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Justo título na usucapião ordinária

Justo título na usucapião ordinária

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Trata-se das modalidades de usucapião, concedendo um tratamento mais detalhado à usucapião ordinária.

RESUMO: A finalidade deste trabalho é conceituar usucapião, tratar de forma sintética as modalidades de usucapião, concedendo um tratamento mais detalhado à usucapião ordinária, onde é mais utilizado o justo título e finalizando os principais títulos que podem ser reconhecidos como justos títulos. Inicialmente será trabalhada a conceituação de usucapião, seu papel no direito comparado, buscando mais informações nas modalidades de usucapião, como a usucapião extraordinária, ordinária, urbana e rural, seus requisitos e particularidades, tanto conforme a Constituição Federal, quanto no Código Civil. Por fim, será tratado os principais títulos aceitáveis para serem taxados como justo título. Os possíveis motivos que esses títulos teriam para não servirem como forma de transferência de propriedade e a possibilidade de serem vistos como justos títulos.

Palavras-chave: usucapião ordinária, justo título.


1 INTRODUÇÃO

Embora o direito de propriedade seja uma garantia fundamental, prevista na Constituição Federal (art.5, inciso XXIII), o caminho a se trilhar para conquistar esse direito nem sempre é simples, sofrendo diversas limitações, muitas delas, inclusive, oriundas dos próprios mecanismos das leis infraconstitucionais.

Os percalços para se chegar ao domínio da propriedade podem estar presentes em diversas etapas da caminhada, como em um negócio jurídico formulado sem um contrato contendo os requisitos exigidos pela lei, ou até em um documento judicial que reconhece um fato jurídico, porém, ausente de elementos essenciais para ser aceito o registro.

A função social da propriedade não pode ficar engessada em vícios, vedando a pessoa de desfrutar de todos os benefícios da propriedade, quais sejam de usar, gozar e dispor.1

Um imóvel devidamente registrado é sinônimo de segurança jurídica e incentivo econômico, pois a cadeia de atos que um imóvel devidamente registrado pode gerar é muito grande, afetando os contratantes, o corretor de imóveis, o tabelião de imóveis, o banco, através de incentivos financeiros, a municipalidade, ao cobrar devidamente o imposto territorial urbano, e ao cartório de registro de imóveis que é o destinatário final dessa cadeia, onde trará eficácia erga omnes, ou seja, publicidade a todos.

A usucapião é um mecanismo importante para regular as situações que foram falhas em algum momento, permitindo que o domínio sobre a propriedade seja confirmado no Poder Judiciário.

Existem diversas modalidades de usucapião, com requisitos e aplicações específicos. Entre essas modalidades, destaca-se a usucapião ordinária, que apresenta um lapso temporal intermediário em relação às demais modalidades de usucapião e tem o justo título como elemento essencial, além de outros requisitos.


2 OBJETIVOS

2.1 Objetivo Geral

Avaliar as formas em que a usucapião ordinária pode servir posteriormente como título de domínio, assim como diferenciar as diversas modalidades de usucapião.

2.2 Objetivos Específicos

Identificar os documentos mais comuns para a formalização de negócios jurídicos que poderá servir de justo título para a usucapião ordinária, bem como trabalhar as modalidades de usucapião;

Analisar os significados de título e justo título e as particularidades de cada título conceituado para identificar seus vícios que impedem o seu registro junto ao cartório de registro de imóveis;

Verificar como serão aceitos os títulos como justos títulos, para reconhecimento de exigência da usucapião ordinária, assim o caminho final da sentença declaratória de usucapião, posteriormente na forma de mandado de abertura de matrícula e sua entrada no cartório de registro de imóveis.

Relacionar os principais justos títulos com a usucapião ordinária.


3 USUCAPIÃO

3.1 O que se entende por Usucapião

Segundo José Carlos de Moraes Salles2, utilizando a analise do art. 550 do Código Civil de 1916, Clovis Beviláqua, definiu usucapião como a aquisição do domínio pela posse prolongada.

A usucapião na definição de Benedito Silverio Ribeiro é: Uma forma aquisitiva do domínio pela posse prolongada e desde que observados os requisitos estabelecidos na lei, tem-se que os elementos caracterizadores da usucapião ordinária, da extraordinária e das especiais encontram-se como complementadores da definição.

Flavio Tartuce conceitua usucapião como: (...) uma situação de aquisição do domínio, ou mesmo de outro direito real (caso do usufruto ou da servidão), pela posse prolongada. Assim, permite a lei que uma determinada situação de fato alongada por certo intervalo de tempo se transforme em uma situação jurídica (a aquisição originária da propriedade).

José Carlos de Moraes Salles conceitua a usucapião “como a aquisição do domínio ou de um direito real sobre coisa alheia, mediante posse mansa e pacífica, durante o tempo estabelecido em lei”.

Segundo Caio Mário da Silva Pereira: (...) usucapião é a aquisição da propriedade ou outro direito real pelo decurso do tempo estabelecido e com a observância dos requisitos instituídos em lei. Mais simplificadamente, tendo em vista ser a posse que, no decurso do tempo e associada às outras exigências, se converte em domínio, podemos repetir, embora com a cautela de atentar para a circunstância de que não é qualquer posse senão a qualificada: Usucapião é a aquisição do domínio pela posse prolongada.

3.2 Elementos Históricos da Usucapião

Para o autor Benedito Silverio Ribeiro, “a maioria dos estudiosos comenta o instituto da usucapião a partir do direito romano, época em que houve claro delineamento do assunto”. Benedito Silverio Ribeiro continua sua explanação informando que autores creditam a origem da prescrição aquisitiva na Grécia e que foi citada por Platão na obra A República, enquanto, outros autores, entre eles, Melo Freire, datam sua origem em Roma, onde a usucapião é mencionada na Lei das Doze Tábuas, mais precisamente na tábua VI, ao empregar a expressão usus auctoritas fundi biennium esto coeterarum rerum annus, que traduzido seria “seja a usucapião de imóvel de anos e das outras coisas um ano”.

No Brasil, a usucapião já era usada antes do Código Civil de 1916, com a chamada prescrição aquisitiva ordinária, a qual se aplicava a bens móveis e semoventes, desde que o possuidor estivesse na posse deles por três anos, e tratando-se de bens imóveis, o prazo era de 10 anos, sendo indispensável o justo título e a boa fé. O Código Civil de 1916 estabeleceu os requisitos da usucapião ordinária no seu art. 551:

O instituto da usucapião também é vigente em ordenamentos jurídicos de outros países, porém com suas próprias particularidades.

3.3 A Usucapião e o Direito Comparado

3.3.1 No Direito Alemão

Segundo Benedito Silverio Ribeiro: (...) o direito germânico opera importante reflexo do sistema registrário, pois não é permitida usucapião contra as enunciações do registro, cabendo segundo o estatuído no art. 800 (do Código Civil Alemão), para apenas as confirmar. Daí a distinção que se faz, no tocante ao direito brasileiro. Logo, conforme Benedito Silverio Ribeiro10, para ser proprietário de um imóvel na Alemanha, o possuidor deverá inscrever o imóvel no Livro de Imóveis, e somente adquirirá a propriedade após 30 (trinta) anos, além de estar com a posse do respectivo imóvel a título de propriedade, diferentemente do que ocorre no Brasil, onde a usucapião deve ser declarada judicialmente.

3.3.2 No Direito Italiano

O Código Civil Italiano de 1942 menciona no seu art.922 os modos de aquisição de propriedade. Conforme Benedito Silverio Ribeiro: No capítulo Dell’ usucapione, trata dos seguintes tipos de usucapiões: art. 1.158 (usucapione dei Beni imobili e dei diritti immobiliari), art. 1.159 (usucapione decennale), art. 1.159 bis (usucapione speciale per La piccola proprietá rurale), art. 1.160 (usucapione delle università di mobili), art. 1.161 (usucapione dei Beni mobili) e art. 1.162 (usucapione di Beni mobili inscriti in pubblici registri).

Os modos de aquisição de propriedade pelo direito italiano, segundo Benedito Silverio Ribeiro, são: (...) por ocupação, por invenção, por acessão, por especificação, por união e comistão, por usucapião, por efeito de contratos, por sucessão ‘causa mortis’ e por outros modos estabelecidos pela lei.

Diverso do direito italiano, o direito brasileiro, estabelece as suas próprias formas de aquisição de propriedade no capítulo II do título III do Código Civil, referente “Da Propriedade”.

3.3.3 No Direito Suíço

O Código Civil suíço, assim como o Código Civil brasileiro, prevê a existência da prescrição aquisitiva imobiliária ordinária (art.661) e da extraordinária (art.662).

3.3.4 No Direito Mexicano

Continuando os ensinamentos de Benedito Silverio Ribeiro, o código civil mexicano define a prescrição como meio de adquirir bens ou de livrar-se de obrigações, mediante o transcurso de certo tempo, sob as condições estabelecidas pela lei (art.1.135). Para o referido ordenamento mexicano, a aquisição de bens em virtude da posse chama-se prescrição positiva, já a liberação de obrigações, por não haver o devido cumprimento, chama-se prescrição negativa (art. 1.136).

O Código Civil brasileiro não prevê a existência de prescrição positiva e prescrição negativa.

3.3.5 No Direito Espanhol Benedito Silverio Ribeiro leciona que:

O código civil espanhol prevê que a propriedade e os demais direitos sobre os bens se adquirem e transmitem-se pela lei, por doação, por sucessão testada ou intestada e por conseqüência de certos contratos mediante a tradição. Podem também adquirir-se por meio da prescrição (art.609).

Com algumas exigências semelhantes ao direito brasileiro, o direito espanhol, conforme cita Benedito Silverio Ribeiro, exige para a prescrição ordinária e demais direitos reais, ter a coisa com boa-fé e justo título pelo tempo determinado em lei.

3.3.6 No Direito Argentino

O código civil argentino, segundo Benedito Silverio Ribeiro, define a prescrição para adquirir o imóvel no art. 3.948, enumerando que podem prescrever todas as coisas cujo domínio ou posse pode ser objeto de uma aquisição (art.3.952).

Segundo Patrícia Waldman Padin: Na legislação portenha há previsão de que os direitos reais podem originar-se através da prescrição (art. 3.497, do Código Civil de La Republica Argentina), definindo que esta é um meio de adquirir um direito ou de liberta-se de uma obrigação pelo decurso do tempo. No Brasil, embora a usucapião possa ser considerada como um meio de adquirir um direito, ela não serve para libertar-se de uma obrigação pelo decurso do tempo.

3.3.7 No Direito Chileno

Continua Benedito Silverio Ribeiro citando que os arts. 2.506, 2.507, 2.508, 2.510, 2.511 e 2.512, como sendo os artigos que tratam da prescrição aquisitiva ordinária e a extraordinária no código civil chileno. A sentença judicial que declara uma prescrição suprirá a formalidade da escritura pública para a propriedade de bens de raiz ou de direitos reais neles constituídas; mas não valerá contra terceiros sem a competente inscrição, conforme análise de Benedito Silverio Ribeiro.

No Brasil a sentença de usucapião só valerá perante terceiros para fins de direitos reais quando registrado no Cartório de Registro de Imóveis.

3.3.8 No Direito Paraguaio

Por fim, Benedito Silverio Ribeiro afirma que o código civil do Paraguai prevê a usucapião de vinte anos (art.1.989) e a de dez (art. 1.990), aplicando-se as mesmas regras ao usufruto, ao uso à habitação e às servidões prediais (art.1.999).

Já no Brasil, as regras de usufruto, de uso à habitação e de servidões seguem um rito diferente da usucapião, pois a usucapião é uma forma de aquisição de propriedade de imóvel/móvel, já usufruto, uso, habitação e servidões são direitos reais de gozo ou fruição, que segundo Flavio Tartuce, os direitos reais de gozo ou fruição são situações reais em que existe divisão dos atributos da propriedade, como a própria terminologia indica, transmite-se a outrem o atributo de gozar ou fruir a coisa, com maior ou menor intensidade.


4 MODALIDADES DE USUCAPIÃO

4.1 Da Usucapião Extraordinária

Entre as muitas modalidades de aquisição de propriedade originária, está a espécie extraordinária, prevista no do art. 1.238 do Código Civil que assim transcreve:

Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.”

Conforme artigo supracitado percebe-se que o elemento essencial na modalidade de usucapião analisada é o tempo. Para Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, o fator tempo “é fato fundamental para a conversão da posse em propriedade”. Segundo Marcos Vinicius Mendes Ferreira: Pelo anterior Código Civil, o justo título e a boa-fé se presumiam. Essa presunção era tida como absoluta (iuris et iure), dispensado o possuidor da comprovação desses requisitos. Se houver título, servirá tão-só de reforço probatório, sendo secundário que pelo justo título se presuma a boa-fé.

A longa duração da posse supre a falta de justo título, podendo-se adquirir a coisa, possuída em sua totalidade_ tantum praescriptum quantum possessum, ao contrário da usucapião ordinária, na qual a prescrição somente pode ocorrer dentro dos contornos contidos no próprio título.

O prazo de 15 (quinze) anos fixado no “caput” do art. 1.238 do Código Civil de 2002 é reduzido para 10 (dez) anos, em situações em que a posse está ligada ao trabalho. Logo, segundo Penteado, o prazo previsto no texto da lei admite diminuição se configurada a hipótese dos possuidores estarem usando a área usucapienda para sua moradia habitual ou tenha realizado obras ou serviços produtivos. “Neste caso, pode-se afirmar que o CC (Código Civil brasileiro) criou uma subespécie da usucapião extraordinária, que se dá mediante a posse trabalho”. A posse é aquela que ocorre com o exercício de fato pelo usucapiendo, o que é feito por meio de algum dos elementos da propriedade. Com isso a posse contínua e incontestada é aquela que apresenta lapso temporal, do art. 1.238 do Código Civil, e que não teve qualquer oposição. Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.28 Qualquer situação que agrida a continuidade da posse tem força de suspender o lapso temporal para a caracterização da prescrição aquisitiva.

Outrossim, é importante enfatizar que as posses que existem de forma descontinuada, não têm força necessária para declarar a usucapião extraordinária. Portanto, a posse será exercida com animus domini, ou seja, o usucapiente tem noção que a coisa não é dele, porém, atua com intenção de tornar a propriedade de terceiro em sua.

4.2 Da Usucapião Ordinária

A usucapião ordinária tem previsão legal no art. 242 do Código Civil: Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos. Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico.

Nota-se que pelo texto acima, o legislador aplicou o princípio da operabilidade, um dos princípios basilares do Código Civil de 2002, pois determina a posse contínua e incontestada durante período de tempo, entre cinco ou dez, exigindo, o justo título e a boa-fé. “A hipótese contempla mais uma facilidade em prol da aquisição da propriedade, que pode ser denominada de usucapião documental ou tabular”.

Para a caracterização da usucapião ordinária, são necessários requisitos genéricos da usucapião, quais são: animus domini, posse mansa e pacífica, de boa-fé e ininterrupta e o justo título, constituído por documento que serve como ato translativo ou constitutivo de propriedade. Logo, restará apenas o lapso temporal para a declaração da usucapião, em sua modalidade extraordinária. O justo título para a usucapião ordinária é aquele documento que tem poder de transferir o domínio, mas não o faz por força de algum vício. Conforme lição de Marco Aurélio Viana: Por justo título devemos entender o ato jurídico hábil em tese à transferência do domínio. O que se considera é a faculdade abstrata de transferir a propriedade, habilitando alguém à aquisição do domínio. Ocorre que, na hipótese, ao título faltam os requisitos para realizá-la, porque há uma falha, um defeito, um vício formal ou intrínseco (...). Como regra é possível dizer que a compra e venda, a troca, a dação em pagamento, a doação, o dote, o legado, a arrematação, a adjudicação, são títulos justos, porque hábeis, em tese, à transferência do domínio. Mas tais títulos podem apresentar obstáculos que inibem a transmissão da coisa, como se dá com a venda a non domino, não ter o alienante poder legal para aliená-la, ou ocorrer erro no modo de aquisição” (...).

A usucapião ordinária ocorre quando o usucapiente, embora apresente o título, este, por algum fato, perdeu efeito jurídico, quer seja por irregularidade formal, quer seja por vício de vontade. O Código Civil traz garantias à pessoa que está na situação descrita acima, e que tem como moradia o bem usucapiendo. Com isso, protege o possuidor que gera utilidade ao bem, caracterizando o princípio constitucional da função social da propriedade.

Conforme ensinamento de Cristiano Chaves de Farias & Nelson Rosenvald, a boa-fé está ligada ao estado subjetivo de ignorância do usucapiente. Com isso, a boa-fé torna necessária a convicção que o possuidor tem de que o bem usucapiendo é seu. Com isso, percebe-se que a boa-fé está acima do animus domini, pois o que prevalece é a intenção do possuidor de ser dono da coisa através da boa-fé, por mais que ele não tenha a propriedade da coisa. Segundo Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald33, a boa-fé é tida como opinio domini, uma vez que o possuidor se identifica como dono da coisa. Somente a pessoa com justo título poderá se beneficiar da boa-fé na usucapião ordinária. Não tendo o justo título, deverá o usucapiente socorrer-se da usucapião extraordinária.

4.3 Da Usucapião Especial Rural.

Tal modalidade é vista como usucapião pro labore e teve sua primeira aparição na constituição federal de 1934, e posteriormente, inclusa em todas as constituições do Estado Brasileiro, salvo a de 1967. Na atual Norma Fundamental da República Federativa do Brasil, tal modalidade de usucapião é descrita no art. 191: Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.

Conforme Silvio Rodrigues, o constituinte na Constituição Federal de 1934, buscou a idéia de fomentar a ocupação e a exploração de terras abandonadas, “premiando” o possuidor que trabalha nela. Também trouxe um ideário de assistência e amparo ao homem do campo, fornecendo além da posse, o domínio sobre a área que possuía. A Lei nº. 6.969/1981 trazia a possibilidade de usucapir tanto terras privadas quanto devolutas, tornando, nesta última hipótese, uma exceção a regra da imprescritibilidade das terras públicas, o que não vale por força do parágrafo único do art. 191 da Norma Fundamental. Cumpre-se consignar que o principal fundamento da usucapião especial, como já mencionado, consiste na função social da propriedade. Sobre a usucapião rural, aliás, com bastante propriedade, ensinam Cristiano Chaves de Farias Chaves e Nelson Rosenvald: “Compreende a posse de área de terra em zona rural, não superior a 50 hectares, com ocupação por cinco anos ininterruptos, sendo o imóvel produtivo pelo trabalho e local de moradia da família, vedada a propriedade sobre outro imóvel no lustro legal (art. 191 da CF).

Conhecido como usucapião pro labore, teve por objetivo a fixação do homem no campo, requerendo ocupação produtiva do imóvel, devendo neste morar e trabalhar o usucapiente ou a entidade familiar. Estamodalidade de usucapião é regulada hodiernamente pela Lei nº 6.969/81, com as alterações provenientes de dispositivos que não foram objeto de recepção pelo texto constitucional”.

Constituem requisitos para aquisição de domínio rural por meio de usucapião especial: a) posse ininterrupta, sem oposição e com animus domini pelo prazo de 5 (cinco) anos; b) imóvel rural de no máximo 50 hectares; c) exploração do imóvel para sustento da família, servindo de moradia ao possuidor; d) não ser o possuidor proprietário de outro imóvel, rural ou urbano. Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade. Parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.

A Norma Fundamental prevê que a posse deverá ser exercida de maneira contínua, ou seja, sem interrupção. A palavra “ininterrupta” conota sentido de continuidade. Também é necessário para a usucapião especial que o possuidor tenha a terra possuída, como produtiva através de seu trabalho, e utilizando como moradia. Com isso, não utilizando a coisa de forma exigida, perderá seu direito sobre ela, mesmo exercendo a devida posse. A usucapião especial rural diverge das outras usucapiões por sua natureza social, utilizando do princípio da função social da propriedade, a boa-fé e o justo título do possuidor tornam-se desnecessários.

Caio Mário da Silva Pereira leciona: As características fundamentais desta categoria especial de usucapião baseiam-se no seu caráter social. Não basta que o usucapiente tenha a posse associada ao tempo. Requer-se, mais, que faça da gleba ocupada a sua moradia e torne produtiva pelo seu trabalho ou seu cultivo direto, garantindo desta sorte a subsistência da família, e concorrendo para o progresso social e econômico. Se o fundamento ético da usucapião tradicional é o trabalho, (...) maior ênfase encontra o esforço humano como elemento aquisitivo nesta modalidade especial.37 Vale ressaltar que não existe conflito legal entre usucapião especial rural e os demais institutos, pois os elementos da prescrição aquisitiva são diferentes. Deve-se atentar que diferente das outras modalidades de usucapião, a prevista na Norma Fundamental não permite a somatória das posses dos possuidores anteriores.

Também é importante atentar-se que o critério adotado para classificar o imóvel rural não é com base em sua finalidade, mas sim em sua localização. Conforme exposto acima, o termo rural para o referido usucapião constitucional é aquele imóvel localizado no campo, que explora pecuária, lavoura e agricultura. A Constituição Federal também exige 25 (vinte e cinco) hectares, para a área usucapienda e ainda de forma continua; critérios estes vistos como adequados para Cristiano Chaves de Farias Chaves e Nelson Rosenvald: (...) pois simplifica a matéria, possibilitando ao poder público a efetivação de políticas habitacionais que envolvam regiões inteiras, sem a necessidade de singularização de cada propriedade, com a aferição da destinação de cada unidade imobiliária.

4.4 Da Usucapião Especial Urbana Individual.

A usucapião especial urbana individual está explicitada na Constituição Federal, em seu artigo 183 e seus respectivos parágrafos, consoante se infere:

Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

§1º - O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.

§2º - Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.

§3º - Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. O Constituinte teve como ideia a promoção do direito fundamental à moradia, pois garante a entidade familiar um patrimônio mínimo, atendendo, assim, ao princípio da dignidade da pessoa humana, previsto como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.

Desta forma, determina ao Estado a utilização lógica de áreas urbanas que se encontram em estado ocioso ou ainda estéril, assim como, as ocupações irregulares, trazendo, com isso, formas de realização dos princípios elencados na Norma Fundamental.

A área máxima de ocupação permitida pelo texto constitucional limita-se à metragem de 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados), ainda que dentro dela seja edificada obra que exceda tal tamanho.

Diante do exposto, observa-se que o usucapiente para adquirir o domínio da coisa usucapienda, através da referida usucapião especial, deverá comprovar os seguintes requisitos: imóvel particular em área urbana de até 250 m², prazo de cinco anos, ânimo de dono, utilização para moradia própria, posse sem oposição, inexistência de propriedade de outro imóvel. Sobre um aspecto mais constitucional, Kildare Gonçalves Carvalho diz: A Constituição estabelece também o usucapião urbano. Segundo o art. 183, a pessoa que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-Ihe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. O título de domínio (propriedade) e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. Esses direitos não serão reconhecidos ao mesmo possuidor mais de uma vez.

Enfim, proíbe a Constituição o usucapião de imóveis públicos.(...) os elementos de proveito efetivo e ação positiva, como morar ou habitar, dimensão do imóvel que não enseja a exorbitância de tais atividades, restrição à figura do posseiro ou grileiro, dada a oportunidade singular de exercício etc”.

A referida usucapião trata-se de instrumento constitucional que fomenta a implementação de políticas urbanas. Assim, a Lei Nº. 10.257/2001, conhecida como Estatuto da Cidade, alterou aspectos na referida usucapião, uma vez que foi direcionada a trazer maior efetividade à função social da propriedade e também aos pontos regulatórios do tema em âmbito infraconstitucional.

O artigo 9º do Estatuto da Cidade vai além das disposições constitucionais, área ou edificação urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, para a referida modalidade de usucapião. Para Cristiano Chaves de Faria e Nelson Rosenvald41, faz-se importante destacar que a inclusão do termo “edificação” não objetiva cercear o limite da área de construção, pois estaria o legislador ordinário inovando, em tema que o constituinte não quis impor limites. Portanto, pode-se afastar desta modalidade de usucapião, por força do requisito moradia, os imóveis utilizados com destinação diversa, como por exemplo, pontos comerciais. Porém, havendo destinação mista, ou seja, o imóvel é usado como moradia e local de trabalho, não há impedimento para a aplicação da referida usucapião.

4.5 Da Usucapião Especial Urbana Coletiva.

O Estatuto da Cidade trouxe também em seu art. 10 a denominada usucapião especial urbana coletiva: Art. 10. As áreas urbanas com mais de duzentos e cinquenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.”

Enquanto a usucapião especial urbana individual se aplica a metragens inferiores a 250 (duzentos e cinqüenta) metros quadrados, a usucapião especial urbana coletiva destina-se a áreas urbanas com metragem superior a 250 (duzentos e cinqüenta) metros quadrados. Uma interpretação extensiva da redação do art. 10 do Estatuto da Cidade, permite inferir que não existe limite de área para ser usucapido na usucapião especial urbana coletiva.

A usucapião urbana coletiva traz maior efetividade para a função social da propriedade, posto que pode se aplicar aos imóveis com área menor que o módulo urbano mínimo, cujos possuidores não poderiam se beneficiar de ações individuais de usucapião devido a metragem do imóvel, e também porque a área em discussão encontra-se em situação de loteamento irregular. Os autores Cristiano Chaves de Faria e Nelson Rosenvald entendem que:

Com a opção pela usucapião coletiva, o legislador retirou a injustiça da prevalência de forma sobre o fundo, permitindo-se não só a aquisição da propriedade pela comunidade de possuidores, como a urbanização da área e ampliação da prestação de serviços públicos.42 Daniel Lobo Olimpio43 ao tratar do assunto, propõe que: (...) a finalidade do usucapião coletivo, sem dúvida alguma, é tornar possível não apenas a regularização fundiária das favelas urbanas brasileiras, mas também a sua urbanização. Favelas seriam núcleos habitacionais que não possuem serviços públicos essenciais.

Neste cenário, os moradores apresentam apenas posse material certa de seus barracos ou de precárias casas de alvenaria. Conforme o art. 10 do Estatuto da Cidade é verificável que a área a ser usucapida deve ser ocupada por população de baixa renda. O termo baixa renda, entende-se a população que não possuem condições econômicas de adquirir um imóvel para sua moradia.

Logo, deve-se ter como exigência, a ocupação da área usucapienda para fins residenciais. Conforme Daniel Lobo Olimpio: A existência de imóveis com destinação mista, residencial e comercial, ou, até mesmo somente comercial, não deve ser empecilho para a incidência do usucapião coletivo, uma vez que os núcleos habitacionais ou favelas formam um todo orgânico, tratado como uma unidade pelo legislador, de tal modo que excluir poucos imóveis comerciais, abrindo retalhos na gleba, pode significar, em certos casos, a inviabilidade da urbanização futura.44

A usucapião especial urbana coletiva pode favorecer os interesses individuais considerados como homogêneos da coletividade, pois materializa o direito à propriedade.


5 DO JUSTO TÍTULO

5.1 Do título

Além dos requisitos da usucapião denominados comuns (pessoais, reais e formais), há também os especiais, que necessitam do tempo, incluindo o justo título e a boa-fé, conforme leciona Benedito Silverio Ribeiro. O termo “título”, forma a idéia de instrumento ou de um escrito, segundo Benedito Silverio Ribeiro.

Para Orlando Gomes, o título deverá ser justo no sentido de idoneidade para transferir. Conforme o autor, o correto seria título hábil, para significar o negócio jurídico que habilita qualquer pessoa a tornar-se proprietária.

Benedito Silveiro Ribeiro48 citando Pedro Nunes menciona que sendo o título “todo ato escrito, público ou privado, capaz de provar um direito ou uma qualidade, e de produzir efeitos jurídicos”, o corriqueiro é usar a terminologia título como “ato jurídico”, mas numa concepção ampla, haja vista que não é todo ato jurídico que serve de causa à posse.

Tito Fulgêncio leciona que o vocábulo título pode dar a impressão de que se trata de escrito, mas não é esse o sentido. Título é usado como sinônimo de ato jurídico. O título, a que se referem os Códigos, corresponde aos atos jurídicos cuja função econômica consiste em justificar a transferência do domínio.

Para Carlos Roberto Gonçalvez o termo título é tomado em sentido lato, isto é, é o elemento representativo da causa ou fundamento jurídico de um direito.

Para Jose Carlos de Moraes Salles51 título é o fundamento de um determinado direito. É o ato fato de que resulta um direito ou uma obrigação. Por isso se diz que alguém é sucessor a título universal ou que figura numa relação a titulo de credor. No tocante a propriedade, titulo é o fato jurídico em virtude do qual se adquire ou se transfere essa mesma propriedade ou domínio. O citado autor menciona como exemplos a venda, a troca, o legado e a dação em pagamento.

5.2 Do justo título

Continua Jose Carlos de Moraes Salles que: (...) título justo, portanto, no sentido que lhe é atribuído pelo art 1.242 do Código Civil de 2002, há de ser aquele com idoneidade para transferir a propriedade.

José Carlos de Moraes Salles citando Orlando Gomes diz que a qualificação de justo, dada pelo Código Civil, é imprópria, porque melhor teria sido se houvesse aludido a título hábil, para significar o negócio jurídico que habilita qualquer pessoa a se tornar proprietária de um bem.

Portanto, para Jose Carlos de Moraes Salles54, Justo Título, segundo o espírito da norma contida no art. 1.242 do Código Civil de 2002, vem a ser o ato ou fato translativo que não produziu efeito, por padecer de defeito ou por lhe faltar qualidade especifica para tanto..

Para Maria Helena Diniz, justo designa o registro do título, "deve ser esse título ou ato translativo justo, isto é, formalizado, devidamente registrado, hábil ou idôneo à aquisição da propriedade."

Para Benedito Silverio Ribeiro: No seu aspecto puramente jurídico, (o justo título) deve ser:

a) valido,

b) certo e real e

c) registrado.

Válido, porque deverá conter as formalidades legais externas substanciais. Omitidas as formalidades internas, o problema da nulidade desvia para o campo da boa ou má-fé. Na incapacidade do transmitente, ignorada pelo adquirente, consistente na ignorantia facti, incidirá a prescrição, embora presente a nulidade por vicio interno.

Todavia, sabendo o possuidor da menoridade do transmitente ou alienante, mas ignorando ser o menor incapaz por direito, ai estará prejudicada a prescrição.

Justo título para Cristiano Chaves de Faria e Nelson Rosenvald é o instrumento que conduz um possuidor a iludir-se, por acreditar que lhe outorga a condição de proprietário. Trata-se de um título que, em tese, apresenta-se como instrumento formalmente idôneo a transferir a propriedade, malgrado apresente algum defeito que impeça a sua aquisição. Em outras palavras, é o ato translativo inapto a transferir a propriedade.

Lenine Nequete58 entende que justo título (justa causa possessionis) é todo ato formalmente adequado a transferir o domínio ou direito real de que trata, mas que deixa de produzir tal efeito (e aqui a enumeração é meramente exemplificativa) em virtude de não ser o transmitente senhor da coisa ou do direito, ou de faltar-lhe o poder de alienar.

No entendimento de Maria Helena Diniz59, a lei exige para que haja justo título, que o possuidor seja tenha documento capaz de transferir-lhe o domínio.

5.3 A Boa-fé no Justo Título, Título Falho e Alienações Anuláveis

Para Benedito Silverio Ribeiro60, em se tratando de prescrição ordinária, a presunção de boa-fé no justo título é júris tantum, ou seja, vencível por prova em contrário. Logo, cabe ao contestante a obrigação de comprovar a má-fé.

No tocante aos títulos falhos são aqueles que faltam limitações ou confrontações, Visto não permitirem uma identificação sobre objeto. Todavia, dependendo da natureza e profundidade dos defeitos ou vícios, avulta ressaltar a consideração de validade de certos títulos.

Benedito Silverio Ribeiro sustenta, no entanto, que na falta das falhas das delimitações, ocorre perfeita identificação do imóvel, o que produzirá o título e será considerado um título justo, que também poderá ser retificado ou ratificado pelas partes contratantes, amigavelmente ou judicialmente.

Vale ressaltar que em se tratando de instrumentos que representam alienações não nulas, essas deverão ser consideradas justos títulos, para efeitos de prescrição ordinária. Já, os contratos portadores de defeito de forma e os vedados em lei, são nulos de pleno direito.

Diferente é o tratamento quando se refere aos instrumentos anuláveis (art. 171, I e II do CC), pois segundo Benedito Silverio Ribeiro64, a nulidade relativa, em regra, não vicia o título, devendo os prejudicados utilizarem as vias judiciais, dentro do prazo prescricional.

Conforme afirma Bendito Silverio Ribeiro65 citando Pontes de Miranda, o título anulável não obsta à usucapião breve. Trata-se de título eficaz, posto que desconstitutível. Enquanto não se lhe decreta a anulação, produz efeitos; não se explicaria que não basta-se como iusta causa usucapionis.

Ao fim do prazo, o possuidor de boa-fé adquire a propriedade, porque tem o título. Se, antes de se completar o prazo, advém a anulação do título, o possuidor sofre as conseqüências de tal desconstituição ex tunc. Quase sempre, a pretensão à anulação prescreve antes de se completar o prazo da usucapião.


6 Tipos de Justo título

Para Benedito Silverio Ribeiro, a enumeração dos títulos que podem servir de base a prescrição aquisitiva ordinária é meramente exemplificativa, mas a doutrina e a jurisprudência têm fornecido os contornos definidores do que pode ser entendido por justo título.

Benedito Silverio Ribeiro afirma que o justo título, denominado no direito romano como iustus titulus possessionis ou titulus usucapionis, abrange uma enorme gama de negócios jurídicos, desde aquisições a non domino e a domino (compra e venda, compromimsso, procuração em causa própria, formal de partilha, carta de adjudicação ou de arrematação, etc), ostentando defeitos que impossibilitam a regular transferência do domínio.

A seguir são enumerados os principais justos títulos.

6.1 Escritura por instrumento particular

O código civil de 2002, diferente do seu código anterior, não mais exige a assinatura de duas testemunhas, para fazer prova contra seus signatários.

Art. 221. O instrumento particular, feito e assinado, ou somente assinado por quem esteja na livre disposição e administração de seus bens, prova as obrigações convencionais de qualquer valor; mas os seus efeitos, bem como os da cessão, não se operam, a respeito de terceiros, antes de registrado no registro público.

Conforme Benedito Silverio Ribeiro: (...) há casos previstos que permitem o uso de escritura particular em lugar da pública, independentemente de qualquer valor: aquisição de imóveis financiados pelo Sistema Financeiro de Habitação (Lei n. 4380, de 21-8-1964, art. 61), atos lavrados em livros do Serviço do Patrimônio da União (SPU) ou em reapartição arrecadora da Fazenda Nacional, como exemplo, a transferência legal de imóveis, sujeitos ao domínio público, por uma pessoa administrativa a outra, os termos, ajustes e contratos visando a transferência de domínio útil de terrenos aforados, por atos inter vivos (Dec. – Lei n. 9.760/46, art. 74), bens imóveis incorporados à sociedade anônima para constituição de seu capital, venda de terrenos dos Institutos por instrumento particular (Dec. – Lei n. 262?67) e compromisso de compra e venda, cessões ou promessas desses compromissos, inclusive pré-contratos (Lei n. 6.766/79).

Segundo Benedito Silverio Ribeiro, o Código Civil em vigor fixou o valor da taxa legal em trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País (art.108). Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.

Vale ressaltar que conforme leciona Benedito Silverio Ribeiro70, parágrafo único do art. 227 do Código Civil recepciona o art. 402 do Código de Processo Civil, conforme in verbis:

Art. 227. Salvo os casos expressos, a prova exclusivamente testemunhal só se admite nos negócios jurídicos cujo valor não ultrapasse o décuplo do maior salário mínimo vigente no País ao tempo em que foram celebrados.

Parágrafo único. Qualquer que seja o valor do negócio jurídico, a prova testemunhal é admissível como subsidiária ou complementar da prova por escrito.

(...)

Art. 402. Qualquer que seja o valor do contrato, é admissível a prova testemunhal, quando:

I - houver começo de prova por escrito, reputando-se tal o documento emanado da parte contra quem se pretende utilizar o documento como prova;

II - o credor não pode ou não podia, moral ou materialmente, obter a prova escrita da obrigação, em casos como o de parentesco, depósito necessário ou hospedagem em hotel.

Em se tratando de problema de validade de contrato ou negócios de valor superior a taxa legal (art.108), por instrumento particular, quando deveria ser por escritura pública, Benedito Silverio Ribeiro diz que o instrumento será nulo por estar ferindo diversos preceitos legais referentes a matéria, tais como art. 166 e 168 do Código Civil).

Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:

I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz;

II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;

III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;

IV - não revestir a forma prescrita em lei;

V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;

VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa;

VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.

...

Art. 168. As nulidades dos artigos antecedentes podem ser alegadas por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir.

Parágrafo único. As nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes.

Com isso, conforme Benedito Silverio Ribeiro, a escritura particular, de valor superior à taxa legal, poderá servir de justo título, “hábil a fundamentar usucapião ordinária, mesmo apresentando vícios impeditivos da aquisição plena do domínio”.

6.2 Escritura pública

Conforme Benedito Silverio Ribeiro, “a escritura pública é necessária nos contratos constitutivos ou translativos de direitos reais sobre imóveis de valor superior à taxa legal”.

Para Leonardo Brandelli, “a escritura pública é o ato notarial mediante o qual o tabelião recebe manifestações de vontade endereçada à criação de atos jurídicos”.

Segundo Benedito Silveiro Ribeiro: Uma escritura que, embora formalizada e válida para as partes, hábil para transferir a propriedade da coisa, mas se ressinta de vício formal ou intrínseco que impeça, em tese, a transferência, como no caso da aquisição a non domino, poderá, em muitos casos, ser considerada como título justo para alicerçar usucapião ordinária.

Outro ponto importante a ser analisado sobre a escritura pública como justo título seria a hipótese elencada por Benedito Silveiro Ribeiro quando indaga se a escritura que traga defeitos quanto sua caracterização do imóvel deixaria de considerar justo título.

Para tanto o respeitado autor explana no sentido que os títulos que apresentam falhas referentes a delimitações e características do imóvel em questão, sejam públicos ou particulares, não devem ser considerados justos títulos usados para a prescrição ordinária. No entanto, conforme citado por Benedito Silverio Ribeiro: (...) o problema do tamanho da área, em caso de imprecisão ou aproximação, não constituirá óbice à pretensão do usucapiente, dado que sanável por perícia, que deverá ser feita, salvo raríssimos casos.

6.3 Compromisso de compra e venda

A promessa de compra e venda é regulada dentro do Código Civil nos artigos 1.417 e 1.418, que dispõe o seguinte:

Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada porinstrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitentecomprador direito real à aquisição do imóvel.

Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou deterceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda,conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.

A promessa de compra e venda trata-se de um contrato preliminar que tem por fim a realização de um contrato de compra e venda futuro. O compromisso de compra e venda produz efeito para ambas as partes envolvidas, ficando um a uma parte vinculada a vender e a outra parte obrigada a comprar.

Orlando Gomes diferencia os institutos da promessa e do compromisso: O contrato preliminar de compra e venda gera, para ambas as partes, a obrigação de contrair o contrato definitivo. Contém, implicitamente, a faculdade de arrependimento, assim entendida, em sentido amplo, a de submeter-se a parte inadimplente às conseqüências normais da inexecução culposa de um contrato.

Para Benedito Silveiro Ribeiro, Os Contratos de compromisso ou promessas de compra e venda não são, em princípio, considerados justos títulos, sobretudo porque esbarram no (...) requisito de que o justo título não pode estar suspenso por qualquer condição. Se estiver suspenso o título, como anteriormente afirmado, não se pode falar que o negócio chegou a termo, de vem que se condenará desfeito, emergindo uma situação preestabelecida.

Benedito Silverio Ribeiro, indagando a possibilidade da usucapião nas hipóteses em que não é cabível a utilização da ação de adjudicação compulsória ou pedido de cumprimento de obrigação de fazer consistente na outorga de escritura definitiva de compra e venda, conclui que: Partindo da idéia de que o compromisso equivale à venda e, estando registrado, é mais forte do que o contrato de venda não registrado, bem como que, se registrado, goza o compromissário, além dos direitos pessoais de que é titular contra o compromitente, de direito real, com todas as regalias decorrentes dessa situação, pode-se afirmar com segurança que valerá o instrumento como título hábil para embasar usucapião, estando atendidas todas as cláusulas contratadas, especialmente pagamente do preço, entrega da coisa e recebimento da posse.

6.4 Cessão de direitos hereditários

Segundo Orlando Gomes, “a cessão corresponde, respectivamente, à compra e venda e à doação, que tomam essa denominação quando se referem a direitos ou a situações jurídicas”.

Para Benedito Silveiro Ribeiro, “cessão de direitos de herança constitui forma de contrato a produzir efeito no processo de inventário ou arrolamento dos bens do de cujus”. O referido autor entende que apenas em casos especiais poderá o cessionário desses direitos propor ação de usucapião ordinária, mesmo que o entendimento em questão encontra resistência acirrada nos pretórios.

Por fim, Benedito Silverio Ribeiro diz: O que não se pode é considerar o processo de usucapião como substitutivo do partilhamento de bens, cuja sede apropriada é o inventário.

Realizado este, mas não procedido o registro da carta ou do formal de partilha, poder defeitos que o impeçam de ingressar no cartório imobiliário competente, daí é que estará o interessado munido de título hábil para invocar a prescrição aquisitiva ordinária, já que, para a extraordinária, nem de título, considerado aqui como documento, necessitará.

6.5 Formal de Partilha

Flavio Tartuce ensina que: Como é notório, a partilha é o instituto jurídico pelo qual cessam a indivisibilidade e a imobilidade da herança, uma vez que os bens são divididos entre os herdeiros do falecido.

Cessa com a partilha a indivisibilidade da herança, pois os bens são divididos entre os herdeiros que adquirem, pessoalmente e de forma consolidada, a propriedade dos seus bens componentes83. Benedito Silveiro Ribeiro diz que: Com referência aos formais de partilha ou cartas de adjudicação de bens nos inventário ou arrolamentos, títulos perfeitamente registráveis (art.167,I, 24 e 25 da Lei n. 6.015/73), não tem o registro a finalidade investir os herdeiros ou legatários no domínio, mas sim completar um dos direitos elementares deste (o de dispor do imóvel, conhecido como ius dsponendi), ofertando maior segurança às relações jurídicas existente em sociedade.

No tocante a possibilidade de reconhecer como justo título o formal de partilha, Benedito Silverio Ribeiro leciona: Então, partilhados os bens e expedido o formal ou a carta de adjudicação, mesmo que não possam ser registrados, por insuficiência de dados, defeito do título anterior, ausência de transcrição ou ainda constando esta em nome de terceiro, pode-se ter esses instrumentos, quer para os herdeiros, quer para o credor do espólio cessionário etc., como títulos hábeis embasadores da prescrição aquisitiva ordinária.

Por fim, o Benedito Silveiro Ribeiro afirma que muito embora o formal de partilha possa ser considerado justo título à usucapião, alguns vícios e erros poderão ser resolvidos em juízo de inventário, através de retificações, como, por exemplo, a falta de confrontações, a área e o registro anterior.

6.6 Cartas de arrematação, adjudicação e remição Segundo Ernane Fideles do Santos, “arrematação é o ato pelo qual se aliena bem, através de oferta pública. A ela se costuma também chamar de venda em hasta pública".

Conforme Benedito Silverio Ribeiro: (...) as cartas de arrematação e de adjudicação extraídas de autos de quaisquer execuções de procedimento que não possam ser registradas, quer por defeitos, quer por constituírem mesmo aquisições a nom domino, poderão ser reputadas como títulos hábeis e justos à prescrição menor, uma vez presentes os demais e indispensáveis requisitos à sua configuração.

E segue o autor: Em suma, inexistindo dúvida sobre a posse, estando o devedor no seu justo exercício, contestando embargando e defendendo a propriedade de como seu legitimo dominus, somando-se mais a publicidade em razão dos editais para venda, não fica vedado ao arrematante ou ao adjudicante prosseguir na busca do reconhecimento domínio pela via usucapiatória, bastando que ninguém os relegue pela reivindicação ou por outra medida judicial apta.

6.7 Sentença no juízo divisório

Nas lições de Benedito Silverio Ribeiro: As sentenças preferidas nas ações divisórias, de ordinário, são meramente declaratórias de direitos preexistentes; mas nos juízos divisórios (familiae erscicundae dividundo, finium regundorum) importam transmissão de propriedade, pelo simples fato de fazerem cessar o estado de comunhão, o que se verifica de uma maneira clara quando o juiz, ou por ser a divisão material impossível ou difícil, ou por tornar as divisas mais comodas, adjudica a um dos comproprietários ou confinantes uma porção maior do que a que lhe devia tocar, e o obriga a indenizar ao outros o valor correspondente.

Para Benedito Silverio Ribeiro a “impossibilidade de regular registro, em razão de qualquer defeito, estaria sanada pela usucapião”.

6.8 Renúncia

Ensina Benedito Silverio Ribeiro que: De uma lado, encontra-se a renúncia extintiva de direitos e, de outro, a translativa. No primeiro caso, desponta um direito ainda não adquirido, como a herança não adida, isto é, na qual não se entrou na posse; no segundo, o objeto é já um direito adquirido, tratando-se, pois, de ato abdicativo, bilateral e dependente de cláusula em documento (insinuação).

Continua Benedito Silverio Ribeiro em relação as possibilidades da renúncia numa eventual usucapião ordinária:

Ao prescribente, favorecido por instrumento válido de renúncia de todos os herdeiros, tal como na cessão de direitos hereditários, é possível aventar válida a via prescricional de menor prazo à declaração do domínio.93 Por fim, Benedito Silverio Ribeiro94 entende que havendo documento particular de renúncia, que contem os elementos indispensáveis de um contrato, poderá em casos excepcionais, servir como justo título na ação de usucapião ordinária.

6.9 Doação

Na lição de Benedito Silverio Ribeiro: A aquisição por doação – pro Donato, em que alguém dá a outrem uma coisa alheia, constitui ato inter vivos, uma vez presente a vontade do doador e do donatário (consenso), conforme dispõe o art. 538 do Código Civil.95 Art. 538.

Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra. O citado autor continua tecendo comentários acerca da prescrição em se tratando de doação: A doação pura não oferta qualquer impedimento à prescrição, sendo mister alertar que há hipóteses em que dependerá de um evento, portanto estará pendente no tempo, como exemplo, a doação feita em contemplação de casamento futuro, com certa e determinada pessoa, mas suspensa até que se realize o matrimônio - si nuptiae sequuntur.

Da mesma forma, a doação com encargo impõe reciprocidade, e o inadimplemento poderá acarretar a revogação da liberalidade.

Com isso, segundo Benedito Silverio Ribeiro, não ocorrendo revogação da doação e havendo o lapso usucapional, respeitando as exigências legais, constituirá justo título o instrumento de doação à aquisição do domínio, em hipóteses como insuficiências do documento ou por se tratar de doação por parte de quem não seja o proprietário (aquisição a non domino).

6.10 Dação

Conforme preceitua Benedito Silverio Ribeiro, “a dação em pagamento – datio in solutim -, também denominada dação pro soluto, constitui justo título, hábil à prescrição ordinária.”

O supracitado autor continua: Em suma, desde que instrumentalizado convenientemente o negocio, presentes os demais requisitos da prescrição aquisitiva, não subsistindo duvida dessa transferência e não pendendo condição, não se pode afastar a dação do qualificativo de título justo, hábil a alicerçar usucapião decenal.

6.11 Permuta

Segundo Benedito Silverio Ribeiro: A permuta, também chamada troca, permutação ou escambo, constitui forma de alienação, ocorrendo quando dois proprietários de coisas certas e distintas se obrigam reciprocamente a dar uma por outra.

Benedito Silverio Ribeiro entende que a promessa de permuta que não está apta ao registro imobiliário, poderá servir de justo título para a prescrição ordinária.

6.12 Ocupação

Conforme Benedito Silverio Ribeiro: A ocupação constitui o modo mais comum de aquisição das coisas sem dono ou de míngüem (res nullius), tanto que diziam os romanos ser apreensão das coisas corpóreas, com animo de tê-las para si - occupatio est rerum corporalium adprehensio cum animo sibi habendi.

Para Benedito Silverio Ribeiro, o possuidor abandonando, estaria demitindo-se voluntariamente do domínio e posse da coisa, passando a coisa a pertencer a pessoa que está assenhoreia.

6.13 Lei

Benedito Silverio Ribeiro afirma que: A situação mais comum encontrada sobretudo na esfera das administrações municipais refere-se à lei, que possibilita a transferência de bens públicos ao domínio de particulares.

Há casos de autorização legislativa em que a Prefeitura Municipal fica autorizada por lei aprovada pela Câmara a doar a um particular um determinado imóvel, bem como alienar, ceder o uso etc.

Logo, é perfeitamente aceito a possibilidade de utilizar leis que concedem a posse de determinada área como justo título, na ação de usucapião ordinária.


7 REGISTRO DO MANDADO DE ABERTURA DE MATRÍCULA

Conforme art. 226, da Lei 6.015/73, de 31 de dezembro de 1973, “tratando-se de usucapião, os requisitos da matrícula devem constar do mandado judicial”, sendo que segundo o art. 945, do Código de Processo Civil determina que a sentença deverá ser transcrita, mediante mandado no Registro de Imóveis.

Recebido o mandado de abertura de matrícula, caberá ao Oficial de Registro de Imóveis realizar a qualificação do título, para verificar se atende todas as exigências legais para o seu registro.

No entendimento de Benedito Silverio Ribeiro: (...) as questões mais complexas, tais como aquelas derivadas de citações que deveriam ter sido feitas e rujo o foram, essas escapam ao âmbito da instância administrativa, sob pena de se erigir esta em obstáculo à força da coisa julgada, em seu aspecto material e formal.

A ausência de convocação por edital verificada pelo Oficial de Registro não rechaça o transito em julgado e, portanto, não impede o cumprimento do mandado. Trata-se de ineficácia relativa da sentença, como assim assinala Pontes de Miranda, podendo ser rescindida por infração do art. 942, II, §§ 1º e 2º, do CPC (art.. 485, V).103

No entendimento de Patrícia Waldaman Padin:

A competência do Cartório de Registro de Imóveis é vinculada aos ‘limites territoriais estabelecidos pela lei reguladora da divisão territorial da Comarca’. Assim, caso haja duvidas quando à localização do imóvel e sua inserção na circunscrição da serventia, o Oficial deverá suspender o ato e devolver o título interessado assinalando a respectiva exigência. Se não fizer e posteriormente for verificada sua incompetência, configurar-se-à nulidade de pleno direito, conforme dispõe o art. 169, da Lei de Registros Públicos.

Com isso dependerá também do mandado de usucapião estar apto tanto materialmente, quanto formalmente, para o seu registro, não devendo o Registrador entrar nos aspectos processuais do processo de usucapião, apenas os materiais referentes ao título.


8 CONCLUSÃO

No direito brasileiro, existem diversas modalidades de usucapião: usucapião extraordinária, usucapião ordinária, usucapião especial rural, usucapião especial urbana individual e usucapião especial urbana coletiva.

A usucapião ordinária diferencia-se das demais modalidades de usucapião justamente pela presença do justo título como forma de requisito para seu reconhecimento.

Os documentos mais comuns que poderão servir de justo título na formalização de negócios jurídicos são escritura por instrumento particular, escritura pública, compromisso de compra e venda, cessão de direitos hereditários, formal de partilha, cartas de arrematação e adjudicação e remissão, sentença no juizo divisório, renúncia, doação, dação, permuta, ocupação e lei.

A doutrina entende como título um documento escrito capaz de produzir efeitos jurídicos e como justo título aquele adequado a transferir a propriedade.

Ao analisar os documentos mais comuns que podem servir como justo título percebe-se que o rol de possibilidades para a utilização da usucapião ordinária é muito amplo, não restringindo quase nenhuma situação, amparando praticamente qualquer fato jurídico que possa conter algum vício que torne inviável para registro no cartório de registro de imóveis.

No entanto, há entendimento que títulos que apresentem falhas referentes a delimitações e características, ou seja, que ferem o princípio da especialidade objetiva registral e que, portanto, não deveriam servir de justo título para a usucapião ordinária, assim, como a utilização do formal de partilha como justo título, poderia ser evitada, se for eliminado vícios no juízo do processo do inventário.

Não bastando apenas compreender a ideia de justo título, se faz necessário também verificar também o estreito caminho entre o mandado de abertura de matrícula e o seu recebimento no cartório de registro de imóveis, pois mesmo o referido documento pode conter vícios que o Oficial pode negar o recebimento, até que seja cumpridas as exigências por ele feita.


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