trabalhar em regime familiar não garante que a criança não esteja sendo explorada e que a lei não esteja sendo violada. Mesmo assim, observa-se que está resguardado o direito a ser protegido contra toda e qualquer forma de exploração e o direito ao desenvolvimento pleno de suas potencialidades.


CAPÍTULO II - EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO TRABALHO INFANTIL DOMÉSTICO

Verifica-se que a questão do Trabalho Infantil Doméstico não é um fenômeno recente, pois tem sua origem nas sociedades primitivas. Neste período a economia estava assentada na agricultura pastoril; a criança era incorporada à lida na terra e nos afazeres doméstico, participando do processo de integração do trabalho como valor útil de manutenção da existência humana, sem exploração e sem que isso fosse danoso e prejudicial ao seu desenvolvimento. As crianças aprendiam a viver, trabalhar e sociabilizar no dia a dia com os adultos, isto é, com as gerações mais experientes.

Na época do feudalismo, por exemplo, era importante que se começasse a trabalhar cedo com o objetivo de aprender um ofício, pois os artesãos eram pessoas importantes nas comunidades. O sentido do trabalho na vida da criança nas sociedades primitivas era dotado de valor útil - trabalho concreto, significando processo de aprendizagem, sinônimo de formação e sociabilidade: "As crianças saíam de suas famílias, na mais tenra idade, indo para outras famílias para serem aprendizes de ofício e de bons costumes". (ÁRIES, 1973, p. 33).

A partir do século XIX, no mundo moderno, o trabalho da criança transformou-se em questão social, enquanto fenômeno social da pobreza. A utilização dessa mão-de-obra passou a ser difundida em larga escala e exercida em condições perigosas, insalubres e danosas ao desenvolvimento da criança. Com a revolução industrial, as tarefas mecanizadas acabaram proporcionando o uso da força de trabalho da criança não no seu sentido de integração social, mas como utilização intensiva e ostensiva. Nesta época o menor ficou completamente desprotegido, passando a trabalhar de 12 a 16 horas, como bem observa MARX:

“À medida que a maquinaria torna a força muscular dispensável, ela se toma o meio de utilizar trabalhadores sem força muscular ou com desenvolvimento corporal imaturo, mas com membros de maior flexibilidade. Por isso, o trabalho de mulheres e de crianças foi a primeira palavra de ordem da aplicação capitalista de maquinaria (MARX, 1989, p. 223)”.

Na França, foi proibido, em 1813, o trabalho dos menores nas minas. Em 1841, vedou-se o trabalho dos menores de 8 anos, fixando-se a jornada de trabalho dos menores de 12 anos em 8 horas; Na Alemanha, por sua vez, a lei industrial vedou o trabalho dos menores de 12 anos. Na Itália, em 1886, o trabalho foi proibido antes dos 9 anos, conforme dispõem Martins, 2005, p. 607.

Em épocas passadas, os menores eram equiparados às mulheres, como se verifica em dois capítulos da Consolidação das Leis Trabalhistas sobre a tutela que deva ser dada a essas pessoas. Hoje, isso já não se justifica, principalmente diante do fato de que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. A tutela do trabalho do menor apenas se evidencia no momento em que o trabalho interfere em sua formação moral, física, cultural etc.

O Trabalho Infantil no Brasil sempre foi amplamente utilizado, sendo um fenômeno social presente ao longo de toda a sua história. Sua origem vem desde a colonização portuguesa e a adoção do regime escravagista. As primeiras vítimas desse tipo de exploração foram as crianças indígenas e meninos negros em um país que, de início, estabeleceu uma estrutura de produção e distribuição de riqueza fundamentada na desigualdade social. Na época da escravidão, se considerava, de maneira errada, que as crianças escravas aos 12 anos recrutadas ao trabalho desde cedo estavam devidamente preparadas para exercê-lo. Posteriormente, com a abolição, meninos eram levados por fazendeiros para as áreas rurais ou por artesãos para trabalho em suas oficinas. As meninas eram destinadas às tarefas domésticas, muitas vezes sem qualquer remuneração.

O trabalho infantil doméstico sempre foi tido como algo comum e que as crianças, principalmente as oriundas das classes mais necessitadas, deveriam ajudar nos afazeres domésticos, sejam estes dentro da casa ou na agricultura doméstica. No pensamento da época, havia a expectativa de uma contrapartida ou ajuda econômica, desde muito cedo, por parte dos filhos e essa mentalidade perpetua-se ainda nos dias de hoje.

Esta forma de exploração de mão-de-obra nunca foi concebida, ao longo da história do Brasil, como um fenômeno negativo na mentalidade da sociedade brasileira. Até a década de 1980, o consenso em torno desse tema estava consolidado para entender o trabalho nos lares como sendo um fator positivo no caso de crianças que, dada a sua situação econômica e social, viviam em condições de pobreza, de exclusão e de risco social. Tanto a classe mais alta como a mais pobre compartilhavam plenamente dessa forma de encarar o trabalho infantil. Por isso, a criança trabalhadora era tida como exemplo de virtude, e criança desocupada era visto como sinônimo de problema social, de possíveis e potenciais delinquentes.

Vale ressaltar também outra evolução muito significativa com o advento da Constituição Federal de 1988, onde houve uma proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivos de idade. Vedou também o trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 anos, e qualquer trabalho a menores de 14 anos, salvo na condição de aprendiz.


CAPÍTULO III - LEGISLAÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

A primeira lei de proteção à infância referente ao direito do trabalho no país é de 1891. Apesar disso, até meados de 1980, o Trabalho Infantil foi tolerado pelo governo e pela sociedade. O problema era praticamente ignorado ou aparecia diluído em meio às questões sobre crianças abandonadas ou em situação de rua. Aos poucos, o assunto foi ganhando destaque na opinião pública. De acordo com os especialistas, a grande virada aconteceu entre 1994 e 1995, período marcado por denúncias publicadas pela imprensa, pela criação do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e pelo surgimento de programas de renda mínima, como o Bolsa-Escola.

A legislação brasileira que trata do trabalho infantil está norteada segundo os princípios estabelecidos na Constituição Federal que, por sua vez, estão harmonizados com as atuais disposições da Convenção dos Direitos da Criança, da Organização das Nações Unidas (ONU), e das Convenções de n° 138 e n° 182, da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Com o advento da Constituição de 1988, propiciou-se uma mobilização social de organizações governamentais e não-governamentais na busca do estabelecimento de princípios constitucionais que priorizassem a criança e o adolescente e introduzissem um novo modelo de ação nas políticas sociais a eles destinadas.

Assim, a Carta Magna dispõe em seu art. 7°, XXXIII: "proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos". Sendo que essa exceção constitucionalmente prevista não se aplica ao trabalho doméstico, pois nesta modalidade o que importa não é a capacidade de aprender, mas sim o que o adolescente é capaz de produzir.

A lei do Empregado Doméstico (Lei n° 5.859/72), por sua vez, diz que o Trabalho Doméstico é proibido para menores de dezesseis anos. A partir desta idade, os adolescentes irão ter direitos de carteira assinada, salário não inferior ao salário mínimo, repouso semanal remunerado, férias, etc.

Na Convenção da ONU de 1989, o art.38 estabelece que não será permitido nenhum tipo de exploração econômica da criança, assim considerada até os 18 anos, entendendo como exploração qualquer espécie de trabalho que prejudique a escolaridade básica.

A convenção n° 138 da OIT, que foi ratificada pelo Brasil em 28 de junho de 2001, estabelece que todo país que a ratificar deve especificar, em declaração, a idade mínima para admissão ao emprego ou trabalho em qualquer ocupação, não se admitindo nenhuma pessoa com idade inferior à definida em qualquer espécie de trabalho.

Já a convenção n° 182 da OIT, ratificada pelo Brasil em 02 de fevereiro de 2000, fala sobre as piores formas de trabalho infantil com o propósito de suplementar e priorizar os esforços de erradicação e prevenção no âmbito da convenção n° 138 acima citada. O art. 3° daquela convenção estabelece quatro categorias claras de piores formas de trabalho infanto-juvenil que devem ser abolidas, dentre elas o trabalho que, por sua natureza ou pelas circunstâncias em que são executados, são suscetíveis de prejudicar a saúde, a segurança, e a moral da criança.

O art. 1° da Convenção 182 prescreve que todo país-membro compromete-se a seguir uma política nacional que assegure a abolição efetiva do trabalho de crianças. Já o art. 6°, por sua vez, no seu parágrafo primeiro, determina que todo país-membro elaborará e desenvolverá programas de ação para eliminar, com prioridade, as piores formas de trabalho infantil.

Em 1990, o governo brasileiro promulgou a Lei n° 8.069, de 13 de julho, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e dá outras providências, inspirado na Convenção dos Direitos da Criança, garantindo proteção integral à criança e ao adolescente. O ECA, em seu artigo 18, afirma que: "É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, vexatório, ou constrangedor". E o artigo 5° deste mesmo dispositivo legal diz que:

“Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”.

No mesmo diploma legal, em seu art. 19, visualiza-se a prioridade da participação da família quando diz que: "Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar comunitária". Já o art. 53 do mesmo dispositivo legal diz que "a criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho".

A nossa Carta Magna, em seu artigo 227, diz que:

“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-Ios a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

O artigo acima citado sinaliza, ainda, os princípios gerais que devem orientar o legislador ordinário e as políticas públicas e ações governamentais e ações não-governamentais concernentes aos direitos de crianças e adolescentes.

Assim, o trabalho infantil é incompatível com a infância, pois vai de encontro com os seus principais direitos. Com a atual Constituição, a criança e o adolescente passaram a ser concebidos como verdadeiros sujeitos de direitos, alvo de ações prioritárias e atenção especial por parte da família, da sociedade e do Estado, por constituírem seres em desenvolvimento.

Corroborando e se adequando hierarquicamente com o entendimento constitucional supracitado, o art. 70 do ECA determina que: "é dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente". Completando a intenção do legislador o art. 73 do mesmo diploma legal, por sua vez, diz que: "a inobservância das normas de prevenção importará em responsabilidade da pessoa física ou jurídica, nos termos desta Lei".

A Consolidação das Leis do Trabalho - CLT traz em seu Título III, Capítulo IV, normas sobre a proteção do menor. São dispositivos específicos que regulamenta também a proibição do trabalho do menor e regula o trabalho do adolescente privilegiando a frequência escolar e vendando qualquer ocupação prejudicial à sua moralidade.

 O que se observa, na realidade, é um descumprimento, por alguns, das normas jurídicas que objetivam a proibição ao trabalho doméstico infantil.

Lacuna maior é a pouca existência de programas governamentais e não governamentais que visem melhor proteção do trabalho doméstico infantil, omissão que, em tese, não era de se esperar da parte de políticas públicas, de organismos tais como os sindicatos de domésticas e o Ministério Público que têm tido uma destacada defesa dos interesses difusos das crianças e adolescentes trabalhadores em geral, não visando, porém, com a devida e necessária eficácia o doméstico infantil.


CAPÍTULO IV - DADOS INFORMATIVOS DO TRABALHO INFANTIL DOMÉSTICO

Segundo Bettencourt e Jacobs (2003), em artigo publicado sobre o tema:

“A Constituição brasileira determina claramente que é inconstitucional o trabalho de crianças com menos de 16 anos. Mas os últimos dados do Pnad (pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio) mostram que em 2001 quase 5,5 milhões de crianças e jovens até 17 anos estavam inseridos no mercado de trabalho. Entre os jovens trabalhadores, quase 2,4 milhões têm idade entre 5 e 14 anos”.

Os autores do citado artigo indicam que os números apresentados pela pesquisa demonstram uma redução na quantidade de crianças que trabalham no Brasil em 34,9% em termos absolutos. Ou seja, em número quer dizer que entre 1992 a 2001 quase 3 milhões de crianças deixaram de trabalhar.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em pesquisa realizada no ano de 2001, mais de 80% dos trabalhadores economicamente ativo estão inseridos no setor informal da economia, e que os serviços domésticos são provavelmente uma das atividades produtivas urbanas, que mais emprega as meninas.

O Brasil possui cerca de 500.000 crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos que trabalham como domésticas em casas de terceiros, a maioria mulheres, e grande parte delas, negras. (IBGE/2001). A pesquisa realizada pelo PNAD em 2001, demonstrou que as mulheres respondem por 95,6% do trabalho doméstico, sendo que 43,7% delas são meninas entre 12 e 15 anos e que um terço começou a trabalhar entre os 5 e 11 anos. Das crianças e adolescentes que trabalham em casa de terceiros (dados PNAD/2001): 93% são do sexo feminino; 61% são afro­descendentes; 45% têm menos de 16 anos (idade mínima permitida por lei para o trabalho doméstico).

De acordo com a análise da pesquisa acima indicada (IBGE/2001), ao todo, cerca de 500 mil crianças trabalham como domésticas no Brasil, corroborando com outros estudos a cima citados. A cidade de Belo Horizonte (MG) é a região com maior número de crianças envolvidas nesta modalidade de exploração. Em Salvador (BA) o Trabalho Infantil Doméstico representa 10%, ou seja, cerca de 8 mil crianças, que recebem remuneração, na maioria das vezes, inferior ao salário mínimo. Do total de 502.839 crianças envolvidas no trabalho doméstico no país, a região com maior número é o Nordeste com 166.703, seguido da região Sudeste com 154.674, a região Sul com 76.580, a região Centro-Oeste com 54.716 e a região Norte com 50.166.

Embora tenham sido apresentados números expressivos, deve-se ressalvar que os dados oficiais referentes ao trabalho de crianças e adolescentes, em todas as suas modalidades, em nossa sociedade ainda são parciais, o que dificulta o conhecimento de suas realidades de vida e trabalho. Isso é justificado pelo fato de muitas ocupações exercidas por esses indivíduos não serem considerados como trabalho e sim como "ajuda" ou "favor", principalmente quando se trata do trabalho infantil doméstico e, portanto, se tem uma dificuldade de inseri-las nas estatísticas; além disso, as proibições legais e também as circunstâncias que as envolvem, são fatores que dificultam a feitura de pesquisas nessa área.


CAPÍTULO V - CAUSAS DO TRABALHO INFANTIL DOMÉSTICO

A modalidade do Trabalho Infantil Doméstico aparece em todos os indicadores de exploração da mão-de-obra de crianças e adolescentes. Apesar de presente nas estatísticas, os instrumentos para avaliar o problema ainda são raros. Há poucos estudos sobre o tema e mesmo o marco legal para o seu enfrentamento ainda não está definido. Também não existem políticas públicas específicas. O que observamos são ações localizadas.

Além disso, apresenta-se um cenário de desigualdade social e miséria, em que uma mãe prefere entregar sua filha para trabalhar em casa de terceiros a vê-la passar por necessidades ou até morrer de fome. O que explica, em parte, a questão da aceitação cultural desse tipo de atividade, quase como uma justificativa para a sua legitimação.

Ao lado do fator econômico, há a questão cultural, a crença de que trabalhar é bom, sendo apontada pelos especialistas como um dos mitos que legitimam o trabalho infantil no Brasil. Alguns empregadores de mão-de-obra infantil, em especial no âmbito doméstico, juntamente com os responsáveis pelas crianças se utilizam da ideia de que o trabalho é bom por natureza, é uma oportunidade de aprender um ofício e ajudar na economia familiar. Esta visão se sobrepõe às verdadeiras consequências desse trabalho.

Assim, a principal causa que leva crianças e jovens de todo o mundo a serem obrigados a trabalhar é a pobreza. Famílias de baixa renda travam uma verdadeira luta diária pela sobrevivência em países cujos governos não dão prioridade a áreas como saúde, educação, moradia, saneamento básico, programas de geração de renda, entre outros. As crianças são forçadas a assumir responsabilidades em casa ou acabam indo elas mesmas buscar a complementação da renda familiar. Como bem é abordado por Kassouf (2003, p. 28):

“O Brasil tem 58 milhões de crianças e adolescentes entre 0 a 17 anos. Mais da metade têm pais com baixa escolaridade e rendimentos mensais inferiores a meio salário mínimo. Esse quadro de pobreza e exclusão social levou mais de 5 milhões de crianças e adolescente ao trabalho, e quase meio milhão de meninas ao trabalho doméstico”.

Outro fator que contribui para a existência desta problemática é o nível de escolaridade dos adultos - pais. Tem-se que, mantido o mesmo nível de renda, quanto menor a escolaridade dos pais, menor tende a ser a importância dada por eles à educação dos filhos; e maior é a probabilidade das crianças abandonarem a escola e engajarem-se no mercado de trabalho, pois pais com menor escolaridade têm maior dificuldade em auxiliar seus filhos em atividades escolares: "Para todas as faixas etárias, a proporção de ocupados declina com o aumento da escolaridade da mãe", de acordo com a Organização Mundial do Trabalho (OIT, 2003, p. 2).

Por outro lado, o fenômeno da exploração infantil, tanto no trabalho doméstico como nas atividades ligadas ao mercado formal (setor de serviços, comércio e indústria) e setor informal (pequenas empresas e serviços autônomos), vem crescendo em larga escala em regiões desenvolvidas, o que demonstra que sua causa não está apenas atrelado à pobreza. O crescimento da área de serviços vem demandando maior flexibilização nas regras de emprego, o que contribui para inserção de crianças e adolescente em atividades econômicas nos países desenvolvidos, além de ser uma mão-de-obra mais barata, como já anteriormente citada.

Afigura-se óbvio que quanto menos desenvolvido for um país, maior é a proporção de trabalho infantil. Quanto mais elementar for a atividade econômica, não exigindo qualificações pessoais, maior será a dimensão das crianças que são admitidas como mão-de-obra, como é o caso do trabalho doméstico, comprovando que existe uma forte relação entre a ausência de instrução e a problemática sob comento.

Embora 96% dos menores trabalhadores domésticos saibam ler e 74% estejam estudando (OIT, 2003, p.2), os dados indicam que quanto maior o tempo no trabalho doméstico, maior é o índice de atraso escolar, como consequência das longas jornadas de trabalho que provoca o cansaço atrapalhando assim os estudos.


CAPÍTULO VI - CONSEQUÊNCIAS DO TRABALHO INFANTIL DOMÉSTICO

O fato do Trabalho Infantil Doméstico estar elencado indiretamente no rol das piores formas de trabalho infantil não é por acaso, de acordo com a Convenção n° 182 da OIT, e sim pelas consequências que podem advir do seu exercício.

Assim como todo problema, o Trabalho Infantil Doméstico, traz algumas consequências ruins que vão muito além do aspecto social e de impactos na saúde da criança recaindo no campo econômico, como discorre Kassouf (2003, p. 42):

“Seria necessária uma mudança de enfoque da mídia, não enfatizando apenas os aspectos brutais do Trabalho Infantil mas também os efeitos a longo prazo: abandono prematuro escolar, gerando diminuição da empregabilidade; reprodução das desigualdades sociais, força de trabalho pouco qualificada, gerando baixa produtividade e competitividade do país”.

Pode-se destacar a primeira delas e talvez a mais importante que é a baixa no rendimento escolar: "os que se iniciaram como empregados domésticos possuíam em média 1,6 anos de estudos a menos do que aqueles que começaram a trabalhar em outras ocupações" (OIT, 2003, p.2). O que mais preocupa é que quando essa criança crescer vai passar pelo mesmo problema de sua mãe (baixa escolaridade). Segundo dados do IBGE, cerca de 30% das crianças exploradas nesta modalidade de trabalho, são de família cujos pais não possuem nenhum ano de escolaridade (IBGE/1999).

Com isso, começa a surgir um círculo vicioso como forma de perpetuar a pobreza, pois a falta de escolaridade da mãe colabora para a existência de trabalho infantil, que, por sua vez, promoverá a baixa escolaridade da filha, mantendo-se assim, as condições que porventura sorverão a neta para o mesmo destino. Ou seja, por não terem tido a chance de estudar durante o período da infância e da adolescência, os trabalhadores domésticos infantis dificilmente têm chance de conseguir uma requalificação profissional quando se tornarem adultos.

Aos problemas sociais que o trabalho infantil doméstico causa se somam os prejuízos causados à saúde das crianças e adolescentes. Queimaduras, intoxicações por produtos químicos, cortes com facas, dores musculares, desvios na coluna ocasionada por esforço físico com objetos pesados e ferimentos causados por animais domésticos são danos comuns sofridos pelas crianças e adolescentes domésticas.

Porém, o prejuízo maior ocorre no desenvolvimento psicológico dessas crianças. Sabendo-se que a criança é submetida ao mesmo regime de trabalho imposto ao adulto, verifica-se que gera a ruptura entre maturidade, responsabilidade e força, tomando-se adultas precocemente, queimando etapas da infância, fundamentais para o desenvolvimento sadio e harmonioso. Enfim, crianças com desempenho escolar prejudicado, saúde exposta a riscos diversos e, principalmente, com perspectiva de baixos rendimentos na vida adulta, são os frutos colhidos na sociedade pelo desapreço à infância.


CAPÍTULO VII - FORMAS DE ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL DOMÉSTICO

O combate ao trabalho infantil deve ser para as autoridades administrativas, judiciais e para toda sociedade, uma questão de direitos humanos, direitos esses fundamentais e inalienáveis. O trabalho infantil deve ser eliminado, em particular nas suas manifestações mais intoleráveis como a modalidade doméstica com todas as circunstâncias que a envolvem, por não ser consistente com a ética de uma sociedade democrática que objetiva a equidade e a igualdade de oportunidades para todos os seus cidadãos.

Como diz a Convenção n° 182 da OIT, que nasceu da consciência de que, embora todas as formas de trabalho infantil devam ser repudiadas, algumas são hoje absolutamente intoleráveis, devendo-se demandar ações imediatas e eficazes por parte dos países-membros que a ratificaram.

Por isso, é importante se falar nas medidas tomadas pelas autoridades com a finalidade de erradicação do Trabalho Infantil Doméstico. Tem se trabalhado muito no fator conscientização, sendo um exemplo o Projeto Regional para Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil Doméstico que é promovido pela OIT e suas ações abrangem o Brasil, Peru, Colômbia, Paraguai e mais sete países da América Central.

Este programa foi desenvolvido em parceria com o Unicef e Save the Children, e contam com o apoio da Agência de Notícia dos Direitos da Infância (ANDI) e da Fundação Abrinq, do Ministério Público do Trabalho, Ministério da Promoção e Assistência Social, entre outros órgãos. O trabalho objetiva o estudo qualitativo sobre o trabalho infantil doméstico; sensibilização da sociedade para o problema; mobilização de ONGs e de Conselhos Tutelares, realização de campanhas nos meios de comunicação, criação de grupos de ajuda e oficinas educativas; pesquisas, formação de comissões para estudo da legislação e elaboração de um plano nacional de combate ao problema. Por fim, a última etapa do programa prevê a identificação dessas crianças e a inclusão em programas de geração de renda.

Como coloca Ana Lúcia Kassouf (2003, p. 45-46):

“Dada a variedade de causas e consequências do Trabalho Infantil, é de se esperar que sua erradicação exija vários tipos de solução e ações que envolvam diversos protagonistas. Para esse árduo trabalho, estão convocados os poderes públicos, entidades e organizações e a comunidade. É impossível pensar no combate a esse problema sem que haja uma interseção de contribuições e práticas efetivas”.

Apesar de não existirem campanhas ou programas específicos para o Trabalho Infantil Doméstico, existem programas governamentais destinados ao combate ao trabalho infantil, dentre eles o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) e o Bolsa Escola. O PETI, no ano de 2002 repassou uma bolsa de R$ 25,00 por criança na área rural e R$ 40,00 na área urbana às famílias que comprovarem a manutenção de seus filhos na escola. Outro requisito é que as famílias devem ter ainda uma renda de até meio salário mínimo e crianças com idade entre sete e quatorze anos trabalhando em atividades consideradas insalubres, perigosas, penosas ou degradantes. Além disso, este programa propicia uma série de atividades socioeducativas no horário alternado ao da escola.

O Bolsa Escola, posteriormente unificado a outros programas pela Lei n° 10.836, de 9 de janeiro de 2004, que instituiu o Bolsa Família, é outro programa que tem como objetivo o combate ao Trabalho Infantil, além de reduzir a evasão escolar e melhorar o desempenho acadêmico de crianças que vivem em situação de pobreza. O programa conta com a formação de Conselhos Municipais responsáveis pelo seu controle, como fiscalização da frequência escolar e realização de atividades socioeducativas (culturais, educativas e esportivas) fora do período de aula para se evitar o trabalho infantil. Esses programas colaboram de forma positiva para que se evite que crianças e adolescentes tenham que trabalhar como empregados domésticos.

A participação da sociedade no combate ao trabalho infantil se faz através de conselhos de direito (Nacional, Estaduais e Municipais) e tutelares municipais criados com base no Estatuto da Criança e do Adolescente (Art. 88). Cabe a estes conselhos, no âmbito de suas competências, cuidar dos direitos de criança e adolescentes trabalhadores domésticos. A função dos membros do Conselho Nacional e dos Conselhos Estaduais e Municipais dos direitos da criança e do adolescente é considerada de interesse público relevante, porém não será remunerada, conforme se depreende do art. 89.

O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) elaborou o Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, cuja execução está a cargo do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, órgão composto por entidades governamentais e não governamentais.

A Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil (CONAETI), coordenada pelo Ministério do Trabalho e Emprego e criada por intermédio da Portaria n° 365, de 12 de setembro de 2002, com participação quadripartite (representações dos trabalhadores, dos empregadores, da sociedade civil, além dos órgãos públicos federais e de organismos internacionais), visa implementar a aplicação das disposições das Convenções n°s 138 e 182 da OIT no Brasil.

Possui, como demais atribuições, verificar a conformidade das referidas Convenções com outros diplomas legais vigentes, visando às adequações legislativas porventura necessárias; o acompanhamento da execução do Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil, por ela elaborado em 2003; e propor mecanismos para o monitoramento da aplicação da Convenção 182.

No que tange a implementação das Convenções n°s 138 e 182 da OIT, existe uma determinação destas a ser implementada pelo Brasil, que é a adoção de mecanismos de punição mais severos àqueles que exploram qualquer modalidade de trabalho infantil. Não existe no nosso país nenhum dispositivo legal que considere crime explorar o trabalho da criança. O que há é uma fiscalização que tem o poder de lavrar autos de infração que podem resultar em uma imposição de multa, mas essa não é uma penalidade no sentido criminal.

Ademais, é importante destacar, porém, que essa fiscalização só é eficaz quando se trata das outras modalidades de trabalho infantil, haja vista o trabalho infantil doméstico ocorrer dentro das residências e por isso torna-se mais difícil de ser detectado, consequentemente combatido. A criminalização seria uma outra forma e talvez mais eficaz de obrigar os proprietários de residências e até os próprios pais a deixarem de explorar a mão-de-obra infantil em seus lares.

Entidades não governamentais, paralelamente ou em conjunto com a atuação destes conselhos, têm-se empenhado, com total ou parcial sucesso na erradicação do trabalho infantil em suas áreas geográficas. Destaque da Marcha Global contra Trabalho Infantil, com desdobramentos em marchas "regionais". Houve destacada mobilização para que o Brasil ratificasse as Convenções 138 e 182 da OIT, anteriormente mencionadas.

No dia 30 de abril do presente ano, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Unicef, a Andi e a Fundação Abrinq lançaram, em Brasília, uma campanha de conscientização sobre o trabalho infantil doméstico, cujo lema é: "Trabalho Infantil Doméstico: não leve essa ideia para dentro de sua casa!".

Os responsáveis legais dos menores, pais, mães, ou tutores, deverão afastá-los de empregos que diminuem consideravelmente seu tempo de estudo, reduzam o tempo de repouso necessário a sua saúde e constituição física, ou prejudiquem sua educação moral como está tutelado pela CLT, no seu art. 424. Não se trata de faculdade, mas de obrigação. Quando a autoridade competente, que é o Juiz da Infância e Juventude, verificar que o trabalho executado pelo menor é prejudicial a sua saúde, a seu desenvolvimento físico ou a sua moral idade, poderá como dispõe Martins (2005, p. 616 - 617):

“(...) Obrigá-lo a abandonar o serviço, devendo a respectiva empresa, quando for o caso, proporcionar ao menor todas as facilidades para mudar de funções. Não tomando a empresa as medidas possíveis e recomendadas pelo Juiz da Infância e da Juventude para o menor mude função, configurar-se-á a rescisão indireta do contrato de trabalho, na forma do Art. 483 da CLT”.


CONCLUSÃO

Verifica-se, portanto, que, mesmo havendo uma redução nos números de crianças envolvidas no trabalho infantil doméstico, há dificuldades de inclusão da questão em algumas agendas de programas sociais, e as políticas existentes são insuficientes no combate eficaz ao Trabalho Infantil Doméstico. As contribuições do setor privado ainda são poucas, o marco legal para enfrentar o problema não está definido, a fiscalização é difícil devido ao local onde é exercido, e incipiente. Por fim, tanto o Judiciário quanto o legislativo não traçaram estratégias que visem com maior eficácia o processo de erradicação.

Assim, a solução de apenas retirar a criança ou adolescente do trabalho doméstico não é suficiente. É preciso que haja uma política pública clara, que indique como proteger essa criança depois. É indispensável uma retaguarda para lhe dar condições de retomar à casa dos pais, quando isso for necessário, ou para que não volte a trabalhar como empregada em outra casa novamente.

É inexorável uma melhora das circunstâncias sociais que evolvem as crianças. Existe, porém, na sociedade atual uma inversão de valores no que se refere ao crescimento econômico e o desenvolvimento social, havendo uma subordinação da área social ao setor econômico. Há um entendimento de que não existindo um aspecto econômico favorável, não há como ter um social digno. No entanto, é mais provável que, caso a área social fosse priorizada, seria construída um alicerce social com capacidade para desenvolver e sustentar uma dimensão econômica.

O ideal seria que o adolescente pudesse ficar no seio de sua família, usufruindo das atividades escolares necessárias, sem entrar diretamente no mercado de trabalho, até atingir a maturidade esperada a fim de que tenha plena formação moral e cultural. Porém, na realidade, isso se tem revelado de difícil consecução, tendo em vista a necessidade de grande parte das famílias de que suas crianças, atingindo por volta de 12 anos, ou às vezes até antes, passem a trabalhar para conseguir a subsistência para o lar.

Defendem muitos que entre a criança ficar abandonada, ou perambulando pelas ruas, onde provavelmente partirá para a prática de furtos, roubos e uso de drogas, certamente melhor é que tenha um ofício, ou até um aprendizado, para que possa contribuir para a melhoria das condições de vida sua e de sua família.

O grande desafio das ações de combate a todas formas de trabalho infantil é convencer e sensibilizar as famílias mais abastadas e demais defensores daquele argumento de que o trabalho não é mais importante do que a educação, mesmo em situações críticas. O trabalho só deve ser bom quando exercido na idade certa, de modo protegido e na função adequada à fase da vida em que a pessoa se encontra.

É necessário o fortalecimento da família para que ela possa ser protagonista do seu desenvolvimento humano, social e econômico e não comprometa a formação dos filhos, inserindo-os precocemente no trabalho doméstico. Em muitos casos, podem-se considerar não apenas a família de origem, mas também a família empregadora, pela relação que ela tem com o menor doméstico.

É salutar um maior incentivo das ONGs, pois estas têm um papel fundamental na ampliação da rede de proteção e de mobilização para o efetivo combate ao trabalho infantil, seja ele doméstico ou qualquer de suas modalidades. No campo da mobilização, da prevenção, da promoção, da profissionalização ou da proteção ao trabalho do adolescente, sua atuação tem impacto direto no atendimento das vítimas do trabalho infantil.

Deve o Poder Público em todos os seus desdobramentos (secretarias, fundações, autarquias, etc.) buscar parceria em todas as instâncias, incluindo organizações não-governamentais, órgãos internacionais e a sociedade em geral, objetivando garantir a proteção integral e incondicional da criança e do adolescente. Para que se tenha uma sociedade democrática, não apenas do ponto de vista legal ou formal, mas do conteúdo da existência social, deve-se construir além de uma legislação justa e protetora dos direitos humanos e sociais, políticas de equidade que são fundamentais para se promover a verdadeira liberdade, igualdade, pluralidade e participação.

Pode-se concluir que O Trabalho Infantil Doméstico, diferentemente do que se dá com as demais formas de trabalho infantil, é particularmente difícil de ser enfrentada. Primeiro porque, como visto, chega a ser aceito com certa naturalidade pela sociedade e segundo porque traduz uma realidade oculta, protegida pela inviolabilidade do lar. A exploração do trabalho infantil doméstico é um fenômeno antigo, fortemente influenciado por valores culturais rígidos ainda não superados pela humanidade. É um reflexo da situação de extrema pobreza em que vivem inúmeras famílias brasileiras, vítimas de um fenômeno cíclico de reprodução da miséria e exclusão social.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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 SILVA, Dulce Silva. Infância (Des) assistida e Política de Proteção Especial. Teresina: EDUFPI, 1997.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Danilo Chaves. Apontamentos sobre o trabalho infantil doméstico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4208, 8 jan. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30711. Acesso em: 3 maio 2024.