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Quando os princípios do Direito se afastam da principiologia

Quando os princípios do Direito se afastam da principiologia

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As normas de caráter principiológico e as normas-regras – incluídos aqui os postulados normativos – guardam entre si relevantes diferenças de ordem constitutiva, o que impede a confusão entre tais institutos.

“O erro está nos meios, bem mais do que nos princípios.”

Napoleão Bonaparte 

RESUMO:Navegando pelas infindáveis teorias que se dedicam a explicar as variadas concepções dos princípios do Direito, torna-se relativamente simples perceber a confusão de gêneros construída pelos acadêmicos na distinção entre os diversos tipos de normas jurídicas. Oportunamente, os operadores do Direito, num sem número de vezes, transmutam regras e postulados jurídicos, de maneira equivocada, em princípios, na tentativa de imprimir uma maior importância entre determinada norma e as demais do ordenamento jurídico. Desta forma, o presente trabalho visa estabelecer, através de pesquisa bibliográfica, divisores conceituais e hermenêuticos entre algumas espécies normativas – especialmente os princípios – a fim de possibilitar uma melhor aplicação dos institutos naturais do Direito, bem como esposar as consequências e motivos que condicionam a má distinção entre tais institutos.

PALAVRAS-CHAVE:Direito, Filosofia, Teoria dos Princípios, Principiologia, Hermenêutica.


1. INTRODUÇÃO

Como toda ciência, o Direito, mesmo dotado de certa carga empírica, tem em seu bojo um conjunto de estruturas que o caracteriza como tal. Neste rol de essencialidades, a ciência jurídica apresenta, além de outras tantas estruturas, um objeto de estudo bem definido, normas de metodologia e, finalmente, os princípios, que serão definidos e estudados.

De forma concreta, não há como conceber que instrumentos vistos como fontes fundamentais para uma matéria científica, tais como os princípios, sejam constituídos ao sabor do subjetivismo humano, sem qualquer análise metodológica.

Ao que parece, na tentativa de salvaguardar regras importantes para o ordenamento jurídico, parte considerável dos estudiosos do Direito vêm atribuindo às normas de aplicação específica a qualidade de princípio. Acontece que a citada denominação, para o Direito, não é apenas um atestado de importância mandamental, mas sim o resultado da adequação de uma norma a um conjunto específico de requisitos determinados pela principiologia jurídica.

Para atingir a melhor compreensão deste fenômeno e combatê-lo, há de se levantar alguns questionamentos, tais como: o que é um princípio? Quais são seus elementos? Como distinguir princípios de outras normas? Porque outras normas são elevadas à condição de princípio pelos estudiosos sem qualquer análise científica? É o que se tentará responder nas linhas a seguir.

Cabe salientar, ainda introdutoriamente, que as linhas de pensamento defendidas aqui são apenas gotas ante o manancial de respeitáveis correntes dispostas a dissecar o estudo dos princípios gerais do Direito. Assim, as letras que se seguem objetivam apresentar aos leitores um novo ponto de debate, despido de qualquer caráter impositivo.


2. AS ESPÉCIES NORMATIVAS

 Para se compreender de maneira satisfatória a estrutura existencial de um princípio do Direito, faz-se mister, antes, conhecer os tênues liames que separam os princípios das demais espécies normativas. Por esta razão, passa-se ao estudo das principais espécies normativas.

As espécies normativas, de forma genérica, são os instrumentos através dos quais o Direito materializa a sua força coercitiva para atingir objetivos relevantes à convivência em sociedade. Portanto, normas jurídicas são todos aqueles mecanismos que, de alguma forma, imprimem em uma comunidade um padrão de conduta juridicamente relevante, que fora anteriormente percebido e valorado no seio desta mesma sociedade.  

Tradicionalmente, a corrente do Direito que se dedicava à exploração das espécies normativas, inicialmente difundida por Dworkin, Alexy e Canotilho, estabelecia um laço dicotômico entre regras e princípios, sem qualquer menção aos postulados normativos. Para os defensores dessa linha de cognição, as regras eram institutos mandamentais de aplicação direta, que descreviam ações positivas ou negativas, ao passo que os princípios eram lastros jurídicos de ordem moral e diretiva, que deveriam ser observados para a aplicação do bom Direito, sem, contudo, possuírem qualquer força normativa.

 Para distinguir as duas espécies jurídicas, Ronald Dworkin apresentou em seus estudos dois modelos de diferenciação para o critério da aplicabilidade. Em primeiro lugar, quanto ao modelo de aplicação das regras, Dworkin estabeleceu que a estas deveria ser aplicado o modelo “tudo-ou-nada” (all-or-nothing-fashion), ao passo que aos princípios caberia a aplicação das tradicionais dimensões de peso.

As regras de aplicação direta, uma vez que obrigatoriamente positivadas e dotadas de coercitividade, deveriam ser aplicadas de modo integral até que sua validade fosse efetivamente negada pelo ordenamento positivo. Desta forma, num eventual conflito entre normas-regras, uma não poderia ser “relativizada” ou “posta em segundo plano” em função de um dispositivo prevalente; de forma objetiva, a norma considerada válida seria empregada em sua totalidade, ao passo que a norma inválida deveria ser extinta.

Segundo Dworkin:

(...) regras são aplicáveis segundo um modelo de tudo-ou-nada, pois se os fatos estipulados por uma regra estão dados, então, ou a regra é válida, situação na qual a resposta que ela fornece precisa ser aceita, ou não é válida, circunstância na qual ela não contribui em nada para a decisão. (DWORKIN. Taking Rights Seriously, p. 24)

Complementado as diferenciações estabelecidas por Dworkin, eis a doutrina de Barroso e Barcellos:

A dogmática moderna avaliza o entendimento de que as normas em geral, e as normas constitucionais em particular, enquadram-se em duas grandes categorias diversas: os princípios e as regras. Antes de uma elaboração mais sofisticada da teoria dos princípios, a distinção entre eles fundava-se, sobretudo, no critério da generalidade. Normalmente, as regras contêm relato mais objetivo, com incidência restrita às situações específicas às quais se dirigem. Já os princípios têm maior teor de abstração e incidem sobre uma pluralidade de situações. Inexiste hierarquia entre ambas as categorias, à vista do princípio da unidade da Constituição. Isto não impede que princípios e regras desempenhem funções distintas dentro do ordenamento (...) distinção qualitativa ou estrutural entre regra e princípio (...) Regras são, normalmente, relatos objetivos, descritivos de determinadas condutas e aplicáveis a um conjunto delimitado de situações. Ocorrendo a hipótese prevista no seu relato, a regra deve incidir, pelo mecanismo tradicional da subsunção: enquadram-se os fatos na previsão abstrata e produz-se uma conclusão. A aplicação de uma regra se opera na modalidade tudo ou nada: ou ela regula a matéria em sua inteireza ou é descumprida. Na hipótese do conflito entre duas regras, só uma será válida e irá prevalecer. (...) (BARROSO E BARCELLOS, s/d, p.10/11)

Em direção diversa, os princípios do Direito seriam aplicáveis apenas sob um modelo de “dimensões de peso ou importância” (the dimension of weight or importance) no qual, determinadas as circunstâncias do caso concreto, pode um princípio ser afastado em detrimento de outro, sem, contudo, perder a sua validade. Isso acontece porque os princípios, segundo a corrente mais tradicional, não possuem ordens de aplicação direta, dependendo, pois, de outras regras positivadas para sua aplicação, o que lhes atribui certa “maleabilidade”.

No mesmo sentido, outro critério bastante utilizado para se distinguir princípios de regras é o critério da abstração. É inegável que regras positivadas e princípios possuem um alto grau de abstração, o que possibilita o porte dos conceitos normativos para a aplicação no plano concreto. Todavia, pelo fato de estarem predominantemente reduzidas a termo, as regras têm um campo de incidência mais restrito. 

Considere-se, a título de exemplo, que o aplicador de uma regra positivada tem a difícil tarefa de transmutar o texto normativo em um direito aplicável materialmente. Para isso, tal intérprete se vale de métodos hermenêuticos para extrair um sentido sólido e coeso das palavras, partindo de um ponto razoavelmente estruturado, que é a letra da lei.

No caso dos princípios, desde que não estejam positivados, o único ponto de partida de que pode se valer o intérprete é a consciência comum do que se entende pelo princípio estudado. Explico: muito embora os princípios gerais do Direito, que são eminentemente institutos mais próximos ao jusnaturalismo que ao juspositivismo, tenham um grau de variabilidade menor do que outras normas, seus significados podem mudar para se adequar aos padrões de aceitabilidade tempo-espaciais. Assim sendo, de maneira exemplificada, o princípio da igualdade não é visto no Brasil de hoje da mesma forma que na Índia, tampouco foi o mesmo princípio da igualdade observado no Brasil militar da segunda metade do século 20.

A falta de concreção textual, que é naturalmente característica dos princípios, os coloca em um grau de abstração acima das regras, o que amplia seu campo de incidência.    

Ainda nesse sentido, as ideias de Barroso e Barcellos:

Princípios, por sua vez, contêm relatos com maior grau de abstração, não especificam a conduta a ser seguida e se aplicam a um conjunto amplo, por vezes indeterminado, de situações. Em uma ordem democrática, os princípios freqüentemente entram em tensão dialética, apontando direções diversas. Por essa razão, sua aplicação deverá se dar mediante ponderação (...). (BARROSO E BARCELLOS, s/d, p.10/11)

Nas palavras de Canotilho, outro grande defensor da polarização das normas (princípios e regras), os princípios têm, em relação às regras, uma natureza normogenética, na medida em que são estas criadas com o fim de materializar as exigências daqueles. Por consequência, a gênese conceitual das normas emana diretamente dos princípios, o que faz destes peças-chave  para a materialização de qualquer direito.

Contrapondo-se à dicotomia entre as espécies normativas apresentadas por Dworkin, Humberto Ávila trouxe ao Direito brasileiro uma nova e desprendida concepção que atualizou, de maneira expressiva, o estudo e a aplicação dos diversos tipos de norma jurídica.

Em seu livro intitulado Teoria dos Princípios, Ávila expôs o traço de não duas, mas três espécies do gênero norma jurídica, sendo elas as regras, os princípios e os novos postulados normativos, que merecem aqui bastante atenção.

Para o grande jurista brasileiro, existem normas - de segundo grau - que servem ao Direito apenas como diretrizes para o entendimento e a aplicação de outras normas de incidência direta - normas de primeiro grau. As primeiras ficaram conhecidas no Direito brasileiro como metanormas ou postulados normativos.

Desta forma, muito embora sejam eles positivados nas legislações, os postulados não apresentam uma ordem de prestação positiva ou negativa, mas sim formas de interpretação e aplicação de princípios e regras no plano concreto.        

Em Ávila tem-se que:

(...) os postulados, de um lado, não impõem a promoção de um fim, mas, em vez disso, estruturam a aplicação do dever de promover um fim; de outro, não prescrevem indiretamente comportamentos, mas modos de raciocínio e de argumentação relativamente a normas que indiretamente prescrevem comportamentos. Rigorosamente, portanto, não se podem confundir princípios com postulados. (ÁVILA, 2005, p. 135)

Ainda quanto aos postulados, estes podem ser divididos, de acordo com o seu objeto de regulação, entre hermenêuticos e aplicativos.

Os postulados hermenêuticos traçam um elo entre os diversos métodos utilizados para interpretação de regras e princípios, tais como o postulado da unidade, que impõe a interpretação de uma norma à luz de todo o ordenamento, e o bastante discutido postulado da hierarquia, que observa o escalonamento de regras tão difundido por Kelsen. Já os postulados de aplicação apontam os preceitos dos quais deverão se valer os operadores do Direito, quando da subsunção do caso concreto à regra, tais como os tão confundidos postulados da razoabilidade, que submete a ação de Direito ao sentido do “homem comum do povo”, e da proporcionalidade, que imprime a relação causa-efeito na aplicação normativa.

Como se observa, cada espécie normativa carrega uma série de características peculiares que a distingue das demais, o que proíbe a confusão pelos aplicadores.


3. COMO NASCE UM PRINCÍPIO

Um dos questionamentos mais instigantes no estudo dos princípios jurídicos discute o momento em que estes se originam. É certo que a terminologia “princípio”, de modo geral, possui vários significados, dentre os quais estão: a origem; a raiz; aquilo que é o primeiro momento da existência de algo; aquilo que serve de base para alguma coisa.

Diante disso, a maior dúvida que se levanta é: como podemos estudar a origem de algo que, essencialmente, já é o início ou o ponto de partida para outra coisa?

Grosso modo, princípios são a união de aspectos que constituem a gênese de alguma coisa. Assim, tem-se, exemplificadamente, que os princípios da Mecânica podem ser encontrados no estudo dos materiais que compõem máquinas e sólidos; os princípios da Elétrica estão nas diversas formas de manifestação de tal energia; os princípios da Agronomia podem ser encontrados através do estudo dos solos e dos meios de cultivo; e os princípios da Medicina, podem ser encontrados a partir da observação dos aspectos físicos e psíquicos do ser humano.

O Direito, por sua vez, enquanto área do conhecimento que guarda relativa carga empírica, constitui seus conceitos a partir da práxis social e busca seus princípios justamente nas relações, de qualquer natureza, entres seres humanos, e entre estes últimos e o meio em que estão inseridos.

Com isso, os princípios do Direito não são criações individuais a ponto de nascerem da mente de um jurista ou de um legislador qualquer; a estes dois cabe apenas o esforço intelectual para descobri-los, interpretá-los e aplicar suas diferentes faces. Pode-se dizer, portanto, que os princípios do Direito são criações coletivas, que nascem da própria condição humana quando pensada coletivamente, não podendo, sobremaneira, ser criados por uma mente apartada das demais.

Essas ideias há muito são utilizadas pelos juspositivistas para defender a imutabilidade dos princípios. Para eles, o fato de os princípios emanarem da própria natureza humana os tornaria inalteráveis, o que parece aqui um equívoco. É fato que não está nas mãos, ou melhor, na mente de um pensador, a capacidade de alterar algo que diz respeito à essência do homem e da sociedade; contudo, não é difícil perceber que os instrumentos principiológicos do Direito permanecem imutáveis apenas nominalmente.

Para clarear o que foi dito, há de se mostrar o princípio da liberdade em algumas nuances temporais. Apesar de a luta pela liberdade, seja ela física ou intelectual, existir no Direito já há “muitas luas”, descrita exatamente da mesma forma, a sua interpretação sofreu alterações significativas com o passar dos anos.

Primeiramente, desde a chegada dos portugueses ao Brasil, no ano de 1500, até 13 de maio de 1888, quando a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea, o princípio da liberdade física, que assegurava o direito de ir e vir aos cidadãos, não se aplicava àqueles que jaziam sob a condição de escravo, o que tornava clara a limitação do princípio em comento.

Num segundo momento, a ditadura militar vivida no Brasil entre os anos de 1964 e 1985 mostrou outra visão do que hoje se entende por liberdade intelectual. Vários artistas e pensadores brasileiros foram presos, mortos ou tiveram que se exilar, por se oporem às estruturas de poder. Naquela época, a liberdade de expressão se esvaía sob o rol dos homens e mulheres considerados “subversivos” aos olhos do Estado.

Interessante apontar que o Ato Institucional nº5, de 13/12/1968, um dos maiores símbolos da ditadura, trazia em seu campo de justificativas a liberdade, a dignidade da pessoa humana e a defesa da democraciam senão vejamos:

(…) CONSIDERANDO que a Revolução Brasileira de 31 de março de 1964 teve, conforme decorre dos Atos com os quais se institucionalizou, fundamentos e propósitos que visavam a dar ao País um regime que, atendendo às exigências de um sistema jurídico e político, assegurasse autêntica ordem democrática, baseada na liberdade, no respeito à dignidade da pessoa humana, no combate à subversão e às ideologias contrárias às tradições de nosso povo, na luta contra a corrupção, buscando, deste modo, "os. meios indispensáveis à obra de reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil, de maneira a poder enfrentar, de modo direito e imediato, os graves e urgentes problemas de que depende a restauração da ordem interna e do prestígio internacional da nossa pátria. (BRASIL, Ato institucional nº5, 13/12/1968)

Posto isto, torna-se clara a ideia de que os princípios do Direito são normas mutáveis que, muito embora persistam nominalmente, têm suas significações revistas de tempos em tempos. Por óbvio, como os princípios não dependem do papel para existir, também não podem ser alterados na velocidade da caneta do legislador, mas apenas a partir da árdua e demorada mutação dos padrões sociais.


4. A PRINCIPIOLOGIA JURÍDICA

4.1 Questões iniciais

Nesse contexto de estudo dos princípios jurídicos sob uma ótica científica, faz-se necessário trazer aqui breves considerações acerca da disciplina que estuda a construção estrutural dos princípios. Todavia, antes de adentrar especificamente ao estudo da principiologia, há de se aventar algumas ideias importantes para o tema.

Em primeiro lugar, tem-se que o estudo científico dos princípios não é necessário, de modo geral, para que um princípio possa existir. Como foi visto anteriormente, os princípios gerais do Direito nascem de um sentido comum da sociedade, e por esta razão têm a sua plenitude alcançada a partir dos padrões de aceitabilidade sociais.

No entanto, mesmo que os princípios jurídicos iniciais não necessitem dos operadores do Direito para existir, não terão qualquer usabilidade para o a ciência jurídica, no caso concreto, se não forem submetidos a um aprofundado estudo científico de suas estruturas.

Explica-se: a ciência jurídica, como todas as outras, possui métodos bem definidos de produção. Uma vez que o Direito é uma ficção construída pelo homem no seu sentido plural, não é difícil perceber que um dos seus maiores pilares encontra-se na utilização da experiência e da reflexão, institutos que a teoria do conhecimento atribui, respectivamente, ao empirismo e à filosofia.

Diferentemente das ciências naturais, nas quais os objetos de estudo têm a capacidade de existir e se relacionar com o meio, independentemente da intervenção humana, o conhecimento do Direito está pautado majoritariamente na utilização de construções histórico/culturais de um povo. Por esta razão, o Direito, ao menos no campo teórico, não contempla verdades incontestes ou provas absolutas; de forma clara, o que serve à evolução da ciência normativa é o conflito de correntes ideológicas que se embasam em experiências distintas.   

Portanto, e também em razão da necessária fundamentação para a utilização de qualquer forma do Direito, não há como um operário jurídico se valer de um princípio sem antes submetê-lo a um profundo estudo nas esferas conceitual e estrutural.

Notadamente, como acusa o sufixo do termo, a principiologia jurídica é o estudo direto dos princípios do Direito. Aqui, estes não são os fundamentos para o objeto de uma disciplina, como o são para a disciplina jurídica, mas sim o próprio objeto de estudo.

Para melhor compreender os institutos de formação principiológica, há de se dividi-los em duas esferas. Em primeiro lugar, a esfera conceitual, a partir da qual se define e limita a ideia genérica de um princípio, e, num segundo momento, a esfera estrutural, na qual são definidas suas características essenciais. 

Como a esfera conceitual já fora discutida no capítulo anterior, convida-se o leitor ao debate acerca dos institutos estruturais de uma norma-princípio, para o qual o hermeneuta deve se valer de 4 planos, quais sejam os planos de constituição, de abstração, de aplicação e de mutabilidade.

4.2 O plano de constituição

A primeira via de distinção entre as normas-princípios e as demais normas está no plano de constituição, no qual se observa que, o Direito, ciência do dever ser, se comunica incessantemente com a sociedade, a partir de um canal duplo de interação: enquanto uma comunidade empresta os fatos sociais que eventualmente serão normatizados pelo Direito, a ciência jurídica devolve à coletividade a melhor forma de compreensão dessas relações sociais.

Nesta esteira, os princípios do Direito são constituídos coletivamente a partir da concretização de valores inerentes a uma dada sociedade, nas searas temporal e espacial, donde se tem que os princípios gerais do Direito – aqueles aptos a regular todos os ramos jurídicos – geralmente encontram suas justificadoras na própria condição humana e nas relações interpessoais.

A maior prova disso é que, antes mesmo de serem judicializados, tais princípios gerais, como os da dignidade da pessoa humana, da boa-fé, da liberdade e da igualdade, já se encontram claros na mente de qualquer um do povo.

Por sua vez, os princípios específicos do Direito – aqueles que somente se aplicam a áreas restritas de estudo – emanam dos princípios gerais, e indiretamente, também da própria coletividade. Isto faz com que os princípios específicos do Direito, muito embora também tenham surgido do seio coletivo, não sejam tão claros para o homem comum - normalmente, seria difícil extrair de um leigo os significados dos princípios do devido processo legal e da anterioridade tributária, por exemplo.

Resta claro, portanto, que mesmo os princípios específicos, que emanam dos gerais, não podem ser construídos a partir de um ato cognitivo isolado de um legislador ou de um hermeneuta. Por mais que os estudiosos do Direito possam refletir, levantar conceitos, quantificar, classificar, apontar e aplicar tais princípios, ao operador cabe apenas descobri-los, e não criá-los.

Desta forma, tanto os princípios gerais quanto os específicos são criações eminentemente coletivas. A diferença é que, enquanto os princípios gerais partem do senso da comunidade em que se aplicam, os princípios específicos nascem a partir da união de cognições daqueles que pensam o Direito.

Utilizando-se analogicamente a figura de uma rodovia, enquanto em uma faixa o pensamento coletivo de uma sociedade transporta princípios gerais para o Direto, noutra a cognição coletiva da ciência normativa transporta princípios específicos a serem usados pelos homens na resolução de conflitos.    

Pois bem.

Foi visto que as normas principiológicas, tanto as gerais quanto as específicas, são criações coletivas, que se distinguem apenas pelo ponto de partida, ao passo que as demais normas – regras e postulados – podem surgir de um ato de cognição individual.

É certo que as regras em sentido estrito, mais especificamente as leis, precisam passar por um árduo processo legislativo, frise-se, coletivo, para adquirir validade. A questão é que, muito embora uma norma-regra precise ser aprovada coletivamente, o seu ato de composição, não necessariamente passará pela mente de todos.

Um parlamentar, um jurista ou qualquer do povo, pode, individualmente, produzir um projeto de lei pautado exclusivamente em suas visões acerca da ordem jurídica. Portanto, a gênese que constitui as justificadoras e a estrutura de uma regra strito sensu pode nascer a partir de um ato individual.

O processo de validação de uma regra, no mais das vezes é coletivo, mas o processo de idealização nem sempre o é. Eis a diferença jacente entre a constituição de um princípio e as demais regras.

4.3 Plano de abstração

Outra questão importante está em considerar os níveis de abstração de cada espécie normativa para se promover uma diferenciação satisfatória. Apesar de as normas-regra possuírem um certo grau de abstração, em nada este se compara ao grau de abstração apresentado pelos princípios jurídicos.

Regras normalmente trazem em seu bojo a descrição de uma conduta bem definida, seja ela positiva ou negativa (fazer ou não fazer), de natureza genérica, que aproveita a todos que se enquadram no seu campo de incidência. Destarte, o caráter abstrato da regra está mais no grupo de agentes sobre os quais ela incidirá do que, propriamente, na descrição do seu mandamento.

Exemplo desta afirmação encontra-se na aplicação da norma extraída do art. 186 do Código Civil, na qual, apesar de não se poder quantificar com exatidão (grau de abstração) o número de agentes que cometerão o ilícito, pode-se definir, de forma cristalina, a conduta que gera tal ato.

Pelo exposto, pode-se dizer que, em relação às normas principiológicas, as regras têm um grau de abstração bastante moderado.

O princípio, a seu turno, não apresenta condutas bem definidas, mas apenas um estado de coisas moralmente valorado que, em razão de sua força normativa, deve ser aplicado ao maior número de casos possíveis, independentemente da existência de regras que regulem esta aplicação.

Observe-se, a título de exemplo, a definição do princípio da segurança jurídica. A partir deste pode-se extrair uma conduta bem definida? Na verdade, não, pois é fácil perceber que ali dentro existe a infindável quantidade de condutas que se pode praticar a fim de obter a sua concretização, tais como a vedação das decisões injustificadas, por parte dos agentes públicos, a presunção de validade de atos administrativos, a exigência de boa-fé nas relações intersubjetivas, e assim sucessivamente.

Portanto, os princípios têm um grau de abstração bem mais elevado do que aquele observado nas regras, o que amplia consideravelmente o seu campo de incidência em relação a estas.

4.4 Plano de aplicação

Um fato inconteste é o de se reconhecer, nos dias atuais, que tanto os princípios quanto as regras podem ser aplicados direta e isoladamente ao caso concreto, sem qualquer tipo de intermediação por parte de outra norma.

Todavia, sejam princípios e regras igualmente aplicáveis ao caso concreto de forma direta, existem algumas diferenças em suas formas de incidência, restando a principal delas incursa no exercício hermenêutico que se imprime para transformar regras e princípios em direitos efetivos.

O princípio, por não designar uma prestação bem definida e sim um “estado de coisas”, torna-se extremamente maleável e, em razão disso, precisa ser moldado através de um exercício reflexivo do hermeneuta, quando da aplicação ao caso concreto.

Ora, se um princípio não possui limites objetivos, a este pode ser atribuída uma infinidade de condutas que podem tratar de objetos extremamente diferentes. Veja-se: o princípio da boa-fé nas relações sociais pode ser aplicado ao procedimento processual, à feitura de contratos civis, às relações entre a administração e os particulares, às relações entre consumidor e comerciante e assim por diante.  Não necessariamente todas as condutas que permitem a incidência do princípio da boa-fé estarão relacionadas, o que denota a amplitude do seu campo de incidência.

Portanto, o hermeneuta, no momento da aplicação de um princípio, deverá limitar o seu campo de incidência ao objeto de interesse jurídico, sem, contudo, esfacelar a sua essência.

Por sua vez, a aplicação de uma norma-regra implica um raciocínio diferente. As regras apresentam, além de um grau de abstração reduzido que se justifica apenas pela indeterminação dos sujeitos, a imposição de uma prestação positiva ou negativa, com vistas à satisfação de um interesse jurídico. 

Diferentemente dos princípios que são medidos, ponderados e limitados pelo operador quando da sua aplicação, as regras, por trazerem a definição de uma conduta, precisam apenas receber o fato social por meio de subsunção. Isto facilita, sobremaneira, o labor do jurista.  

É preciso abrir um parêntese para considerar que, muito embora o método de subsunção para aplicação de uma regra seja o mais observado nos dias atuais, não se pode dizer que ele deve ser considerado de forma absoluta.

Uma corrente doutrinária que vem ganhando força, reconhecidamente iniciada por Herbert Hart, traz a ideia de que uma regra também pode ser aplicada pelo método da ponderação, algo que ficou conhecido como Teoria da Derrotabilidade (defeasibility) ou “superabilidade das regras”, segundo Ávila.

Superar ou derrotar uma norma-regra válida e eficaz significa que esta deverá, desde que cumpridos alguns requisitos, ser afastada de uma situação na qual eventualmente incidiria, em razão de um objeto jurídico equitativamente relevante. Na bela síntese de Carsten Bäcker, “derrotabilidade deve ser entendida como a capacidade de acomodar exceções” Este afastamento, ao contrário do que apontou Dworkin em seu sistema de tudo-ou-nada, não implica a exclusão em razão da perda de eficácia de uma regra, mas apenas a sua superação em um caso específico.

Por tudo isso, apesar da certa relativização trazida pela Teoria da Derrotabilidade, tem-se que princípios e regras guardam diferenciações importantes em suas formas de aplicação.

4.5 Plano da mutabilidade

Outra crença, bastante disseminada nas academias de Direito e que está intimamente relacionada ao plano de mutabilidade, afirma que qualquer operador, agindo individualmente, pode alterar a composição estrutural de um princípio.

Entretanto, como acontece com o processo de construção, percebe-se que quando do seu processo de transformação, uma norma principiológica só se altera, em essência, a partir de uma comunhão de atos cognitivos.

Antes de tudo é preciso deixar claro que não se quer, aqui, diminuir a importância do operador do Direito para a ciência jurídica em seu processo de construção, modificação e etc. Como elucida o saudoso Calmom de Passos em seu artigo intitulado A Instrumentalidade do Processo, o homem exerce um papel determinante e indispensável para a produção do Direito; o que não poderia ser diferente, já que o Direito é uma construção exclusivamente humana.

Todavia, um só operador, por mais que possa dar uma nova “roupagem” e aplicar um princípio do Direito de uma maneira jamais utilizada, só poderá fazê-lo de modo pontual, no caso concreto. Para que um princípio evolua é preciso que esse novo “uso” seja aplicado reiteradamente por todo o ordenamento, e por vários operadores, a fim de construir uma nova consciência teleológica que passará a ter eficácia geral.

Sendo assim, é bastante perceptível a diferenciação entre a adoção de uma perspectiva inédita na aplicação de um princípio (o que pode ser feito de modo individual e terá validade pontual) e a alteração (ampliação, restrição, modificação) do seu sentido material, que é um ato eminentemente coletivo.


5. A FORÇA NORMATIVA DOS PRINCÍPIOS

Nos últimos vinte anos muito se discutiu no Brasil sobre a validade dos princípios enquanto norma jurídica. Autores mais tradicionais defendiam que os princípios deveriam ser visualizados não como normas, mas como diretrizes de ordem moral para a aplicação das regras, sem qualquer capacidade normativa.

Nesse sentido está, por exemplo, a dicção do art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que, ao tratar dos meios de integração do Direito, relacionando-os em ordem de prioridade, coloca os princípios no fim da fila, senão vejamos:

Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. (BRASIL, Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro)

Ou seja: para a corrente clássica, a lei é o instrumento de excelência para a aplicação do Direito, e por consectário lógico, o primeiro meio de que o operador pode se valer. Apenas nos casos em que a lei for omissa é que o operário deverá utilizar-se da analogia, dos costumes e dos princípios gerais do Direito.

Acontece que essa visão egocêntrica da lei pode trazer sérios problemas para o ordenamento.

O primeiro deles é que a lei, enquanto instituto finito, é incapaz de antever todos os fatos sociais presentes numa comunidade em um determinado espaço de tempo. Verdadeiramente, para que uma regra se torne eficaz, ela passa por um árduo processo legislativo que lhe confere legitimidade. Porém, em se tratado de uma sociedade complexa, a todo momento surgem novos fatos valorados pelo homem, fazendo com que as regras já nasçam, de um certo modo, obsoletas.

Por esta razão se pode afirmar, sem sombra de dúvidas, que as relações sociais reguladas pelos costumes, jurisprudência e especialmente pelos princípios, guardam proporção infinitamente maior daquelas passíveis de ser reguladas por lei.  

Seguindo esta direção, Norberto Bobbio defende que, por guardar uma finalidade semelhante a qualquer outra norma, aos princípios deve ser reconhecida a força normativa.

Os princípios gerais são apenas, a meu ver, normas fundamentais ou generalíssimas do sistema, as normas mais gerais. A palavra princípios leva a engano, tanto que é velha questão entre juristas se os princípios gerais são normas. Para mim não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas as outras. E esta é também a tese sustentada por Crisafulli. Para sustentar que os princípios gerais são normas, os argumentos são dois, e ambos válidos: antes de mais nada, se são normas aquelas das quais os princípios gerais são extraídos, através de um procedimento de generalização sucessiva, não se vê por que não devam ser normas também eles: se abstraio da espécie animal obtenho sempre animais, e não flores ou estrelas. Em segundo lugar, a função para qual são extraídos e empregados é a mesma cumprida por todas as normas, isto é, a função de regular um caso. E com que finalidade são extraídos em caso de lacuna? Para regular um comportamento não-regulamentado: mas então servem ao mesmo escopo que servem as normas. E por que não deveriam ser normas?  (BOBBIO, 1996, p. 159).

Nesta seara, os princípios passam de meras diretrizes valorativas à condição de normas de caráter impositivo e vinculante, o que faz com que um princípio possa ser aplicado de forma isolada, sem a necessidade de qualquer correspondência textual.

Não é inoportuno considerar neste momento as ideias de Leite:

É indiscutível que os princípios desempenham esse papel orientador na ordem jurídica, mas sua relevância não se adstringe a esse aspecto diretivo. De fato, no estágio atual de sua compreensão, a sua elevada generalidade não lhes retira a capacidade de solver situações fáticas controvertidas, posto que são considerados, não como simples pautas valorativas, senão como autênticas normas jurídicas, conforme se verá. (LEITE, A Abertura da Constituição em Face dos Princípios Constitucionais).

Muito embora haja certa resistência por parte dos hermeneutas que põem a norma-regra no topo da cadeia normativa, há de se perceber que o reconhecimento da força normativa dos princípios guarda um papel crucial na formação da completude de um ordenamento. O fato de se poder aplicar diretamente um princípio ao caso concreto, sem a intermediação de outra regra qualquer, pode reduzir significativamente o tempo entre uma pretensão de direito e a chancela jurisdicional que reconhecerá ou não o pleito.

Por esta razão, considera-se que, na maioria das vezes, os princípios encontram-se no mesmo grau de importância das regras. Em algumas ocasiões, aqueles podem ser utilizados até mesmo para desconstituir a eficácia destas.

Conclusivamente, não há como não reconhecer a eficácia normativa dos princípios do Direito, uma vez que são eles os justificadores das demais regras e de todo o ordenamento jurídico.


6. O PROBLEMA DE SE TRATAR REGRAS E POSTULADOS COMO PRINCÍPIOS

Num primeiro momento, o ato de se tratar regras jurídicas e postulados normativos como princípios pode parecer uma falha meramente didática, o que não é verdade. O fato é que, coadunando a melhor doutrina de Humberto Ávila, princípios, regras e postulados normativos não possuem hierarquia, mas apenas são distintos no que diz respeito à essência e ao objeto de incidência de cada um (ÁVILA, 2014).

Como visto anteriormente, regras são normas concretas e relativamente específicas, que podem ser alteradas pela vontade de um grupo restrito de pessoas e se aplicam a cada caso, geralmente, por meio da subsunção. Os postulados normativos, por sua vez, sejam eles hermenêuticos ou de aplicação, são diretrizes normativas que servem para compreender e melhor aplicar outras normas. Já os princípios são normas pautadas na própria essência do homem, quando percebido coletivamente, que têm uma grande carga de abstração e se modificam de acordo com a consciência da sociedade.

Denota-se do exposto que cada espécie normativa possui uma série de características que a definem, tais como a forma de constituição, o nível de abstração, a maneira como se aplica ao caso concreto e a sua mutabilidade. Por consequência, uma possível confusão entre regras, princípios e postulados pode gerar graves inconsistências no ordenamento.

Imagine-se, novamente, o teor do princípio da liberdade humana.

A CF/88 traz no bojo do seu art. 5º a ideia de que o homem é, por natureza, um animal livre e a ele deve ser garantida, de forma indistinta, essa liberdade, até o momento em que este resolva invadir a esfera de liberdade de outro ser humano.

Pois bem, muito embora os constituintes originários tenham petrificado tal princípio na Carta Maior, por razões já discutidas em capítulos anteriores, não são eles os reais criadores do princípio da liberdade. Em verdade, aos legisladores coube apenas tornar expresso algo que já era comum à consciência da nossa e de maioria das sociedades.

Em vista disso, torna-se clara uma e talvez a mais importante diferença entre o processo de criação de uma norma-princípio e de uma norma-regra, que é a origem de cada uma.

Ao passo que os princípios do Direito emanam da consciência social, e, a partir desta, já passam a produzir a sua cogência, as regras (strictu sensu), muito embora, no mais das vezes, sejam também expressões do senso médio de uma comunidade, só se tornam cogentes após a chancela dos órgãos responsáveis pelo devido processo legislativo.   

Portanto, um princípio pode se tornar pleno apenas com a construção e aplicação reiterada de um conceito bem definido por uma comunidade; todavia, as regras em sentido estrito só se completam após a aquiescência do legislador.

Assim, o maior problema na confusão entre princípios e as demais normas está nos processos de criação. Se os legisladores acreditarem que regras e postulados normativos são essencialmente indistintos dos princípios, indubitavelmente, passarão a acreditar também que são sujeitos aptos a criar princípios e a alterá-los ao sabor de suas vontades.

Neste aspecto, não extrapola o objeto deste trabalho apontar que muito embora o parlamento seja o representante legítimo do povo, a vontade deste, num número considerável de hipóteses, não acompanha a vontade da sociedade. Tal afirmação está inserta na realidade da maioria dos países ocidentais, sendo o Brasil um de seus maiores atestadores.

Imagine-se, portanto, que os parlamentares estejam imbuídos da vontade de criar, sozinhos, princípios do Direito. Neste caso, o legislador poderia apontar a sua visão num sentido diametralmente oposto à visão da sociedade, o que faria de um princípio jurídico – que é, reconhecidamente, uma criação da consciência comunitária – um instrumento de repressão dos interesses coletivos.

Esta hipótese não é concebível num ordenamento jurídico embasado nos ideais democráticos da liberdade e da justiça social. Por esta razão é que os princípios não podem, jamais, nascer de compreensões particulares.


7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como se pôde observar, as normas de caráter principiológico e as normas-regras – incluídos aqui os postulados normativos – guardam entre si relevantes diferenças de ordem constitutiva, o que impede a confusão entre tais institutos. Em razão disso não há como conceber que alguns operadores do Direito tratem tais aparelhos de concretização jurídica de maneira indistinta.

Pelo exposto, muito embora princípios e regras tenham o mesmo objetivo, o de regular relações entre os seres humanos que vivem em comunidade, estes apresentam formas distintas de concepção, mutação, abstração e aplicabilidade; ao passo que os princípios jurídicos, de modo geral, nascem do seio coletivo, as regras são criações específicas que têm sua origem pautada em atos de cognição individuais.

Há de se observar, por oportuno, que esta abissal diferença entre os processos de constituição de uma regra e de um princípio impedem que princípios sejam criados de forma isolada, por atos de reflexão do operador e do hermeneuta jurídico, ou do legislador.  

Do quanto dito, conclui-se que a teoria dos princípios, aliada à crescente evolução no estudo das espécies normativas, deu um salto significativo no que pertine às suas estruturas fundamentais. Este novo pensamento acerca dos aparelhos básicos do Direito trará, nos próximos anos, mudanças significativas na maneira como se concebe a ordem jurídica atual, fazendo com que as regras, antes ocupando posição central e absoluta no estudo do Direito, dividam lugar com as demais fontes normativas.                


TABELA DE REFERÊNCIAS

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 2ª ed.  (trad. de Virgílio Afonso da Silva) São Paulo: Malheiros, 2011;

ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 2014;

BÄCKER, Carsten. (Regras, Princípios e Derrotabilidade. Revista Brasileira de Estudos Políticos. Belo Horizonte, n.º 102, p. 60, jan./jun. 2011);

BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico. 1ª ed. São Paulo: Ícone, 2006;

BRASIL. Constituição, 1988;

BRASIL. Código Civil, 2002;

BRASIL. Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro, 1942;

BRITO, Ronaldo. Distinção entre normas jurídicas: princípios, regras e postulados jurídicos. 03 Maio 2012. Disponível em: www.blogdoronaldobrito.blogspot.com.br/ 2012/05/distincao-entre-normas-juridicas;

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e Teoria da Constituição. 4ª ed. Coimbra: Almeida, 2000;

DINIZ, Maria Helena, Conflito de Normas. São Paulo: Saraiva, 1987;

ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais: Elementos teóricos para uma formulação dogmática constitucionalmente adequada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999;

HART, Herbert Lionel Adolphus. The Ascription of Responsibility and Rights, apud Vasconcellos, Hermenêutica jurídica e derrotabilidade;

LEITE, George Salomão. A Abertura da Constituição em Face dos Princípios Constitucionais. Disponível em http://www.jfpb.gov.br/esmafe/Pdf. Acesso em 28.01.2009;

LIMA, George Marmelstein. Hierarquia entre Princípios e Colisão de Normas Constitucionais. Disponível em http://jus.com.br/artigos/2625. Acesso em: 27.01.2009.


Autores

  • Eric Felipe Silva e Caldas

    Bacharel em Direito pela Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina - FACAPE; Ex-Estagiário da 3ª Vara do Trabalho em Petrolina - PE (TRT6); Ex-Estagiário da 17ª Vara da Justiça Federal em Petrolina-PE (TRF5); Advogado; Conciliador da Justiça Federal na subseção de Petrolina-PE; Pós-graduado em Direito Público Municipal pela Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina - FACAPE.

    Textos publicados pelo autor

  • Chirley Vanuyre Vianna Cordeiro

    Chirley Vanuyre Vianna Cordeiro

    Docente do Curso de Direito da Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina - FACAPE, Especialista em Direito Público pela Universidade do Estado da Bahia - UNEB, Procuradora Jurídica do Município de Juazeiro (BA).

    Textos publicados pela autora

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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CALDAS, Eric Felipe Silva e; CORDEIRO, Chirley Vanuyre Vianna. Quando os princípios do Direito se afastam da principiologia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4726, 9 jun. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/49371. Acesso em: 3 maio 2024.