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O Neoconstitucionalismo e sua influência sobre a ciência processual: algumas reflexões sobre o neoprocessualismo e o projeto do novo Código de Processo Civil

O Neoconstitucionalismo e sua influência sobre a ciência processual: algumas reflexões sobre o neoprocessualismo e o projeto do novo Código de Processo Civil

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Propõe-se a examinar, criticamente, o fenômeno do neoconstitucionalismo para entender seus principais desdobramentos na cultura jurídica contemporânea, sobretudo, no campo da ciência processual e como inspirou a elaboração do anteprojeto do Novo CPC.

Resumo: O trabalho propõe-se a examinar, criticamente, o fenômeno do neoconstitucionalismo para entender seus principais desdobramentos na cultura jurídica contemporânea, sobretudo, no campo da ciência processual. A partir de seus marcos teóricos fundamentais, busca-se explicar alguns fenômenos jurídicos atuais, como a constitucionalização do Direito, a judicialização de políticas públicas, o ativismo judicial, a teoria da coisa julgada inconstitucional e o Neoprocessualismo. Examina-se, ainda, a influência que a teoria neoconstitucional exerceu, e exerce, sobre a ciência processual e como inspirou a comissão de juristas responsável pela elaboração do anteprojeto do Novo Código de Processo Civil.

Palavras-chave: Neoconstitucionalismo. Constitucionalização do Direito. Judicialização de políticas públicas. Ativismo judicial. Teoria da coisa julgada inconstitucional. Neoprocessualismo. Formalismo-valorativo. Novo CPC.  

Sumário: Introdução; 1. Marcos do neoconstitucionalismo; 2. O marco histórico; 3. O marco filosófico. O Positivismo. O pós-positivismo; 4. O marco teórico; 4.1. Normatividade, superioridade e centralidade da Constituição; 4.2. A expansão da jurisdição constitucional. O respeito à dignidade da pessoa humana; 4.3. A nova interpretação constitucional. Conflitos axiológicos (choque entre princípios e valores fundamentais da ordem jurídica); 5. As manifestações do neoconstitucionalismo no ordenamento jurídico brasileiro; 5.1. A constitucionalização do Direito; 5.2. A judicialização de políticas públicas. Os parâmetros de controle; 5.3. O ativismo judicial; 5.4. A teoria da coisa julgada inconstitucional; 6. O Neoprocessualismo; 6.1. Evolução do direito processual. Sincretismo ou praxismo. Processualismo. Instrumentalismo. Neoprocessualismo. O formalismo-valorativo; 6.2. O Neoprocessualismo e as teorias modernas do direito de ação. Direito de ação como direito à tutela jurisdicional efetiva, adequada e tempestiva. Direito de ação como direito à efetiva satisfação do direito material reclamado; 7. O Neoprocessualismo e o novo CPC; 8. Conclusões.   


1. Marcos do neoconstitucionalismo.

O surgimento do constitucionalismo clássico está ligado não só à promulgação das Constituições escritas e rígidas dos Estados Unidos da América (1787) e da França (1791), mas também à Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789).

A partir delas, as constituições começaram a surgir por toda Europa e, posteriormente, por outros continentes. Nessa época, todavia, a constituição era vista muito mais como instrumento político do que jurídico, o que acabava dificultando, e mesmo impedindo, a sua aplicação de fato.

Foi na segunda metade do século XX, sobretudo no pós-guerra, como uma reação natural aos regimes totalitários, que as constituições passaram a exercer um poder normativo efetivo, iniciando-se uma nova fase do constitucionalismo, chamado de constitucionalismo contemporâneo ou neoconstitucionalismo.

O neoconstitucionalismo consubstancia uma nova visão acerca dos propósitos da Constituição nas estruturas jurídicas contemporâneas. Tal visão tem por pressuposto que a Constituição exerce uma função de supremacia em relação aos demais diplomas legais. Sendo que tal supremacia vai além do controle de constitucionalidade e da tutela da esfera individual de liberdade. Ela exerce a função de norma diretiva fundamental, que se dirige aos poderes públicos e condiciona os particulares de tal maneira que assegura a realização dos valores constitucionais (direitos sociais, direito à educação, à subsistência, à segurança, ao trabalho etc.).

O neoconstitucionalismo, em resumo, é a denominação dada por alguns doutrinadores ao novo direito constitucional, a partir da segunda metade do século XX, fruto de mudanças paradigmáticas contidas em estudos doutrinários e jurisprudenciais que enxergam a Constituição como centro do sistema jurídico.

Na visão do professor e, hoje, também, Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, o neoconstitucionalismo pode ser examinado a partir de três marcos fundamentais: o histórico, o filosófico e o teórico. A eles, pode-se acrescer, ainda, o marco consequencial, que analisa o constitucionalismo contemporâneo à luz de seus efeitos mais evidentes.

Examina-se, na sequência, cada um deles. 


2. O marco histórico.

Aponta-se como marco histórico do novo direito constitucional, o constitucionalismo do pós-guerra, sobretudo na Alemanha e na Itália.

A reestruturação política da Europa, como consequência do repúdio que se impôs aos regimes totalitários de direita (Nazismo e Fascismo), conduziu a uma paralela reestruturação jurídica dos países europeus, que passaram por um processo, mais ou menos gradual, de reconstitucionalização, logo após a Segunda Grande Guerra, pautado na reaproximação do Direito com o ideal democrático. 

O marco zero desse processo foi a Lei Fundamental de Bonn (Constituição alemã), de 1949, seguida pela instalação do Tribunal Constitucional Federal Alemão, em 1951, que produziu riquíssima jurisprudência e fomentou diversos trabalhos doutrinários que realocaram a Constituição no centro do sistema jurídico, atribuindo a seu texto um conteúdo normativo e axiológico até então jamais imaginado.

Segundo Barroso:

“Há razoável consenso de que o marco inicial do processo de constitucionalização do Direito foi estabelecido na Alemanha. Ali, sob o regime da Lei Fundamental de 1949 e consagrando desenvolvimentos doutrinários que já vinham de mais longe, o Tribunal Constitucional Federal assentou que os direitos fundamentais, além de sua dimensão subjetiva de proteção de situações individuais, desempenham uma outra função: a de instituir uma ordem objetiva de valores. O sistema jurídico deve proteger determinados direitos e valores, não apenas pelo eventual proveito que possam trazer a uma ou a algumas pessoas, mas pelo interesse geral da sociedade na sua satisfação. Tais normas constitucionais condicionam a interpretação de todos os ramos do Direito, público ou privado, e vinculam os poderes estatais”[2].

A Constituição da Itália, de 1947, e as Constituições de Portugal e Espanha, já na década de 1970, também são apontadas como dados referenciais do constitucionalismo contemporâneo.

No Brasil, o marco histórico foi a Constituição de 1988, símbolo do processo de redemocratização iniciado com o fim da ditadura militar. Seu texto refletiu os anseios de liberdade, o ideal democrático, consolidou os direitos fundamentais como base do novo regime constitucional e estabeleceu uma série de ações programáticas (mas impositivas) a serem executadas pelo Estado na busca do bem-estar social.


3. O marco filosófico.    

3.1 O Positivismo.

A escola positivista, que surgiu da superação histórica do jusnaturalismo, conduziu, ainda que involuntariamente, a um reducionismo do fenômeno jurídico, ao identificar o Direito com a lei, ao divorciar a ciência jurídica da realidade fática e da percepção axiológica, além dos preceitos de ordem ética.

Os positivistas concebiam o Poder Legiferante com o dom da onisciência, já que supunham que as regras legislativas seriam capazes, por si sós, de disciplinar, de maneira uniforme e integral, o pluralismo dinâmico das relações sociais. Defendiam a concepção de que o sistema jurídico é composto tão somente de um subsistema, o normativo, desvinculado dos subsistemas fático e axiológico. Assim, entendiam que a interpretação literal, filológica, gramatical, seria a única capaz de assegurar uma das funções mais significativas do Direito, que é a de realização da Justiça, por reproduzir, de maneira pura e sem intervenções exógenas, o pensamento do legislador. Defendiam, abertamente, que a incidência da norma jurídica sobre os casos concretos dava-se a partir de uma simples subsunção, ou seja, uma operação neutra, desprovida de valoração subjetiva e liberta da influência de qualquer outro subsistema (política, economia, moral, ética).

Hans Kelsen, com a Teoria Pura do Direito, foi o maior expoente desta corrente do pensamento jurídico, que imaginava o Direito como um sistema fechado (autopoiético), imune e infenso aos influxos e refluxos de outros sistemas.

3.2 O pós-positivismo.

O Pós-positivismo surgiu como síntese do embate dialético entre o Jusnaturalismo e o Positivismo Normativista, vale dizer, como resultado da dicotomia entre os defensores do Direito Natural, imanente à espécie humana, e os adeptos do Positivismo, embasado em concepção estrita, e míope, do Direito.

Essa corrente do pensamento jurídico concebe o Direito como um sistema aberto (alopoiético), plural, em constante interação com o mundo dos fatos e com os valores positivos aceitos pelo meio social e consagrados em regras mater chamadas princípios.

O pós-positivismo é, portanto, uma corrente da ciência jurídica que superou o legalismo estrito do Positivismo normativista, notabilizando-se (a) pela ascensão dos valores; (b) pelo reconhecimento da normatividade dos princípios; (c) pela essencialidade dos direitos fundamentais edificados sobre o conceito de dignidade da pessoa humana; e (d) pela reaproximação entre o Direito e a Ética.

Ao abordar a reaproximação entre Direito e Ética promovido pelo constitucionalismo contemporâneo, RICARDO LOBO TORRES, ensina que:

“De uns trinta anos pra cá assiste-se ao retorno dos valores como caminho para a superação dos positivismos. A partir do que se convencionou chamar de ‘virada kantiana’ (kantische wende), isto é, a volta à influência da filosofia de Kant, deu-se a reaproximação entre ética e direito, com a fundamentação moral dos direitos humanos e com a busca da justiça fundada no imperativo categórico”[3].         

Trata-se, pois, de nova vertente do pensamento jurídico que, sob uma perspectiva principiológica, influenciou, decisivamente, a formação de uma moderna hermenêutica constitucional, em substituição ao constitucionalismo clássico.

Portanto, o pós-positivismo apresenta-se como o marco filosófico do constitucionalismo contemporâneo, iniciado na Europa no pós-guerra.


4. O marco teórico.

No plano teórico, o neoconstitucionalismo caracteriza-se por uma série de transformações que (a) alçaram a Constituição ao epicentro do sistema jurídica, dotando-a de efetiva normatividade e superioridade sobre as demais normas jurídicas; (b) incorporaram às Constituições, de modo expresso, valores e opções políticas, expandindo a jurisdição constitucional; e (c) impuseram um novo paradigma de interpretação e aplicação das normas constitucionais.

4.1. Normatividade, superioridade e centralidade da Constituição.

Até meados do século XX, a Constituição era vista como um documento político, dirigido ao Estado e com conteúdo meramente programático. Eram repositórios de promessas vagas, sem aplicabilidade direta e imediata. A efetivação prática de seu programa condicionava-se à liberdade do legislador e à discricionariedade do administrador, não se atribuindo ao Judiciário papel minimamente relevante na realização dos comandos constitucionais.

Esse panorama foi modificado no pós-guerra, inicialmente na Alemanha, depois na Itália, e mais tarde, em Portugal e na Espanha.    

Esse processo de reconstitucionalização, chamado de neoconstitucionalismo, alçou a Constituição ao centro do sistema. Seu texto adquiriu densidade jurídica e suas normas passaram a gozar de normatividade efetiva, imperatividade plena e superioridade hierárquica não apenas formal, mas material e axiológica em relação às demais normas do ordenamento jurídico.

Sobre essa mudança de paradigma, ANDERSON SANT´ANA PEDRA afirma que:

“(...) num passado não muito remoto, o estudo do direito constitucional pareceria literatura, ficção ou sociologia. Hoje, o quadro mudou: a Constituição passou a ser considerada como norma e o Direito Constitucional disciplina jurídica efetiva e indispensável. Era incomum verificar em alguma decisão judicial a menção a algum dispositivo constitucional e para fundamentar uma decisão bastava que ela apresentasse os dispositivos infraconstitucionais do direito material ou processual: cotejá-los com a Constituição, nem pensar, afinal o legislador era considerado como a exteriorização da vontade constitucional. Contudo, novos tempos surgem. O direito constitucional passa por um momento virtuoso, em que se destaca o compromisso com a efetividade das normas constitucionais, com o respeito a sua força normativa, superando, assim, a fase em que a Constituição era considerada um mero conjunto de promessas políticas, um documento programático e não pragmático”[4].

Por normatividade da Constituição entende-se que as disposições constitucionais, sejam elas regras ou princípios, são normas jurídicas dotadas de imperatividade, que é a capacidade de impor, pela força, a realização dos efeitos práticos pretendidos pela norma ou, em substituição, de alguma consequência pelo seu descumprimento[5].

Além de sua função normativa, a Constituição assume posição central no sistema (centralidade), condicionando e limitando a interpretação que deve ser empreendida sobre as normas infraconstitucionais que compõe o ordenamento jurídico. Em outras palavras, todo o sistema jurídico deve ser interpretado sob as lentes da Constituição e com observância irrestrita de seus preceitos e valores fundantes.

Por fim, a Constituição ocupa posição de supremacia (superioridade) sobre as demais normas do ordenamento, hierarquia não apenas formal, mas material e axiológica.   

4.2. A expansão da jurisdição constitucional.

O incremento de jurisdição constitucional – que baliza o surgimento do constitucionalismo contemporâneo – explica-se por três razões distintas, embora interligadas:

(a) razão de ordem material: houve um acréscimo na jurisdição constitucional pelo fato de terem sido incorporados aos textos das Constituição do pós-guerra, de modo expresso, valores e opções políticas até então negligenciados pelo Estado, o que tornou as Constituições mais densas, consequentemente, ampliando os limites da jurisdição constitucional;

(b) razão de ordem instrumental: os textos constitucionais também ampliaram os mecanismos de controle de constitucionalidade das leis e atos normativos, viabilizando, a par do controle incidental ou difuso, realizado por qualquer juiz ou tribunal, o controle direto ou concentrado, atribuído a uma corte constitucional. Na experiência brasileira, a Constituição de 1988 deu vida não apenas à ação declaratória de constitucionalidade como também à arguição de descumprimento de preceito fundamental;

(c) razão de natureza subjetiva: os textos constitucionais do pós-guerra também ampliaram, quantitativamente, o número de legitimados a exercer o controle de constitucionalidade das leis e atos normativos. Em outras palavras, houve uma ampliação no direito de propositura. No caso brasileiro, a partir da Constituição republicana de 1988, vários órgãos e entidades passaram a deter o direito de propor ações diretas para discutir a constitucionalidade de leis e atos normativos do Poder Público[6], monopólio exercido, até a Constituição de 1969, pelo Procurador-Geral da República.

A incorporação expressa de valores e opções políticas aos textos constitucionais (fator material), a ampliação dos mecanismos de controle de constitucionalidade (fator procedimental) e o compartilhamento do “direito de propositura” por diversos órgãos e entidades do Estado e da sociedade civil (fator subjetivo) levaram ao alargamento da jurisdição constitucional, uma das características marcantes do constitucionalismo contemporâneo.         

Já se afirmou, o neoconstitucionalismo surgiu como uma reação – natural e ampla – aos regimes políticos que, ao longo da primeira metade do século XX, suplantaram os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade de tradição iluminista.

Com a derrocada dos regimes totalitários no pós-guerra (Nazismo na Alemanha, Fascismo na Itália, Franquismo na Espanha e o Salazarismo em Portugal), os países europeus, num primeiro momento, no que foram seguidos por países de outros continentes, decidiram introduzir nos textos constitucionais valores e opções políticas fundamentais, que passaram a formar um consenso mínimo a ser observado pela maioria[7], fora do alcance, portanto, da subjetividade do legislador ordinário e da discricionariedade do administrador público.

Os valores incorporados expressamente aos textos constitucionais traduzem, em sua maioria, direitos fundamentais, que podem ser encapsulados no princípio mater do respeito à dignidade da pessoa humana.    

Diz-se que esse princípio é a síntese dos direitos fundamentais porque, todos eles, de maneira mais ou menos imediata, visam resguardar a dignidade da pessoa humana, seu mínimo existencial.

Não é exagero afirmar que a dignidade da pessoa humana foi alçada, pelas Constituições contemporâneas, à categoria de princípio maior do sistema jurídico, à vista do qual devem ser interpretadas não apenas as outras normas constitucionais, mas também as demais normas que compõem o sistema jurídico.

Pela importância que assume no sistema jurídico, vale a pena dedicar algumas linhas a esse postulado axiológico fundamental, cuja essência está ligada à própria gênese do constitucionalismo contemporâneo. 

4.2.1. O respeito à dignidade da pessoa humana.

O pós-guerra representou, no plano histórico, a superação dos regimes totalitários, no plano filosófico, o resgate dos ideais iluministas, sobretudo de liberdade e igualdade, e, no plano jurídico, a “reconstitucionalização”, guiada pela afirmação dos direitos fundamentais e da dignidade do homem.

A dignidade do homem, como “síntese“ dos direitos fundamentais, foi então alçada ao centro do sistema jurídico na condição de postulado axiológico fundamental, em um processo de reação à política genocida do nazismo e do fascismo. Ao homem, qualquer que fosse a origem, resguardou-se um mínimo de dignidade existencial, capaz de barrar a barbárie dos regimes totalitários e impor um arsenal mínimo de subsistência.

BALERA retratou, com clareza, o contexto histórico em que inserida a ascensão desse postulado, verbis:

“A reação à barbárie do nazismo e do fascismo em geral levou, no pós-guerra, à consagração da dignidade da pessoa humana no plano internacional e interno como valor máximo dos ordenamentos jurídicos e princípio orientador da atuação estatal e dos organismos internacionais. Diversos países cuidaram de introduzir em suas Constituições a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado que se criava ou recriava, podendo-se citar exemplificativamente, a Constituição italiana de 1947 e a lei Fundamental alemã de 1949”[8].

O que as Constituições contemporâneas resguardam não é a dignidade humana em si – que existirá mesmo presente a lesão ao bem jurídico tutelado pela norma –, mas o respeito a ela. Um homem negro, por exemplo, não perde a sua dignidade por ter sofrido injúria ou preconceito racial. Ele a conserva, independentemente da lesão. Cabe ao Estado adotar medidas (leis, atos administrativos ou decisões judiciais) que reguardem esse bem jurídico. O Estado não atribui dignidade a ninguém, por que ela é inata, ele apenas a resguarda, a protege, a promove, seja por ação (prestações positivas que garantam o mínimo existencial) ou por omissão (resguardo às liberdades públicas).

Para JOSÉ AFONSO DA SILVA, “a dignidade humana não é uma criação constitucional, pois ela é um desses conceitos a priori, um dado preexistente a toda experiência especulativa, tal como a própria pessoa humana”[9].

A dignidade da pessoa humana, portanto, não é um direito, mas um atributo que todo ser humano adquire ao nascer, independentemente de sua origem, sexo, idade, crença ou condição social. O ordenamento jurídico não confere dignidade a quem quer que seja, mas tem a função de protegê-la contra qualquer tipo de violação.

O princípio serve de vetor axiológico a todos os Poderes constituídos do Estado: ao Legislativo, que não pode editar leis que desrespeitem, direta ou indiretamente, a dignidade do homem (ação), ou deixar de elaborar as leis necessárias a sua promoção (omissão); ao Executivo, que deve executar as políticas públicas necessárias a manter o mínimo existencial do homem e abster-se de adotar medidas que ofendam, limitem ou excluam a dignidade do administrado; por fim, ao Judiciário, que jamais poderá interpretar uma norma ou solucionar um caso concreto de modo a por em “xeque” a dignidade do homem.

O princípio também se aplica às relações particulares, não diretamente relacionadas ao Estado. Será nula, por exemplo, a cláusula contratual que imponha sacrifício à dignidade de um dos contratantes.

No Brasil, a Constituição republicana de 1988 listou o princípio como um dos fundamentos da República no art. 1º, inciso III[10].

A dignidade da pessoa humana compõe o núcleo essencial de cada um dos direitos fundamentais, conferindo-lhes unidade axiológica e inspirando a interpretação e aplicação de todas as outras normas do sistema jurídico. O princípio é o “epicentro axiológico da ordem constitucional”[11], irradiando seu comando valorativo sobre todos os quadrantes do ordenamento jurídico, de conteúdo publicista ou privatista[12].

O princípio é tão amplo que se refere tanto às liberdades públicas (direitos de primeira geração ou de resistência) quanto aos direitos sociais e econômicos (direitos de segunda geração ou direitos a uma prestação estatal). Para BARROSO:

“O princípio da dignidade humana identifica um espaço de integridade a ser assegurado a todas as pessoas por sua só existência no mundo. É um respeito à criação, independente da crença que se professe quanto à sua origem. A dignidade relaciona-se tanto com a liberdade e valores do espírito quanto com as condições materiais de subsistência. O desrespeito a esse princípio terá sido um dos estigmas do século que se encerrou e a luta por sua afirmação, um símbolo do novo tempo. Ele representa a superação da intolerância, da discriminação, da exclusão social, da violência, da incapacidade de aceitar o outro, o diferente, na plenitude de sua liberdade de ser, pensar e criar”[13].

INGO SARLET também relata esse aspecto amplíssimo do postulado, ao exigir do Estado tanto abstenções (direito geral de liberdade) quanto prestações positivas que garantam o mínimo existencial, verbis:

“Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos”[14].

Esse vetor axiológico é tão potente que perpassa todos os direitos fundamentais, que, em maior ou menor escala, representam a concretização do valor dignidade. Fim e fundamento do Estado Democrático, o princípio baliza integralmente a conduta estatal, que deve não apenas persegui-lo, mas defende-lo de violação. Serve de norte axiológico, também, aos particulares, que se devem pautar sempre pelo respeito a dignidade das pessoas com as quais convivem e interagem.

Como síntese dos direitos fundamentais, o respeito à dignidade da pessoa humana centraliza, na sua essência, o mínimo existencial, que se compõe dos bens e valores mínimos indispensáveis à subsistência material e moral do indivíduo. Em qualquer situação aquém do mínimo necessário à subsistência, isto é, abaixo de um patamar mínimo substancial de renda, educação e saúde, não há, nem haverá, dignidade.

Como epicentro axiológico na interpretação e aplicação do Direito, o sistema jurídico revela-se incompatível com qualquer lei, ato administrativo ou decisão judicial que prive o indivíduo do mínimo necessário à subsistência. Negar ao homem condições mínimas de existência é atentar contra a sua condição humana.

O constitucionalismo contemporâneo, inaugurado no pós-guerra a partir da Constituição Alemã, notabilizou-se pela incorporação expressa, ao texto constitucional, de valores, até então adormecidos ou negligenciados pelo Estado, traduzidos em direitos fundamentais e sintetizados no postulado geral de dignidade do homem.

Esse processo de incorporação de valores e opções políticas, nota típica do constitucionalismo contemporâneo, impõe a convivência, nem sempre harmônica, de diversos princípios igualmente relevantes à ordem jurídica. Esse “adensamento” axiológico conduz, não raras vezes, a tensões horizontais entre princípios, que não podem ser resolvidos no plano da validade, como ordinariamente ocorre com os conflitos entre regras jurídicas.

A incorporação expressa de valores ao texto constitucional potencializou os conflitos envolvendo princípios constitucionais de semelhante tessitura e importância. Esses conflitos, por sua vez, passaram a exigir do aplicador do Direito, sobretudo, do Estado-Juiz, a adoção de novos padrões hermenêuticos, sem abandono das regras de interpretação já existentes, que foram revisitadas.

Surge, assim, um novo modelo de interpretação constitucional que, ao lado da função normativa da Constituição e do incremento de jurisdição constitucional, compõe o marco teórico do neoconstitucionalismo.

A essa nova interpretação constitucional dedica-se o tópico seguinte.

4.3. A nova interpretação constitucional.

A expansão da jurisdição constitucional – impulsionada, sobretudo, pela incorporação expressa de valores e opções políticas aos textos constitucionais – promoveu um adensamento axiológico e, consequentemente, potencializou os conflitos entre princípios de mesma hierarquia constitucional.   

Essa nova realidade – permeada por tensões axiológicas frequentes e pela disputa horizontal entre princípios que convivem, ou deveriam conviver, no ambiente democrático – exigiu dos operadores jurídicos, sobretudo das cortes constitucionais, o trabalho de revisitar as regras clássicas de interpretação, bem como de sistematizar novos padrões hermenêuticos, necessários e suficientes para solucionar essa nova categoria de conflitos.

A interpretação jurídica tradicional não foi abandonada; ela continua a resolver boa parte dos conflitos jurídicos. Mas, suas categorias foram revisitadas, em decorrência da centralidade que a Constituição passou a ocupar no novo sistema jurídico, de sua força normativa e do seu espetacular adensamento valorativo. Além dessa releitura, outras categorias hermenêuticas tiveram que ser construídas para dar resposta satisfatória aos conflitos axiológicos que se tornaram cada vez mais frequentes. Deflagrou-se, então, um processo de elaboração doutrinária e jurisprudencial (sobretudo do Tribunal Constitucional Alemão) de novos conceitos e categorias, agrupados sob a denominação de nova interpretação constitucional, que se “utiliza de um arsenal teórico diversificado, em um verdadeiro sincretismo metodológico”[15].

No modelo hermenêutico clássico, derivado do Positivismo jurídico – que prega um sistema fechado, com regras suficientes para disciplinar, de maneira uniforme e integral, o pluralismo dinâmico das relações sociais –, a resposta para os problemas está contida no próprio sistema jurídico e o intérprete desempenha uma função meramente subsuntiva, simples aplicação das normas ao fato social. Para esse modelo, a interpretação é uma operação neutra, desprovida de valoração subjetiva e liberta da influência de qualquer outro subsistema. Prevalecem as interpretações lógica, gramatical e histórica.

No modelo hermenêutico pós-positivista, marco filosófico do neoconstitucionalismo, o intérprete torna-se coparticipe do processo de criação do Direito – complementando o trabalho do legislador –, ao atribuir carga valorativa para as cláusulas abertas e ao realizar escolhas dentre soluções normativas possíveis[16].

Na visão pós-positivista, a norma em abstrato não contém todos os elementos necessários a sua aplicação. Há expressões de tessitura aberta (cláusulas gerais ou conceitos jurídicos indeterminados, como ordem pública, interesse social e boa-fé), que fornecem um mínimo de significação a ser completado pelo intérprete. Essas cláusulas abertas exigem a valoração de fatores presentes na realidade fática para definir o sentido e o alcance da norma. Como a solução não se encontra integralmente no plano normativo, mas também no plano fático e axiológico, a função do intérprete não será de mera subsunção; mas de integração do comando normativo a partir de sua própria experiência[17].

O constitucionalismo contemporâneo notabiliza-se, como já afirmado, pela incorporação expressa de princípios ao texto constitucional, que passam a deter função normativa. Os princípios, diferentemente das regras, não enunciam comandos descritivos de condutas, mas valores que indicam finalidades públicas a serem realizadas por diferentes meios.

Como os princípios tem maior densidade axiológica que as regras (mas menor densidade jurídica), transfere-se ao intérprete uma dose mais elástica de discricionariedade. A ele não cabe apenas aplicar o direito numa operação de simples subsunção; compete-lhe uma tarefa muito mais profunda, de integrar o trabalho do legislador, imprimindo, na solução encontrada, muito de seus valores e da sua experiência. O intérprete passa a trabalhar com outros modelos hermenêuticos, como a ponderação e a argumentação.

A ponderação está intrinsecamente relacionada à ideia de conflito e se vale do princípio instrumental da razoabilidade. O intérprete será obrigado a (a) conciliar, por meio de concessões recíprocas, princípios em conflito real ou aparente ou, no limite, a (b) eleger o princípio que deverá prevalecer, por fazer atuar mais adequadamente, à luz dos fatos e do caso concreto, a vontade constitucional.

Já a argumentação está associada à ideia de soluções possíveis para o mesmo caso, ou interpretações razoáveis para a mesma norma. Através de um juízo argumentativo, o intérprete deve escolher, dentre as opções possíveis derivadas da norma, aquela que, à luz do caso concreto, melhor realiza a vontade constitucional.

4.3.1 Conflitos axiológicos (choque entre princípios e valores fundamentais da ordem jurídica).

Os conflitos, reais ou aparentes, entre princípios de mesma hierarquia – tão comuns no neoconstitucionalismo em razão do caráter normativo da Constituição e de seu adensamento axiológico –, explicam-se, em grande medida, pela necessidade de conciliar diferentes pretensões, que precisam conviver em harmonia em um ambiente democrático. Essa pluralidade torna difícil a convivência entre alguns elementos centrais do sistema constitucional contemporâneo, como, por exemplo, a tensão constante entre a liberdade de informação e a proteção à intimidade e à vida privada, ou o conflito entre a livre iniciativa e os princípios da proteção ao consumidor e ao meio ambiente[18].

Para solucionar um conflito entre regras ou se introduz, em uma das regras, uma cláusula de exceção que elimine o conflito, ou se declara a invalidade de uma delas. Já a colisão entre princípios é solucionada de maneira diversa.

Se dois princípios constitucionais de mesma hierarquia colidem, um dos princípios terá que ceder. Isso não significa, contudo, que um dos princípios deva ser declarado inválido, nem que nele deverá ser inserida uma cláusula de exceção. Na verdade, o que ocorre é que um dos princípios tem precedência em face do outro sob determinadas condições. Sob outras condicionantes, a questão da precedência pode ser resolvida de forma oposta[19].

Em síntese, o conflito de regras se resolve no plano da validade (se uma cláusula de exceção não puder ser inserida em uma delas). Já “as colisões entre princípios – visto que só princípios válidos podem colidir – ocorrem, para além dessa dimensão, na dimensão do peso”[20] de cada um em relação ao caso concreto.       

Para ROBERT ALEXY, o “objetivo desse sopesamento é definir qual dos interesses – que abstratamente estão no mesmo nível – tem maior peso no caso concreto”[21]. A lei de colisão formulada pelo autor baseia-se no estabelecimento de uma relação de precedência condicionada entre os princípios, com base nas circunstâncias do caso concreto[22].

A noção de sopesamento a que se refere ALEXY aproxima-se, ou mesmo se confunde, à de ponderação exposta linhas acima. Em ambas é ínsita a ideia de escolha, de eleição, dentre os princípios colidentes, de um que prevalecerá, sob certas circunstâncias.

ALEXY relata um caso muito interessante, decidido pelo Tribunal Constitucional Alemão, que pode ser resumido na seguinte situação: uma emissora de televisão planejava exibir um documentário chamado “O assassinato de soldados em Lebach”, por meio do qual se contava a história de quatro soldados da guarda de sentinela de um depósito de munições do Exército Alemão, perto da cidade de Lebach, que foram mortos enquanto dormiam e as armas foram roubadas apara a prática de outros crimes. Um dos condenados, que estava perto de ser libertado da prisão, entendia que a exibição do programa violaria o seu direito de personalidade, já que ameaçaria sua ressocialização. A questão chegou ao Tribunal Alemão que, sopesando os aspectos do fato e suas condicionantes, decidiu que o direito fundamental à personalidade deveria preceder, naquele caso, ao direito também fundamental à liberdade de expressão e de imprensa. A essa conclusão chegou o Tribunal a partir de um dado da realidade: o fato de o crime não ser atual, ou seja, de ter acontecido há muitos anos. Assim, tratando-se de uma notícia repetida, não atual, o direito de personalidade prevalece sobre o direito à informação; sob outras condições, ou seja, se estivesse revestido de interesse atual o crime, a solução seria oposta, devendo prevalecer o direito à informação sobre o direito à personalidade[23].

Esse exemplo ilustra o que até aqui se tem afirmado: a ponderação de princípios e valores constitucionais (ou sopesamento, para utilizar a nomenclatura de Alexy) ocorre à luz do caso concreto e de suas condicionantes. Não existe uma precedência obrigatória entre princípios constitucionais, que ora prevalecem ora cedem a outros princípios, tomando por base o substrato fático que embasa o conflito. A única exceção é o princípio do respeito à dignidade da pessoa humana, que assume posição central de todo sistema constitucional contemporâneo por sintetizar toda a gama de direitos fundamentais.

Em suma:

“(...) o neoconstitucionalismo ou novo direito constitucional, na concepção aqui desenvolvida, identifica um conjunto amplo de transformações ocorridas no Estado e no direito constitucional, em meio às quais podem ser assinalados, (i) como marco histórico, a formação do Estado constitucional de direito, cuja consolidação se deu ao longo das décadas finais do século XX; (ii) como marco filosófico, o pós-positivismo, com a centralidade dos direitos fundamentais e a reaproximação entre Direito e Ética; e (iii) como marco teórico, o conjunto de mudanças que incluem a força normativa da Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional. Desse conjunto de fenômenos resultou um processo extenso e profundo de Constitucionalização do Direito”[24].  

Passados em revista os marcos fundamentais do neoconstitucionalismo, faz-se mister examinar, ainda que brevemente, cinco de suas consequências mais visíveis: (a) a constitucionalização do Direito; (b) a judicialização de políticas públicas; (c) o ativismo judicial; (d) a teoria da coisa julgada inconstitucional; e (e) o Neoprocessualismo (o formalismo valorativo).       


5. As manifestações do neoconstitucionalismo no ordenamento jurídico brasileiro.

5.1. A constitucionalização do Direito.

A constitucionalização do Direito, que é um dos marcos consequenciais do neoconstitucionalismo, deve ser examinada sob a ótica do texto constitucional em si mesmo considerado (plano objetivo) e também sob o prisma do intérprete (plano subjetivo).

No plano objetivo, o processo quer significar a constitucionalização de temas até então relegados à legislação infraconstitucional e a incorporação expressa de valores e princípios ao texto constitucional, todos dotados de normatividade efetiva.

Esse processo de adensamento axiológico da Constituição, que se espraia pelos mais variados rincões do sistema jurídico, indo do direito civil, passando pelo direito administrativo e processual e chegando ao direito penal, alargou sobremaneira o campo da jurisdição constitucional.

No caso brasileiro, essa experiência foi potencializada em último grau, já que o constituinte de 1988 elaborou um texto longo, extremamente analítico, tornando constitucionais temas acessórios e secundários, que poderiam, muito bem, compor o arsenal das leis infraconstitucionais.

Esse processo – de transferência temática das leis às Constituições – ficou conhecido como a “descodificação do direito civil”[25].

No plano subjetivo, a constitucionalização do Direito significa uma mudança de padrão hermenêutico, uma nova postura do intérprete frente ao sistema jurídico. As velhas categorias hermenêuticas, as regras clássicas de interpretação, já não são suficientes para solucionar os conflitos havidos da própria Constituição (fruto do seu incrível adensamento axiológico).

Essa mudança de postura que as Constituições contemporâneas passaram a exigir do intérprete recebeu o nome de filtragem constitucional, pelo qual toda a ordem jurídica precisa ser lida e apreendida sob as lentes da Constituição[26].

Portanto, a constitucionalização do Direito significa não apenas a transferência de temas infraconstitucionais para a Constituição, mas também a nova postura que se exige do intérprete em face desse adensamento axiológico, vale dizer, a releitura de institutos infraconstitucionais (até então) sob uma nova, e necessária, ótica constitucional.

Essa nova postura do intérprete em face da Constituição envolve diferentes técnicas, assim resumidas por BARROSO[27]:

(a) a não recepção (Barroso fala em revogação[28]) das normas constitucionais anteriores à Constituição (ou à emenda constitucional), quando com ela incompatíveis;

(b) a declaração de inconstitucionalidade de normas infraconstitucionais posteriores à Constituição, quando com ela incompatíveis;

(c) a declaração de inconstitucionalidade por omissão, com a consequente convocação à atuação do legislador;

(d) a interpretação conforme a Constituição, com ou sem redução de texto, que pode significar: (i) a leitura da norma constitucional da forma que melhor realize o sentido e o alcance dos valores constitucionais a ela subjacentes; (ii) a declaração de inconstitucionalidade parcial, que consiste na exclusão de uma determinada interpretação possível e a afirmação de uma interpretação alternativa, compatível com a Constituição.           

5.2. A judicialização de políticas públicas.

Em um primeiro contato com a matéria, impõe-se uma distinção necessária entre judicialização de políticas públicas e ativismo judicial: são expressões que veiculam significação aproximada, mas não coincidente. Como diz BARROSO, são conceitos “primos”, pois vêm da mesma família, frequentam os mesmos lugares, mas não têm as mesmas origens[29].

A judicialização – pelo menos no contexto brasileiro – é um fato que deriva do próprio modelo constitucional desenhado pela Carta republicana de 1988, e não um exercício deliberado de vontade política. Já o ativismo judicial é uma atitude, uma opção, uma escolha de um modo específico e proativo de interpretar as normas constitucionais, com a expansão de seu sentido e alcance[30].  

A judicialização encontra, na experiência brasileira, três causas igualmente relevantes: (a) a redemocratização, que fortaleceu a cidadania, atribuindo a diversos segmentos sociais antes marginalizados um maior nível de informação e, portanto, consciência sobre seus direitos, que passaram a ser perseguidos, em maior escala, no Poder Judiciário; (b) o processo de constitucionalização do Direito, que incorporou ao texto constitucional inúmeras matérias que até então pertenciam ao campo da legislação ordinária (Legislativo) e das políticas públicas (Executivo); e por fim, (c) o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, que combina aspectos dos sistemas europeu (por ação direta) e americano (incidental), aliado à ampliação do direito de propositura, que antes era restrito ao Procurador-Geral da República.

A proteção e promoção dos direitos fundamentais exigem ações e omissões estatais. Relativamente aos direitos de primeira geração (as liberdades públicas), basta uma omissão estatal para assegurar a proteção ao bem da vida tutelado. Assim, por exemplo, a liberdade de expressão estará protegida desde que o Estado não lhe imponha restrições e censura abusivas. Já os direitos de segunda geração (direitos sociais) demandam uma atuação proativa do Estado, que deverá pensar e executar políticas públicas para atender as necessidades sociais básicas nas áreas de saúde, educação, transporte público, etc. Estas ações estatais envolvem decisões acerca do uso de recursos públicos.

As escolhas que o Estado faz em matéria de gastos públicos, todavia, não se restringem ao campo da política majoritária. Embora caiba ao Legislativo aprovar a lei orçamentária e ao Executivo elaborar e executar políticas públicas concretas para as mais variadas necessidades sociais, coube ao Judiciário, por força da constitucionalização abrangente impressa pela Carta republicana de 1988, a missão de fazer cumprir as finalidades e os propósitos constitucionais, sobretudo, quanto ao tema dos direitos fundamentais.

Não há dúvida que a Constituição, ao estabelecer direitos fundamentais com força normativa, fixou deveres ao Estado, cabendo ao Judiciário fazer valer esta vontade constitucional. Para tanto, em determinadas situações, deverá o Estado-Juiz interferir, com caráter imperativo, sobre a definição dos gastos públicos.

Nas palavras da professora Ana Paula de Barcellos:

“Se a Constituição contém normas nas quais estabeleceu fins públicos prioritários e, e se tais disposições são normas jurídicas, dotadas de superioridade hierárquica e de centralidade no sistema, não haveria sentido em concluir que a atividade de definição de políticas públicas – que irá, ou não, realizar esses fins – deve estar totalmente infensa ao controle jurídico. Em suma: não se trata da absorção do político pelo jurídico, mas apenas da limitação do primeiro pelo segundo”[31].

Portanto, não há dúvida de que a definição das políticas públicas, embora reservado em grande parte ao campo da política majoritária, sofre limitação jurídica geral decorrente do próprio Estado republicano e das opções políticas incorporadas expressamente ao texto constitucional por meio de valores, princípios e direitos fundamentais. Assim, o controle judicial das políticas públicas faz partes das regras próprias do Estado de Direito.

O limite que separa o dever constitucional imposto ao Judiciário e o abuso de poder é, todavia, muito tênue. Em outras palavras, delimitar com precisão até onde pode atuar o Judiciário sem violação à regra de separação dos Poderes é tarefa das mais difíceis.

Para superar estas dificuldades, a doutrina e a jurisprudência dos tribunais superiores, sobretudo do Supremo[32], têm um papel relevantíssimo na construção de uma dogmática jurídica aplicável à atuação judicial nessa área tão instável.

É preciso estabelecer parâmetros minimamente objetivos capazes de delimitar o território dentro do qual estará o Judiciário agindo no estrito cumprimento de sua missão institucional.

5.2.1 Os parâmetros de controle.

Há, basicamente, três categoriais de controle que legitimam e autorizam a interferência do Judiciário na realização das políticas públicas:

(a) parâmetro puramente objetivo (controle quantitativo), quando a própria Constituição fixa a quantidade de recursos mínimos a serem aplicados em uma determinada modalidade de política pública.

O art. 212 da CF/88[33], por exemplo, impõe a União aplicar, anualmente, não menos que 18% da receita resultante de impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino. Este mesmo artigo impõe a Estados e Municípios participação ainda maior, da ordem de 25%, incluindo as receitas de transferência.

Descumprida a previsão constitucional, ou seja, investido recursos aquém do mínimo indicado, caberá ao Judiciário, se provocado, impor sanções as mais diversas, a começar pela intervenção federal ou estadual, conforme o caso. Trata-se de interferência judicial legítima, para fazer cumprir a vontade constitucional.

(b) parâmetro finalístico (controle de fins), que se ocupa do resultado último da atuação estatal e trabalha com a ideia de prioridade, de preferência, ou seja, gastos públicos secundários não podem ser efetivados antes do atendimento integral das políticas públicas prioritárias.

No caso da educação, por exemplo, o ensino fundamental prefere ao ensino médio (o artigo 208 da CF/88[34] fala em progressiva universalização do ensino médio gratuito). Assim, não poderá o Estado investir no ensino médio antes de atingir a meta no fundamental, do contrário estará invertendo, ou alterando, a finalidade buscada pela Constituição, o que ensejará intervenção judicial legítima, não ofensiva à separação de Poderes.

(c) parâmetro da própria definição da política pública (controle de meios), que cuida de examinar se os meios eleitos pelo gestor público são eficientes para atingir a finalidade constitucional.

Haverá violação de meios se o Estado-Administrador, por exemplo, realizar despesas para a compra de carteiras escolares antes de realizar os gastos para a construção da própria escola.

Ainda que o ordenador de despesas tenha observado o parâmetro quantitativo (atingiu o mínimo de recursos) e o finalístico (cumpriu a meta constitucional em relação ao ensino fundamental), se realizar despesas desnecessárias ou ineficientes poderá responder perante o Judiciário, a quem caberá anular o ato e determinar o cumprimento da vontade constitucional.

Como adverte a professora BARCELLOS, “não se trata (...) de julgar entre eficiências maiores ou menores, nem de substituir a avaliação política da autoridade democraticamente eleita pela do juiz, mas apenas de eliminar as hipóteses de ineficiência comprovada”[35].

No estágio atual do constitucionalismo contemporâneo, é perfeitamente legítimo, e viável, o controle judicial da execução de políticas públicas como maneira de conformá-las à realização da vontade constitucional, vale dizer, como meio de “recolocar nos trilhos” a atividade administrativa que por ventura dela se tenha desgarrado, desde que respeitados certos limites, certos parâmetros, embrionariamente descritos em linhas passadas.

Também é possível afirmar a possibilidade de controle judicial na formulação de políticas públicas, este mitigado, restrito a casos excepcionais em que presente violação inequívoca do mínimo existencial.

Ao controlar a execução de políticas públicas, quase sempre, atua o Judiciário anulando um ato administrativo que tenha desrespeitado uma vontade constitucional. Já no controle da formulação de políticas públicas, o Estado-Juiz atua de maneira criativa, impondo ao Estado-Administrador a realização de uma despesa necessária à afirmação do mínimo existencial, respeitado, sempre, o princípio da reserva do possível[36].

5.3. O ativismo judicial.

A ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes.

Segundo BARROSO[37], a postura ativista manifesta-se por meio de diferentes condutas que incluem:

(a) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente previstas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário. Como exemplo, o professor cita o julgamento sobre fidelidade partidária: o STF, em nome do princípio democrático, decidiu que a vaga no Congresso pertence ao partido político, criando, assim, uma nova hipótese de perda de mandato parlamentar, além das que se encontram expressas no texto constitucional.

(b) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição. Cita-se o exemplo da decisão que julgou a verticalização das eleições: o STF decidiu pela inconstitucionalidade das novas regras sobre coligações eleitorais à eleição que se realizaria em menos de um ano. Para tanto declarou a inconstitucionalidade de uma emenda constitucional ao atribuir à regra da anterioridade da lei eleitoral o status de cláusula pétrea que ela não possui.

(c) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas. Aqui, vale citar o caso da distribuição de medicamentos não constantes das listas e rotinas do SUS por meio de decisão judicial.

Embora o ativismo revele um aspecto positivo relevantíssimo – o de impor a realização da vontade constitucional, a efetivação dos direitos fundamentais e a afirmação do mínimo existencial –, há uma face negativa também inquestionável. Ele escancara a crise de representatividade da política majoritária, revelando uma grave “patologia” democrática. O deslocamento da agenda decisória do Legislativo ao Judiciário tem muito a ver com o descrédito que, ano após ano, vem corroendo as bases de sustentação da política majoritária em nosso país.

Essa crise de representatividade, aliada à ineficiência do Legislativo (que não realiza as reformas necessárias, que trava pautas importantes para a nação por simples barganha política, etc.) acaba por criar uma atmosfera amplamente favorável – e até mesmo necessária ao cumprimento da Constituição – para o avanço da jurisdição constitucional em um ritmo nunca visto na história republicana do país.

O juiz tornou-se o principal garantidor dos direitos e também o responsável pela recuperação da identidade democrática, o último guardião de promessas tanto para o sujeito como para a comunidade política[38].

Essa crise institucional acaba por “justificar“, ainda que em bases embrionárias, o ativismo judicial em nosso país. Mas se esse fenômeno é uma patologia do sistema democrático, faz-se urgente a busca por um “remédio” capaz de curá-lo.

5.4. A teoria da coisa julgada inconstitucional.

Outro importante marco consequencial do neoconstitucionalismo na experiência brasileira revela-se na teoria da coisa julgada inconstitucional.

As características próprias do neoconstitucionalismo – sobretudo a centralidade que a Constituição ocupa no sistema jurídico, aliada a sua força normativa – imprimiram uma nova feição ao Direito Constitucional, promovendo um novo olhar do intérprete sobre velhos institutos, agora sob as lentes da Constituição, de seus valores e princípios fundamentais.

Essa nova hermenêutica jurídica, esse novo olhar sobre o papel e a função das normas constitucionais, explica, até certo ponto, a ascensão da teoria da coisa julgada inconstitucional no seio do constitucionalismo contemporâneo.

A teoria baseia-se no critério da ponderação de valores, entendendo que a coisa julgada, que revela um postulado de segurança jurídica, não prevalece, sempre e sob qualquer circunstância, sobre outros valores de mesma estatura constitucional.

Quando a decisão judicial transitada em julgado revelar-se violadora, por exemplo, da dignidade da pessoa humana ou do mínimo existencial – que assumem posição de destaque e centralidade no ordenamento jurídico, por enfeixarem em si o núcleo básico dos direitos fundamentais, fim e fundamento imediato da Constituição – a segurança jurídica que dela emana deve ceder, num juízo de ponderação, em homenagem a esses valores, constitucionalmente mais relevantes.

Da mesma forma que o ato administrativo e a lei, a decisão judicial, ainda que sob o amparo da coisa julgada, poderá ser declarada nula se ofensiva a algum valor jurídico fundamental, mesmo que ultrapassado o prazo da ação rescisória.

A teoria tem acertos e desacertos. Tomando carona na mesma crítica dirigida ao ativismo e à judicialização de políticas públicas, é preciso amadurecer o debate e fixar parâmetros seguros de atuação judicial. Em outras palavras, é necessário desenvolver a dogmática jurídica que lhe dará fundamento de validade e dotará o interprete de um mínimo de segurança na sua aplicação, sem o que se estará diante de aplicação casuísta, incompatível com a ciência jurídica.


6. O Neoprocessualismo.

6.1. Evolução do direito processual

A exata noção sobre o neoprocessualismo passa, sobretudo, pela compreensão não menos exata das diversas fases por que passou a ciência processual. Cada uma dessas fases expressa ideias mais ou menos consensuais, à época, mas que se tornaram anacrônicas à medida em que progrediram os estudos doutrinários e enriqueceu-se a experiência humana sobre o processo como instrumento muitas vezes necessário à consecução do direito material lesado.

O neoprocessualismo, já se pode adiantar, emerge da influência que o constitucionalismo contemporâneo – calcado na força normativa da Constituição e na ascensão de valores fundamentais que passam a ocupar o centro de todo o sistema normativo – exerceu e exerce sobre o processo civil. Trata-se de verdadeira constitucionalização da ciência processual, cuja instrumentalidade passa a ser interpretada à luz da axiologia constitucional.

A ciência processual pode ser subdividida em quatro fases, assim resumidas.

6.1.1 Sincretismo ou praxismo

Fase que se caracteriza pela ausência de autonomia entre o direito material e o direito processual. O processo era examinado apenas em seus aspectos práticos, sem maiores preocupações científicas. Existiam formas – não sistematizadas, que derivavam da experiência humana – para o exercício do direito, sob a condução pouco definida do juiz.

Para ADA GRINOVER:

“Até meados do século passado, o processo era considerado simples meio de exercício dos direitos (daí, direito adjetivo, expressão incompatível com a hoje reconhecida independência do direito processual). A ação era entendida como sendo o próprio direito subjetivo material que, uma vez lesado, adquiria forças para obter em juízo a reparação da lesão sofrida. Não se tinha consciência da autonomia da relação jurídica processual em face da relação jurídica de natureza substancial eventualmente ligando os sujeitos do processo. Nem se tinha noção do próprio direito processual como ramo autônomo do direito e, muito menos, elementos para a sua autonomia científica. Foi o longo período de sincretismo, que prevaleceu das origens até quando os alemães começaram a especular a natureza jurídica da ação no tempo moderno e acerca da própria natureza jurídica do processo”[39].

Nessa fase não havia uma verdadeira ciência do processo civil. Os conhecimentos eram puramente empíricos, sem qualquer referência a princípios, conceitos próprios ou método. O processo era vista apenas em sua realidade física exterior e perceptível aos sentidos, confundido com o mero procedimento. Tinha-se uma visão linear do ordenamento jurídico caracteriza pela confusão entre os planos material e processual.

A ação era o próprio direito material em movimento. Não se atentava para a existência da relação jurídica processual, distinta da relação de direito material. A jurisdição era vista como um sistema de tutela de direitos exercida com reduzida participação do juiz. A defesa baseava-se na concepção de simples acesso do réu ao processo, sem a noção de contraditório efetivo a cada ato processual.

A fase sincretista prevaleceu até meados do século XIX, quando foram desenvolvidos trabalhos a retratar a natureza jurídica da ação e do próprio processo.

6.1.2 Processualismo

Na segunda fase, chamada de processualismo, inicia-se o estudo do processo como direito autônomo, desvinculado do direito material. Por essa razão, alguns autores chamam esse período de fase autonomista. 

O processo passou por uma fase de formulação de institutos, categorias e conceitos, que lhe conferiram organicidade, convertendo o que antes era apenas “procedimento” em “sistema”. A sistematização dessas ideias conduziu à primeira afirmação do direito processual como ciência, que passou a dedicar-se a categorias jurídicas específicas: jurisdição, ação, defesa e processo.

Destacaram-se, nesta etapa, grandes juristas como Giuseppe Chiovenda, Francesco Carnelutti, Piero Calamandrei e Enrico Tullio Liebman, na Itália; Adolf Wach, James Goldschmidt e Oskar Von Büllow, na Alemanha; e Alfredo Buzaid e Lopes da Costa, no Brasil, todos defensores da autonomia científica do processo.

Sobre esta fase autonomista, defende a professora ADA GRINOVER:

“A segunda fase foi autonomista, ou conceitual, marcada pelas grandes construções científicas do direito processual. Foi durante esse período de praticamente um século que tiveram lugar as grandes teorias processuais, especialmente sobre a natureza jurídica da ação e do processo, as condições daquela e os pressupostos processuais, erigindo-se definitivamente uma ciência processual. A afirmação da autonomia científica do direito processual foi uma grande preocupação desse período, em que as grandes estruturas do sistema foram traçadas e os conceitos largamente discutidos e amadurecidos”[40].

6.1.3 Instrumentalismo

A terceira fase, também conhecida como de teleologia do processo, coincide com a tentativa de aproximação entre o direito material e o processual.

Os processualistas, desta fase, entendem necessário direcionar o processo para resultados substancialmente justos, superando o exagerado tecnicismo reinante até então.

O instrumentalismo processual instaura uma fase eminentemente crítica, capaz de olhar o processo a partir de uma perspectiva externa e prática e, com isso, identificar seus gargalos de eficiência, que impedem ou dificultam a prestação jurisdicional. “O processualista moderno sabe que, pelo aspecto técnico-dogmático, a sua ciência já atingiu níveis muito expressivos de desenvolvimento, mas o sistema continua falho na sua missão de produzir justiça entre os membros da sociedade. É preciso agora deslocar o ponto-de-vista e passar a ver o processo a partir de um ângulo externo, isto é, examiná-lo nos seus resultados práticos. Como tem sido dito, já não basta encarar o sistema do ponto-de-vista dos produtores do serviço processual (juízes, advogados, promotores de justiça): é preciso levar em conta o modo como os seus resultados chegam aos consumidores desse serviço, ou seja, à população destinatária”[41].

É uma fase em que se busca afirmar a efetividade do processo e a eficiência da prestação jurisdicional.

No Brasil, algumas reformas processuais assentaram-se, em grande medida, nesta visão instrumentalista do processo, que busca a efetividade e eficiência da prestação jurisdicional. Nesse contexto é que foram introduzidas em nosso ordenamento jurídico a antecipação de tutela (art. 273), a tutela inibitória (art. 461 e 84 do CDC), a execução específica das obrigações de fazer e de não fazer, a simplificação do processo de execução, a audiência prévia de conciliação e saneamento, as alterações na sistemática recursal (Leis 9.139/96 e 9.756/98), dentre tantas outras, tudo com o objetivo de tornar mais célere e eficiente a prestação jurisdicional na concretização do ideal de justiça.

6.1.4 Neoprocessualismo

O Neoprocessualismo nada mais é do que o reflexo do constitucionalismo contemporâneo sobre a ciência processual.

O ideário neoconstitucional inspirou, ainda que com certo atraso, os processualistas, que passaram a defender a releitura da ciência processual (em sua trilogia jurisdição/ação/processo) sob a ótica da Constituição, a fim de implementar um “modelo constitucional de processo”.      

É a fase de constitucionalização do direito processual, de intensa normatização “axiológica” do processo, o que impõe ao intérprete uma releitura dos velhos institutos processuais à luz dos princípios constitucionais e dos direitos fundamentais, centro de todo o ordenamento jurídico.

Nesta fase, confere-se especial relevo aos direitos fundamentais, como valores supremos protegidos no e pelo processo. E para não distanciar o processo da concretização dos direitos fundamentais exige-se do juiz uma postura mais ativa, e mesmo cooperativa, na condução do processo, sobretudo na investigação dos fatos.

O Neoprocessualismo tem por características básicas, dentre outras: (a) a forte influência do direito constitucional sobre o processo; (b) a efetividade dos princípios constitucionais processuais independentemente de previsão legal expressa; (c) a democratização do processo; (d) a visão publicista da relação processual; (e) a visão do processo como meio de efetivação dos direitos fundamentais; (f) a ascensão dos princípios da colaboração e da cooperação das partes e do juízo; e (g) o incremento dos poderes instrutórios do juiz na busca pela verdade real (que afirma os direitos fundamentais)[42].

Busca-se valorar a ética na aplicação do direito processual. Afirmam-se os marcos ideológicos do sistema processual, tornando-se consenso que o processo não é mero instrumento técnico a serviço da ordem jurídica, mas um poderoso instrumento ético destinado a servir à sociedade e ao Estado[43].

O processo, segundo a ótica neoprocessual, deve ser adequado à tutela efetiva dos direitos fundamentais, visto como o centro de todo o ordenamento jurídico.

6.1.5 O formalismo-valorativo

Para CARLOS ALBERTO ÁLVARO DE OLIVEIRA[44] e DANIEL MITIDIERO[45], a ciência processual avançou para uma quarta fase metodológica, evoluiu do instrumentalismo para o formalismo-valorativo, em que há o estreitamento das relações entre processo e Constituição. Segundo os autores, não há mais lugar para formalismos vazios, utilização de expedientes burocráticos, prática de artimanhas processuais pelas partes. O processo precisa ser interpretado com os óculos da Constituição, já que o processo existe para implementar os direitos fundamentais, razão pela qual não pode deixar de atender às garantias indispensáveis a um processo ética e socialmente justo.

O formalismo-valorativo propõe uma releitura da instrumentalidade do processo, que serve, ou deveria servir, a uma finalidade externa, não podendo ser concebido com um fim em si mesmo. O formalismo excessivo deve ser combatido sempre que se desvirtuar da sua finalidade essencial, de servir como instrumento para a realização da justiça, desde que respeitados os direitos fundamentais das partes e na ausência de prejuízo[46].

O formalismo-valorativo é uma corrente derivativa do Neoprocessualismo que busca combater o excesso de formalismo na ciência processual.

Para essa corrente, a rigidez excessiva e o recurso abusivo à instrumentalidade do processo não condizem com os valores constitucionais que iluminam a ciência processual.

Essa corrente defende que o formalismo no processo não é um fim em si mesmo, mas deve ser examinado à luz dos princípios éticos e dos direitos fundamentais que norteiam, por imposição constitucional, o processo.

Muitos exemplos explicitam o formalismo-valorativo como: a adoção do rito ordinário, em uma causa que deveria tramitar pelo rito sumário; a superação do prazo da ação rescisória, quando se tratar de vício transrescisório; a decisão que busca “salvar” o processo de ser extinto sem resolução de mérito, depois de realizada a instrução probatória; a decisão que admite denunciação da lide, mesmo em hipótese de garantia imprópria; a visualização da existência de interesse de agir, mesmo quando o autor ajuíza ação de conhecimento, muito embora disponha de título executivo extrajudicial; as raríssimas decisões do STJ que permitem à parte a regularização da representação processual após a interposição do recurso[47].

O formalismo-valorativo está amparado nos conceitos de lealdade e boa-fé, que se aplicam, indistintamente, a todos os sujeitos da relação processual, inclusive ao juiz, que deve se abster da prática de atos que impliquem violação desses bens jurídicos. E haverá violação à boa-fé objetiva e à lealdade processual quando não houver esforço efetivo do órgão jurisdicional para salvar o instrumento de vícios formais[48].

Há um caso emblemático, decidido pelo STJ com base no formalismo-valorativo, ainda que sem citá-lo expressamente. Nos autos do Recurso Especial 901.556/SP[49], a Corte Especial, sob a relatoria da Min. Nancy Andrigui, concluiu que deve ser aceito o recurso interposto via fax, sem as cópias dos documentos que o instruem, posteriormente apresentadas com os originais, já que não há previsão na Lei n° 9.800/99 de transmissão via fax de documentos, mas apenas das razões que amparam o recurso. Assim se decidiu, pois: (a) não houve prejuízo para a defesa do recorrido, que só será intimado para contrarrazoar após a juntada dos originais aos autos; (b) o recurso remetido via fax deverá indicar o rol dos documentos que o acompanham, sendo vedado ao recorrente fazer qualquer alteração ao juntar os originais; (c) evita-se um congestionamento no trabalho da secretaria dos gabinetes nos fóruns e tribunais, que terão de disponibilizar um funcionário para montar os autos do recurso, especialmente quando o recurso vier acompanhado de muitos documentos; (d) evita-se discussão de disparidade de documentos enviados, com documentos recebidos; (e) evita-se o congestionamento nos próprios aparelhos de fax disponíveis para recepção do protocolo; (f) é vedado ao intérprete da lei editada para facilitar o acesso ao Judiciário fixar restrições, criar obstáculos, eleger modos que dificultem sua aplicação.

As razões que inspiraram a decisão têm conteúdo formal-valorativo, uma das vertentes do Neoprocessualismo.

6.2. O Neoprocessualismo e as teorias modernas do direito de ação

6.2.1 Direito de ação como direito à tutela jurisdicional efetiva, adequada e tempestiva

As teorias modernas, influenciadas, sobretudo, pela constitucionalização dos direitos e garantias de natureza processual, vale dizer, sua incorporação gradativa ao rol dos direitos fundamentais, defendem que o direito de ação não se conforma com “qualquer” tutela jurisdicional, mas somente com a prestação jurisdicional efetiva, adequada e tempestiva.

Tutela jurisdicional efetiva é a que permite, ao menos em tese, a realização prática do direito material com um mínimo de segurança jurídica, mediante a observância do devido processo legal.

Tutela jurisdicional adequada é aquela que se molda ao direito substantivo reclamado.

Tutela jurisdicional tempestiva é não só a que se realiza em tempo razoável (duração razoável do processo) como a que disponibiliza mecanismos para tutelar situações de urgência, impedindo o perecimento do direito material e salvaguardando a utilidade do próprio processo.

Para o professor CASSIO SCARPINELLA:

“Não há mais espaço para entender o ‘direito de ação’, ou, simplesmente, a ‘ação’ como a mera ruptura da inércia da jurisdição, quando o tema é inserido em seu devido contexto, do ‘modelo constitucional do direito processual civil’. Muito mais do que isto, é importante entendê-lo e associá-lo com o próprio agir, durante todo o processo, para a obtenção da tutela jurisdicional e de seus efeitos concretos no plano material. O ‘direito de ação’, nestas condições, deve ser entendido como o direito subjetivo público exercitável contra o Estado-juiz ao longo de todo o processo como forma de garantir àquele que o exerce a prestação da tutela jurisdicional de acordo com um processo ‘devido’, assim entendido o processo em que se assegurem todos os direitos assegurados pelos princípios constitucionais do processo civil”.[50]

As teorias modernas, portanto, focam o direito de ação a partir do meio (o processo) e do fim (a sentença), agregando a um e outro uma série de “qualidades” informadas pelos direitos e garantias processuais alçados a condição de direitos fundamentais.

Todos esses direitos e garantias processuais de ordem constitucional podem ser enfeixados em um princípio-síntese: o devido processo legal.

6.2.2 Direito de ação como direito à efetiva satisfação do direito material reclamado.

As teorias modernas sobre o direito de ação agregam, ainda, uma outra particularidade: a de que a tutela jurisdicional deve ser plena, ou seja, não deve se esgotar simplesmente no reconhecimento do direito a uma das partes pela decisão de mérito, ainda que esta sobrevenha tempestivamente em processo pautado em todos os princípios processuais constitucionais. Isso porque nem sempre o comando contido na sentença se realiza de imediato, de modo a cumprir o que determina o direito material reconhecido pelo juiz.

O direito de ação é, também, um direito à execução. Ou seja, direito de ver assegurado, na prática e concretamente, o bem da vida perseguido em juízo.

Assim, para as teorias modernas, além de efetiva, adequada e tempestiva, a tutela jurisdicional precisa ser plena (o que inclui a sua concreção).

Não é difícil perceber que estas teorias modernas foram concebidas à luz dos preceitos do Neoconstitucionalismo, sobretudo da força normativa da Constituição e da centralidade que os valores e direitos fundamentais passam a ocupar no sistema jurídico: a tutela jurisdicional precisa ser efetiva, adequada, tempestiva e concreta porque os direitos fundamentais assim o exigem. Em outras palavras, “o devido processo legal” a que alude a Constituição, não se contenta com qualquer tutela jurisdicional, mas impõe ao processo comprometimento com os valores fundamentais da ordem jurídica, exigindo-lhe um resultado não apenas justo, mas que igualmente respeite os direitos fundamentais das partes.

É nesse contexto – de afirmação dos direito fundamentais no plano do processo – que nasce o Neoprocessualismo, calcado em valores como: a efetividade da tutela jurisdicional (eficiência e duração razoável do processo); a boa-fé e lealdade das partes e do órgão jurisdicional; a mitigação dos formalismos inúteis; a relação processual baseada na ética, dentre outros.                     


7. O Neoprocessualismo e o novo CPC

O Novo Código de Processo Civil tem inspiração neoprocessual. Ele consagra, de modo expresso, alguns princípios constitucionais de natureza processual, como a inafastabilidade da tutela jurisdicional (art. 3º), a razoável duração do processo (art. 4º e 8º), o contraditório e seus reflexos, como os princípios da cooperação e da participação (art. 5º, 8º, 9º e 10º), e a publicidade (art. 11).

Já no art. 1º do Novo Código revela sua inspiração neoprocessual ao ditar que o processo civil seja ordenado, disciplinado e interpretado com obediência aos valores e princípios fundamentais fixados na Constituição, verbis:

“Art. 1º. O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e os princípios fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código”.

A inspiração também se revela no art. 6º do projeto, que impõe ao magistrado o dever de observar, na aplicação da lei processual, os fins sociais a que ela se dirige e as exigências do bem comum, com respeito pleno aos princípios da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência.

Outra inspiração vem da opção por cláusulas gerais, de conteúdo aberto, que tornam a atuação jurisdicional muito mais criativa e fazem do juiz um coparticipe da vida política do país, tornando a sentença algo mais justo, mais efetivo, mais próximo da realidade desejada pela Constituição. Assim, é possível encontrar, no texto do Projeto, expressões como “prazo razoável” (art. 4º), “fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum” (art. 6º), “lealdade e boa-fé” (art. 66, II), medidas que considerar “adequadas” (art. 278), “lesão grave” e “risco de lesão grave e de difícil reparação” (artigos 278 e 283).

Também há nítida inspiração neoprocessual quando o Código positiva princípios constitucionais expressos e implícitos, buscando a concretização dos direitos fundamentais no plano processual. No art. 7º, por exemplo, afirma-se a isonomia material das partes no tratamento que devem receber em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz velar pelo efetivo contraditório em casos de hipossuficiência técnica.

Diante das peculiaridades do caso concreto, poderá o magistrado – por meio de decisão fundamentada e observado o contraditório – distribuir de modo diverso o ônus da prova, impondo-o à parte que estiver em melhores condições de produzi-la (art. 262). A adoção da teoria dinâmica de distribuição do ônus da prova (em contraponto a teoria estática consagrada no art. 333 do Código atual) representa tentativa de trazer, ao plano processual, a isonomia material tão pretendida pela Constituição e seu ideal democrático.

O art. 107, inciso V, permite ao juiz adequar as fases e os atos processuais às especificações do conflito, criando um modelo processual mais aberto, que acaba por conferir maior efetividade à tutela jurisdicional pretendida. Percebe-se, às claras, a opção que o Projeto fez por ampliar os poderes do juiz, criando um espírito de cooperação até então jamais imaginado.

Estes são apenas alguns exemplos de como o neoconstitucionalismo, em geral, e o neoprocessualismo, em particular, influenciaram a comissão de juristas responsável pelo Anteprojeto do Novo CPC.    


8. Conclusões   

Foi na segunda metade do século XX, sobretudo no pós-guerra, como uma reação natural aos regimes totalitários, que as constituições passaram a exercer um poder normativo efetivo, iniciando-se uma nova fase do constitucionalismo, chamado de constitucionalismo contemporâneo ou neoconstitucionalismo. O marco histórico desse processo foi a Lei Fundamental de Bonn, Constituição alemã de 1949, seguida pela instalação do Tribunal Constitucional Federal Alemão, em 1951, que produziu riquíssima jurisprudência e fomentou diversos trabalhos doutrinários que realocaram a Constituição no centro do sistema jurídico, atribuindo a seu texto um conteúdo normativo e axiológico até então jamais imaginado. No Brasil, o marco zero foi a Constituição de 1988, símbolo do processo de redemocratização iniciado com o fim da ditadura militar. Seu texto refletiu os anseios de liberdade, o ideal democrático, consolidou os direitos fundamentais como base do novo regime constitucional e estabeleceu uma série de ações programáticas (mas impositivas) a serem executadas pelo Estado na busca do bem-estar social.

O pós-positivismo apresenta-se como o marco filosófico do constitucionalismo contemporâneo, iniciado na Europa no pós-guerra. Trata-se de corrente jurídica que superou o legalismo estrito do Positivismo normativista, notabilizando-se (a) pela ascensão dos valores; (b) pelo reconhecimento da normatividade dos princípios; (c) pela essencialidade dos direitos fundamentais edificados sobre o conceito de dignidade da pessoa humana; e (d) pela reaproximação entre o Direito e a Ética.

O marco teórico do neoconstitucionalismo compreende uma série de transformações que (a) alçaram a Constituição ao epicentro do sistema jurídica, dotando-a de efetiva normatividade e superioridade sobre as demais normas jurídicas; (b) incorporaram às Constituições, de modo expresso, valores e opções políticas, expandindo a jurisdição constitucional; e (c) impuseram um novo paradigma de interpretação e aplicação das normas constitucionais.

O constitucionalismo contemporâneo notabilizou-se pela incorporação expressa, ao texto constitucional, de valores, até então adormecidos ou negligenciados pelo Estado, traduzidos em direitos fundamentais e sintetizados no postulado geral de dignidade do homem.

A dignidade do homem é a “síntese“ dos direitos fundamentais, tendo sido alçada ao centro do sistema jurídico na condição de postulado axiológico fundamental, como um processo natural de reação à política genocida do nazismo e do fascismo. Como síntese dos direitos fundamentais, o respeito à dignidade da pessoa humana centraliza, na sua essência, o mínimo existencial, que se compõe dos bens e valores mínimos indispensáveis à subsistência material e moral do indivíduo.

A expansão da jurisdição constitucional – impulsionada, sobretudo, pela incorporação expressa de valores e opções políticas aos textos constitucionais – promoveu um adensamento axiológico e, como efeito, potencializou os conflitos entre princípios de mesma hierarquia constitucional. Essa nova realidade exigiu dos operadores jurídicos, sobretudo das cortes constitucionais, o trabalho de revisitar as regras clássicas de interpretação, bem como de sistematizar novos padrões hermenêuticos, necessários e suficientes para solucionar essa nova categoria de conflitos.

A interpretação jurídica tradicional não foi abandonada. Mas, suas categorias foram revisitadas, em decorrência da centralidade que a Constituição passou a ocupar no novo sistema jurídico e de sua força normativa. Além dessa releitura, outras categorias hermenêuticas tiveram que ser construídas para dar resposta satisfatória aos conflitos axiológicos que se tornaram cada vez mais frequentes.

No modelo hermenêutico clássico, derivado do Positivismo jurídico, a resposta para os problemas está contida no próprio sistema jurídico e o intérprete desempenha uma função meramente subsuntiva, simples aplicação das normas ao fato social. Para esse modelo, a interpretação é uma operação neutra, desprovida de valoração subjetiva e liberta da influência de qualquer outro subsistema. Prevalecem as interpretações lógica, gramatical e histórica.

No modelo hermenêutico pós-positivista o intérprete torna-se coparticipe do processo de criação do Direito, ao atribuir carga valorativa para as cláusulas abertas e ao realizar escolhas dentre soluções normativas possíveis

Ao intérprete, segundo o novo modelo, já não cabe apenas aplicar o direito numa operação de simples subsunção; compete-lhe uma tarefa muito mais profunda, de integrar o trabalho do legislador, imprimindo, na solução encontrada, muito de seus valores e da sua experiência. O intérprete passa a trabalhar com outros modelos hermenêuticos, como a ponderação e a argumentação.

O Neoconstitucionalismo apresenta diversas consequências visíveis, das quais se destacam: (a) a constitucionalização do Direito; (b) a judicialização de políticas públicas; (c) o ativismo judicial; (d) a teoria da coisa julgada inconstitucional; e (e) o Neoprocessualismo (o formalismo valorativo).

No plano objetivo, o a constitucionalização do direito quer significar a constitucionalização de temas até então relegados à legislação infraconstitucional e a incorporação expressa de valores e princípios ao texto constitucional, todos dotados de normatividade efetiva.

No plano subjetivo, a constitucionalização do Direito significa uma mudança de padrão hermenêutico, uma nova postura do intérprete frente ao sistema jurídico. Essa mudança de postura que as Constituições contemporâneas passaram a exigir do intérprete recebeu o nome de filtragem constitucional, pelo qual toda a ordem jurídica precisa ser lida e apreendida sob as lentes da Constituição.

A judicialização de políticas públicas – pelo menos no contexto brasileiro – é um fato que deriva do próprio modelo constitucional desenhado pela Carta republicana de 1988, e não um exercício deliberado de vontade política. Já o ativismo judicial é uma atitude, uma opção, uma escolha de um modo específico e proativo de interpretar as normas constitucionais, com a expansão de seu sentido e alcance.

As escolhas que o Estado faz em matéria de gastos públicos não se restringem ao campo da política majoritária. Embora caiba ao Legislativo aprovar a lei orçamentária e ao Executivo elaborar e executar políticas públicas concretas para as mais variadas necessidades sociais, coube ao Judiciário, por força da constitucionalização abrangente impressa pela Carta republicana de 1988, a missão de fazer cumprir as finalidades e os propósitos constitucionais, sobretudo, quanto ao tema dos direitos fundamentais.

Não há dúvida que a Constituição, ao estabelecer direitos fundamentais com força normativa, fixou deveres ao Estado, cabendo ao Judiciário fazer valer esta vontade constitucional. Para tanto, em determinadas situações, deverá o Estado-Juiz interferir, com caráter imperativo, sobre a definição dos gastos públicos.

O limite que separa o dever constitucional imposto ao Judiciário e o abuso de poder é, todavia, muito tênue, sendo difícil delimitar com precisão até onde pode atuar o Judiciário sem violação à regra de separação dos Poderes.

É preciso, portanto, estabelecer parâmetros minimamente objetivos de controle judicial de políticas públicas capazes de delimitar o território dentro do qual estará o Judiciário agindo no estrito cumprimento de sua missão institucional.

Há, basicamente, três categoriais de controle que legitimam e autorizam a interferência do Judiciário na realização das políticas públicas: (a) parâmetro puramente objetivo (controle quantitativo), quando a própria Constituição fixa a quantidade de recursos mínimos a serem aplicados em uma determinada modalidade de política pública. Descumprida a previsão constitucional, ou seja, investido recursos aquém do mínimo indicado, caberá ao Judiciário, se provocado, impor sanções as mais diversas, a começar pela intervenção federal ou estadual, conforme o caso; (b) parâmetro finalístico (controle de fins), que se ocupa do resultado último da atuação estatal e trabalha com a ideia de prioridade, de preferência, ou seja, gastos públicos secundários não podem ser efetivados antes do atendimento integral das políticas públicas prioritárias; e (c) parâmetro da própria definição da política pública (controle de meios), que cuida de examinar se os meios eleitos pelo gestor público são eficientes para atingir a finalidade constitucional.

A nova hermenêutica jurídica, esse novo olhar sobre o papel e a função das normas constitucionais, explica também, até certo ponto, a ascensão da teoria da coisa julgada inconstitucional, que se baseia no critério da ponderação de valores, entendendo que a coisa julgada, que revela um postulado de segurança jurídica, não prevalece, sempre e sob qualquer circunstância, sobre outros valores de mesma estatura constitucional.

Já o Neoprocessualismo emerge da influência que o constitucionalismo contemporâneo exerceu e exerce sobre o processo civil. Trata-se de verdadeira constitucionalização da ciência processual, cuja instrumentalidade passa a ser interpretada à luz da axiologia constitucional.

O ideário neoconstitucional inspirou, ainda que com certo atraso, os processualistas, que passaram a defender a releitura da ciência processual (em sua trilogia jurisdição/ação/processo) sob a ótica da Constituição, a fim de implementar um “modelo constitucional de processo”.     

Nesta fase, confere-se especial relevo aos direitos fundamentais, como valores supremos protegidos no e pelo processo. E para não distanciar o processo da concretização dos direitos fundamentais exige-se do juiz uma postura mais ativa, e mesmo cooperativa, na condução do processo, sobretudo na investigação dos fatos.

O Neoprocessualismo tem por características básicas, dentre outras: (a) a forte influência do direito constitucional sobre o processo; (b) a efetividade dos princípios constitucionais processuais independentemente de previsão legal expressa; (c) a democratização do processo; (d) a visão publicista da relação processual; (e) a visão do processo como meio de efetivação dos direitos fundamentais; (f) a ascensão dos princípios da colaboração e da cooperação das partes e do juízo; e (g) o incremento dos poderes instrutórios do juiz na busca pela verdade real (que afirma os direitos fundamentais).

O formalismo-valorativo é uma corrente derivativa do Neoprocessualismo que busca combater o excesso de formalismo na ciência processual. Ela propõe uma releitura da instrumentalidade do processo, que serve, ou deveria servir, a uma finalidade externa, não podendo ser concebido com um fim em si mesmo. O formalismo excessivo deve ser combatido sempre que se desvirtuar da sua finalidade essencial, de servir como instrumento para a realização da justiça, desde que respeitados os direitos fundamentais das partes e na ausência de prejuízo.

O projeto do Novo Código de Processo Civil tem inspiração neoprocessual. Ele consagra, de modo expresso, alguns princípios constitucionais de natureza processual, como a inafastabilidade da tutela jurisdicional (art. 3º), a razoável duração do processo (art. 4º e 8º), o contraditório e seus reflexos, como os princípios da cooperação e da participação (art. 5º, 8º, 9º e 10º), e a publicidade (art. 11).

Já no art. 1º, o projeto do Novo Código revela sua inspiração neoprocessual ao ditar que o processo civil seja ordenado, disciplinado e interpretado com obediência aos valores e princípios fundamentais fixados na Constituição.

A inspiração também se revela no art. 6º do projeto, que impõe ao magistrado o dever de observar, na aplicação da lei processual, os fins sociais a que ela se dirige e as exigências do bem comum, com respeito pleno aos princípios da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência.

Outra inspiração vem da opção por cláusulas gerais, de conteúdo aberto, que tornam a atuação jurisdicional muito mais criativa e fazem do juiz um coparticipe da vida política do país, tornando a sentença algo mais justo, mais efetivo, mais próximo da realidade desejada pela Constituição.

Estas são apenas algumas das inspirações da filosofia neoprocessual sobre o projeto do novo CPC. Se estas alterações vão representar ganhos reais de eficiência e vão permitir um maior respeito aos direitos fundamentais no plano processual, só o tempo e a experiência jurídica poderão dizer.    


Notas

[2] BARROSO, Luis Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 355-356.

[3] TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional, Financeiro e Tributário: Valores e Princípios Constitucionais Tributários, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 41.

[4] PEDRA, Anderson Sant’ Ana. A constitucionalização do direito e o controle do mérito do ato administrativo pelo Judiciário. In: Agra, Walber de Moura et al (org.). Constitucionalismo: os desafios no terceiro milênio. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 41-42.

[5] Sobre o tema, v. ENGISH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico, 1983, p. 27 e SS.; BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico, 1997, PP. 21 e 22; e LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito, 1969, p. 214.

[6] Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade:

I - o Presidente da República;

II - a Mesa do Senado Federal;

III - a Mesa da Câmara dos Deputados;

IV - a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;

V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal;

VI - o Procurador-Geral da República;

VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;

VIII - partido político com representação no Congresso Nacional;

IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

§ 1º. O Procurador-Geral da República deverá ser previamente ouvido nas ações de inconstitucionalidade e em todos os processos de competência do Supremo Tribunal Federal.

§ 2º. Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.

§ 3º. Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará, previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto impugnado.

[7] BARCELLOS, Ana Paula. Neoconstitucionalismo, Direitos Fundamentais e Controle das Políticas Públicas, p. 5. Disponível em:

http://www.direitopublico.com.br/pdf_seguro/artigo_controle_pol_ticas_p_blicas_.pdf.

[8] BALERA, Wagner. A dignidade da pessoa e o mínimo existencial. In: IRANDA, Jorge; SILVA, M. A. Marques da (Coord.). Tratado Luso-Brasileiro da dignidade humana. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 127.

[9] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 25ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 146.

[10] Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

[11] SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e Relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 110.

[12] O Supremo Tribunal Federal, em algumas oportunidades, afirmou o princípio como postulado axiológico fundamental, ocupando posição de destaque e centralidade no sistema jurídico, verbis:

“A duração prolongada, abusiva e irrazoável da prisão cautelar de alguém ofende, de modo frontal, o postulado da dignidade da pessoa humana, que representaconsiderada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) – significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo”. (HC 85.237, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 17-3-2005, Plenário, DJ de 29-4-2005)

No mesmo sentido: HC 95.634, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 2-6-2009, 2ª Turma, DJE de 19-6-2009; HC 95.492, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 10-3-2009, 2ª Turma, DJE de 8-5-2009.

[13] BARROSO, Luis Roberto. Op. Cit. p. 252.

[14] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 60.

[15] BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito: o trinfo tardio do Direito Constitucional no Brasil, p. 11. Disponível em: http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/themes/LRB/pdf/neoconstitucionalismo_e_constitucionalizacao_do_direito_pt.pdf. Acesso em: 04 fev. 2015.

[16] BARROSO, Luís Roberto. Ibid., p, 12.

[17] BARROSO, Luís Roberto. Id.

[18] BARCELLOS, Ana Paula. Op. Cit. p. 6.

[19] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais, tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 93.

[20] Ibid., p. 94.

[21] Ibid., p. 95.

[22] Ibid., p. 97.

[23] Ibid., p. 99 a 103.

[24] BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo..., p. 15.

[25] N. Irti. L´etá della decodificzione, 1989, apud BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo..., p. 23.

[26] BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo..., p. 27.

[27] BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo..., p. 28.

[28] Propriamente, não há revogação quando as normas são anteriores à Constituição; trata-se, em verdade, do fenômeno da recepção constitucional, realidade aproximada à revogação, mas distinta.

[29] BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática, p. 6. Disponível em: http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1235066670174218181901.pdf.

[30] Id.

[31] Op. Cit. p. 14.

[32] Registra-se a valiosa contribuição dada pelo Supremo no julgamento da ADPF n.º 45 MC/DF, da relatoria do Min. Celso de Mello, que assim teorizou sobre a judicialização de políticas públicas:

“Tal incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático.

Cabe assinalar, presente esse contexto – consoante já proclamou esta Suprema Corte – que o caráter programático das regras inscritas no texto da Carta Política “não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado” (RTJ 175/1212-1213, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

(...)

A meta central das Constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode ser resumida, como já exposto, na promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condições de sua própria dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos individuais, condições materiais mínimas de existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo existencial), estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de atingi-los é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em que outros projetos se deverá investir. O mínimo existencial, como se vê, associado ao estabelecimento de prioridades orçamentárias, é capaz de conviver produtivamente com a reserva do possível.

(...)

Não obstante a formulação e a execução de políticas públicas dependam de opções políticas a cargo daqueles que, por delegação popular, receberam investidura em mandato eletivo, cumpre reconhecer que não se revela absoluta, nesse domínio, a liberdade de conformação do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo.

É que, se tais Poderes do Estado agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara intenção de neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais, econômicos e culturais, afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível consubstanciador de um conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e essenciais à própria sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar-se-á, como precedentemente já enfatizado - e até mesmo por razões fundadas em um imperativo ético-jurídico -, a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado”.

[33] “Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino”.

[34] “Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: II – progressiva universalização do ensino médio gratuito”.

[35] Op. Cit. p. 24.

[36] Vale a pena, referir, mais uma vez, agora sobre o tema da reserva do possível, o que afirmou o Min. Celso de Mello no julgamento da ADPF 45 MC/DF, verbis:

“É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização – depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política.

Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese – mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa – criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência.

Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da “reserva do possível” – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.

(...)

Vê-se, pois, que os condicionamentos impostos, pela cláusula da “reserva do possível”, ao processo de concretização dos direitos de segunda geração - de implantação sempre onerosa -, traduzem-se em um binômio que compreende, de um lado, (1) a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público e, de outro, (2) a existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as prestações positivas dele reclamadas.

Desnecessário acentuar-se, considerado o encargo governamental de tornar efetiva a aplicação dos direitos econômicos, sociais e culturais, que os elementos componentes do mencionado binômio (razoabilidade da pretensão + disponibilidade financeira do Estado) devem configurar-se de modo afirmativo e em situação de cumulativa ocorrência, pois, ausente qualquer desses elementos, descaracterizar-se-á a possibilidade estatal de realização prática de tais direitos”.

[37] BARROSO, Luís Roberto. Judicialização..., p. 6.

[38] Oliveira, Maria Lúcia de Paula. O Neoconstitucionalismo, A Teoria da Justiça e o Julgamento. In Neoconstitucionalismo. Obra coordenada por Regina Quaresma, Maria Lúcia de Paula Oliveira e Farlei Martins Riccio de Oliveira. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1º ed., 2009, p. 226.

[39] CINTRA, Antonio Carlos A.; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Candido Rangel. Teoria Geral do Processo. 21ª ed., São Paulo: Malheiros, 2004, p. 44.

[40] Id.

[41] Ibid. p. 45.

[42] CAMBI, Eduardo. “Neoconstitucionalismo e Neoprocessualismo”, in FUX, Luiz; NERY JÚNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Processo e Constituição: estudos em homenagem ao professor José Carlos Barbosa Moreira. São Paulo: RT, 2006, 662-683.

[43] GRINOVER, ADA. Op. Cit. p. 46.

[44] OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro. Do Formalismo no Processo Civil. 4ª ed., São Paulo: Saraiva, 2010.

[45] MITIDIERO, Daniel Francisco. Colaboração no Processo Civil. São Paulo: RT, 2009.

[46] Esta visão – do formalismo-valorativo – inspirou o STJ, por exemplo, a afirmar que não há nulidade pela ausência de manifestação do MP em feito que atua incapaz, desde que não haja prejuízo: STJ, 2ª Turma, REsp 818.978/ES, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 9/8/2011.

[47] OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro. O formalismo valorativo no confronto com o formalismo excessivo, In: Revista Forense, vol. 388, pp. 26-28.

[48] LOURENÇO, Haroldo. O Neoprocessualismo, o formalismo-valorativo e suas influências no novo CPC. Disponível em: http://www.temasatuaisprocessocivil.com.br/edicoes-anteriores/55-volume-2-n-2-fevereiro-de-2012/175-o-neoprocessualismo-o-formalismo-valorativo-e-suas-influencias-no-novo-cpc. Acessado em 1/02/2015.

[49] “A Lei 9.800/99 não disciplina nem o dever nem a faculdade do advogado, ao usar o protocolo via fac-simile, transmitir, além da petição de razões do recurso, cópia dos documentos que o instruem.

Por isso a aplicação da nova lei exige interpretação que deve ser orientada pelas diretrizes que levaram o legislador a editá-la, agregando-lhe os princípios gerais do direito.

Observados os motivos e a finalidade da referida lei, que devem ser preservados acima de tudo, apontam-se as seguintes razões que justificam a desnecessidade da petição do recurso vir acompanhada de todos os documentos, que chegarão ao Tribunal na forma original: primeiro, não há prejuízo para a defesa do recorrido, porque só será intimado para contra-arrazoar após a juntada dos originais aos autos; segundo, o recurso remetido por fac-simile deverá indicar o rol dos documentos que o acompanham e é vedado ao recorrente fazer qualquer alteração ao juntar os originais; terceiro, evita-se um congestionamento no trabalho da secretaria dos gabinetes nos fóruns e tribunais, que terão de disponibilizar um funcionário para montar os autos do recurso, especialmente quando o recurso vier acompanhado de muitos documentos; quarto, evita-se discussão de disparidade de documentos enviados, com documentos recebidos; quinto, evita-se o congestionamento nos próprios aparelhos de fax disponíveis para recepção do protocolo; sexto e principal argumento: é vedado ao intérprete da lei editada para facilitar o acesso ao Judiciário, fixar restrições, criar obstáculos, eleger modos que dificultem sua aplicação. Recurso conhecido e provido”. (REsp 901.556/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em 21/05/2008, DJe 03/11/2008)

[50] BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2007, vol. 1, p. 334.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEIRA, Marcos. O Neoconstitucionalismo e sua influência sobre a ciência processual: algumas reflexões sobre o neoprocessualismo e o projeto do novo Código de Processo Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4278, 19 mar. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/36710. Acesso em: 6 maio 2024.