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Extinção da hipoteca pelo transcurso do tempo

Extinção da hipoteca pelo transcurso do tempo

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A hipoteca extingue-se pelo pagamento, novação, dação em pagamento, destruição da coisa, prescrição, remissão hipotecária e renúncia do credor.

I – A NATUREZA JURÍDICA DO DIREITO REAL DE HIPOTECA

A hipoteca é direito real acessório que adere a um direito, geralmente pessoal ou de crédito, de sorte que o respectivo titular conta, após o gravame hipotecário, com duas pretensões: uma pessoal, que é a de exigir o cumprimento da dívida por parte do devedor; outra real, que é a de excutir a garantia hipotecária, caso não se dê o adimplemento da dívida.

A hipoteca alinha-se ao lado do penhor, da propriedade fiduciária,  na categoria das garantias que submetem uma coisa ao pagamento da dívida.

Em havendo a constituição de um ônus real, será necessário que seja dada pelo devedor outorga marital ou uxória, caso contrário, o negocio jurídico estará viciado de nulidade, para muitos, de forma relativa. 

Não tem cabimento a hipoteca de bens futuros, como se tem da leitura de Planiol, Ripert e Boulanger (Traité élementaire, volume II, n. 3.634).

Em fase de construção, é lícito dar em hipoteca a fração ideal do terreno, caso em que o ônus hipotecário compreenderá com ela a edificação na medida ou na proporção em que se desenvolva. Nesse sentido tem-se a legislação sobre Condominio e Incorporação (Lei 4.591/64 e mudanças). As unidades em edifícios coletivos (apartamentos, salas, conjuntos comerciais, lojas etc) podem ser dadas em hipoteca pelos respectivos proprietários, conjunta ou separadamente e independente da anuência dos demais condôminos. Por sua vez, os bens em estado de indivisão (condominio tradicional) podem ser hipotecados, guardadas as regras que já eram expostas no artigo 751 do Código Civil revogado.

Embora na maioria dos casos o devedor é quem dá imóvel seu em garantia da obrigação, nada impede seja ela oferecida por um terceiro, sendo então o hipotecante pessoa diversa do devedor como ensinaram Enneccurus, Kipp e Wolff (Tratado, Derecho das cosas, II, § 134).

Não há o desapossamento da coisa e o objeto da garantia é o bem imóvel. Somente vem a ser desapossado dela o devedor por via judicial da excussão hipotecária se deixar de cumprir a obrigação de pagar na oportunidade própria. Inválido é o pacto comissório, pelo qual se estipula  a atribuição do imóvel ao credor, em falta do cumprimento da obrigação. Mas nada impede a datio in solutum, concertada entre o hipotecante e o credor hipotecário, tendo por objeto o imóvel hipotecado, desde que a dívida esteja vencida, como explicou Tito Fulgêncio (Direito Real de Hipoteca, volume I, pág. 111).

Enquanto não liquidada a hipoteca subsiste por inteiro sobre a totalidade dos bens gravados, ainda que ocorra o pagamento parcial. Mas esse caráter, de índole legal, pode ser afastado convencionalmente quando se estipula que a solutio parcial libera alguns dos bens hipotecados, principalmente quando forem diversos e autônomos como unidades econômicas. A indivisibilidade, como explicou Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de direito civil, volume IV, 1974, pág. 307) é da hipoteca em si. Isso porque não depende da indivisibilidade da coisa hipotecada nem tem o poder de gerá-la. A indivisibilidade reside no vínculo que liga a coisa à obrigação. Em razão disso, ainda, e se forem diversos os devedores, o ônus hipotecário não se levanta sem o pagamento integral do débito garantido, ainda que a obrigação não seja solidária. Manifesta-se sobre cada uma das partes do bem gravado, ainda que seja este divisivel. Na linha de De Page (citado por Caio Mário da Silva Pereira, obra mencionada, pág. 207), instituida essa qualidade, como é , no interesse do credor, a divisão ativa da obrigação gera para cada herdeiro credor a faculdade de receber sua cota, desaparecendo, no que lhe concerne a inscrição hipotecária.

Os bens em estado de indivisão, como é o caso do condomínio tradicional, podem ser hipotecados, guardadas as seguintes regras: com o acordo de todos, o imóvel em conjunto; se se tratar de coisa divisível, a parte de cada um; mas não pode um condômino hipotecar além das forças do seu quinhão. Efetuada a divisão, cada condômino tem o direito de dar em hipoteca a sua parte. Mas o bem de família não poderá ser objeto de hipoteca, dada a sua impenhorabilidade.

Fica o devedor com a posse do bem em garantia que lhe é seu, mas dado em garantia real ao credor.

A hipoteca pode ser:

  • Convencional, se vem de relações contratuais;
  • Legal, quando emana da lei;
  • Judicial, se surge de uma decisão judicial podendo ter o conteúdo assecuratório.

Como direito real em garantia a hipoteca tem  a sequela de forma que a alienação da coisa a outrem a mantém.A sequela é a particularidade de seguir a coisa onde quer que se encontre, própria dos direitos reais (que são objeto de taxatividade legal) em geral. Assim é que se o imóvel é transferível inter vivos ou causa mortis, pode o credor persegui-lo em poder do adquirente, e sem dependência ou ressalva especial. Incumbe assim ao credor promover a execução do imóvel onerado e sua venda, mesmo que não seja mais propriedade do devedor hipotecário. Poder-se-á dizer que a venda do bem gravado, não extinguindo a hipoteca é um ato juridico indiferente para o credor, no sentido de que sempre lhe será lícito exercer seu direito contra o adquirente, como informou De Page, citado por Caio Mário da Silva Pereira, pág. 326. Tal efetividade da sequela se revela no momento em que o credor tem de excutir a coisa nas mãos de terceiro. Tal situação, como ensinou Clóvis Beviláqua (Direitos das coisas, volume II, § 188), se revela ostensiva com a sua transmissão. 

Incide a hipoteca sobre os imóveis compreendidos nessa expressão os que o são por natureza. Dada a sua condição, abrangem além do solo as casas, edifícios, ou construções de qualquer natureza.

Incide ainda a hipoteca: sobre os acessórios dos imóveis conjuntamente com eles; domínio direto e domínio útil nas enfiteuses; estradas de ferro; minas e pedreiras; navios; aviões.

Não podem ser hipotecados os bens públicos, de uso comum e especial. Quanto aos de natureza patrimonial são eles alienáveis, mediante autorização legislativa, sendo igualmente hipotecáveis.

Regem a hipoteca os seguintes princípios:

a) Inscrição;

b) Especialização (na hipoteca judicial ela se fará por sentença e constará do mandado presente ao oficial do registro);

c)  Legalidade;

d) Prioridade;

e) Publicidade

Toda hipoteca tem de ser especializada, para que se determine o bem separado do patrimônio e o débito que se destina a garantir. A descrição dos bens deve conter os elementos de identificação necessários a que se individuem. Nâo se conhecendo o quantitativo de débito far-se-a uma estimativa ou se obterá a sua caracterização pela coisa e outros fatores hábeis a precisá-lo, de modo a ter-se dívida liquida e certa ao tempo do vencimento. No contrato especializa-se a hipoteca em beneficio do credor; na inscrição especializa-se no interesse de terceiros, como fator de publicização, podendo suprimir-se a falta, mediante nova escritura, como ensinou Tito Fulgêncio (Direito real de hipoteca, volume I, pág. 84). 

A inscrição é o momento culminante da hipoteca. Ela é a operação geradora do direito real, de forma a constituir a hipoteca. Assim hipoteca não registrada é hipoteca não existente. Todas as hipotecas deverão ser inscritas no registro do lugar do imóvel ou de cada um deles se o mesmo título mencionar mais de um. Procede-se ao registro no livro próprio (Livro II), em obediência à ordem de apresentação segundo a seriação numérica no livro de Protocolo (Livro I), assegurando-se, outrossim, a sua publicidade. O número de ordem determina a prioridade. Se forem instituídas duas ou mais hipotecas sobre o mesmo bem, em favor de credores diversos, não se inscreverão no mesmo dia para que se positive qual delas é prioritária, a não ser que se mencione a hora da constituição. A hipoteca uma vez inscrita é oponível erga omnes. 

A cessão do crédito hipotecário pode fazer-se sem a anuência do devedor. 

A Lei determina quem tem a qualidade para requerer a inscrição: 

a) qualquer interessado, mediante apresentação do instrumento constitutivo, se convencional a hipotecar; 

b) ao pai, mãe, tutor ou curador, a hipoteca legal dos incapazes, antes de assumir a administração dos bens; 

c) ao inventariante ou testamenteiro a hipoteca legal dos incapazes antes de entregar a herança ou o legado; 

d) assinado o termo de tutela ou de curatela o escrivão remeterá cópia ao oficial do registro, considerando-se habilitado a requerer a inscrição qualquer parente sucessível do incapaz; 

e) a hipoteca legal do ofendido poderá ser requerida por ele própria, pelo seu representante legal, se incapaz, ou pelo Ministério Público para efeito do pagamento das custas e penas pecuniárias. 

O seu caráter acessório é nítido. Não há hipoteca em que exista um crédito.

É com o registro do título no Cartório de Imóveis que o direito real de garantia ganha vida e eficácia perante terceiros, de acordo com o previsto no artigo 172 da Lei de Registros Publicos. A partir de então, é oponível erga omnes, já que a publicidade permite a qualquer pessoa ter conhecimento do gravame existente.

Uma vez registrada, a hipoteca gravará o imóvel até o cumprimento da obrigação que a garante, o decurso do prazo de trinta anos, o perecimento do bem ou o seu cancelamento (por liberalidade do credor, por exemplo).

Por fim, vale destacar que a hipoteca não é impeditivo para que o proprietário aliene o bem. Contudo, aquele que adquire, fá-lo-á com conhecimento de que, se o alienante não cumprir com o pagamento de sua dívida perante o credor, o imóvel será objeto de execução. É o princípio da sequela pela qual a garantia seguirá com quem estiver o bem imóvel.

O  Superior Tribunal de Justiça publicou, em 25.4.2005, a Súmula 308, com a seguinte redação:

A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel.

O Recurso Especial nº 187.940-SP, de Relatoria do Ministro Ruy Rosado de Aguiar, sintetizou as posições adotadas até então e aprofundou o estudo, servindo de base para os julgamentos seguintes e para a edição da súmula.

Neste caso paradigma, a discussão estava na possibilidade ou não de a instituição financeira credora da construtora, ao se aperceber da inadimplência de sua devedora, executar a garantia hipotecária e penhorar o imóvel, alienado pela construtora para terceiros adquirentes, que já adimpliram com a dívida própria deles (isto é, o pagamento do preço do imóvel).

Os pontos destacados pela instituição financeira para legitimação de seu comportamento e da penhora referem-se às disposições legais: a hipoteca fora registrada, o que lhe confere publicidade e oponibilidade erga omnes. Logo, os adquirentes, ao celebrarem compromisso de compra e venda tinham conhecimento do risco do negócio, pois o imóvel poderia ser excutido para pagamento da dívida da construtora.

Contra esse argumento, o Relator destaca o fundamento constante na sentença: os adquirentes da unidade objeto de hipoteca e posterior penhora celebraram o contrato para aquisição da unidade por adesão, o que restringe a liberdade de contratar. Portanto, não é crível aceitar que efetivamente concordaram em responder pela dívida da construtora.

Ademais, no comum dos casos, a existência de hipoteca que grava o imóvel é fator para desvalorização do bem e negociação do preço abaixo do valor de mercado, justamente em razão do risco. Contudo, não é isto que ocorre na comercialização das unidades em construção pela construtora, que sabedora da vulnerabilidade e desconhecimento técnico dos adquirentes, aliena os bens pelo preço real, tendo uma lucratividade significante e isenta de riscos, pois também recebe garantias para o pagamento.


Ii – A QUESTÃO DO EFEITO ANEXO

É o artigo 466 da Lei Processual que previa  como efeito secundário específico da sentença civil condenatória a constituição de título para a Hipoteca Judiciária. Sempre que a sentença condenar o réu à entrega de certa coisa, ou ao pagamento determinada quantia em dinheiro, nascerá para o autor o direito de garantia real sobre os bens do vencido, para ver satisfeito seu crédito. Diz o artigo, in verbis:

“Art. 466 – A sentença que condenar o réu no pagamento de uma prestação, consistente em dinheiro ou em coisa, valerá como título constitutivo de hipoteca judiciária, cuja inscrição será ordenada pelo juiz na forma prescrita na Lei de Registros Públicos.

Parágrafo único. A sentença condenatória produz a hipoteca judiciária:

I – embora a condenação seja genérica;

II – pendente arresto de bens do devedor;

III – ainda quando o credor possa promover a execução provisória da sentença.”

Assim para que a sentença valha como titulo constitutivo de hipoteca judiciária deve condenar (eficácia condenatória) o réu ao pagamento de prestação em dinheiro ou coisa, mesmo que a condenação seja genérica e exija uma liquidação de sentença. Ainda será necessário, dentro do principio da publicidade, a devida inscrição no registro de Imóveis Competente. Para que a concessão de hipoteca judiciária basta a sentença condenatória ainda que pendente de liquidação e de recurso.

Mas a  Lei não exigiu o trânsito em julgado da sentença, da mesma forma que não impôs qualquer outra exigência ao credor para que tenha a sentença que lhe conferiu o crédito garantida por hipoteca sobre os bens do devedor. Bastando a ocorrência das três condições acima, nasce o direito de garantia real. É o que diz o artigo 466 do Código de Processo Civil de 1973.

A inscrição de Hipoteca Judiciária também poderá ser requerida após decisão proferida pelas instâncias superiores. Por hipótese, se o autor não obtém o provimento desejado em primeira instância, e, em sede de apelação, tem seu recurso julgado procedente, poderá garantir o que lhe é devido através desta modalidade de hipoteca.

Igualmente, caso o autor tenha saído vencedor em primeira instância, e inscrito Hipoteca Judiciária sobre os bens do devedor, na hipótese de decisão ulterior que venha a modificar o julgado, poderá a constrição ser cancelada.

Esse posicionamento não é pacífico. Para Pontes de Miranda, " a tradição do Direito brasileiro é que o cancelamento não poderia ser feito em virtude de sentença sujeita a recurso, qualquer que seja seu efeito, inclusive o extraordinario, interposto para o STF" (Código de Processo Civil. t.5. Rio de Janeiro, Forense, 1974. p. 117).

Com a hipoteca judicial estamos diante de efeitos anexos. A respeito a bem lançada síntese de Luiz Guilherme Gonçalves Pereira (A execução dos efeitos anexos da sentença constitutiva: uma abordagem à lua do direito fundamental à tutela efetiva) quando disse:

“Os efeitos anexos da sentença, também denominados de secundários ou acessórios, são aqueles que decorrem diretamente de expressa previsão legal; não decorrem, portanto, ao contrário dos efeitos principais, do conteúdo da sentença. Independem, assim, de expresso pedido da parte ou de manifestação do juiz."

Nas palavras de Cândido Rangel Dinamarco (Instituições de Direito Processual Civil. v. III. 4ª Edição. Malheiros, São Paulo, 2004.): 

Esses são os efeitos secundários da sentença, em oposição aos efeitos principais, ou primários, que são necessariamente explícitos e dependem de prévio pedido em regular demanda. A sentença é, para os efeitos que a lei lhe agrega, tomada como mero fato jurídico.

A sentença, neste caso, é considerada como simples fato jurídico, e já não um ato jurídico, pelo que os seus efeitos independem da vontade, na medida em que a sentença, pelo simples fato de existir, preenche o suporte fático de uma norma jurídica e, desta forma, produz a conseqüência jurídica nela prevista. Estes efeitos operam-se, assim, ex lege. 

Esclarecedora, a este propósito, a lição de Calamandrei:

Potremo parlare in questi casi della sentenza come fatto giuridico in senso stretto: in quanto, pur essendo la sentenza una dichiarazione di volontà ossia un atto giuridico, qui non vengono in considerazione gli effetti per i quali la sentenza è atto giuridico, cioè gli effetti (che possiamo chiamare interni) di cui appar come causa la volontà dichiarata nella sentenza; ma altri effetti (che possiamo chiamare esterni) che la legge riconnette ad essa considerata dal di fuori, come um fatto materiale, produtivo di per sè di certe conseguenze giuridiche, l`avverarsi delle quli non dipende dalla volontà del dichiarante. (grifos nossos)

A doutrina apresenta como exemplo paradigmático de efeito anexo da sentença, a hipoteca judiciária, prevista no caput, do art. 466 do CPC de 1973, que prescreve: “a sentença que condenar o réu no pagamento de uma prestação, consistente em dinheiro ou em coisa, valerá como título constitutivo de hipoteca judiciária, cuja inscrição será ordenada pelo juiz na forma prescrita na Lei de Registros Públicos.” Como se vê, a simples existência da sentença condenatória ao pagamento de uma prestação consistente em dinheiro ou em coisa (efeito principal), preenche, de per si, a hipótese normativa (suporte fático), produzindo, consequentemente, a conseqüência jurídica prevista na norma.

Os efeitos anexos da sentença resultam, assim, do preenchimento do suporte fático de uma norma pelo efeito principal da sentença que, neste caso, é tratada como fato jurídico  O preenchimento do suporte fático de uma norma por um efeito jurídico é tratado com extrema clareza por Marcos Bernandes de Mello que escreveu sobre a Teoria do Fato Jurídico nos planos da existência e da eficácia:

O que interessa, portanto, como bem demonstram Pontes de Miranda e Enneccerus-Nipperdey, é a existência do fato jurídico ou de efeito jurídico, como tais, porque é essa existência que importa à composição do suporte fático do outro fato jurídico; quer dizer: se a norma tem como pressuposto de sua incidência (= suporte fático) fato já juridicizado por outra norma jurídica (= fato jurídico), somente se comporá seu suporte fático se aquele fato já existir juridicizado. . 

Ora, são precisamente estes efeitos o objeto de análise do presente trabalho, especificamente aqueles que se verificam quando o direito exercido em juízo corresponde a um direito potestativo, ou seja, aqueles produzidos pela sentença constitutiva.

É o que sucede, por exemplo, com a decisão que anula um negócio jurídico e que faz surgir, por efeito anexo, o direito a uma prestação consistente em, ou restituir as partes ao estado anterior ou serem as mesmas, caso a devolução da coisa objeto do contrato não se faça já possível, indenizadas pelo equivalente (art. 182 do CC); é o que sucede, ainda, com a decisão que rescinde uma sentença que já fora executada (art. 485 do CPC de 1973) que vai gerar, por efeito anexo, o direito do executado à indenização pelo exeqüente dos prejuízos que lhe tenham sido causados em razão da equivocada execução (art. 574 do CPC de 1973).

Resta claro, portanto, que do reconhecimento e efetivação de um direito potestativo (conteúdo da sentença constitutiva), podem surgir efeitos anexos que configuram, agora já, verdadeiros direitos a uma prestação. Nisto consiste, precisamente, a estrita relação que se estabelece entre os efeitos anexos da sentença constitutiva e a dimensão constitutiva dos direitos potestativos, na medida em que os primeiros resultam da efetivação e da aptidão do direito potestativo para gerar, com o seu exercício, novos direitos; novos direitos (direitos a uma prestação) que são certificados pelos efeitos anexos da sentença constitutiva.

Se a coisa julgada não é efeito da sentença, mas qualidade da sentença que a torna imutável, tem ela seus efeitos principais; declaratório, constitutivo, condenatório, mandamental e executivo lato sensu, dentro da classificação quinaria exposta por Pontes de Miranda em seu Tratado de Ações.

É o que sucede, por exemplo, com a decisão que anula um negócio jurídico e que faz surgir, por efeito anexo, o direito a uma prestação consistente em, ou restituir as partes ao estado anterior ou serem as mesmas, caso a devolução da coisa objeto do contrato não se faça já possível, indenizadas pelo equivalente (art. 182 do CC); é o que sucede, ainda, com a decisão que rescinde uma sentença que já fora executada (art. 485 do CPC de 1973) que vai gerar, por efeito anexo, o direito do executado à indenização pelo exeqüente dos prejuízos que lhe tenham sido causados em razão da equivocada execução (art. 574 do CPC de 1973).


III – OS GRAUS DA HIPOTECA

No direito alemão fala-se na possibilidade da permuta de hipotecas pelo grau. O assunto é hoje discutido perante o novo Código Civil de 2002. Veja-se a lição de Maria Helena Diniz (Código civil anotado, 2005, 12º edição, 1182), quando diz:

 O artigo 1.476 do Código Civil  de 1916 permitia a instituição de sucessivas hipotecas, com diferentes graus de preferência:

“O imóvel poderá ser hipotecado mais de uma vez, quer me favor do mesmo credor, quer de outra pessoa. Essa hipoteca de bem hipotecado denomina-se sub-hipoteca, que poderá efetivar-se desde que o valor do imóvel exceda o da obrigação garantida pela anterior, para que possa pagar o segundo credor hipotecário com o remanescente da excussão da primeira hipoteca, reconhecendo-lhe a preferência, relativamente aos credores quirografários. Essa sub-hipoteca deverá ser constituída por novo título, não valendo a mera averbação no registro da primeira.

Entre os credores hipotecários de um mesmo bem, não existe concorrência, nem rateio. Há apenas ordem interna de preferência. O credor da primeira hipoteca prefere ao da segunda, e assim sucessivamente.

É lícito, em principio, ao devedor constituir sobre os mesmos bens uma segunda hipoteca, desde que o seu valor o comporte, prevalecendo nesse caso a segurança de pagamento após a liquidação da primeira. Se, ao oficial for apresentada "segunda hipoteca" antes de inscrita a "primeira", fará ele a prenotação, mas sobrestará no seu registro pelo prazo de trinta dias, até a inscrição da primeira hipoteca. Em caso de dúvida irá suscitar pleito ao juizo competente de Registros Pùblicos. Julgado o pedido improcedente, a inscrição far-se-á com o mesmo número que teria na data prenotada. 

Posto que vencida, não poderá o credor da segunda hipoteca excuti-la antes de vencida a primeira, salvo em caso de insolvência do devedor. Como explicou Caio Mário da Silva Pereira (obra citada, pág. 323), não se presume tal no devedor hipotecário por faltar ao pagamento das obrigações garantidas por hipotecas posteriores a primeira. 


IV  - BENS QUE PODEM SER HIPOTECADOS E SUA EXTINÇÃO

Além dos imóveis por natureza podem ser hipotecados: navios, aviões, minas e pedreiras, estradas de ferro, o domínio útil como desmembramento do aforamento, sujeitando-se a laudêmio e foro.

A hipoteca extingue-se: pelo desaparecimento da obrigação principal: ela pode vir pelo pagamento (a quitação do credor é sua prova como a sentença que julga procedente pedido em ação de consignação em pagamento de cunho declaratório), pela novação (forma de transformação ou substituição da obrigação anterior, extinguindo a que havia), por dação em pagamento (forma de extinção de obrigação diversa do pagamento por entrega de coisa diferente  de dinheiro), destruição da coisa, prescrição, remissão hipotecária (faculdade concedida ao credor da segunda hipoteca, ao adquirente do imóvel hipotecado, e ao executado, seu cônjuge, descendente ou ascendente, operando a libertação do bem gravado e extinção do ônus real).  Ainda ocorre a extinção pela renúncia do credor (a renúncia é da garantia hipotecária, caso em que cessa essa, mas subsiste a obrigação) só se aplica à hipoteca convencional, isto porque a hipoteca legal, inspirada em razões de ordem pública é irrenunciável. Observe-se que se a renúncia envolver o perdão da dívida, extingue-se esta, e a cessação da hipoteca é por via de consequência. 


V - A HIPOTECA LEGAL

A par da hipoteca convencional, há as hipotecas legal e judicial.

Cabe ao filho sob pátrio poder hipoteca legal sobre os bens do pai ou mão que lhe administre os haveres; tem hipoteca legal o filho sobre os bens do pai ou da mãe que vier a convolar novas núpcias, antes de dar a inventário e partilha os bens do casal anterior; concede-se hipoteca legal sobre os bens dos tutores e curadores, em favor dos pupilos e curatelados, sempre se concedendo ex ratione peronarum. Caso de hipoteca legal é o da Fazenda Pública, seja Federal, Estadual ou Municipal,  sobre os imóveis dos tesoureiros, coletores, administradores, exatores, prepostos, rendeiros e contratadores de rendas e fiadores. Da mesma forma ao ofendido dá-se a hipoteca leal sobre os bens dos delinquentes para saisfação de dano causado pelo delito e pagamento das custas, pois tal e próprio da dogmática alemã da teoria das obrigações e  do ato ilícito (somatório shuld e haftung, dever e obrigação de ressarcir pelo patrimônio do devedor ou de terceiro). Somo ainda a hipoteca legal a garantia da Fazenda da União, do Estado ou do Município, sobre os imóveis do delinquente para assegurar o cumprimento das penas pecuniárias e pagamento das custas.


VI – A HIPOTECA JUDICIAL

Passo a hipoteca judicial.

São suas hipóteses: 

a) Uma sentença condenando a entregar coisa ou quantia ou a ressarcir perdas e danos;

b) Para Caio Mário da Silva Pereira (obra citada) necessária a liquidez da sentença, pois que não pode haver garantia dela resultante enquanto a Justiça não se pronuncia sobre o quid, quale, quantum debeatur, sobre a coisa devida, precisa na qualidade e na quantidade;

c)  Transito em julgado da sentença;

d) Especialização com referência precisa ao imóvel gravado e à dívida garantida, a par da abalizada opinião de Caio Mário (obra citada, pág. 343);

e) Inscrição no registro de imóveis, exigida pela lei civil e na lei processual, e efetuada por mandado judicial.

Com esses requisitos preenchidos está criada a hipoteca judicial, que autoriza o vencedor a perseguir o imóvel gravado em poder de qualquer terceiro (sequela), penhorando-os e promovendo a sua venda em hasta pública.

Discute-se a aplicação da sequela e da preferência nessa hipoteca judicial. 

Caio Mário da Silva Pereira (obra citada, pág. 342) ensinava que trata-se de uma hipoteca anômala porque deixa de reunir os dois efeitos característicos, reconhecido apenas um (sequela) sem o outro (preferência). Por sua vez, Azevedo Marques (A hipoteca, n. 84) sustentou a preferência da hipoteca judicial. Mas Clóvis Beviláqua (Comentários ao Código Civil, volume III, artigo 824) lhe negou tal efeito, baseado na letra expressa da lei. 

Registro a opinião de  Charles Edouard Khourii (Da Hipoteca Judiciária, in Migalhas) de que:

"O Código antigo, em seu artigo 824, não conferia à hipoteca decorrente de sentença o direito de preferência que toda hipoteca devidamente registrada produz. Por tal razão, a doutrina, quase unanimemente, assegurava existir a seqüela, mas não a preferência nessas hipotecas. Assim dizia o artigo 824 do Código Civil de 1916, in verbis:

Ocorre que o Código Civil vigente não mais trata da Hipoteca Judiciária, e o dispositivo acima transcrito foi suprimido, não possuindo correspondente na atual Lei Civil. Assim, em que pese o respeitoso posicionamento de brilhantes doutrinadores que ainda sustentam que a hipoteca decorrente de sentença não carrega o direito de preferência, deixou de existir no Direito Pátrio qualquer embasamento legal que justifique esta opinião.

Ainda na vigência do Código de 1916, estando, portanto, em vigor o dispositivo contido no artigo 824 acima transcrito, parte da doutrina já entendia que se aplicava à Hipoteca Judiciária também o direito de preferência. Porém hoje, se a Lei não mais exclui da Hipoteca Judiciária o direito de preferência, não cabe ao aplicador do direito fazê-lo. Desta forma, revogado o dispositivo mencionado, aplica-se à Hipoteca Judiciária o quanto se aplica às demais espécies de hipoteca, de forma que apresentará como efeitos, tanto o direito de sequela, como o direito de preferência."


VII  – A AÇÃO QUE ASSEGURA A HIPOTECA

No caso da hipoteca, a ação que a assegura tem um significado de direito material e não apenas processual. Explica Pontes de Miranda (Tratado de direito privado, tomo XX, § 2.417, pág. 31) que a propositura da excussão hipotecária corresponde a “uma pretensão de direito material”, exatamente “oriunda do direito material” engendrado por esta especial modalidade de garantia real.

Ensinou  Pontes de Miranda (obra citada) que “toda obrigação tende à execução”. Em regra, porém, a execução forçada é simples tutela processual, por meio da qual se aplica sanção ao inadimplemento cometido pelo devedor. No caso da hipoteca, diversamente, pode-se divisar na ação executiva, que lhe corresponde, mais do que simples remédio processual. Há realmente uma ação de direito material, visto que o conteúdo mesmo do direito do credor consiste no poder de excutir o bem garantidor de seu crédito. Em outros termos, a hipoteca não é outra coisa senão o direito de vender judicialmente o imóvel gravado, caso não se dê o pagamento da obrigação garantida.

Daí a lição de Pontes de Miranda de que existe, in casu, uma “ação executiva (de direito material)”. Segundo sua lição, “não se pode eliminar a pretensão de direito material, que há por parte do titular do direito real de garantia (...)”. Assim “o que há, a mais, na ação executiva pignoratícia, ou executiva hipotecária, é exatamente oriundo do direito material”.

Disse Eduardo Espínola (Os Direitos Reais Limitados ou Direitos sobre a Coisa Alheia e os Direitos Reais de Garantia no Direito Civil Brasileiro. Rio de Janeiro: Conquista, 1958, n. 279, p. 431-432) que “o credor hipotecário, como titular de um direito real, que consiste em obter o pagamento de seu crédito por meio do preço obtido na venda forçada do imóvel hipotecado (na falta do pagamento voluntário ajustado) tem o direito fundamental de promover a venda pelos meios legais” .

O  disposto no art. 1.422 do novo Código Civil, é o que se lê: “O credor hipotecário e o pignoratício têm o direito de excutir a coisa hipotecada ou empenhada, e preferir, no pagamento, a outros credores, observada, quanto à hipoteca, a prioridade no registro”. Eis por que lícito é lícito dizer que, na espécie, a pretensão à execução é de direito material.

Ensinava Pontes de Miranda (Tratado de direito privado, volume 20, Bookseller, pág. 457) que as ações executivas ou são reais ou pessoais, a posição do demandado é a  de pessoa imediatamente interessada, passivamente, na execução: de algum modo a tem de tolerar. Nas ações executivas pessoais, a posição do demandado é a de quem sofre a execução, por sair do seu patrimônio o bem com que se satisfaz a pretensão oriunda do título executivo, extrajudicial ou judicial. 

Lecionou ainda Pontes de Miranda (obra citada, pág. 458) que quando o credor cujo crédito foi garantido somente exerce a ação condenatória ou a ação executiva própria do crédito garantido, a ação só se dirige contra o devedor, e não contra o proprietário. Se são a mesma pessoa, há coincidência ocasional de legitimação passivas. 

A ação de execução ou é do título extrajudicial ou é ação de execução da sentença proferida de regra na ação condenatória. 

As exceções oponíveis são as que derivam da relação jurídica entre credor e devedor. Ao cessionário do crédito podem ser apresentadas exceções que nãocabem contra o titular da hipoteca, como as que a fé pública do registro afasta. 

Em decisão recente o Superior Tribunal de Justiça assim se pronunciou: 

A prescrição da pretensão de cobrança da dívida extingue o direito real de hipoteca estipulado para garanti-la. O credor de uma obrigação tem o direito ao crédito desde o momento da pactuação do negócio jurídico, ainda que não implementado o prazo de vencimento. Após o vencimento da dívida, nasce para o credor a pretensão de recebimento dela. Recusado o cumprimento da obrigação, inflama-se a pretensão, nascendo a ação de direito material. Esse desdobramento da obrigação tem interesse prático exatamente no caso da prescrição, pois, após o vencimento da dívida sem a sua exigência coativa, o transcurso do lapso temporal previsto em lei encobre a pretensão e a ação de direito material, mas não extingue o direito do credor. A par disso, é possível visualizar que, efetivamente, o reconhecimento da prescrição não extingue o direito do credor, mas, apenas, encobre a pretensão ou a ação correspondente. De outro lado, registre-se que o art. 1.499 do CC elenca as causas de extinção da hipoteca, sendo a primeira delas a "extinção da obrigação principal". Nessa ordem de ideias, não há dúvida de que a declaração de prescrição de dívida garantida por hipoteca inclui-se no conceito de "extinção da obrigação principal". Isso porque o rol de causas de extinção da hipoteca, elencadas pelo art. 1.499, não é numerus clausus. Ademais, a hipoteca, no sistema brasileiro, é uma garantia acessória em relação a uma obrigação principal, seguindo, naturalmente, as vicissitudes sofridas por esta. Além do mais, segundo entendimento doutrinário, o prazo prescricional "diz respeito à pretensão de receber o valor da dívida a que se vincula a garantia real. [...] extinta a pretensão à cobrança judicial do referido crédito, extinta também estará a pretensão de excutir a hipoteca dada a sua natureza acessória",  como se lê do RESp 1.408.861 - RJ, Relator ministro Paulo de Tarso Sanserino, DJe de 6 de novembro de 2015. 

Ensinou Pontes de Miranda (obra citada, Bookseler, pág. 385) que, na hipoteca, pode haver determinações inexas. A hipoteca pode acabar porque se lhes fixara prazo extintivo, ou condição extintiva (resilitiva). 

Assim na hipoteca voluntária nada obsta a que se inexe termo final ou condição resilitiva. Nas demais hipóteses, a inserção de cláusula inexa de se ter previsto a sub-rogação real, devendo-se entender que somente se extingue a hipoteca se outra se inicia, com a sub-rogação real. 

Nesse ponto ensinou Pontes de Miranda (obra citada, Bookseler, pág. 385) o termo extintivo, ou a condição extintiva é o termo resilitivo, o termo de resolução ex nunc; ou a condição resolutiva, a condição de resolução ex nunc. Hipoteca houve; com o advento do termo ou condição, acaba. Disse Pontes de Miranda,  na mesma obra, pág. 385: 

"O termo e a condição resilitivos somente podem ter relevância real, se houve inserção da determinação inexa no acordo de constituição, ou no negócio jurídico unilateral de constituição que se registrou. Consta, portanto, do registro. Está na dimensão da eficácia real. Aí entrou e aí se vê acabar a hipoteca. A cancelação não poderia ter eficácia desconstitutiva. Todavia, se o termo não foi atingido, ou não se impliu a condição, e procedeu-se ao cancelamento, o cancelamento opera, erga omnes, por declarar, embora falsamente, que se extinguira o crédito. Provado, na ação competente, o que se pode fazer é novo registro (reinscrição) da hipoteca. 

É preciso que se não confunda o termo aposto à dívida garantida, que diz respeito ao vencimento, e o termo fixado à garantia, findo o qual a essa se extingue. Ali, o penhor subsiste, aqui, o penhor acaba (Supremo Tribunal Federal, 11 de junho de 1947, AJ 84/80; "A garantia real prestada a obrigação a termo, não se extingue; confundiu prazo de vencimento e prazo de extinção a 2ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de Goiás, a 6 de junho de 1948, AJ 82/306)" 


VIII – A HIPOTECA E O PRAZO DECADENCIAL

Há várias causas para a extinção da hipoteca e uma delas é a prescrição, como se lê da letra fria da lei.

Ensinou Tito Fulgêncio (Direito Real de Hipoteca, volume II, pág. 449) sob a égide do antigo Código Civil:

“A prescrição da hipoteca é a mesma da dívida ou obrigação que garante, a qual, sendo pessoal,  só prescreve em 30 anos (TJ de São Paulo, volume LXII, pág. . 157).

Lecionava  Caio Mário da Silva Pereira (instituições de direito civil, volume IV, 2ª edição, pág. 349) que, em primeiro lugar, deve ser assentado que a prescrição extintiva da obrigação garantida tem como consequência a cessação da hipoteca, sob a fundamentação tantas vezes repetida: accessorium sequitur principale. Como ainda ensinou Tito Fulgêncio (obra citada, pág. 442), a consumação da hipoteca é simultânea à da dívida.

Sob o Código Civil de 1916, sendo a hipoteca um direito real sobre coisa imóvel prescreve em dez anos entre presentes e quinze entre ausentes. Mas não ocorre pela simples omissão do credor, no caso de se criar contra ele uma situação incompatível com o seu direito real.

Pode ainda operar-se a prescrição da hipoteca por via indireta, quando o adquirente do imóvel o recebe a non domino e o possui como seu, pelo tempo de duração do usucapião ordinário, mansa e pacificamente, com justo título e boa fé. Pelo mesmo fundamento, a prescrição de domínio, que se consolida tractu temporis, o adquirente se vê liberto do ônus que o gravava nas mãos do verus dominus.

Outra hipótese ainda é a do que adquire do proprietário verdadeiro um imóvel tido como livre e desembaraçado, e assim transcreve o seu titulo. Decorrido o tempo necessário a prescrição aquisitiva sem que o credor jamais o molestasse, o adquirente consolida pela prescrição uma ausência de grave que implica em prescrição da hipoteca. Segundo ainda Caio Mário da Silva Pereira (obra citada, pág. 450) “não colheria argumentar com a validade da inscrição da hipoteca que prevalece até ser cancelada, porque no caso desenhar-se-ia um conflito de registros; a inscrição hipotecária opõe-se a transcrição da propriedade livre de ônus e, no conflito de declarações contraditórios do registro imobiliário, prevalece a liberação que tem a seu prol o decurso de tempo e a inércia do credor, e ainda se beneficia da velha sentença advinda do direito romano, enunciada a outro propósito, mas que a este se aplica: plus favemos liberationibus quam obligationibus.”.


IX   – PRAZOS EXTINTIVOS DA HIPOTECA

Tem-se os seguintes prazos extintivos para a hipoteca:

O exercício da pretensão real emanada da hipoteca sofre, na sistemática da lei civil, a contingência de dois prazos extintivos: a) o prazo prescricional relacionado com a obrigação garantida pela hipoteca; b) o prazo de perempção do próprio direito real de hipoteca.

A decadência, também chamada de caducidade, ou prazo extintivo, é o direito outorgado para ser exercido em determinado prazo, caso não for exercido, extingue-se. A prescrição atinge a ação e, por via oblíqua, faz desaparecer o direito por ela tutelado; já a decadência, atinge o direito e, por via oblíqua, extingue a ação.

Na decadência, o prazo nem se interrompe, e nem se suspende (CC, art.207), corre indefectivelmente contra todos e é fatal, e nem pode ser renunciado (CC, art.209). Já a prescrição, pode ser interrompida ou suspensa, e é renunciável.

Segundo Maria Helena Diniz (Curso de Direito Civil Brasileiro, p. 364, 2003) a diferenças básicas entre decadência e prescrição são as seguintes:

A decadência extingue o direito e indiretamente a ação; a prescrição extingue a ação e por via obliqua o direito; o prazo decadencial é estabelecido por lei ou vontade unilateral ou bilateral; o prazo prescricional somente por lei; a prescrição supõe uma ação cuja origem seria diversa da do direito; a decadência requer uma ação cuja origem é idêntica à do direito; a decadência corre contra todos; a prescrição não corre contra aqueles que estiverem sob a égide das causas de interrupção ou suspensão previstas em lei; a decadência decorrente de prazo legal pode ser julgada, de oficio, pelo juiz, independentemente de argüição do interessado; a prescrição das ações patrimoniais não pode ser, ex oficio, decretada pelo magistrado; a decadência resultante de prazo legal não pode ser enunciada; a prescrição, após sua consumação, pode sê-lo pelo prescribente; só as ações condenatórias sofrem os efeitos da prescrição; a decadência só atinge direitos sem prestação que tendem à modificação do estado jurídico existente.

É nítido o cunho constitutivo nas ações onde se têm prazo decadencial. Estamos diante de direitos potestativos e não de direitos subjetivos (o poder de vontade de agir, para satisfação de um interesse próprio em conformidade com a norma jurídica). Nos direitos subjetivos se requer do devedor o cumprimento de um dever. No direito potestativo há uma sujeição.

O seu conceito, e mesmo as suas diferenças com relação a prescrição, são assim dados: que para determinadas relações, a lei e a vontade do individuo estabelecem, previamente, um termo fixo dentro do qual se pode promover uma ação, de modo que terminado esse termo, já não pode ter lugar, seja por que modo for, prescindindo-se para tal de qualquer consideração de negligência do titular ou da impossibilidade na qual se encontre e olhando-se apenas exclusivamente ao fato do decurso do tempo.

Não é um direito que se extingue com a passagem do tempo, mas, sim, a aquisição do direito que se impede como decurso inútil do termo. Uma faculdade a cujo exercício se marcou de antemão um termo, que nasceu, originalmente, com uma limitação de tempo de modo que não pode se fazer valer.

O que acontece quando esgotado tal prazo? As partes devem constituir novo registro, nova especialização, sob pena de caducidade o que independe do prazo de vencimento da obrigação principal garantida.

Silvio de Salvo Venosa compila julgado nesse sentido "Hipoteca - Prazo - Garantia constituída por escritura pública, com validade de 10 anos, não renovada - Direito real extinto, com o conseqüente cancelamento do registro, passando o crédito subsistente a ser quirografário - Perempção caracterizada - reforma da decisão judicial que assinalou a validade da garantia até o seu cancelamento no registro de imóveis - Recurso improvido" (1º TACSP - Processo 765720-6/00 - proc. princ. 9- agravo de instrumento - Angatuba - 3ª câmara - Rel. Itamar Gaino, 3-2-98, MF 36/NP - unânime -Ed. Atlas, vol. V, p. 536).

Em resumo, não sendo renovada a inscrição, ocorre extinção da hipoteca e a dívida passa a ser quirografária, desprovida de garantia real.

Pontes de Miranda (obra citada, Bookseler, pág. 383) analisando o artigo 1.485 do Código Civil de 1916, pelo prazo de vinte anos, da data do contrato, advertiu que aquela solução técnica exige toda a atenção: a hipoteca não subsiste além dos vinte anos, podendo, antes de terminar esse prazo, ser prorrogada (prorrogação da hipoteca prestes a precluir, à semelhança de qualquer prorrogação de hipoteca com prazo, se se quer evitar que se extinga); se foi esgotado o prazo, pode dar-se a reconstituição da hipoteca, se não foi cancelada, desde que haja novo acordo de constituição e novo registro. A favor dessa nova hipoteca, a lei não conferiu o grau que a hipoteca extinta tinha ao extinguir-se, ou o que teria se houvesse sido prorrogado ate a data da nova constituição da hipoteca, mas o que lhe compete no momento do novo registro. 

Com o advento da Lei 10.931/04, o prazo de perempção volta a ser de 30 anos, assim como era previsto no Código Civil de 1916. A razão da mudança se dá pelo fato de a hipoteca, em regra, garantir dívidas por um longo período de tempo, mormente em se tratando de financiamento para a aquisição de bens imóveis.

Assinalou Pontes de Miranda (Tratado de direito privado, tomo XX, Bookseller, pág. 383) que a prescrição das ações reais foi elevada à categoria de causa de extinção da hipoteca pelo Código Civil de 1916, artigo 849, VI. A preclusão do direito, por decurso de tempo, aparece no artigo 1.485 do Codigo Civil, servindo de ponto de partida do prazo a data da hipoteca, isto é, a data do registro, porque desse dia é que começa a existir o direito real. 

Disse, ainda, claramente Pontes de Miranda (obra citada, pág. 384): "O prazo do art. 1.485 é preclusivo. Nâo se suspende, nem se interrompe". Trouxe Pontes de Miranda julgado da 4ª Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 16 de julho de 1942, RT 143/527). 

Ao discutir sobre o prazo preclusivo e ato constitutivo da hipoteca, ainda ensinou Pontes de Miranda (obra citada, pág. 384) que "é interessante observar-se que, sendo desde a data do acordo de constituição ou do negócio jurídico unilateral de constituição, o prazo preclusivo, o registro pode ter tido eficácia de tempo ínfimo, um dia talvez. O que se exaure é a eficácia do ato constitutivo, bilateral ou não. Tal preclusão nada tem com o registro." 

Já entendeu o Supremo Tribunal Federal que tal eficácia nada tem com o registro (RF, 61/294, 18 de novembro de 1932), nem com o crédito que com a hipoteca se garanta (4ª Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 16 de julho de 1942; RT 143/527). 

Destaco que Pontes de Miranda (obra citada, pág. 384) assim disse: 

"Uma das consequências de se haver feito começar da data do ato constitutivo, e não do registro, o prazo preclusivo, consiste em se tornar irregistrável o ato constitutivo, bilateral ou unilateral, que passou vinte anos sem se registrar". 

Considera-se que há  um outro prazo que também pode levar a hipoteca a extinguir-se. Trata-se do prazo de perempção ou preclusão estabelecido pelo art. 1.485 do Código civil atual,  corresponde ao art. 817 do Estatuto anterior. A ordem jurídica opõe-se à perpetuidade desse direito real, precrevendo-lhe um prazo, que era de trinta anos no Código anterior e que passou para vinte anos no texto primitivo do Código de 2.002, voltando a ser de trinta anos com a reforma efetiva pela Lei nº 10.931 de 2.004, findo o qual não mais se poderá prorrogar o vencimento do contrato hipotecário. Apenas por meio de novo contrato e novo registro se conseguirá manter a garantia real, como bem explicou Humberto Theodoro Júnior (A extinção da hipoteca pelo decurso do tempo no regime do Código Civil de 2002).

Pelo art. 1.485 do Código Civil de 2002,  mediante  simples averbação, requerida por ambas as partes, poderá prorrogar-se a hipoteca, até perfazer vinte anos, da data do contrato, Desde que perfaça esse prazo, só poderá substituir o contrato de hipoteca, reconstituindo-se por novo título e novo registro; e, nesse caso, lhe será mantida a precedência, que não lhe competir. (texto primitivo, anterior à Lei nº 10.931/2004).

Sempre que o prazo legal não seja estabelecido para exercício de pretensão nascida da violação de um direito subjetivo, mas se relaciona com a própria subsistência do direito, o caso não é de prescrição e sim, de decadência (direito potestativo). O direito potestativo é exercido através de ações constitutivas e não condenatórias.

Por isso, a doutrina é unânime em qualificar o prazo de perempção da hipoteca como prazo decadencial. Nesse sentido ensinou Pontes de Miranda  que o prazo em questão “é preclusivo. Não suspende, nem se interrompe” (obra citada, pág. 308). Vale dizer “trata-se de prazo de caducidade, independe do prazo da obrigação garantida e de sua prescrição”, “porque de natureza fatal”.

Não é diferente o posicionamento jurisprudencial: “O decurso do prazo de trinta anos da inscrição da hipoteca determina a sua nulidade automática se não houver sido antes providenciada a prorrogação do contrato, não podendo ser interrompido como se tratasse de prazo de prescrição. Completados os trinta anos desaparece a hipoteca de pleno direito, passando a dívida a ficar sem garantia” ( TJSP, Emb. Inf, 45.810, Rel. Des. Ulysses Dória, ac. 16.03.53, RT 212/401).Tem-se que o prazo de perempção da hipoteca, segundo o artigo 1.485 do Código Civil, é de decadência e não de prescrição.

Carlos Maximiliano (Direito intertemporal ou teoria da retroatividade das leis, 1955, n. 221, pág. 258) ensinou que “a decadência, portanto, do direito nascido no regime da lei velha continua por ela regida, ainda que o prazo só venha a se consumar sob o império da lei nova.”

Entendendo-se que os prazos decadenciais integram a própria substância do direito potestativo, as hipotecas contratadas e registradas sob o regime do Código Civil de 1916 continuam sujeitas ao prazo de perempção de trinta anos, previsto no artigo 817, mesmo que seu termo se dê na vigência do Código Civil de 2002, como ensinou Humberto Theodoro Júnior (A extinção da hipoteca pelo decurso do tempo no regime do Código Civil de 2002).

As hipotecas contratadas e registradas sob o regime do Código Civil de 1916 continuam sujeitas ao prazo de perempção de trinta anos, previsto em seu art. 817, mesmo que seu termo final se dê na vigência do Código de 2002. 

Em razão da natureza decadencial do prazo referido no art. 1.485 do Código Civil, não se deve aplicar, no direito potestativo de renovar ou reconstituir a hipoteca em vias de perempção, a regra de direito intertemporal estatuída pelo art.2.028 do atual Código Civil.

 As hipotecas pactuadas na vigência do Código Civil de 2002, antes da reforma do art. 1.485 pela Lei nº10.931/2004,extinguir-se-ão em vinte anos, de acordo com a lei do tempo de sua constituição, já que as inovações legislativas não afetam direitos sujeitos a prazo de decadência. 


X  - USUCAPIÃO E EXTINÇÃO DA HIPOTECA 

Sabe-se que a usucapião é aquisição originária da propriedade. Não seria possivel tratar-se o adquirente como subordinado ao princípio da permanência da hipoteca a despeito das alienações se mais do que a hipoteca é o domínio, ou a enfiteuse, e essa ou aquele pode extinguir-se a alguém por ter o terceiro adquirido o bem, ou adquirido o bem sem gravame enfitêutico. Como considera a melhor doutrina, por outro lado, não se pode afastar a adquiribilidade por usucapião pelo próprio dono do bem gravado se a causa está à base do seu direito sobre bem tido como gravado. 

A aquisição do bem através da usucapião se dá por ação meramente declaratória.  

Sabe-se que a hipoteca atinge o bem sob dominio ou sob enfiteuse, portanto apanha os direitos que dele, ou dela, se irradiam, inclusive o direito à posse. Não tem o titular do direito de hipoteca o direito à posse, mas isso nada tem com a matéria em discussão. Daí a possibilidade de se completar tempo de usucapião por parte de possuidores que admitiram ou não admitiram a hipoteca. Como ensinou Pontes de Miranda (obra citada, Bookseler, pág. 387), na ordinariedade dos casos, o usucapiente está sujeito à eficácia real da hipoteca. Porém há espécies em que a aquisição da propriedade é livre de hipotecas, ou de outros direitos reais. 

Para Pontes de Miranda, a extinção da hipoteca pela aquisição por usucapião, livre de gravame do bem, é independente do prazo preclusivo para extinção das hipotecas, que era fixado no artigo 1.485 do Código Civil revogado. Pode o prazo estar precluso ou não. 

Passa-se o mesmo a respeito das servidões que se podem adquirir sobre o bem gravado. 

Sendo assim o terceiro adquirente que nega a existência da hipoteca ou a sua validade ou eficácia põe-se na situação de quem vai adquirir por usucapião o bem, sem gravame, por ser sem reconhecimento desse gravame a sua propriedade. No direito brasileiro não haveria norma similar a do artigo 2.880 do Còdigo Civil italiano e do Código revogado, de 1865, artigo 2.030. O artigo 849, VI, do Código Civil de 1916, revogado, previu, em geral, a extinção pela prescrição da ação real, e, fora daí, a propriedade. O Código revogado beneficiou a todos os donos e enfiteutas, sejam eles devedores dadores de hipoteca, terceiros doadores e terceiros adquirentes. 


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Extinção da hipoteca pelo transcurso do tempo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5241, 6 nov. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61507. Acesso em: 1 maio 2024.