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A Defensoria Pública e o direito à saúde: acesso à justiça

A Defensoria Pública e o direito à saúde: acesso à justiça

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A jurisprudência do país é pacífica e assentada no sentido de ser possível realizar prestação jurisdicional para compelir o Estado a concretamente efetivar o direito à saúde, seja com o fornecimento de medicamentos ou tratamentos de alto custo, seja com o custeio de cirurgias urgentes, ou mesmo com a aquisição de instrumentos que possam amenizar ou dá uma sobrevida ao paciente.

RESUMO: O presente artigo faz uma breve análise da atuação da Defensoria Pública como ponte de acesso à justiça às pessoas em condições de vulnerabilidade social com a missão de compelir o Poder Público a fornecer medicamentos de alto custo aos indivíduos carentes de recursos. O pleito por medicamentos essenciais à cura ou ao controle da enfermidade é extremamente oneroso, sendo fundamentado no direito à vida e à saúde, decorrência inafastável da imposição estatal de promover o bem de todos, assegurando a saúde como corolário da dignidade da pessoa humana, princípio fundamental em torno do qual gravitam todas as normas jurídicas e fundamentos da República Federativa do Brasil, conforme art.1.°, inciso III, da Constituição Federal.

Palavras chaves: DIREITO – VIDA - SAÚDE – MEDICAMENTOS - DIGNIDADE HUMANA – DEFENSORIA PÚBLICA – ACESSO – JUSTIÇA – HIPOSSUFICIENTES.

SUMÁRIO:1. Introdução; 2. A Defensoria Pública; 2.1. Escopo da Defensoria Pública; 2.2. O Papel da Defensoria Pública no acesso à justiça; 3. Ascensão da Dignidade da Pessoa Humana como corolário da concretização do direito à saúde; 4. O Direito à Saúde; 5. Ativismo Judicial em relação às Políticas Públicas e o Pós-Constitucionalismo; 6.  A Jurisprudência dominante no País; 7. Conclusões; 8. Referências.


Introdução

O Brasil tem hoje mais de 240 mil processos envolvendo questões relacionadas à saúde. Esses dados fazem parte de um estudo em fase de conclusão, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça, que começou em 2010, com o Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde. O CNJ constatou que tramitam no Judiciário brasileiro 240.980 processos judiciais na área de saúde – as denominadas demandas judiciais de saúde. A maior parte dessas ações refere-se a reivindicações de pessoas que buscam na Justiça acesso a medicamentos e a tratamentos médicos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), bem como vagas em hospitais públicos e ações diversas propostas por usuários de seguros e planos privados junto ao setor.

É nessa hodierna conjuntura que o presente trabalho analisa, sem anseio de esgotar o tema, à vista da complexidade e contemporaneidade, a nova ordem jurídica quanto ao acesso à Justiça visto como direito autônomo, impulsionando o papel da Defensoria Pública de garanti-lo às pessoas em condição de vulnerabilidade social, máxime quando se busca efetivar através do Judiciário a garantia do direito à saúde, para compelir o Estado ao fornecimento de medicamentos de alto custo para o tratamento de doenças que atingem a população carente do país.

O tema será tratado à luz da Constituição Federal, da doutrina e da jurisprudência mais atualizada do país, expondo a importância da Defensoria Pública no acesso à justiça às pessoas desprovidas de finanças, com argumentos favoráveis à procedência do pedido nessas ações, fazendo-se um contraponto entre a reserva do possível versus o mínimo existencial, tendo como eixo fundamental a promoção da dignidade da pessoa humana, prevista como princípio fundante do Estado Democrático de Direito (CF/88, art. 1.º, III).

Noutra quadra, examinam-se as mais recentes jurisprudências sobre o tema, com especial enfoque nas recentes decisões judiciais lavradas pelo Supremo Tribunal Federal, com o advento de debates e discussões com a sociedade civil, para tentar pacificar o posicionamento a ser adotado pelos juízes e Tribunais, pertinente ao julgamento das ações de medicamentos às pessoas com insuficiência de recursos.

Ademais, será abordada a questão da judicialização das políticas públicas e o papel do Poder Judiciário nessa perspectiva, além das celeumas relacionadas aos limites da obrigação constitucional do Estado com o direito à saúde, reconhecendo a possibilidade de todos os entes Federativos (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios), integrarem o pólo passivo dessas ações, sendo solidariamente responsáveis pela efetivação desse direito.


A Defensoria Pública

A Defensoria Pública é a instituição essencial à função jurisdicional do Estado, sendo o órgão constitucionalmente predestinado a efetivar a íntegra garantia à dignidade da pessoa humana e à plena busca da felicidade aos menos abastados, com o compromisso fundamental de tentar a máxima erradicação da miséria e a criação de oportunidade para todos os indivíduos, tornando-os cidadãos.

Veja-se que já no primeiro artigo da Lei Complementar n. 80, de 12 de janeiro de 1994, com as recentes alterações da Lei Complementar n. 132, define-se o perfil instrumental e a função da Defensoria Pública, nos seguintes termos:

 “Art. 1º. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, assim considerados na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal.” ((Brasil, Lei Complementar Federal n. 80, de 12 de Janeiro de 1994).

Nesse contexto, importa obtemperar que é exigência do Estado Democrático de Direito não somente a procura de repartição igualitária de oportunidades, com respeito e consideração aos direitos fundamentais, mas a conversão desses dogmas em realidades vivenciadas no cotidiano, ocasionando concretamente o imediato acolhimento às necessidades dos menos favorecidos.

É nessa perspectiva que se envolta a Defensoria Pública, como instituição capaz de garantir os interesses e direitos a que fazem jus às pessoas necessitadas de recursos financeiros, para que o ideal de Estado Democrático seja posto em prática. Dessarte, a Constituição Federal, de 05 de outubro de 1988, cuidou de estabelecer uma norma impositiva entregando ao Estado a obrigação constitucional de prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos (CF/88, art. 5.º, inciso LXXV), incumbindo à Defensoria Pública o desempenho dessa garantia, dando orientação jurídica e promovendo a defesa, em todos os graus, dos necessitados na forma da lei, consoante estabelece o art. 134, caput, da nossa Carta Magna.


Escopo da Defensoria Pública

Como dito, a nossa Carta Magna encarregou a Defensoria Pública da função precípua de garantir assistência integral e gratuita, seja judicial ou extrajudicial, em todos os graus, aos que se declararem economicamente carentes de recursos, ou seja: àqueles que não possam arcar com as despesas e encargos decorrentes de um processo judicial ou administrativo, nem possam contratar um advogado para patrocinar sua defesa ou a garantia de um direito com a efetivação do adequado acesso à justiça.

Todavia, a tarefa de destrinchar os objetivos a serem alcançados por essa instituição, ficou a cargo da legislação infraconstitucional. Nesse passo, impende dizer que é na Lei Complementar n. 80, de 12 de Janeiro de 1994, com as alterações geradas pela retrocitada Lei Complementar n. 132, de 07 de Outubro de 2009, notadamente no art. 3.º-A e incisos, que se encontram expressamente consignados os objetivos da Defensoria Pública. Vejamos o citado dispositivo legal:

Art. 3º-A.   São objetivos da Defensoria Pública: 

I – a primazia da dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades sociais; 

II – a afirmação do Estado Democrático de Direito; 

III – a prevalência e efetividade dos direitos humanos; e 

IV – a garantia dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. (Brasil, Lei Complementar Federal n. 80, de 12 de Janeiro de 1994).

Portanto, é imperioso destacar que é a Defensoria Pública instituição permanente essencial e vocacionada à eficácia das disposições constitucionais e dos tratados internacionais firmados pelo Brasil, a fim de dar efetividade e concretude aos seus comandos essenciais. Nesse passo, importa consignar que o fortalecimento e a valorização dessa instituição, com a dotação de recursos financeiros próprios condizentes com o seu papel de protagonista no Estado Democrático de Direito é uma conquista inalienável de toda a sociedade brasileira.


O Papel da Defensoria Pública no acesso à justiça

Impende nesse momento ressaltar, é que na realidade não se existirá democracia e não se promoverá cidadania se não for garantida ao indivíduo a mesma qualidade de acesso à justiça como a de qualquer outra pessoa dotada de bens e posses, a fim de fazer valer seus direitos e interesses postulando em juízo em igualdade de condições e paridade de armas.

Assim, apenas se formará cidadãos em equidade de direitos e deveres, se a todos, independentemente da classe sócio-econômica a que pertençam, forem dadas as mesmas oportunidades e os mesmos instrumentos legais e processuais de acesso ao Judiciário, para poderem lutar por seus direitos e interesses nas mesmas hipóteses em que lutariam pessoas dotadas de riquezas, inseridos na mesma sociedade.

Desse modo, percebe-se que além do indispensável acesso aos direitos sociais, como saúde, lazer, educação, habitação, trabalho e segurança, torna-se indissociável da ideia de Estado Democrático de Direito o pleno e eficaz acesso à justiça, como forma de crescimento social do homem e da sociedade.

Isso se torna uma ingrata realidade, na medida em que a existência de direitos fundamentais, sem a possibilidade de torná-los concretos no dia-a-dia do cidadão, sentindo e usufruindo dos seus direitos individuais e coletivos, é um intolerável resquício de um Estado fracassado nas suas promessas e objetivos consagrados como diretriz constitucional a ser seguidos pela República Federativa do Brasil, que se diz constituir em Estado Democrático de Direito (CF/88, art. 1.°, caput).

Nessa perspectiva, temos que a obtenção do acesso à justiça, com a participação equivalente dos indivíduos dentro da sociedade, assegurando celeridade na prestação jurisdicional com a garantia do bem da vida desejado, dando-lhes a tutela jurisdicional requerida em tempo razoável e com eficiência, é princípio fundante de um país que busca seu crescimento social, cultural e econômico, tornando-se uma potência mundial, porque a garantia e a defesa dos hipossuficientes são, em última análise, a garantia e a defesa do próprio Estado de Direito, porquanto o que se busca é contribuir com máxima efetividade ao princípio constitucional da igualdade.

Temos a cidadania e a dignidade humana como fundamentos da República Federativa; e como objetivos a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, com a promoção do bem de todos, sem discriminação, de origem, raça, cor, idade, sexo ou quaisquer outros tipos, como àquela por pertencer à determinada classe social. É por essa razão que o Estado é forçado a prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.

Nesse contexto, percebemos então um dos mais importantes papéis do Estado: a efetivação e a defesa dos direitos fundamentais de modo igualitário, de maneira a garantir a cada um e a todos a imediata ação da Justiça, fazendo com que pobres e ricos tenham a mesma qualidade de serviço público prestado pela jurisdição.

A defesa gratuita é dever do Estado que preceitua entre seus fins, erradicar a pobreza e promover o bem de todos. Igualmente, é direito inalienável do despojado de riquezas, sendo certo que a assistência judiciária gratuita é corolário do Estado Democrático de Direito, sendo exercida pela Defensoria Pública, que na Administração da Justiça, é instituição essencial à função jurisdicional do Estado como legítima função social, tornando-se sua ação de promoção e proteção dos pobres um agente de mudança, haja vista que assegura amparo jurídico aos necessitados na forma da lei fomentando grandes transformações sociais como um autêntico agente político do Estado.

Desse modo, é imperioso concluir que é o defensor público, mais do que qualquer outro operador da ciência jurídica, o profissional mais capacitado a prestar todo o amparo e proteção jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos, para efetivamente desfrutar de seus direitos e interesses, asseverando o íntegro acesso à justiça, que hoje é visto como direito autônomo, sendo um dos princípios fundantes do Estado Democrático de Direito, fincado no princípio constitucional da igualdade.

Isso porque é o defensor público o agente estatal mais próximo da realidade vivenciada pelo indivíduo pobre, captando com maior imediatismo e sensibilidade o cotidiano dramático do povo humilde, utilizando-se de um conteúdo humanístico e instrumental de sua missão como agente de transformação social, buscando solucionar as contendas envolvendo essas pessoas carentes de recursos econômicos na melhor forma de direito e justiça, mas também, transformando o indivíduo em cidadão, com informação, educação e formação ética, fornecendo-lhes todo o arsenal imprescindível na busca por seus direitos na ordem jurídica, impedindo que o poder do Estado se torne excessivo e violador de garantias individuais e coletivas, com prejuízo a camada mais pobre da sociedade.


Ascensão da Dignidade da Pessoa Humana como corolário da concretização do direito à saúde

O artigo em comento traz como temática a obrigação do Estado em fornecer medicamentos de alto custo às pessoas carentes, com fundamento no direito à saúde, previsto constitucionalmente nos art. 6.° e art. 196 e seguintes da Constituição da República, que o categorizam como direito social de segunda geração, tendo como consequência a imposição ao Poder Público do dever de promover o bem de todos, assegurando saúde aos que dela necessitem, como corolário da dignidade da pessoa humana fundamento da República Federativa do Brasil (CF/88, art. 1.°, inciso III), sendo o eixo fundamental em torno do qual giram todas as normas jurídicas.

Destarte, temos que é a dignidade humana o núcleo informador de todo o ordenamento jurídico brasileiro. Para a sua observância, não há como considerar as normas de conteúdo social como desprovidas de normatividade. A própria Constituição Federal vigente, reconhece os direitos sociais como direitos fundamentais, tendo em vista a sua importância para a consecução do bem comum e, em última análise, para a inserção das pessoas na sociedade.

A dignidade da pessoa humana está diretamente relacionada com os direitos fundamentais, e esses direitos variam de acordo com a história e os valores de cada sociedade. Assim, podemos dizer que a dignidade humana é a pedra de toque e o alicerce dos direitos fundamentais sem a qual o indivíduo passa a ser coisificado, deixando de ser visto como ser humano.

Os direitos fundamentais podem ser entendidos como um conjunto de princípios e regras que possuem um elevado grau de normatividade capaz de impulsionar os dons e o potencial das pessoas, fazendo com que elas sejam vistas como seres autônomos e independentes, capazes de se desenvolver perante a sociedade em que vivem.

Segundo o jurista Ingo Wolfgang Sarlet, in Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 2.ª ed, revista e ampliada. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2002, p. 62, a dignidade humana é:

“a qualidade intrínseca e distintiva de cada Ser Humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.”. (Ingo Wolfgang Sarlet. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 2.ª ed, revista e ampliada. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2002, p. 62).

As lições da doutrina e da jurisprudência demonstram que a promoção da dignidade humana passa pela plena garantia do direito à saúde, por isso que na atual ordem jurídica o direito fundamental à vida (CF/88, art. 5.°, caput), consiste no direito a viver bem, com saúde e dignidade, cominando ao Estado o dever de conceder oportunidades a todos os indivíduos para a busca da felicidade, reconhecendo que os direitos sociais são igualmente direitos fundamentais, (Capítulo II do Título II - Dos Direitos e Garantias Fundamentais), com aplicação imediata (CF/88, art. 5.°, § 1°), além de inaugurar um Estado Social (CF/88, arts. 1° e 3°), que para sua real concretização requer a aplicação dos direitos sociais.


O Direito à Saúde

O direito à saúde encontra guarida na Constituição Federal do que decorre o dever do Poder Público em garantir aos cidadãos uma prestação adequada e eficiente desse serviço público.

Nesse passo, cumpre dizer que o tema ora tratado no passado não tinha grande repercussão e relevância como na hodierna conjuntura. Malgrado isso, já era possível se conhecer de alguns precedentes dos Tribunais da Federação, no sentido de compelir o Poder Público a custear medicamentos e promover as despesas com cirurgias e tratamentos de alto custo para as pessoas carentes.

Nos dias atuas, é bastante anunciado pela impressa nacional o fato das pessoas irem ao Judiciário em busca de receber medicamentos de alto de custo, bem como para a realização de cirurgias que envolvem risco de vida e em geral têm elevadíssimo valor.

Isso é corriqueiro no Brasil da atualidade, tanto é assim que o Supremo Tribunal Federal realizou uma Audiência Pública, de número 04, convocando a população, e todos os interessados, especialistas, doutores, médicos e intérpretes para se tentar chegar um denominador comum a respeito da matéria, explanando, conhecendo, entendendo e definindo os limites da obrigação constitucional do Estado na prestação do direito à saúde para todos.

Tal iniciativa teve por intuito estabelecer a diretriz a ser seguida pelos juízes e Tribunais do país, que devem respeitar e cumprir a orientação consignada pela Corte Constitucional pertinente à questão da saúde, influenciando sobremodo a elaboração e produção do presente artigo jurídico, que tomará o rumo da possibilidade jurídica do pedido no tocante à obrigação dos entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) de fornecer medicamentos e arcar com tratamentos de alto custo para as pessoas carentes de recursos financeiros, na medida em que não se comunga do argumento trazido pelo Poder Público de falta de reservas financeiras para esses procedimentos (reserva do economicamente possível), haja vista que tal tese não pode se sobrepor à vida, à saúde e à dignidade das pessoas.

O direito à saúde vem evoluindo com o passar dos tempos, de acordo com José Afonso da Silva, in Curso de Direito Constitucional Positivo, 24.ª ed, São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 308:

“A evolução conduziu à concepção da nossa Constituição de 1988, que declara ser a saúde direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação, serviços e ações que são de relevância pública (arts. 196 e 197). A Constituição o submete a conceito de seguridade social, cujas ações e meios se destinam, também, a assegurá-lo e torná-lo eficaz.” (José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo, 24.ª ed, Malheiros Editores, 2004, p. 308).

Noutra perspectiva, tem-se a problemática da reserva do possível versus o mínimo existencial, levada em consideração pela dogmática moderna para impor parâmetros e limites à obrigação do Estado para com a saúde, especialmente em relação à apreciação pelo Poder Judiciário de políticas públicas de competência do Poder Executivo, especialmente as voltadas para o direito constitucional à saúde.

Consoante ensina Ingo Wolfgang Sarlet e Mariana Filchtiner Figueiredo, in Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações. 

“A garantia do mínimo existencial, que obriga o Estado a prestações que criem condições materiais mínimas para uma vida digna dos seus cidadãos, está fundada (1) no princípio da dignidade humana, pois ela não estaria garantida apenas pela proteção das liberdades individuais, mas precisaria também ser protegida "por um mínimo de segurança social, já que, sem os recursos materiais para uma existência digna, a própria dignidade humana ficaria sacrificada"; (2) no direito à vida e à integridade física, que não é apenas a proibição de sua violação, mas pressupõe uma postura ativa na sua proteção e; (3) no direito geral de liberdade, já que a qualidade de pessoa autônoma e responsável não prescinde da garantia de condições mínimas de existência. (Grifei).

Por outro lado, o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF n. 45, adverte:

Vê-se, pois, que os condicionamentos impostos, pela cláusula da "reserva do possível", ao processo de concretização dos direitos de segunda geração - de implantação sempre onerosa -, traduzem-se em um binômio que compreende, de um lado, (1) a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público e, de outro, (2) a existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as prestações positivas dele reclamadas. Desnecessário acentuar-se, considerado o encargo governamental de tornar efetiva a aplicação dos direitos econômicos, sociais e culturais, que os elementos componentes do mencionado binômio (razoabilidade da pretensão + disponibilidade financeira do Estado) devem configurar-se de modo afirmativo e em situação de cumulativa ocorrência, pois, ausente qualquer desses elementos, descaracterizar-se-á a possibilidade estatal de realização prática de tais direitos. (Brasil, STF. ADPF n. 45, 29/04/2004). (Grifei).

Outro ponto que provoca dúvidas, diz respeito aos limites da obrigação constitucional do Estado em relação ao direito à saúde, reconhecendo a possibilidade de todos os entes federativos integrarem o pólo passivo dessas ações, sendo solidariamente responsáveis pela efetivação do comando constitucional. Nesse passo, cite-se o argumento do Defensor Público Federal André da Silva Ordacgy na citada audiência pública, verbis:

“Em relação à solidariedade passiva, a jurisprudência dos nossos tribunais, especificamente aqui do Supremo Tribunal Federal é bem firme no sentido de que ela existe. Isso decorre do próprio ordenamento jurídico, da nossa Constituição Federal, no artigo 198, como também na sua forma de custeio. Qual é a ideia conceitual da solidariedade jurídica? É a ideia de que o jurisdicionado, o paciente que precisa de medicamentos pode requerer esse medicamento necessário de um dos entes públicos, Município, Estado ou União Federal, ou de todos eles juntos. O que for melhor para ele. Isso por quê? Porque ele se encontra numa posição de fragilidade. Ele é a parte mais fraca e, ainda por cima, acometido de uma enfermidade. Então, ele necessita deste medicamento.” (André da Silva Ordacgy, STF, Audiência Pública n. 04, Abril/2009). (Grifei).


Ativismo Judicial em relação às Políticas Públicas e o Pós-Constitucionalismo

No ordenamento jurídico brasileiro, a amplitude do direito constitucional e o desejo pela máxima efetividade das normas constitucionais são fatores predominantes na judicialização hodierna. A discussão acerca do ativismo judicial tem sido vista como a celeuma da judicialização, especialmente a judicialização das políticas públicas, numa relação de causa e efeito.

O ativismo judicial ou judicialização da política é fenômeno já muito ocorrido, tendo sua gênese com o fim do constitucionalismo liberal e o surgimento do social (Constituição Mexicana de 1917 e de Weimar de 1919), fortalecendo seus pilares com o fim da Segunda Guerra Mundial (1945), sendo a promoção dos direitos fundamentais e dos princípios que regem as constituições sociais seu maior triunfo, podendo ser visto quando ocorre o enfraquecimento dos outros poderes, levando ao fortalecimento do Judiciário, o qual, tendo em vista a omissão e sinecura do Executivo e Legislativo, acaba por tomar uma posição pró-ativa na sociedade, com a participação ativa dos magistrados na proteção dos princípios constitucionais, através do controle da atividade dos demais poderes, por meio do viés constitucional.

Destarte, quando há o enfraquecimento dos outros poderes, o Judiciário ganha forças e assume um papel relevante, intervindo em assuntos que antes eram abordados e resolvidos no âmbito de cada poder. Isso vem ocorrendo de forma corriqueira com relação à intervenção do Judiciário nas políticas públicas, mormente na área da saúde, assunto que originariamente caberia ao Executivo dispor, fomentar e instrumentalizar, otimizando os recursos de modo coerente e harmônico para cumprir sua obrigação constitucional de garantir saúde a todos de que dela necessitem.

Nesse passo, percebe-se que a questão da judicialização das políticas públicas e o papel do Poder Judiciário é tema que causa grandes controvérsias no cenário jurídico brasileiro. Nesse sentido, impende trazer a lição do Professor Luis Roberto Barroso na palestra proferida na audiência pública n. 04, realizada no mês de abril de 2009, no Supremo Tribunal Federal:

A judicialização no Brasil decorre do modelo constitucional brasileiro e, portanto, em alguma medida ela é inevitável. Constitucionalizar é tirar uma matéria da política e trazê-la para dentro do Direito. E, portanto, existem prestações que o Judiciário não pode se negar a apreciar - e é muito bom que seja assim. Porém, a judicialização tem uma óbvia faceta negativa. É que, na medida em que uma matéria precise ser resolvida mediante uma demanda judicial, é sinal que ela não pôde ser atendida administrativamente; é sinal que ela não pôde ser atendida pelo modo natural de atendimento das demandas, que é, por via de soluções legislativas, soluções administrativas e soluções negociadas. A faceta positiva é que, quando alguém tem um direito fundamental e esse direito não foi observado, é muito bom poder ir ao Poder Judiciário e merecer esta tutela.”. (Luis Roberto Barroso STF, Audiência Pública n. 04, Abril/2009). (Grifei).

Na jurisprudência hodierna do país, temos julgados recentes do STF sobre a questão da intervenção do judiciário nas políticas públicas. Vejamos:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SEGURANÇA PÚBLICA. LEGITIMIDADE. INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. OMISSÃO ADMINISTRATIVA. 1. O Ministério Público detém capacidade postulatória não só para a abertura do inquérito civil, da ação penal pública e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social do meio ambiente, mas também de outros interesses difusos e coletivos [artigo 129, I e III, da CB/88]. Precedentes. 2. O Supremo fixou entendimento no sentido de que é função institucional do Poder Judiciário determinar a implantação de políticas públicas quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento. [grifado]. (Brasil, STF. RE 367432 AgR/PR, Relator Min. EROS GRAU, j. 20/04/2010, Segunda Turma, DJe- 13/05/2010).

DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO A SAÚDE. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROSSEGUIMENTO DE JULGAMENTO. AUSÊNCIA DE INGERÊNCIA NO PODER DISCRICIONÁRIO DO PODER EXECUTIVO. ARTIGOS 2º, 6º E 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. O direito a saúde é prerrogativa constitucional indisponível, garantido mediante a implementação de políticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso a tal serviço. 2. É possível ao Poder Judiciário determinar a implementação pelo Estado, quando inadimplente, de políticas públicas constitucionalmente previstas, sem que haja ingerência em questão que envolve o poder discricionário do Poder Executivo. Precedentes. 3. Agravo regimental improvido. (Brasil, STF. AI 734487 AgR/PR, Relatora Min. ELLEN GRACIE, j. 03/08/2010, Segunda Turma, DJe-154 19- 08 -2010). (Grifei).

A judicialização da política é resultado do debate constitucional que hoje vem sendo desenvolvido por toda a doutrina constitucionalista moderna, com o aparecimento de um novel paradigma com teses ainda mais inovadoras, denominado neoconstitucionalismo, constitucionalismo pós-moderno ou pós-positivismo. Hodiernamente o Direito como ciência jurídica está umbilicalmente ligado à ideia de constitucionalismo ou constitucionalização do Direito. Seguindo essa dogmática, todas as normas, todos os casos postos, todos os fatos concretos da vida que reflitam no cenário jurídico devem ser analisados e interpretados à luz da Constituição Federal, a nossa Lei Maior.

Portanto, pós-constitucionalismo ou novo direito constitucional, ou ainda, neoconstitucionalismo pode ser entendido como, na justa lição do professor Luis Roberto Barroso. 

"um conjunto amplo de transformações ocorridas no Estado e no direito constitucional, em meio às quais podem ser assinalados, (i) como marco histórico, a formação do Estado constitucional de direito, cuja consolidação se deu ao longo das décadas finais do século XX; (ii) como marco filosófico, o pós-positivismo, com a centralidade dos direitos fundamentais e a reaproximação entre Direito e ética; e (iii) como marco teórico, o conjunto de mudanças que incluem a força normativa da Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional. Desse conjunto de fenômenos resultou um processo extenso e profundo de constitucionalização do Direito".

Dessa maneira, o neoconstitucionalismo visa, na sua essência, à eficácia das normas constitucionais, tornando a teoria em prática contínua, sendo comum o pensamento de que é a partir dele que será possível a implantação de um real e efetivo Estado de Direito, apto a promover uma vida digna a todos os indivíduos, sendo a judicialização da política, com um expressivo deslocamento de poder da esfera do Legislativo e do Executivo para o Judiciário, marca indelével desse novo fenômeno constitucional.


A Jurisprudência dominante no País

A jurisprudência do país é mansa, pacífica e assentada no sentido de ser possível realizar prestação jurisdicional para compelir a Fazenda Pública a concretamente efetivar o direito à saúde, seja com o fornecimento de medicamentos ou tratamentos de alto custo, seja com o custeio de cirurgias urgentes, ou mesmo com a aquisição de instrumentos que possam amenizar ou dar uma sobrevida ao paciente, para uma melhor qualidade de vida.

Enfim, segundo a jurisprudência nacional, é cogente ao Estado implementar políticas públicas eficazes no intuito de fazer com que aquele indivíduo em situação de extrema penúria possa tornar-se um cidadão, com respeito e dignidade perante a sociedade em que vive, conforme se inferi da análise dos julgados paradigmas abaixo colacionados:

RE 607381 AgR / SC - SANTA CATARINA

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO À SAÚDE (ART. 196, CF). FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. SOLIDARIEDADE PASSIVA ENTRE OS ENTES FEDERATIVOS. CHAMAMENTO AO PROCESSO. DESLOCAMENTO DO FEITO PARA JUSTIÇA FEDERAL. MEDIDA PROTELATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. 1. O artigo 196 da CF impõe o dever estatal de implementação das políticas públicas, no sentido de conferir efetividade ao acesso da população à redução dos riscos de doenças e às medidas necessárias para proteção e recuperação dos cidadãos. 2. O Estado deve criar meios para prover serviços médico-hospitalares e fornecimento de medicamentos, além da implementação de políticas públicas preventivas, mercê de os entes federativos garantirem recursos em seus orçamentos para implementação das mesmas. (arts. 23, II, e 198, § 1º, da CF). 3. O recebimento de medicamentos pelo Estado é direito fundamental, podendo o requerente pleiteá-los de qualquer um dos entes federativos, desde que demonstrada sua necessidade e a impossibilidade de custeá-los com recursos próprios. Isto por que, uma vez satisfeitos tais requisitos, o ente federativo deve se pautar no espírito de solidariedade para conferir efetividade ao direito garantido pela Constituição, e não criar entraves jurídicos para postergar a devida prestação jurisdicional. 4. In casu, o chamamento ao processo da União pelo Estado de Santa Catarina revela-se medida meramente protelatória que não traz nenhuma utilidade ao processo, além de atrasar a resolução do feito, revelando-se meio inconstitucional para evitar o acesso aos remédios necessários para o restabelecimento da saúde da recorrida. 5. Agravo regimental no recurso extraordinário desprovido. (Brasil, STF. RE n. 607381 AgR / SC - SANTA CATARINA, DJ 31/05/2011).

AI 553712 AgR / RS - RIO GRANDE DO SUL

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. MEDICAMENTOS. FORNECIMENTO A PACIENTES CARENTES. OBRIGAÇÃO DO ESTADO. I - O acórdão recorrido decidiu a questão dos autos com base na legislação processual que visa assegurar o cumprimento das decisões judiciais. Inadmissibilidade do RE, porquanto a ofensa à Constituição, se existente, seria indireta. II - A disciplina do art. 100 da CF cuida do regime especial dos precatórios, tendo aplicação somente nas hipóteses de execução de sentença condenatória, o que não é o caso dos autos. Inaplicável o dispositivo constitucional, não se verifica a apontada violação à Constituição Federal. III - Possibilidade de bloqueio de valores a fim de assegurar o fornecimento gratuito de medicamentos em favor de pessoas hipossuficientes. Precedentes. IV - Agravo regimental improvido. (Brasil, STF. AI 553712 AgR / RS - RIO GRANDE DO SUL, DJ 09/05/2011).

RE 393175 AgR / RS - RIO GRANDE DO SUL

E M E N T A: PACIENTES COM ESQUIZOFRENIA PARANÓIDE E DOENÇA MANÍACO-DEPRESSIVA CRÔNICA, COM EPISÓDIOS DE TENTATIVA DE SUICÍDIO - PESSOAS DESTITUÍDAS DE RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - NECESSIDADE IMPERIOSA DE SE PRESERVAR, POR RAZÕES DE CARÁTER ÉTICO-JURÍDICO, A INTEGRIDADE DESSE DIREITO ESSENCIAL - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS INDISPENSÁVEIS EM FAVOR DE PESSOAS CARENTES - DEVER CONSTITUCIONAL DO ESTADO (CF, ARTS. 5º, "CAPUT", E 196) - PRECEDENTES (STF) - ABUSO DO DIREITO DE RECORRER - IMPOSIÇÃO DE MULTA - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. - O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA, A PESSOAS CARENTES, DE MEDICAMENTOS ESSENCIAIS À PRESERVAÇÃO DE SUA VIDA E/OU DE SUA SAÚDE: UM DEVER CONSTITUCIONAL QUE O ESTADO NÃO PODE DEIXAR DE CUMPRIR. - O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, "caput", e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF. (Brasil, STF. RE n. 393175 AgR / RS - RIO GRANDE DO SUL, DJ 02-02-2007).

RE 271286 AgR / RS - RIO GRANDE DO SUL

E M E N T A: PACIENTE COM HIV/AIDS - PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS - DEVER CONSTITUCIONAL DO PODER PÚBLICO (CF, ARTS. 5º, CAPUT, E 196) - PRECEDENTES (STF) - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. - O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A interpretação da norma programática não pode transformá-la em promessa constitucional inconseqüente. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS A PESSOAS CARENTES. - O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF. (Brasil, STF. RE 271286 AgR / RS - RIO GRANDE DO SUL, DJ 23/08/2000).

RE 195192 / RS - RIO GRANDE DO SUL

MANDADO DE SEGURANÇA - ADEQUAÇÃO - INCISO LXIX, DO ARTIGO 5º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Uma vez assentado no acórdão proferido o concurso da primeira condição da ação mandamental - direito líquido e certo - descabe concluir pela transgressão ao inciso LXIX do artigo 5º da Constituição Federal. SAÚDE - AQUISIÇÃO E FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS - DOENÇA RARA. Incumbe ao Estado (gênero) proporcionar meios visando a alcançar a saúde, especialmente quando envolvida criança e adolescente. O Sistema Único de Saúde torna a responsabilidade linear alcançando a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. (Brasil, STF. RE 195192 / RS - RIO GRANDE DO SUL, DJ 21/025/2000).

RMS 30723 / MG

EMENTA: ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. RECURSO ORDINÁRIO. DIREITO À SAÚDE. ESPONDILITE ANQUILOSANTE. HUMIRA. MEDICAMENTO PREVISTO NA LISTA DO SUS PARA TRATAMENTO DE ARTRITE REUMÁTICA. INTOLERÂNCIA DO IMPETRANTE AOS MEDICAMENTOS INDICADOS PELO SUS PARA O TRATAMENTO DE SUA ENFERMIDADE. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. PRESENÇA. SEGURANÇA CONCEDIDA.

(...)

5. Ora, se o medicamento está previsto na lista do SUS é indicado para o tratamento da doença que acomete o impetrante, e este não tolera, ou é insensível, aos demais medicamentos utilizados no combate à doença, não pode ser recusado pela autoridade impetrada, única e simplesmente, porque Portaria do Ministério da Saúde indica o remédio para a artrite reumática, e não para a espondilite anquilosante.

6. O direito à vida e à saúde é direito fundamental de todos e responsabilidade do Estado, não podendo ser amesquinhado por ato infralegal que indica o remédio para uma doença e não para outra, catalogada sob a mesma rubrica do CID.

7. Recurso ordinário provido. (Brasil, STF. RMS 30723 / MG, DJe 01/12/2010).

AgRg no REsp 1136549 / RS

ADMINISTRATIVO – CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS – POSSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS – DIREITO À SAÚDE – FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS – MANIFESTA NECESSIDADE – OBRIGAÇÃO DO PODER PÚBLICO – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES – NÃO OPONIBILIDADE DA RESERVA DO POSSÍVEL AO MÍNIMO EXISTENCIAL.

1. Não podem os direitos sociais ficar condicionados à boa vontade do Administrador, sendo de fundamental importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente fundamentais.

2. Tratando-se de direito fundamental, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal.

3. In casu, não há empecilho jurídico para que a ação, que visa a assegurar o fornecimento de medicamentos, seja dirigida contra o município, tendo em vista a consolidada jurisprudência desta Corte, no sentido de que "o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que qualquer dessas entidades têm legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros" (REsp 771.537/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 3.10.2005). Agravo regimental improvido. (Brasil, STF. AgRg no REsp 1136549 / RS, DJ 08/06/2010).

RMS 24197 / PR

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. HEPATITE C. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À SAÚDE, À VIDA E À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. LAUDO EMITIDO POR MÉDICO NÃO CREDENCIADO PELO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS). EXAMES REALIZADOS EM HOSPITAL ESTADUAL. PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE.

1. A ordem constitucional vigente, em seu art. 196, consagra o direito à saúde como dever do Estado, que deverá, por meio de políticas sociais e econômicas, propiciar aos necessitados não "qualquer tratamento", mas o tratamento mais adequado e eficaz, capaz de ofertar ao enfermo maior dignidade e menor sofrimento.

2. Sobreleva notar, ainda, que hoje é patente a idéia de que a Constituição não é ornamental, não se resume a um museu de princípios, não é meramente um ideário; reclama efetividade real de suas normas. Destarte, na aplicação das normas constitucionais, a exegese deve partir dos princípios fundamentais, para os princípios setoriais. E, sob esse ângulo, merece destaque o princípio fundante da República que destina especial proteção a dignidade da pessoa humana.

3. Sobre o tema não dissente o Egrégio Supremo Tribunal Federal, consoante se colhe da recente decisão, proferida em sede de Agravo Regimental na Suspensão de Segurança 175/CE, Relator Ministro Gilmar

Mendes, julgado em 17.3.2010, cujos fundamentos se revelam perfeitamente aplicáveis ao caso sub examine, conforme noticiado no Informativo 579 do STF, 15 a 19 de março de 2010, in verbis: "Fornecimento de Medicamentos e Responsabilidade Solidária dos Entes em Matéria de Saúde – 1. O Tribunal negou provimento a agravo regimental interposto pela União contra a decisão da Presidência do STF que, por não vislumbrar grave lesão à ordem, à economia e à saúde públicas, indeferira pedido de suspensão de tutela antecipada formulado pela agravante contra acórdão proferido pela 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Na espécie, o TRF da 5ª Região determinara à União, ao Estado do Ceará e ao Município de Fortaleza que fornecessem a jovem portadora da patologia denominada Niemann-Pick tipo C certo medicamento que possibilitaria aumento de sobrevida e melhora da qualidade de vida, mas o qual a família da jovem não possuiria condições para custear. Alegava a agravante que a decisão objeto do pedido de suspensão violaria o princípio da separação de poderes e as normas e os regulamentos do Sistema Único de Saúde - SUS, bem como desconsideraria a função exclusiva da Administração em definir políticas públicas, caracterizando-se, nestes casos, a indevida interferência do Poder Judiciário nas diretrizes de políticas públicas. Sustentava, ainda, sua ilegitimidade passiva e ofensa ao sistema de repartição de competências, como a inexistência de responsabilidade solidária entre os integrantes do SUS, ante a ausência de previsão normativa. Argumentava que só deveria figurar no pólo passivo da ação o ente responsável pela dispensação do medicamento pleiteado e que a determinação de desembolso de considerável quantia para aquisição de medicamento de alto custo pela União implicaria grave lesão às finanças e à saúde públicas.

Fornecimento de Medicamentos e Responsabilidade Solidária dos Entes em Matéria de Saúde – 2. Entendeu-se que a agravante não teria trazido novos elementos capazes de determinar a reforma da decisão agravada. Asseverou-se que a agravante teria repisado a alegação genérica de violação ao princípio da separação dos poderes, o que já afastado pela decisão impugnada ao fundamento de ser possível, em casos como o presente, o Poder Judiciário vir a garantir o direito à saúde, por meio do fornecimento de medicamento ou de tratamento imprescindível para o aumento de sobrevida e a melhoria da qualidade de vida da paciente. No ponto, registrou-se que a decisão impugnada teria informado a existência de provas suficientes quanto ao estado de saúde da paciente e a necessidade do medicamento indicado. Relativamente à possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, reportou-se à decisão proferida na ADPF 45 MC/DF (DJU de 29.4.2004), acerca da legitimidade constitucional do controle e da intervenção do Poder Judiciário em tema de implementação de políticas públicas, quando configurada hipótese de injustificável inércia estatal ou de abusividade governamental. No que se refere à assertiva de que a decisão objeto desta suspensão invadiria competência administrativa da União e provocaria desordem em sua esfera, ao impor-lhe deveres que seriam do Estado e do Município, considerou-se que a decisão agravada teria deixado claro existirem casos na jurisprudência da Corte que afirmariam a responsabilidade solidária dos entes federados em matéria de saúde (RE 195192/RS, DJU de 31.3.2000 e RE 255627/RS, DJU de 23.2.2000). Salientou-se, ainda, que, quanto ao desenvolvimento prático desse tipo de responsabilidade solidária, deveria ser construído um modelo de cooperação e de coordenação de ações conjuntas por parte dos entes federativos. No ponto, observou-se que também será possível apreciar o tema da responsabilidade solidária no RE 566471/RN (DJE de 7.12.2007), que teve reconhecida a repercussão geral e no qual se discute a obrigatoriedade de o Poder Público fornecer medicamento de alto custo. Ademais, registrou-se estar em trâmite na Corte a Proposta de Súmula Vinculante 4, que propõe tornar vinculante o entendimento jurisprudencial a respeito da responsabilidade solidária dos entes da Federação no atendimento das ações de saúde. Ressaltou-se que, apesar da responsabilidade dos entes da Federação em matéria de direito à saúde suscitar questões delicadas, a decisão impugnada pelo pedido de suspensão, ao determinar a responsabilidade da União no fornecimento do tratamento pretendido, estaria seguindo as normas constitucionais que fixaram a competência comum (CF, art. 23, II), a Lei federal 8.080/90 (art. 7º, XI) e a jurisprudência do Supremo. Concluiu-se, assim, que a determinação para que a União pagasse as despesas do tratamento não configuraria grave lesão à ordem pública. Asseverou-se que a correção, ou não, desse posicionamento, não seria passível de ampla cognição nos estritos limites do juízo de contracautela.

Fornecimento de Medicamentos e Responsabilidade Solidária dos Entes em Matéria de Saúde – 3. De igual modo, reputou-se que as alegações concernentes à ilegitimidade passiva da União, à violação de repartição de competências, à necessidade de figurar como réu na ação principal somente o ente responsável pela dispensação do medicamento pleiteado e à desconsideração da lei do SUS não seriam passíveis de ampla delibação no juízo do pedido de suspensão, por constituírem o mérito da ação, a ser debatido de forma exaustiva no exame do recurso cabível contra o provimento jurisdicional que ensejara a tutela antecipada. Aduziu, ademais, que, ante a natureza excepcional do pedido de contracautela, a sua eventual concessão no presente momento teria caráter nitidamente satisfativo, com efeitos deletérios à subsistência e ao regular desenvolvimento da saúde da paciente, a ensejar a ocorrência de possível dano inverso, tendo o pedido formulado, neste ponto, nítida natureza de recurso, o que contrário ao entendimento fixado pela Corte no sentido de ser inviável o pedido de suspensão como sucedâneo recursal.

Afastaram-se, da mesma forma, os argumentos de grave lesão à economia e à saúde públicas, haja vista que a decisão agravada teria consignado, de forma expressa, que o alto custo de um tratamento ou de um medicamento que tem registro na ANVISA não seria suficiente para impedir o seu fornecimento pelo poder público. Por fim, julgou-se improcedente a alegação de temor de que esta decisão constituiria precedente negativo ao poder público, com a possibilidade de resultar no denominado efeito multiplicador, em razão de a análise de decisões dessa natureza dever ser feita caso a caso, tendo em conta todos os elementos normativos e fáticos da questão jurídica debatida. "(STA 175 AgR/CE, rel. Min. Gilmar Mendes,17.3.2010.

4. Last but not least, a alegação de que o impetrante não demonstrou a negativa de fornecimento do medicamento por parte da autoridade, reputada coatora, bem como o desrespeito ao prévio procedimento administrativo, de observância geral, não obsta o deferimento do pedido de fornecimento dos medicamentos pretendidos, por isso que o sopesamento dos valores em jogo impede que normas burocráticas sejam erigidas como óbice à obtenção de tratamento adequado e digno por parte de cidadão hipossuficiente.

5. Sob esse enfoque manifestou-se o Ministério Público Federal: "(...) Não se mostra razoável que a ausência de pedido administrativo, supostamente necessário à dispensação do medicamento em tela, impeça o fornecimento da droga prescrita. A morosidade do trâmite burocrático não pode sobrepor-se ao direito à vida do impetrante, cujo risco de perecimento levou à concessão da medida liminar às fls.79 (...)" fl. 312.

6. In casu, a recusa de fornecimento do medicamento pleiteado pelo impetrante, ora Recorrente, em razão de o mesmo ser portador de vírus com genótipo 3a, quando a Portaria nº 863/2002 do Ministério da Saúde, a qual institui Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas, exigir que o medicamento seja fornecido apenas para portadores de vírus hepatite C do genótipo 1, revela-se desarrazoada, mercê de contrariar relatório médico acostado às fl.27.

7. Ademais, o fato de o relatório e a receita médica terem emanado de médico não credenciado pelo SUS não os invalida para fins de obtenção do medicamento prescrito na rede pública, máxime porque a enfermidade do impetrante foi identificada em outros laudos e exames médicos acostados aos autos (fls.26/33), dentre eles, o exame "pesquisa qualitativa para vírus da Hepatite C (HCV)" realizado pelo Laboratório Central do Estado, vinculado à Secretaria Estadual de Saúde do Estado do Paraná, o qual obteve o resultado "positivo para detecção do RNA do Vírus do HCV" (fl. 26).

8. Recurso Ordinário provido, para conceder a segurança pleiteada na inicial, prejudicado o pedido de efeito suspensivo ao presente recurso (fls. 261/262), em razão do julgamento do mérito recursal e respectivo provimento.  (Brasil, STF. RMS 24197 / PR, DJ 04/05/2010).  (Grifei).

À vista das vertentes decisões judiciais paradigmáticas, e da nova moldura constitucional dada ao direito fundamental à vida e à saúde, denota-se uma premissa quase que absoluta, no sentido de está o poder público compelido a disponibilizar com urgência recursos financeiros, a fim de fornecer o pronto atendimento das ordens emanadas pelo Judiciário, numa nítida obrigação de fazer consistente em fornecer gratuitamente às pessoas desprovidas de riquezas os medicamentos e tratamentos de que necessitem para sobreviver com um mínimo de dignidade possível dentro da coletividade na qual estão inseridas.


Conclusões:

À luz da doutrina e da jurisprudência moderna do país, conclui-se que o direito à saúde é direito fundamental que pode ser exigido do poder público, podendo ser garantido por todos os entes federativos, sendo sua prestação de natureza solidária da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, tendo como órgão instrumental do acesso à justiça para a efetivação desse direito a Defensoria Pública, através das ações e do acolhimento por parte de seus agentes oficiais – os defensores públicos.

Como é de sabença geral, os recursos financeiros são finitos, cabendo ao gestor público otimizá-los da melhor e mais eficiente forma possível, com rigorosa obediência ao princípio do equilíbrio financeiro, realizando políticas públicas e ações sociais seguindo a reserva do economicamente possível; não podendo a Fazenda Pública, ao arrepio da lei e da jurisprudência, proceder ao apego irrestrito ao referido princípio, para esquivar-se intencionalmente do cumprimento de suas obrigações constitucionais.

Sendo o direito à saúde, direito de segunda dimensão (direito social prestacional), exigindo-se do Estado prestações positivas em prol da sociedade, não pode a administração pública valer-se do princípio da separação dos poderes ou da supracitada cláusula da reserva do possível, para impedir a intervenção do Judiciário na efetivação desse direito. Devendo, dessa forma, ser garantido ao cidadão o mínimo existencial por meio de prestações básicas à qualidade de vida, permanecendo incólume o núcleo essencial da dignidade da pessoa humana.

Nesse sentido, cabe ressaltar que apenas de modo excepcional é possível a intervenção do Poder Judiciário na plena concretização do direito à saúde, sendo certo que a avaliação do caso concreto posto ao crivo desse poder dever ser ponderada, realizada de modo responsável e prudente, levando em consideração elementos valorativos e reais, visando a impedir decisões inconsequentes que somente realizam a micro justiça, deixando de lado a produção da macro justiça, de forma ampla e geral para todos.

Portanto, é forçoso concluir que o Estado está constrangido a prover de forma permanente e integral os serviços adequados de saúde a pessoa carente portadora de moléstia grave, mediante a disponibilização de recursos financeiros necessários para aquisição dos medicamentos especificados, de alto custo, de que o paciente necessita, porquanto a saúde é direito de todos e dever do Estado, sendo certo que o Sistema Único de Saúde (SUS) visa à integridade da assistência à saúde, seja individual ou coletiva, devendo acolher aos que dela necessitem em qualquer grau de complexidade, de forma que, restando comprovado o acometimento do individuo por determinada moléstia, necessitando de determinado medicamento prescrito por médico, este deve ser fornecido gratuitamente.


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