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A prescrição intercorrente no processo de execução e a novidade apresentada pela Lei nº 13.105/2015

A prescrição intercorrente no processo de execução e a novidade apresentada pela Lei nº 13.105/2015

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A aplicação da prescrição intercorrente na execução é medida necessária para a consecução de resultados efetivos no processo.

SUMÁRIO: Resumo. 1. Introdução. 2. Prescrição. 3. Prescrição intercorrente. 4. 4 Processo de execução. 4.1 Conceito. 4.2. 4.2 Da suspensão da execução pelo art. 791, inciso III, do atual Código de Processo Civil e a prescrição intercorrente 5. Ofensa aos princípios constitucionais. 6. Novidade apresentada pelo novo CPC. 7. Problemática a ser resolvida. 8. Conclusão. 9. Referências.

RESUMO: O presente trabalho aborda de forma clara e objetiva o fenômeno da prescrição intercorrente sob os aspectos do atual Código de Processo Civil e o problema com a eternização das execuções face à suspensão "sine die", bem como apresenta a novidade abordada pelo novo Código de Processo Civil que, visando pôr fim às demandas de caráter perpétuo, solucionou a problemática, restando, porém, alguns pontos a ser discutidos pelos juristas.  Procura-se evidenciar a importância da prescrição intercorrente nas execuções de direito privado, objetivando coibir execuções "ad aeternum" e, ao mesmo tempo, utilizar-se de princípios constitucionais como, a duração razoável do processo e a segurança jurídica, para que se tenha uma prestação jurisdicional célere e efetiva com a consequente credibilidade do poder judiciário. Dessa forma, este estudo objetiva discorrer sobre a aplicação da prescrição intercorrente no processo de execução quando suspenso por ausência de bens passíveis de penhora. O referido estudo embasou-se em uma análise descritiva com abordagem qualitativa, por meio da pesquisa bibliográfica em fontes primárias, doutrinas e jurisprudências. Assim, evidencia-se que a prescrição intercorrente é medida que se impõe para evitar a existência de execuções imprescritíveis, vez que a suspensão indefinida do processo acarreta na perpetuidade das execuções e afrontam preceitos fundamentais previstos na Constituição. A propósito, tem-se que não prestigia a harmonia do sistema a eternização da ação executória.


1 INTRODUÇÃO

O presente estudo abordará uma questão bastante controvertida no sistema jurídico brasileiro: a prescrição intercorrente no processo de execução.

Desta sorte, importa salientar que o tempo é um fato jurídico que se faz presente na vida social, bem assim nas relações jurídicas e implica em aquisição, modificação ou perda de direitos.

Sob diversos aspectos, o direito atenta ao requisito temporal. Com o decurso do tempo, há a aquisição de direitos (prescrição aquisitiva), como também a extinção da pretensão jurídica (prescrição extintiva).

Nesse contexto, a prescrição intercorrente é um típico exemplo de esvaziamento da pretensão pelo decurso do tempo.

A primeira questão a ser tratada no artigo discorre sobre a eternização das execuções de direito privado ante a inaplicabilidade da prescrição intercorrente quando suspensa a execução pelo art. 791, III, do atual Código de Processo Civil, vez que não há amparo legal acerca da limitação temporal da suspensão. Essa questão foi solucionada com o advento do novo código processual (Lei nº 13.105/2015).

Em seguida, será abordado o problema da movimentação processual sem efetividade, questão controvertida e ainda não sanada pelo novo Código de Processo Civil, restando ser discutido pelos atores do direito se há ou não a fluência do prazo prescricional nesse período.

Ademais, levando-se em consideração a ideia central do novo Código de Processo Civil de simplificar os processos a fim de torná-los mais céleres e efetivos, verifica-se que a aplicação da prescrição intercorrente no processo de execução é medida necessária para a consecução de resultados efetivos no processo, visando, com isso, acabar com as execuções imprescritíveis e sem qualquer efetividade que abarrotam o judiciário.

Dessa forma, este estudo discorrerá sobre a aplicação da prescrição intercorrente no processo de execução quando suspenso por ausência de bens passíveis de penhora.

O referido estudo embasa-se em uma análise descritiva com abordagem qualitativa, por meio da pesquisa bibliográfica em fontes primárias, doutrinas e jurisprudências.

Nesse sentido, evidencia-se que a prescrição intercorrente é medida que se impõe visando pôr fim às execuções de caráter perpétuo, vez que a suspensão indefinida do processo acarreta na perpetuidade das execuções e afronta preceitos fundamentais previstos na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.


2 PRESCRIÇÃO

O tempo é um fator de grande relevância para o Direito e está intimamente relacionado ao instituto da prescrição. Segundo Venosa (2012, p. 547) "se a possibilidade de exercício dos direito fosse indefinida no tempo, haveria instabilidade social".

A prescrição, do latim "praescriptio", originou-se no Direito Romano com o objetivo de delimitar o tempo em que as ações poderiam ser propostas, visto que naquela época vigorava a perpetuidade das ações. Atualmente, o instituto da prescrição encontra respaldo jurídico nos artigos 189 a 206 do Código Civil.

Importante ressaltar que não é pacífico na doutrina se os efeitos da prescrição atingem a pretensão, a ação ou o próprio direito. Porém, o posicionamento consentâneo com o direito contemporâneo é de que a prescrição esvazia a eficácia da pretensão.

Nesse sentido, Elpídio Donizetti e Felipe Quintela (2014, p. 180), ao escrever sobre o tema, mencionam que "a prescrição pode ser conceituada, destarte, como ato-fato jurídico, consubstanciado na inércia do titular de um direito subjetivo por um certo lapso de tempo definido em lei, cuja consequência jurídica é o esvaziamento da eficácia da pretensão".

Sobre o debate, Adilson Fernandes Braga Junior aduz que:

“O problema encontrado nos conceitos mais clássicos é a polêmica que se tem quando afirmam que a prescrição ataca diretamente a ação, que a ação está prescrita ou que a ação extingue-se por prescrição. Por isso, o novo Código Civil de 2002, coordenado pelo ilustríssimo jurista Miguel Reale, adotou o vocábulo "pretensão" (do alemão anspruch), para indicar claramente que a prescrição não ataca o direito subjetivo público abstrato da ação, tutelado constitucionalmente como direito fundamental no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição da República Federativa do Brasil”. (BRAGA JUNIOR, 2013, p. 2).

Dessa forma, verifica-se que o instituto da prescrição atinge diretamente a pretensão e não a ação ou o direito, sendo este o posicionamento doutrinário mais condizente com a lei processual contemporânea.

Nesse compasso, o Código Civil, ao legislar sobre o tema, introduziu no artigo 189 o vocábulo "pretensão" visando sanar a polêmica.

Sobre o assunto, merece transcrição a lição de Caio Mário da Silva Pereira:

“Para conceituar a prescrição, o Código partiu da ideia de pretensão. Foi a dogmática alemã que lhe deu origem. O titular de um direito subjetivo recebe da ordem jurídica o poder de exercê-lo, e normalmente o exerce, sem obstáculo ou oposição de quem quer. Se, entretanto, num dado momento, ocorre a sua violação por outrem, nasce para o titular uma pretensão exigível judicialmente – Anspruch. O sujeito não conserva indefinidamente a faculdade de intentar um procedimento judicial defensivo de seu direito. A lei, ao mesmo tempo em que o reconhece, estabelece que a pretensão deve ser exigida em determinado prazo, sob pena de perecer. Pela prescrição, extingue-se a pretensão, nos prazos que a lei estabelece (art. 189 do Código de 2002)”. (PEREIRA, 2008, p. 682).

Ademais, a prescrição ainda é matéria tormentosa. Muito se fala que a prescrição é um instituto que protege os inadimplentes, inclusive os que agem de má-fé. Contudo, não é essa a função jurídica da prescrição. O verdadeiro fundamento jurídico desse instituto está voltado para o âmbito social, com a finalidade de proporcionar tranquilidade, estabilidade e segurança às relações jurídicas.

Nesse compasso, Thiago Moreto Fiori, citando as lições de Silvio Rodrigues, nos lembra que:

“Existem ainda os que justificam o fundamento da prescrição no anseio da sociedade em não permitir que demandas fiquem indefinidamente em aberto, evitando sejam propostas ações reclamando direitos, cuja prova de sua Constituição se perdeu no tempo. [...] Sem o instituto da prescrição o indivíduo deveria manter-se em estado de intranquila atenção, receando sempre uma demanda fundada em relações pretéritas, cujos títulos se perderam e cuja lembrança se foi”. (FIORI, 2014, p. 20).

Câmara Leal, ao escrever sobre o tema, elencou os seguintes fundamentos jurídicos da prescrição:

“O interesse público, a estabilização do direito e o castigo à negligência; representando o primeiro o motivo inspirador da prescrição; o segundo, a sua finalidade objetiva; o terceiro, o meio repressivo de sua realização.  Causa, fim e meio, trilogia fundamental de toda instituição, devem constituir o fundamento jurídico da prescrição”. (LEAL, 1982, p. 16).

Caio Mário da Silva Pereira (2008, p. 684), ao citar os ensinamentos de Carpenter, afirma que "há um interesse de ordem pública no afastamento das incertezas em torno da existência e eficácia dos direitos, e este interesse justifica o instituto da prescrição".

Silvio de Salvo Venosa (2012, p. 551), elenca quatro requisitos para que se consume a prescrição, quais sejam: "a) existência de ação exercitável; b) inércia do titular da ação pelo seu não exercício; c) continuidade dessa inércia por certo tempo; e d) ausência de fato ou ato impeditivo, suspensivo ou interruptivo do curso da prescrição".

Insta mencionar que os requisitos elementares e mais destacados nas doutrinas clássicas são a inércia do titular e o transcurso do tempo.

Conforme exposto acima, o decurso do tempo possui influência substancial na aquisição e extinção de direitos. Dessa feita, distinguem-se duas espécies de prescrição, uma com força extintiva e outra com força aquisitiva.

Nas palavras de Silvio Rodrigues:

“De um lado, o legislador vai deferir, à pessoa que desfruta de um direito por extenso período de tempo, a prerrogativa de incorporá-lo ao seu patrimônio; neste caso, temos a prescrição aquisitiva, ou seja, o usucapião. De outro, vai determinar que o indivíduo que longamente deixou de exercer uma ação que resguardava um seu direito subjetivo perca a prerrogativa de utilizá-la; nesta hipótese, temos a prescrição extintiva. Num e noutro caso encontramos o elemento tempo a interferir na esfera das relações individuais, quer corroborando para se constituir um direito, que operando para eliminar a ação que defendia uma prerrogativa”. (RODRIGUES, 2007, p. 323-324).

O presente estudo, tendo em vista abordar a modalidade prescrição intercorrente, dará maior ênfase à forma de prescrição extintiva.


3 PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE

A prescrição na modalidade intercorrente possui caráter endoprocessual, isto é, aquela que se opera durante o trâmite processual ante a inércia injustificada da parte autora por determinado período de tempo.

Para Carlos Roberto Gonçalves (2012, p. 473) "configura-se a prescrição intercorrente quando o autor de processo já iniciado permanece inerte, de forma continuada e ininterrupta, durante lapso temporal suficiente para a perda da pretensão".

Merecem destaque as palavras de José Manoel Arruda Alvim:

“A chamada prescrição intercorrente é aquela relacionada com o desaparecimento da proteção ativa, no curso do processo, ao possível direito material postulado, expressado na pretensão deduzida; quer dizer, é aquela que se verifica pela inércia continuada e ininterrupta no curso do processo por seguimento temporal superior àquele em que ocorre a prescrição em dada hipótese’. (ALVIM, 2006, p. 34).

Tem-se que o tempo e a inércia são requisitos essenciais à prescrição, inclusive à modalidade intercorrente. Logo, havendo injustificada paralisação do feito durante certo lapso de tempo, incidirá prescrição intercorrente, com a consequente perda da pretensão. A propósito, cito o brocardo latino "dormientibus non sucurrit ius", ou seja, o direito não socorre aos que dormem.

Para Gamaliel Seme Scaff (2009, p. 4), ilustre Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, a prescrição intercorrente objetiva impedir a existência de execuções eternas e imprescritíveis, afirmando que "este é o verdadeiro escopo da prescrição intercorrente: fazer cessar esse efeito odioso de uma sanção que nunca cessa. Uma sanção perpétua. Um processo que nunca acabe".

Medina e Caldas (2014, p. 239) mencionam que, tanto no Código Civil, quanto no Código de Processo Civil, "a prescrição intercorrente está ligada a uma atitude de inércia do credor, que pode, mas não toma as medidas adequadas para a defesa do seu interesse".

Para que se consume a prescrição intercorrente, deverá haver a paralisação injustificada da execução por determinado tempo. Esse tempo equivale ao prazo prescricional da pretensão embasada no título executivo. Nesse sentido, enunciado nº 150 da súmula da jurisprudência do STF: "Prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação".

À guisa de ilustração, se a execução é lastreada por uma duplicata, cujo prazo prescricional é de três anos, paralisada esta execução injustificadamente por período igual ou superior a três anos, consumar-se-á a prescrição intercorrente.

Essa modalidade de prescrição foi implicitamente amparada no parágrafo único do artigo 202 do Código Civil, que assim dispõe: "A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo para a interromper".

Por se tratar a prescrição de assunto de direito material, o atual Código processual não a disciplina. Contudo, o novo Código de Processo Civil, visando tornar os processos mais simples, céleres e efetivos, introduziu a matéria nos artigos 921, parágrafos 4º e 5º e 924, inciso V.

Urge destacar que a expressão intercorrente foi inaugurada com a introdução do § 4º do artigo 40 da Lei de Execução Fiscal (Lei nº 6.830/90).

Dessa feita, a prescrição intercorrente objetiva manter preservada a finalidade do instituto em questão, qual seja, coibir a perpetuação dos litígios, garantindo, consequentemente, estabilidade às relações jurídicas.


4 PROCESSO DE EXECUÇÃO

4.1 Conceito

Considerando a abordagem do tema do presente artigo, faz-se necessária uma breve explanação sobre o processo de execução.

Sabe-se que o processo é uma sucessão de atos que visam um final conclusivo e efetivo. Seguindo o mesmo raciocínio, o processo de execução se constitui de uma sequência encadeada de atos tendentes à satisfação de uma obrigação. Os atos processuais realizados no processo de execução atingem diretamente o patrimônio do devedor.

Dinamarco conceitua a execução como:

“Cadeia de atos de atuação da vontade sancionatória, ou seja, conjunto de atos estatais através de que, com ou sem o concurso da vontade do devedor (e até contra ela), invade-se seu patrimônio para, à custa dele, realizar-se o resultado prático desejado concretamente pelo direito objetivo material”. (DINAMARCO, 1998, p. 115).

Outrossim, as execuções serão classificadas de acordo com a origem do título executivo. Dessa forma, classificam-se em execuções de títulos judiciais ou de títulos extrajudiciais.

A execução de título judicial decorre de um processo de conhecimento e, portanto, constitui-se fase processual. Já a execução de título extrajudicial, pressupõe um processo autônomo fundado em um título com eficácia executiva conferida por lei.

Nas palavras de Marcus Vinicius Rios Gonçalves:

“A execução por título judicial (cumprimento de sentença) constitui apenas uma fase de um processo maior, e é sempre precedida de atividade cognitiva; a por título extrajudicial implica sempre a formação de um processo autônomo, e pressupõe um documento a que a lei tenha atribuído eficácia executiva”. (GONÇALVES, 2012, p. 32).

Merecem destaque as palavras de Humberto Theodoro Junior:

“A atividade jurissatisfativa pode acontecer como incidente complementar do processo de acertamento, dentro, portanto, da mesma relação processual em que se alcançou a sentença condenatória, ou como objeto principal do processo de execução, reservado este para os títulos extrajudiciais, que, para chegar ao provimento de satisfação do direito do credor titular da ação executiva, prescinde do prévio acertamento em sentença”. (THEODORO JUNIOR, 2014, p. 203).

Por fim, Araken de Assis (2007, p. 140) ao lecionar sobre o assunto, dispõe que são dois os requisitos necessários para realizar qualquer execução, sendo eles o inadimplemento e o título. Afirma, ainda, que esses requisitos correspondem aos pressupostos prático e legal da função executiva.

Liebman, citado por Araken de Assis ensina que:

“O título funciona como "condição necessária e suficiente da execução", observado o tradicional princípio nulla executio sine titulo. O inadimplemento corresponde à "situação de fato" que pode dar lugar à execução. Esses requisitos de fato e de direito são erigidos porque a execução implica consequências muito graves ao patrimônio do executado, motivo por que ela se subordina a "rigorosas condições de admissibilidade". (ASSIS, 2007, p. 140).

Assim, pode-se dizer que o inadimplemento e o título constituem condições da ação executiva.

4.2 Da suspensão da execução pelo art. 791, inciso III, do atual Código de Processo Civil e a prescrição intercorrente

É comum no curso normal da execução que ocorram eventos que possam obstar o prosseguimento adequado dos atos processuais.

A exemplo disso tem-se a suspensão da execução quando não localizados bens do devedor.

Candido Rangel Dinamarco define a suspensão como:

“Situação jurídica provisória e temporária, durante a qual o processo (embora pendente, sem deixar de existir) detém o seu curso e entra em vida latente. O procedimento deixa de seguir avante e, em princípio, nenhum ato processual pode ser realizado durante esse período. Estar suspenso o processo significa que serão ineficazes os atos que nesse período eventualmente se realizem”. (DINAMARCO, 1998, p. 141).

O atual Código de Processo Civil dispõe nos artigos 791 a 793 o tratamento da suspensão do feito executivo. O artigo 791 apresenta as hipóteses de suspensão da execução, sendo o inciso III o objeto de estudo do presente artigo, merecendo, portanto, destaque especial. In verbis:

“Art. 791. Suspende-se a execução:

I - no todo ou em parte, quando recebidos com efeito suspensivo os embargos à execução (art. 739-A);

II - nas hipóteses previstas no art. 265, I a III;

III - quando o devedor não possuir bens penhoráveis. (Grifo nosso)”.

Trata-se de suspensão do processo em razão da não localização de bens do devedor passíveis de penhora. Ora, a finalidade da execução é a satisfação de uma obrigação e, para tanto, haverá uma invasão legal ao patrimônio do devedor. Se os bens não forem localizados, não há como dar prosseguimento ao feito. Em razão disso, os autos serão suspensos e remetidos ao arquivo provisório até eventual localização de bens do devedor.

Humberto Theodoro Junior (2014, p. 669) destaca que "o objeto da execução forçada são os bens do devedor, dos quais se procura extrair os meios de resgatar a dívida exequenda. A falta de bens penhoráveis do devedor importa suspensão sine die da execução." E continua:

“A falta de bens a penhorar – destaque-se – não acarreta a definitiva frustração da execução por quantia certa. Inviabiliza, no entanto, o prosseguimento momentâneo dessa modalidade executiva, cujo objetivo consiste em apreender e expropriar bens patrimoniais do devedor para realizar a satisfação do crédito do exequente. Sem que se conte com bens expropriáveis, não há, obviamente, como dar sequência ao curso do processo”. (THEODORO JUNIOR, 2014, p. 669).

É aí que se instala o problema. O atual Código de Processo Civil não prevê um prazo legal para o término da suspensão, tal como ocorre na Lei de Execução Fiscal (Lei nº 6.830/80 - LEF). É justamente por isso, que é chamada de suspensão sine die, pois não há um termo, não há um limite temporal para essa suspensão.

Em não havendo cessação dessa suspensão, não há falar em prescrição intercorrente, pois, segundo o art. 793, é defeso a prática de qualquer ato processual enquanto perdurar a suspensão. Por conseguinte, não haverá configuração de inércia a ser imputada à parte.

Nesse sentido, Gamaliel Scaff menciona que:

“Em não existindo uma norma processual específica para o livro das execuções que ponha um termo à condição suspensiva prevista no art. 791, a única modalidade de prescrição que se vislumbra para a hipótese, é a clássica, a saber, a de inércia do titular do direito, a qual não se configura quando a condição suspensiva se verifica, na forma da lei, pela ausência de bens penhoráveis por ser fato não atribuível ao credor”. (SCAFF, 2009, p. 4).

Ainda nessa esteira, temos a concepção de Marcus Vinicius Rios Gonçalves:

“Como a execução por quantia faz-se com a expropriação, se os bens não forem encontrados não há como prosseguir. Os autos serão remetidos ao arquivo, sem que haja extinção, até que sejam localizados os bens. Com a remessa dos autos ao arquivo devido à não localização de bens, não corre prescrição intercorrente, que pressupõe inércia do credor”. (GONÇALVES, 2014, p. 230).

Em contrapartida, o instituto da prescrição intercorrente vem sendo admitido nos executivos fiscais (art. 40, § 4º, da LEF) desde 2004, tendo em vista a existência de norma específica limitadora da condição suspensiva (art. 40, § 2º, da LEF), in verbis:

“Art. 40 - O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição.

(...)

§ 2º - Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o Juiz ordenará o arquivamento dos autos.

§ 4º - Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato”. (Grifo nosso).

Nesse sentido, colaciono precedentes da nossa Corte Superior:

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. PROCESSO PARALISADO POR CINCO APÓS APÓS PEDIDO DE SUSPENSÃO PELA EXEQUENTE. DESNECESSIDADE DE INTIMAÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA DA DECISÃO QUE ARQUIVA O FEITO. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. ARQUIVAMENTO AUTOMÁTICO. PRECEDENTES DO STJ. SÚMULA 314/STJ. SUSPENSÃO DO PROCESSO EX OFFICIO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL DA FAZENDA PÚBLICA DESPROVIDO.

1.   Verifica-se que a decisão objurgada está em consonância com o entendimento dessa egrégia Corte Superior, visto que não localizados os bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição quinquenal intercorrente, sendo desnecessária a intimação da Fazenda da decisão que suspende ou arquiva o feito, arquivamento este que é automático; incide, ao caso, a Súmula 314/STJ.

2.   Esse entendimento se coaduna com a finalidade da norma insculpida no art. 40 da Lei 6.830/80, qual seja, a de impedir a existência de execuções eternas e imprescritíveis.

3.  Ainda, para se acatar a tese de que não houve o requerimento da suspensão do feito pela Fazenda Pública é necessário o reexame de provas, inviável em sede de Recurso Especial, nos termos da Súmula 7 do STJ.

4.   Agravo Regimental desprovido.

(AgRg no AREsp 164.713/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/04/2015, DJe 30/04/2015)”. (BRASIL, 2015, online, grifo nosso).

Afora isso, a jurisprudência tem firmado posicionamento sobre a impossibilidade de fluência do prazo prescricional quando suspensa a execução por falta de bens passíveis de penhora, sob o fundamento de que a inércia é requisito basilar para que se consume a prescrição intercorrente.

Nesse sentido:

“APELAÇÃO CÍVEL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CÉDULA RURAL PIGNORATÍCIA. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. INOCORRÊNCIA. NÃO LOCALIZAÇÃO DE BENS PENHORÁVEIS. INEXISTÊNCIA DE DESÍDIA DO CREDOR. NÃO FLUÊNCIA DO PRAZO NO PERÍODO DE SUSPENSÃO DO PROCESSO (ARTIGO 791, INCISO III DO CPC). SENTENÇA CASSADA. BAIXA A VARA DE ORIGEM PARA PROSSEGUIMENTO DO FEITO. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E PROVIDO. (TJPR - 16ª C.Cível - AC - 1329848-9 - Região Metropolitana de Maringá - Foro Central de Maringá - Rel.: Astrid Maranhão de Carvalho Ruthes - Unânime - - J. 16.09.2015).

(TJ-PR - APL: 13298489 PR 1329848-9 (Acórdão), Relator: Astrid Maranhão de Carvalho Ruthes, Data de Julgamento: 16/09/2015, 16ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 1660 01/10/2015). (BRASIL, 2015, online, grifo nosso).

AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE EXECUÇÃO – SUSPENSÃO DO FEITO NOS TERMOS DO ART. 791, III – IMPOSSIBILIDADE DE CARACTERIZAÇÃO DE PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. O fato de o feito permanecer suspenso não tem o condão de extinguir a ação em razão da prescrição intercorrente, nos termos do art. 791, inciso III do CPC, pois no período em que os autos permanecem suspensos no arquivo, não flui o prazo prescricional. Precedentes desta Corte e do STJ. DECISÃO REFORMADA. RECURSO PROVIDO.

(TJ-SP - AI: 22257292520148260000 SP 2225729-25.2014.8.26.0000, Relator: Eduardo Siqueira, Data de Julgamento: 29/04/2015, 38ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 30/04/2015). (BRASIL, 2015, online, grifo nosso).

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO. APELAÇÃO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. NOTA PROMISSÓRIA. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE BENS PASSÍVEIS DE PENHORA. LAPSO TEMPORAL SUSPENSO. EXEGESE DO ART. 791, INC. III, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INÉRCIA DO CREDOR. NÃO CONFIGURAÇÃO. EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. Prescrição intercorrente. Tratando-se de suspensão do processo de execução, decorrente da ausência de bens passíveis de penhora, não há que se falar em prescrição intercorrente. Embora o processo se encontre sobrestado, não cabe dizer que houve inércia do credor, sendo afastada a incidência da prescrição. Recurso provido.

(TJ-PR - AC: 7589715 PR 0758971-5, Relator: Jurandyr Souza Junior, Data de Julgamento: 13/04/2011, 15ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 628)”. (BRASIL, 2011, online, grifo nosso).

Como se observa, não há disposição legal acerca da duração da suspensão processual que, a priori, pode perdurar indefinidamente até que se encontrem bens exequíveis no patrimônio do devedor.

Por conseguinte, diante da ausência de limitação da suspensão e da não fluência do prazo prescricional nesse período, o que se verifica é que os processos ficam suspensos por muito mais tempo que o prazo prescricional da ação, gerando, assim, execuções "ad aeternum".

Nas palavras de Scaff (2009, p. 4): "Claro, pois, se a prescrição não mais volta a percorrer seu curso enquanto paralisado o processo por ausência de bens à penhora, está fadado à eternidade! Sem termo final".

Ainda nesse sentido:

“APELAÇÃO CÍVEL AÇÃO MONITÓRIA CONVERTIDA EM EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL SUSPENSÃO DO PROCESSO ART. 791, III, DO CPC PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE OCORRÊNCIA AUSÊNCIA DE REGRA EXPRESSA NO CPC QUANTO ÀS EXECUÇÕES LIMITANDO O PRAZO DE SUSPENSÃO POR AUSÊNCIA DE BENS PENHORÁVEIS OMISSÃO LEGISLATIVA QUE IMPEDE, DE PRONTO, A CONSTATAÇÃO DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE ETERNIZAÇÃO DA EXECUÇÃO QUE OFENDE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL INSTITUIÇÃO BANCÁRIA APELANTE QUE NÃO COMPROVOU A ALEGADA INEXISTÊNCIA DE BENS EM NOME DO APELADO PASSÍVEIS DE PENHORA, TAMPOUCO DILIGENCIOU NO SENTIDO DE SUA BUSCA APELO DESPROVIDO. (TJPR – 13ª C. Cível – AC 833154-0 – Umuarama – Rel. Claudio de Andrade – Por maioria – J. 23.5.2012)”. (BRASIL, 2012, online, grifo nosso).

Por fim, importante ressaltar o contrassenso jurídico gerado: um crime de homicídio (bem jurídico vida) tem seu curso exaurido na prescrição; os executivos fiscais também são atingidos pela prescrição intercorrente (art. 40, §4º, da LEF), ao passo que uma execução de título extrajudicial (bem jurídico patrimônio), desde que suspensa pela não localização de bens do devedor, não prescreverá.

Logo, o que se verifica é uma clara inversão de valores, uma vez que o bem jurídico vida possui maior relevância para o Direito e o crédito tributário, conforme o disposto no art. 186 do Código Tributário Nacional, prefere aos demais créditos. Assim, não há coerência e nem razoabilidade tornar as execuções eternas e instransponíveis pela prescrição.


5 OFENSA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Questões processuais como a eternização da execução em decorrência da suspensão indefinida encontram-se na contramão de todo o contexto processual, principalmente da Constituição Federal, pilar do ordenamento jurídico.

Wambier e Talamini (2010, p. 53) classificam os princípios constitucionais como "o núcleo de todo sistema e orienta toda a lógica mínima do processo".

Nesse contexto, é visível a ofensa aos princípios constitucionais. Dentre eles, dois merecem destaque: segurança jurídica e razoável duração do processo.

Classificado por Canotilho (2003) como sobreprincípio, a segurança jurídica denota grande relevância ao tema, tendo em vista seu papel de assegurar estabilidade às relações jurídicas.

Tal princípio, consagrado pela Constituição Federal, é o fundamento jurídico da prescrição e corolário do Estado de Direito. Nesse sentido, Joaquim José Gomes Canotilho:

“O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autônoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideram os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança como elementos constitutivos do Estado de direito[...]. Considera-se que a segurança jurídica está conexionada com elementos objectivos da ordem jurídica – garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito”. (CANOTILHO, 2003, p. 257).

Em síntese, o princípio da segurança jurídica é um direito fundamental do cidadão e se caracteriza na estabilidade e comportamentos coerentes e não contraditórios com a realidade fático-jurídica.

O princípio da duração razoável do processo, previsto no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Carta Magna, dispõe que: "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação".

Tal princípio foi introduzido na Constituição pela Emenda Constitucional nº 45/2004, fixando-se como garantia fundamental com o escopo de tornar mais célere e efetiva a prestação jurisdicional para que os processos não se estendam além do razoável.

Scaff, citando Nalini, dispõe que:

“A sociedade brasileira encontrou o acesso à justiça com certa facilidade. Agora custa a encontrar a saída da justiça. Uma das maneiras pelas quais procura desvencilhar-se do cipoal burocrático e do espinheiro recursal é invocar o direito a uma duração razoável do processo’. (SCAFF, 2009, p. 9).

Tendo em vista a exigência constitucional de processos com duração razoável, justificável, portanto, a aplicação da prescrição intercorrente.

Thiago Moreto Fiori (2014, p. 117) menciona, ainda, que, além dos princípios elencados acima, há violação também à "regra matriz de igualdade prevista no texto constitucional", tendo em vista o tratamento diferenciado da dívida fazendária e da dívida comum. O referido autor menciona que:

“O que diferencia os procedimentos, além do estatuto processual específico aplicável a cada modalidade, é o fato de que no procedimento fiscal existe a previsão explícita a fim de garantir que a demanda fazendária não perdure ad infinitum no tempo, ao passo que no procedimento executório, estabelecido no capítulo IV do Código de Processo Civil (cuja finalidade e objeto são idênticos aos que se busca na LEF), são elevados à categoria de "divindade processual", sobre a qual o tempo não exerce qualquer influência nem na relação jurídica subjacente. É um procedimento imaculado, do ponto de vista do legislador”. (FIORI, 2014, p. 118).

Assim, em se tratando de demandas com caráter eterno, resta evidente a ofensa aos princípios constitucionais sobreditos.


6 NOVIDADE APRESENTADA PELO NOVO CPC

O novo Código de Processo Civil, criado com o escopo de interligar o sistema processual com as garantias constitucionais a fim de aproximar-se da Constituição e, ainda, fundamentando-se nos princípios da segurança jurídica e na duração razoável do processo, solucionou a celeuma da suspensão sine die.

De forma análoga à Lei de Execução Fiscal, o novo CPC no § 1º do artigo 921 limitou o prazo da suspensão em um ano, durante o qual não serão praticados atos processuais (art. 923). In verbis:

“Art. 921.  Suspende-se a execução:

(...)

III - quando o executado não possuir bens penhoráveis;

(...)

§ 1º Na hipótese do inciso III, o juiz suspenderá a execução pelo prazo de 1 (um) ano, durante o qual se suspenderá a prescrição.

§ 2º Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano sem que seja localizado o executado ou que sejam encontrados bens penhoráveis, o juiz ordenará o arquivamento dos autos.

§ 3º Os autos serão desarquivados para prosseguimento da execução se a qualquer tempo forem encontrados bens penhoráveis.

§ 4º Decorrido o prazo de que trata o § 1o sem manifestação do exequente, começa a correr o prazo de prescrição intercorrente.

§ 5º O juiz, depois de ouvidas as partes, no prazo de 15 (quinze) dias, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição de que trata o § 4o e extinguir o processo.

Art. 923.  Suspensa a execução, não serão praticados atos processuais, podendo o juiz, entretanto, salvo no caso de arguição de impedimento ou de suspeição, ordenar providências urgentes”. (Grifo nosso).

Nesse sentido:

“O NCPC aplicou por extensão o entendimento consolidado nas execuções fiscais, no sentido de que, na ausência de bens penhoráveis, suspende-se a execução fiscal por um período de um ano, findo o qual se arquivam os autos e passa a fluir normalmente o prazo prescricional (art. 40, Lei 6.830/80; Súmula 314 do STJ)’. (WAMBIER et al., 2015, p. 922).

Dessa forma, tendo em vista a limitação temporal da suspensão, solucionou-se o problema e as divergências doutrinárias acerca do assunto possibilitando, enfim, a aplicação da prescrição intercorrente. Ademais, insta destacar que o NCPC também incluiu o vocábulo prescrição intercorrente no artigo 924 que dispõe sobre a extinção da execução.

Logo, decorrido o prazo de um ano e desde que sem manifestação do exequente, começará a correr o prazo de prescrição intercorrente. Vale ressaltar que a prescrição intercorrente só se operará quando houver inércia do exequente.


7 PROBLEMÁTICA A SER RESOLVIDA

Embora o NCPC tenha solucionado a questão da limitação temporal da suspensão quando não encontrados bens penhoráveis do devedor, deixou de lado uma questão importante e que vem sendo palco de bastantes controvérsias.

A questão é: a movimentação do processo sem efetividade possui o condão de impedir a fluência do prazo prescricional?

O tema em comento já foi alvo de Recurso Especial e está para julgamento em Recurso Repetitivo no que tange aos executivos fiscais (STJ - REsp 1.340.553-RS).

A par de toda discussão sobre o assunto, verifica-se que o posicionamento mais consentâneo com a realidade social e judiciária é de que a movimentação sem efetividade não impedirá a fluência do prazo prescricional, uma vez que o contrário disso criaria para o exequente o direito potestativo de eternizar a execução, acarretando uma situação de gravidade jurídica.

Como é cediço, somente ocorrerá prescrição intercorrente se paralisado indevidamente o processo executivo. Esse conceito clássico e conservador de prescrição associada à inércia está em dissonância com o ordenamento jurídico, uma vez que, se assim fosse, bastaria o exequente movimentar o processo para não se operar a prescrição intercorrente. Ora, se o credor está diligenciando, não está se mantendo inerte, logo, não há falar em prescrição. É o que ocorre diuturnamente no contexto judicial.

Sabe-se que a imprescritibilidade só é admitida no direito em casos excepcionais previstos na Constituição. Portanto, a tese de que a prescrição intercorrente só se opera quando houver injusta paralisação do feito estaria mais uma vez atingindo diretamente a Constituição, pois basta a simples atuação profissional para que o processo se torne imprescritível, ainda que despida de qualquer eficácia.

Agindo dessa forma, além de estar ferindo preceitos constitucionais, estar-se-ia conferindo ao credor um direito puramente potestativo de tornar sua obrigação imprescritível bastando a simples diligência no processo. Nesse diapasão, insta ressaltar que nem o Estado, detentor do direito de preferência previsto no art. 186, do CTN goza de tal prerrogativa.

Portanto, é preciso fazer uma releitura do instituto da prescrição com enfoque avançado, pois a sociedade moderna exige efetividade e principalmente agilidade, tendo em vista o contexto social com maior número de conflitos, judiciário abarrotado e um código processual que veio com a finalidade de trazer maior celeridade e efetividade aos processos.

Dessa forma, há que se concluir que a simples atuação sem a localização de bens, não é suficiente para afastar a ocorrência da prescrição intercorrente.

Nesse sentido, surgem no cenário jurisprudencial julgamentos de vanguarda no sentido de combinar o conceito de prescrição intercorrente com a ideia de movimentação sem efetividade:

“APELAÇÃO CÍVEL - EXECUÇÃO FISCAL - ISSQN - PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE CONFIGURADA - DILIGÊNCIAS EFETUADAS OU REQUERIDAS PELO FISCO QUE FORAM TODAS INFRUTÍFERAS E QUE NÃO TÊM O CONDÃO DE SUSPENDER OU INTERROMPER O PRAZO PRESCRICIONAL - TRANSCURSO DE MAIS DE CINCO ANOS SEM A LOCALIZAÇÃO DE BENS PENHORÁVEIS E SEM A MANIFESTAÇÃO DA EXEQUENTE - ENTENDIMENTO DO STJ E DESTA CÂMARA - RECURSO DESPROVIDO. (TJ-PR - APL: 13691246 PR 1369124-6 (Acórdão), Relator: Antônio Renato Strapasson, Data de Julgamento: 19/05/2015, 2ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 1577 02/06/2015). (BRASIL, 2015, online, grifo nosso).

TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. ARQUIVAMENTO DO FEITO. TRANSCURSO DO PRAZO PRESCRICIONAL SEM A LOCALIZAÇÃO DE BENS PENHORÁVEIS. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE.

1. Passados cinco anos do arquivamento da ação executiva, impõe-se a declaração da prescrição intercorrente, nos termos do art. 40, § 4º, da Lei 6.830/80.

2. Os requerimentos de bloqueios de bens, negativamente respondidos, não têm o condão de suspender ou interromper o prazo prescricional. Antes, comprovam que a exequente não logrou êxito no seu mister de localizar bens penhoráveis do devedor.

3. Recurso especial provido. (REsp 1305755/MG, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 03/05/2012, DJe 10/05/2012)”. (BRASIL, 2015, online, grifo nosso).


8 CONCLUSÃO

Diante do exposto, evidencia-se que a prescrição intercorrente é medida que se impõe visando pôr fim às execuções de caráter perpétuo.

Denota-se que a suspensão indefinida do processo acarreta em execuções imprescritíveis que afrontam preceitos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988. A propósito, tem-se que não prestigia a harmonia do sistema a eternização da ação executória.

Entretanto, esse problema já foi solucionado com a chegada do novo código processual que introduziu em seu art. 921, § 1º a limitação temporal para a suspensão do processo quando não localizados bens passíveis de satisfazer a obrigação.

Porém, ainda remanesce o óbice acerca da fluência do prazo prescricional quando houver a movimentação processual sem efetividade.

É visto que o instituto da prescrição intercorrente ainda esbarra em decisões conservadoras, ligando-o apenas ao conceito clássico e conservador de inércia. Como se denota, a jurisprudência ainda não enfrentou a questão da aplicação da prescrição intercorrente quando se trata de movimentação processual sem efetividade.

Não obstante, o novo Código de Processo Civil abre portas com o enfrentamento parcial do tema sob o prisma constitucional. Ademais, para enfrentar tal questão, baseou-se na Lei nº 6.830/80 que dispõe sobre execução fiscal.

Por oportuno, saliente-se que a finalidade da execução é satisfazer uma obrigação e não perpetuá-la. Logo, além de desvirtuar o objetivo do processo de execução, transforma o judiciário em um depósito abarrotado de feitos executivos sem efetividade e sem viabilidade de satisfação do crédito exequendo.

Diante disso, afigura-se razoável e prudente que o caminho a ser trilhado até que se tenha regulamentação definitiva pelos operadores do direito seja o mesmo dos executivos fiscais, visto que esse já assentou entendimento de que as diligências infrutíferas realizadas no processo não possuem o condão de paralisar o curso prescricional.


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BERTASSO, Marcelo Pimentel; PRANDI, Luiz Roberto et al. A prescrição intercorrente no processo de execução e a novidade apresentada pela Lei nº 13.105/2015. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4579, 14 jan. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45720. Acesso em: 27 abr. 2024.