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Ações afirmativas no Brasil

sistema de cotas, amplitude e constitucionalidade

Ações afirmativas no Brasil: sistema de cotas, amplitude e constitucionalidade

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O objetivo desta pesquisa é a discussão acerca da constitucionalidade das políticas públicas de ações afirmativas para afrodescendentes e suas possibilidades frente ao ordenamento jurídico brasileiro.

SUMÁRIO:RESUMO; ABSTRACT; INTRODUÇÃO; 1.HERMENÊUTICA JURÍDICA, 1.1 CONSTITUIÇÃO COMO UM SISTEMA DE METAS, 1.2 O SURGIMENTO E A MATERIALIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE, 1.3 A IGUALDADE MATERIAL COMO UM METAPRINCÍPIO; 2.DISCRIMINAÇÃO RACIAL NO BRASIL; 3. AÇÕES AFIRMATIVAS, ORIGENS, CONCEITO E FINALIDADES, 3.1 AS AÇÕES AFIRMATIVAS E SUAS POSSIBILIDADES JURÍDICAS; 4. DISCRIMINAÇÃO POSITIVA E CONSTITUCIONALIDADE; CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


RESUMO

O objetivo desta pesquisa é a discussão acerca da constitucionalidade das políticas públicas de ações afirmativas para afrodescendentes e suas possibilidades frente ao ordenamento jurídico brasileiro. A análise se fixará inicialmente na hermenêutica, com um estudo voltado para uma interpretação constitucional de inclusão. O pressuposto do presente estudo é de que a constituição é formada por um sistema de metas, composto por – regras e princípios –, os quais devem buscar a realização da vontade constitucional. A partir dessa premissa, levar adiante um estudo sobre o princípio da igualdade que tenha em sua interpretação e aplicação no sistema, a dinâmica que lhe é exigida a partir dos objetivos do Estado Democrático de Direito preconizado na CF/88. Com esta perspectiva, é que se fará um estudo sobre as formas e os efeitos da discriminação racial no Brasil, comparando esse contexto com os pressupostos de igualdade substancial e < cidadania plena > trazidos pela Carta/88. Faremos a conceituação e, a posterior confirmação do recepcionar constitucional das políticas públicas de ações afirmativas para afrodescendentes no ordenamento jurídico brasileiro. Então, a partir de uma leitura dinâmica do princípio da igualdade fixar as políticas de ações afirmativas como um dever do Estado brasileiro para com a população negra do Brasil.


ABSTRACT

The objective of this research is the quarrel concerning the constitutionality of the public politics of affirmative actions for afrodescendentes and its possibilities front to the Brazilian legal system. The analysis will be fixed initially in the hermeneutics, with a study directed toward a constitutional interpretation of inclusion. The estimated one of the present study is of that the constitution is formed by a system of goals, composition for - rules and principles -, which must search the accomplishment of the constitutional will. To leave of this premise, to ahead take a study on the principle of the equality that has in its interpretation and application in the system, the dynamics that is demanded to it from the objectives of the Democratic State of Right praised in the CF/88. With this perspective, thit is a study will becomes on the forms and the effects of the racial discrimination in Brazil, comparing this context with substantial equality and < full citizenship > brought by the constitution/88. We will make the conceptualization and the posterior confirmation of constitutional recepcion of the public politics of affirmative actions for afro- descendants in the Brazilian legal system. So, from a dynamic reading of the principle of the equality, fix the politics of affirmative actions as a duty of the Brazilian State with the black population of Brazil.


INTRODUÇÃO

Quando a questão do racismo no Brasil começar a sair dos livros, artigos, dissertações e teses de pesquisadores, quando deixar de ser problema do negro para se tornar preocupação de todas as forças e instituições do país, quando sairmos da fase do belo discurso e das boas intenções sem ações correspondentes, poderá dizer então que entramos na verdadeira fase de engajamento para transformar a sociedade; estaremos saindo do pesadelo para entrar num sonho, e do sonho para entrar numa verdadeira esperança. [01]

Kabengele MUNANGA

A finalidade desta pesquisa é discutir a constitucionalidade das políticas públicas de ações afirmativas para populações discriminadas racialmente, a partir de uma hermenêutica Constitucional de inclusão.

Na perspectiva de justificar e assegurar uma base constitucional para a implementação das ações afirmativas para afrodescendentes no Brasil, será ligeiramente analisado o princípio constitucional da igualdade, partindo da idéia de que a Constituição é um sistema de metas, formado por regras e princípios, [02] que tem por finalidade a realização da vontade constitucional, mormente, no que se refere ao pressuposto da cidadania plena aos indivíduos da raça negra da sociedade brasileira.

É importante assinalar, desde logo, que utilizaremos nesta pesquisa o termo "raça", independente das discussões acerca de sua cientificidade, da etimologia da palavra ou mesmo da idéia de dominação trazida consigo. [03] Sem olvidar, contudo, que para estudos sociológicos soa, academicamente, mais adequado o termo etnia. Contudo, far-se-á uso do termo afrodescendente, que é modernamente usual e politicamente correto, porém, parafraseando a antropóloga social Professora Nilma Lino GOMES, a vivência nos ensina que ao discutir a situação do negro na sociedade brasileira, raça ainda é o termo mais adotado, sendo inclusive, o que mais se aproxima "da real dimensão do racismo presente na sociedade brasileira". [04]

Com esse intuito, se fará à análise do princípio da igualdade em toda sua extensão, privilegiando sua amplitude interpretativa, para então discutir o poder, dever do Estado brasileiro para a formulação e implementação de políticas públicas, específicas e objetivas de combate ao racismo institucionalizado, através da inclusão social dos afrodescendentes, como forma de fazer cumprir o disposto na Lei Maior.

Propõe-se, portanto, o presente trabalho a colaborar no novo debate jurídico em torno do tema da igualdade nas relações de raça no Brasil [05], a fim de estabelecer parâmetros materialmente realizáveis e juridicamente aceitáveis na ordem interna, para a inclusão social da população negra que foi ao longo do tempo sistematicamente espoliada de todos seus direitos humanos, ou seja, direitos civis, econômicos, sociais, políticos e culturais.

Enfim, intentamos responder a seguinte questão: As políticas públicas de ações afirmativas para afrodescendentes, têm respaldo constitucional no ordenamento jurídico brasileiro?

Por fim, é alvitre salientar, concurso jurídicos com temas como este proposto, certamente em muito tem a contribuir para a formulação de uma base teórica jurídica a partir da prática de uma hermenêutica constitucional emancipatória e de inclusão social, baseada na "nua e crua" realidade nacional preconceituosa e racista. Aqui, sem dúvidas, irão figurar proposições e entendimentos que se enquadram com a nova realidade socio-jurídica brasileira e com as perspectivas e objetivos do "novo" Estado trazido pela CF/88, auxiliando, portanto, para que tenhamos um judiciário com uma visão Constitucional emancipatória , de forma que ao longo do tempo, se possa minorar a assertiva de que existem diferentes cidadãos e cidadanias no Brasil; uns de primeira e outros de segunda classe.


1.HERMENÊUTICA JURÍDICA

Uma palavra não é um cristal transparente e imutável; ela é a pele de um pensamento vivo e pode variar intensamente em cor e conteúdo de acordo com as circunstâncias e o tempo em que são usadas. [06]

Juiz HOLMES (Towne V. Eisner, 245 US, p. 425)

A prática hermenêutica, tem como significado imediato a interpretação ou a exegese de determinado texto, artigo ou documento legal, verificando-se na etimologia da palavra, que sua origem vem do vernáculo interpretatio ou interpretari.

Em busca de um significado mais provável e ideal para nossos estudos, diríamos que o processo hermenêutico é o ato de dar "sentido as palavras" [07] do texto, ou seja, procurar desenvolver através deste ato um sentido atual às palavras.

O trabalho hermenêutico, aponta três tarefas específicas, quais sejam: o dizer algo, no sentido de anunciar ou afirmar algo, trazer notícias; o explicar algo se torna mais importante do que simplesmente expressar, na medida em que as palavras racionalizam e clarificam algo é quando ganha ênfase o aspecto discursivo da compreensão; e, por fim, o traduzir algo, significando que o hermeneuta tornou compreensível o que era estranho ou ininteligível.

Portanto, o processo hermenêutico é dar sentido às palavras, onde o interprete estará levando em conta os mais variados aspectos sejam filosóficos, sociológicos ou jurídicos. Deve-se levar em conta ainda, que o interprete estará, agregando – ou contaminando - ainda a esse ato cognitivo toda a carga de formação sociocultural que possua. [08]

Na perspectiva de buscar um novo sentido às palavras, devemos levar em conta esse ensinamento de Mártires COELHO [09], vejamos:

Aceito esse ponto de partida, de que o ser do intérprete – como o de todo homem -, é o seu existir ou o seu modo de estar no mundo, um dado de realidade que limita a nossa cosmovisão, tornando-a necessariamente parcial, porque restrita à nossa perspectiva no momento da compreensão, se isso for verdadeiro, e parece que o seja em linha de princípio, acreditamos que uma análise se realista do processo de interpretação e aplicação o direito – como, de resto, do processo cognitivo em geral – exige uma reflexão sobre os elementos ou fatores constitutivos da personalidade e do modo de pensar dos sujeitos da interpretação, que são pessoas de carne e osso, historicamente situadas e datadas, cuja realidade radical, que tudo condiciona, é a sua própria vida, tal como é concretamente vivida em cada lugar e em cada hora. [10]

Assim, o processo interpretativo é responsável pela própria criação e evolução da norma. Toda lei enseja interpretação, e o processo hermenêutico tem, sem dúvida, relevância superior ao próprio processo de elaboração legislativa, uma vez que será através da interpretação que ele será aplicado e inserida dentro de um contexto fático específico, adequando-se a dada realidade histórica e aos valores dela decorrentes.

Nesse sentido, se propõe uma discussão para além da constitucionalidade ou não do sistema de cotas, mas sim uma discussão acerca da interpretação Constitucional brasileira, a partir da < realidade social >, que para Konrad HESSE, é a < constituição expressa > de um país a qual < interage > com as < relações de poder > nele dominantes.

Ou seja, se propõe é um estudo a cerca da conjugação de < fatores que influenciam e conformam as relações na sociedade >. [11] Para daí então reafirmarmos, como o fez HESSE, que as "relações fáticas resultantes da conjugação desses fatores constituem a força ativa determinante das leis e das instituições da sociedade, fazendo com que estas expressem, tão somente, a correlação de forças que resulta dos fatores reais de poder". [12]

Portanto, a fim de fazer frente a realidade da cotidiana e errônea interpretação constitucional, renomados constitucionalistas brasileiros orientam uma hermenêutica Constitucional não só dirigente e vinculante como acima de tudo, não estática; e, é nesse sentido o ensinamento do Procurador da Republica Néviton GUEDES, que parafraseando Gomes CANOTILHO, assevera que: "... ‘A sabedoria da Constituição (...) não reside em nenhuma opinião estática que se havia tido num mundo que (já) esteja morto e (já) se foi, mas (sim) na adaptabilidade dos seus grandes princípios para fazer frente a problemas correntes e a necessidades atuais’." [13]

Portanto, se de fato assim entendermos, reafirma-se a garantia de aquisição do direito à cidadania, especialmente, naquelas questões que dizem respeito à construção de soluções para os problemas relacionados à desigualdade racial.

Desta forma, tratando a igualdade material como uma < meta constitucional > para a consecução do Estado Democrático de Direito, deverá ser eleito como adequado aquele paradigma jurídico que melhor possa absorver essas novas idéias de justiça, que compõe o ideário de igualdade substancial entre os indivíduos.

Nessa conjuntura, a Constituição é compreendida como o instrumento que institucionaliza as formas de participação social propondo programas públicos para a resolução dos problemas apresentados. Então, essa concepção fornece o instrumental teórico adequado para trabalhar a relação entre Constituição formal e Constituição real para o enfrentamento do problema das relações de raça no Brasil e, os efeitos de um regime pós-abolicionista racista e de discriminação racial institucionalizada.

Assim, inobstante a falta de pretensão deste estudo em fazer a análise das escolas de interpretação, se verificou, que o processo de interpretação do texto legal, requer do interprete conhecimento de todo sistema constitucional, para daí então, a partir de uma dada realidade histórica social, ocorrer a leitura e a < conformação > do dispositivo legal que por ser objeto de uma interpretação sistemática, certamente estará inserido no contexto do ordenamento jurídico constitucional e infraconstitucional. [14]

Portanto, uma interpretação que privilegie os preceitos e objetivos < constitucionais >, certamente, deverá levar em conta suas metas e a dinâmica de seus princípios, adequando a realidade social aos novos valores e compromissos que são permanentemente renovados pela Constituição.

1.1A CONSTITUIÇÃO COMO UM SISTEMA DE METAS

Neste tópico, faremos inicialmente a distinção entre regras e princípios, utilizando a classificação de Humberto ÁVILA [15], para daí então fixar como pressuposto de todo o entendimento que virá adiante, < a constituição como um sistema de metas, que opera através de regras e princípios >, sendo estes elementos, integradores do ordenamento jurídico que atua com o fim de realizar a < vontade constitucional >.

Cumpre-nos desta forma, com o auxílio de Humberto ÁVILA estabelecer e fixar esta distinção, sendo as < regras >:

... normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobre jacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos. Os princípios são normas imediatamente primariamente, prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção. [16]

Com efeito, para o mesmo autor, os < princípios > são definidos como normas imediatamente finalísticas, ou seja:

... normas que impõem a promoção de um estado ideal de coisas por meio da prescrição indireta de comportamentos cujos efeitos são havidos como necessários àquela promoção. Diversamente, os postulados, de um lado, não impõem a promoção de um fim, mas, em vez disso, estruturam a aplicação do dever de promover um fim; de outro, não prescreve indiretamente comportamentos, mas modos de raciocínio e de argumentação relativamente a normas que indiretamente prescrevem comportamentos. (...). As regras, a seu turno, são normas imediatamente descritivas de comportamentos devidos ou atributivas de poder. Distintamente, os postulados não descrevem com comportamentos, mas estruturam a aplicação de normas que o fazem. [17]

Para fixar este entendimento de que as regras e princípios são duas espécies de normas diferentes, traz-se a lume o ensinamento do Ministro Eros Roberto GRAU, que fixa a primeira como sendo um < direito definitivo > e o segundo uma espécie de < reserva do possível >, vejamos: "... as regras jurídicas, não comportando exceções, são aplicadas de modo completo ou não o são, de modo absoluto, não se passando o mesmo com os princípios; os princípios jurídicos possuem uma dimensão – a dimensão de peso ou importância – que não comparece nas regras jurídicas." [18]

Ressaltando-se, por certo, o fato de que neste segundo caso não se lê como uma opção pela aplicação ou não dos princípios, mas sim, unicamente, pela opção na aplicação deste ou daquele princípio constitucional. [19]

A classificação adotada, por nós, neste trabalho, sugere uma visão que entende os princípios jurídicos como essência fundamental e, como o ponto de partida de interpretação e elaboração de todo ordenamento jurídico.

Assim, uma importante questão deve ser fixada neste momento para ajudar a compreensão do nosso tema, qual seja: o importante papel que < os princípios > desempenham na interpretação, evolução e mutação da Constituição e, na elaboração e interpretação do ordenamento jurídico infraconstitucional. Agindo assim, como um sistema que deve ser trabalhado de forma concatenada a fim de alcançar a melhor interpretação ou a interpretação mais próxima da realidade social em que a norma esta sendo aplicada, ou seja, pouco importa a intenção do legislador, pois, < a interpretação da norma deverá se adequar ao momento histórico em que a norma esta sendo aplicada >.

Portanto, sobre princípios, o professor Miguel REALE, nos ensina que: "...são, pois, verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos a dada porção da realidade. Às vezes também se denominam princípios certas proposições que, apesar de não serem evidentes ou resultantes de evidências, são assumidas como fundantes da validez de um sistema particular de conhecimentos, como seus pressupostos necessários". [20]

Assim, este conjunto de regras e princípios constitucionais se apresenta ao interprete, que poderá com os elementos oferecidos pela hermenêutica, adequá-las, sistematizá-las e inseri-las na realidade social, política e econômica de acordo com a necessidade de cada uma dessas realidades e da realidade dos indivíduos ou grupo de indivíduos a que serão aplicadas.

Com efeito, para tornar possível e palpável tais preceitos que tratam dos direitos e garantias fundamentais preconizados pelo Estado Democrático de Direito, é necessário que exercitemos um < viver constitucional >, que nos coloca num eterno estado de < conformação social >, que para CADERMATORI é a garantia constitucional de concretização política dos objetivos da Constituição. É assimilado nesse modelo de Estado um < agir social > e, portanto, serve como o próprio critério de legitimação do seu poder já declarado de < forma aberta > na referida Carta. [21]

Sendo que, para o professor Paulo BONAVIDES a Constituição é aberta, justamente por que traz consigo a própria idéia de < garantia da conformação social >, busca-se com isso o preparo do advento de uma < nova idade >, um novo direito, "a do direito social, entendido como suprema concretização axiológica de uma forma de Estado; portanto, conceito mais largo e profundo de ordenação jurídica que o Estado social da tradição deste século". [22]

Nesse sentido, para que se possa aferir a constitucionalidade de programas de ações afirmativas que atuam através do sistema de cotas, se propõe que façamos uma análise constitucional moderna, de nova visão, ou simplesmente de uma visão desvelada de velhos problemas e preconceitos, que por vezes se buscava a não enxergar e que hoje, com a força normativa cogente e vinculante da Constituição, torna obrigatório esse desvelamento e um agir social por parte do Estado no trato de todas as questões socialmente relevantes, como é o caso das relações raciais no Brasil.

A nova ordem jurídica brasileira possibilita e estabelece sua complementariedade. Sendo que, essa complementariedade nos dizeres de HESSE, "consiste na interação e na interdependência entre a teoria da Constituição e a experiência Constitucional", [23] que no Brasil em termos inclusão e igualdade racial, a experiência ainda não saiu da teoria.

Desta forma, essa < conformação social > que propomos não é o abandono das matizes legais para aplicação da jurisdição, mas pode ser mais bem entendida, como a necessidade de se respeitar às individualidades e as características de cada um, portanto, traduzindo-se como sendo obrigação constitucional < não só > aquela obrigação do Estado de não atrapalhar e de não interferir no gozo particular de direitos, mas sim, de < agir positivamente > nos casos de não conformação entre indivíduo ou grupos de indivíduos e os meios de interação social onde vivem como um agente transformador daquela realidade.

Pois, tendo que as condições sociais atribuídas aos cidadãos não são uniformes nos ensina DALLA-ROSA que, "sendo o Estado um instrumento, surge à necessidade de trabalhar-se a igualdade como condição positiva de possibilidade e de garantia de que os direitos dos cidadãos serão levados a sério". [24]

Neste sentido, a Magna Carta/88 traz em suas letras frias os anseios dessa transformação e não só de meio século de um regime de exceção, fechado e opressor; como também, anseios de transformação de um único momento, de uma única história vivida, para a configuração de uma nova identidade nacional, calcada na idéia de < igualdade como metadireito >, [25] onde todos os atores sociais são < igualmente > representados e, < isonomicamente > tratados conforme as disparidades sociais criadas ao longo do tempo por um sistema racista de privilégio social discriminatório.

Portanto, a idéia recorrente nesse trabalho refere-se à importância de uma Constituição democrática, baseada em princípios que permitam uma constante evolução interpretativa, contudo, sempre condicionada a consecução dos princípios universais de direitos humanos, que se caracterizam através de processos e procedimentos democráticos constitucionalmente previstos. [26]

Soma-se a isso, uma interpretação que nos permita a leitura sistêmica do texto constitucional, estabelecendo uma Constituição que consagra a indivisibilidade dos direitos fundamentais e dos princípios aplicáveis e variáveis de acordo com a situação concreta, ou seja, procura-se vedar que haja cidadãos com meias cidadanias.

A partir daí, concretiza-se a possibilidade de forjar um conceito mais amplo de cidadania e de democracia, que ultrapasse a idéia restrita da democracia como a simples consagração do direito do voto. A intenção é de se conseguir chegar à idéia de democracia enquanto processo em constante evolução, que permita a forja de uma cidadania com o pressuposto da inclusão social de todos os atores que ali democraticamente interagem, possibilitando, conseqüentemente, a participação desse indivíduo na < construção social > do seu próprio futuro.

Devemos observar, portanto, que a Constituição Federal/88 estabelece como objetivo do Estado a justiça social, a democracia plural na perspectiva dos direitos humanos, o que implica na democracia política, econômica e social, assim como a redução das desigualdades sociais e regionais e a eliminação da pobreza.

Assim, uma interpretação sistêmica nos leva a construir uma interpretação completamente nova de < velhos direitos > [27] do texto constitucional, ressaltando os aspectos democráticos essenciais que garantem a visão de uma Constituição enquanto processo que legitimaria todas as mudanças que a sociedade requer.

Esse direcionamento e orientação, sem dúvidas podem contribuir para encurtar a enorme distância que muitas vezes ocorre entre a realidade dos fatos – constituição real – entre a norma permissiva ou restritiva e a interpretação realizada pelos operadores do direito de ambas as situações. Portanto, de nada adianta a interpretação de uma norma de conduta que venha a ser absolutamente inaplicável a uma realidade histórica que não mais comporta tal interpretação. Isso ocorre com freqüência entre os juristas, que fazem uma análise legal dissociada da realidade social e do momento histórico onde a lei será aplicada. Criam ou simplesmente conservam-se padrões normativos, moralmente impossíveis de serem sustentados.

Nesse particular, cumpre-nos fazermos a relação com uma recente decisão da Justiça Federal do Estado do Paraná, a cerca do Programa de Inclusão Social e Racial adotado pela UFPR, onde o douto magistrado que apesar entender e reconhecer que, ainda hoje, existe discriminação racial e que ela é decorrente do sistema e da forma em que se conduziram as relações raciais no Brasil, mesmo assim, determinou em sede de liminar em Ação Civil Pública o cancelamento do programa adotado pela UFPR, primeiro porque seria atestar que o Brasil é um país racista – o que o Governo Federal já adimitiu outrora e, inclusive, esta implementando políticas públicas com o intuito de tratar da questão - e segundo, dizendo que a Constituição Federal não admite a imlementação de programas desse tipo, por ser ele discriminatório. [28]

Mutatis mutandis, posturas como essa é a justamente a negação de um processo de interpretação que é aqui denominado de < eterno estado constitucional de conformação social >, que não ocorrerá pela vontade de um único interprete, mas sim, da vontade de vários deles. Que, somente conseguiram a correta interpretação da vontade da Constituição e sua justa aplicação, se estiverem atentos às indicações advindas das aspirações populares < realidade social >, devidamente adequadas aos valores do texto constitucional.

Entretanto, existem limites a este processo de mutação conforme o grau de detalhamento do texto, sendo que, pela conformação analítica – forma aberta - do Diploma de 1988, implicaria, certamente, em diversas situações de difícil superação. Porém, numa interpretação conforme aquela que se propõe – realística - e, tendo aquele Diploma Maior como um sistema de metas a serem alcançadas e constantemente buscadas, certamente os anseios da sociedade seriam contemplados [29].

1.2O SURGIMENTO E A MATERIALIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE

Conforme o conteúdo anteriormente estudado, nos é permitido a fixação da seguinte premissa: que na aplicação dos princípios constitucionais se pressupõem que o seu significado válido é variável no tempo, espaço, história e cultura, onde será aplicado, podendo ser agregado a esse significado um conteúdo positivo ou negativo, conforme a situação concreta em que ele será aplicado.

Na evolução histórica dos direitos fundamentais onde se situa o princípio da igualdade, existe um recorte, um marco histórico que nos conduz na separação absoluta em duas épocas bem distintas para a compreensão do que seja, modernamente, a igualdade. O primeiro, é anterior e o segundo posterior às declarações de direitos que estudaremos adiante. Para o estudo deste tópico, vamos nos deter na Segunda hipótese. Na chamada < positivação > ou < constitucionalização > dos direitos do homem.

Com a formalização do princípio da igualdade, século XVIII, nas doutrinas denominadas de contratualistas e humanistas, foram quando surgiram as primeiras declarações de direitos humanos no sentido moderno. A partir daí, passou-se a entender que os direitos sociais também estavam compreendidos no arcabouço jurídico estatal. Ou seja, o Estado passa a ser uma espécie de < garante positivo > [30] desses direitos frente aos cidadãos administrados.

Na Declaração de direitos do bom povo da Virgínia, de 1776 ("todos os homens são por natureza livres e independentes") e, na Declaração dos direitos do homem e do cidadão, promulgada na França em 1789 (liberdade, igualdade, propriedade, legalidade, etc.), foi quando primeiro se viu às tendências interpretativas de defesa do indivíduo, abstratamente considerado, no sentido de conformação social e humanística da realidade jurídica.

Portanto, o princípio da igualdade tem seu surgimento numa base racionalista, que a partir das teorias contratualistas de 1776 e 1789 enfatizavam a pré-existência de um pacto constitutivo do Estado, para daí então, garantir os atributos de igualdade e liberdade humanas.

Surge então, inicialmente a igualização como um valor negativo, no sentido limitador de ações do Estado ou mesmo dos cidadãos que possam ser discriminatórias em si, seja para o legislador enquanto destinatário originário do referido ditame, seja para o cidadão que ao cumprir a lei deverá receber um tratamento isonômico, vejamos a assertiva na lição do professor Celso Antônio BANDEIRA DE MELLO: "Em suma: dúvida não padece que, ao se cumprir uma lei, todos os abrangidos por ela hão de receber tratamento parificado, sendo certo, ainda, que ao próprio ditame legal é interdito deferir disciplinas diversas para situações equivalentes." [31]

Por certo, que a fixação do que seja a igualdade em fórmula concisa, como se tal proeza fosse possível, interessa antes à Filosofia Política que a jurídica, mas seus resultados terão uma profunda influência na inteligência do direito positivo, que se apropriou do vocábulo e inicialmente o dotou de um conteúdo meramente formal ou, por assim dizer, negativo.

Desta forma, com o fito de dar substância a esse preceito, é de especial interesse para o direito a distinção da igualdade < perante a norma > e, da igualdade < na norma >.

No primeiro caso, tem-se tratamento igual se o paradigma é respeitado imparcialmente pelo aplicador, quer dizer, a própria norma é o parâmetro de igualdade efetivamente atuado. O segundo caso é mais problemático e onde se situa nosso objeto de estudo, que é < a determinação de quando necessitamos de mecanismos para atribuir a igualdade à norma >, ou seja, é a garantia de materialidade ao princípio da igualdade.

Tal distinção é de extrema importância para a real compreensão do nosso problema e, com isso, para a efetivação de todo o conteúdo do princípio da igualdade em relação aos afrodescendentes nos moldes propostos na nossa Constituição Federal/1988.

Sobre o tema, nos ensina José Souto Maior BORGES, dizendo que existem duas formas nitidamente distintas de positivação da igualdade jurídica: "A primeira delas é a igualdade da lei. Esta pode existir até mesmo quando a igualdade não corresponda ao conteúdo da lei. A igualdade perante a lei nada significa senão a simples conformidade, em todas as situações que lhe forem submetidas, da conduta humana à norma de conduta." [32]

Leciona ainda o professor José Souto Maior BORGES, parafraseando KELSEN que, "a chamada ‘igualdade’ perante a lei não significa qualquer outra coisa que não seja a aplicação legal, isto é, aplicação correta da lei, qualquer que seja o conteúdo que esta lei possa ter, mesmo que ela não prescreva um tratamento igualitário, mas um tratamento desigual". [33]

Verifica-se, que a igualdade < perante a norma > tem por destinatário exclusivo os aplicadores da lei, isto é, a igualdade há de ser observada, mormente pelo juiz e pelo administrador, fazendo com que a lei seja aplicada com uniformidade.

Contudo, segundo os ensinamentos do professor Celso Antonio BANDEIRA DE MELLO, é de "que o alcance do princípio não se restringe a nivelar os cidadãos diante da norma legal posta, mas que a própria lei não pode ser editada em desconformidade com a isonomia." [34] Isso seria então, a busca da igualdade < na norma >.

Portanto, com a intenção de outorgar materialidade ao conteúdo jurídico do princípio da igualdade, conforme uma vez mais, nos ensina Celso Antonio BANDEIRA DE MELLO, "a igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais." [35]

Desta forma, conforme a conceituação acima, a igualdade < perante a norma > poderia, em tese, ser atendida mediante qualquer das concepções acima citadas, mas não a igualdade < na norma >.

E não é por menos, que o Professor BANDEIRA DE MELLO preleciona a prima facie na obra citada, que "o preceito magno da igualdade, como já tem sido assinalado, é norma voltada quer para o aplicador da lei quer para o próprio legislador." [36] Assim, o trato isonômico é sem dúvida nenhuma a desigualação na lei, daqueles que são socialmente desiguais.

O tema que nos ocupa a partir de então neste tópico, é a materialização dessa igualdade. Deve-se observar para tanto, que o direito positivo, em nossa perspectiva, vale enquanto harmônico ou compatível com as normas de direitos humanos. De onde se pode concluir que -, ora ele pode ser injusto, como também que pode ser justo – e em ambos os casos o que vale é a norma de justiça, não apenas ideal, mas consensualmente aceito, após séculos de lutas humanitárias.

Como nos ensinou o Professor GRAMSTRUP, a expressão normativa de que < todos os homens devem ser tratados por igual >, não exprime a absurda ilação de que todos sejam iguais. Mas sim, que apesar das desigualdades de fato serem irrelevantes para o tratamento dos homens perante na lei, no extremo oposto, está o princípio de que cada caso particular deva ser tratado como tal < é o ideal da plena flexibilidade do direito, a justiça do caso concreto >. [37]

Desta forma, a norma de justiça pela qual todos devem ser tratados iguais, nada diz sobre o conteúdo desse tratamento, por esse motivo é que citando Hans KELSEN nos ensina o professor Erik Frederico GRAMSTRUP que: "o princípio, plenamente formulado, diz: ‘quando os indivíduos são iguais < ? mais rigorosamente: quando os indivíduos e as circunstâncias externas são iguais ? devem ser tratados igualmente, quando os indivíduos e as circunstâncias externas são desiguais, devem ser tratados desigualmente?. >" [38] [sem grifo no original]

Como se viu, a igualdade surgida com o liberalismo e conhecida na doutrina como igualdade formal ou igualdade perante a lei e mostrou-se incapaz de estabelecer efetivamente a isonomia jurídica, posto que a igualdade fosse concebida para igualar os membros de uma mesma classe social, subsistindo dessa maneira a desigualdade entre as classes. Foram séculos de lutas para que se outorgasse a substancialidade à norma igualitária.

Quiçá então, hodiernamente, com a vivificação e humanização dos direitos fundamentais e, portanto, com a busca da garantia dos novos < velhos direitos >, [39] como a igualdade racial, que após mais de uma centena de anos do abandono do regime escravocrata, ainda não foi possível alcançá-la, sendo necessárias, ainda hoje, verdadeiras batalhas a fim de garantir o < mínimo necessário > para assegurar, ao menos, a possibilidade de < busca > da dignidade.

Enfim, a justiça que deverá ser buscada < na norma > através da aplicação do sistema de metas constitucionais, especialmente, através do metaprincípio da igualdade; é posta de forma imperativa para materialização das oportunidades iguais e, portanto, vincula o Estado para além da não-intervenção na esfera da liberdade pessoal dos indivíduos; às prestações positivas para concreção dos meios necessários para o exercício da cidadania plena.

Corroborando com essa assertiva, nos ensina o Ministro Gilmar Ferreira MENDES, noutras palavras; que os direitos fundamentais não só se irradiam por todo o ordenamento jurídico como exigem do Estado prestações positivas para sua efetiva e plena satisfação, vejam:

É fácil ver que a idéia de um dever genérico de proteção fundada nos direitos fundamentais relativiza sobremaneira a separação entre a ordem constitucional e a ordem legal, permitindo que se reconheça uma irradiação dos efeitos desses direitos (Austrahlungswirkung) sobre toda a ordem jurídica. Assim, ainda que se não reconheça, em todos os casos, uma pretensão subjetiva contra o Estado, < tem-se, inequivocamente, a identificação de um dever deste de tomar todas as providências necessárias para a realização ou concretização dos direitos fundamentais. > [40] [original sem grifos]

A igualdade pressupõe o respeito às diferenças pessoais, pois, a igualdade não significa o nivelamento de personalidades individuais. Ao contrário, para haver uma efetiva e substancial igualdade, é necessário se ter em conta as distintas condições das pessoas. De forma que, assim como a liberdade absoluta na convivência social conduz ao anarquismo; a igualdade artificial das concretas desigualdades ou igualdade absoluta leva a < despersonificação e a massificação >. Coisifica as pessoas.

Por esse motivo é que defendemos a idéia de que a igualdade é um < metaprincípio > e, portanto, integrante de um sistema – regras e princípios - voltado para a plena realização da < vontade constitucional >.

1.3A IGUALDADE MATERIAL COMO UM METAPRINCÍPIO

Neste sub-capítulo, faremos uma breve explanação sobre a igualdade material como uma meta constitucional – metaprincípio -, conforme sugere o título.

Pretendemos tratar do princípio da igualdade como sendo o grande realizador da substancialidade dessa < vontade constitucional > no sistema metas que ele compõe. E nesse sentido, nos ensina o insigne José Afonso da SILVA, dizendo: "porque existem desigualdades, é que se aspira à igualdade real ou material que busque realizar a igualização das condições desiguais", [41] portanto, o fim igualitário, há muito já era buscado.

A visão material da igualdade vem complementar a sua visão formal. Não bastando, portanto, a lei declarar que todos são iguais, deve propiciar mecanismos eficazes para a consecução da igualdade. Ensinando-nos, novamente o Professor José Afonso da SILVA, que: "A Constituição procura aproximar os dois tipos de isonomia, na medida em que não se limitara ao simples enunciado da igualdade perante a lei". [42]

Portanto, ao contrário do modelo formalista de outrora, hoje o Estado assume um papel fundamental para garantir aos membros da sociedade uma efetivação da isonomia, redimensionando os seus objetivos e os meios para atingi-los. Permitindo que a igualdade material ou substancial venha complementar a igualdade formal, conferindo aos cidadãos além da igualdade em direitos e obrigações, a garantia que o Estado será um ente preocupado em efetivar a isonomia proibindo aos administrados desigualações injustas e sem motivo, ou seja, ao Estado é conferido o poder-dever de instituir garantias para a consecução desse estado de coisas garantidas pelo princípio da igualdade.

A exemplo disso, até a pouco tempo atrás a interpretação da expressão iguais perante a lei propiciava situações observadas onde a igualdade jurídica convivia com a separação dos desigualados, valendo observar aqui, o tratamento igual, dado para os igualados dentro de uma estrutura na qual se separavam os desigualados, inclusive, territorial e socialmente.

Nos Estados Unidos da América, até o advento do caso Brown versus Board of Education, [43] e seu julgamento pela Suprema Corte norte-americana, entendia-se que os negros não estavam sendo comprometidos em seu direito ao tratamento jurídico igual se, mantidos em escolas de negros, fossem ali tratados igualmente. Como se vê este princípio, de forma alguma, diz que a igualdade é absoluta, pois, postula um tratamento igual na proporção da desigualdade, nos mais variados aspectos, entre os sujeitos de direito.

Assim sendo, pode se dizer que a exigência de trato diverso é, primeiramente, de lógica para depois então de justiça. Em conclusão: a justiça não é a igualdade em latu sensu, mas sim, a igualdade em stricto sensu é a expressão mais próxima da justiça.

A correlação existente entre o princípio da igualdade e o ideal de justiça é bastante clara. Tal posicionamento é também defendido pela Professora Cármen Lúcia Antunes ROCHA, quando nos ensina que, "A igualdade no direito é arte do homem. Por isto o princípio jurídico da igualdade é tanto mais legítimo quanto mais próximo estiver o seu conteúdo da idéia de justiça em que à sociedade acredita na pauta da história e do tempo." [44]

Desta forma, o princípio jurídico da isonomia deve ser entendido como uma ferramenta para a consecução e materializar do princípio da igualdade e, com isso, buscar a aproximação do que chamamos de justiça, devendo nortear tanto aos legisladores quanto aos operadores do direito na justa aplicação da norma de acordo com a idéia de justiça que possua mais similitudes com os anseios da sociedade em que será aplicada.

Contudo, não pode ser confundida essa idéia de justiça com aquela que paira sobre o < senso comum da maioria >, que milita no seio de sociedade, pois, essa idéia de justiça consciente ou inconscientemente está, no mais das vezes, fulminada pela idéia da justiça e do interesse comum de < manutenção de determinados privilégios ou preconceitos >, que para Ronald DWORKIN, pode não estar refletindo um justo critério de < justiça > à realidade da sociedade onde a norma será aplicada, vejamos:

Imaginemos que quatro pessoas decidem se associar para praticar esporte. Criam uma sociedade e em seus estatutos estipulam que as decisões serão tomadas por acordo da maioria. Uma vez constituída a sociedade, decide-se por unanimidade pela construção de uma quadra de tênis. Uma vez construída a quadra, os sócios decidem por maioria que uma das pessoas associadas - que é da raça negra - não pode jogar porque não querem negros na quadra. Acaso a lei da maioria é uma lei justa? Se isto pode ser feito, que sentido tem o direito a igual consideração e respeito? [45]

Outra questão trazida por pelo professor norte-americano DWORKIN, é o fato de que, é possível um questionamento a cerca da justiça desse princípio igualizador, veja-se:

Alguém pode objetar que esse princípio da igualdade aproximada é injusto porque ignora o fato de que as pessoas têm gostos diferentes e que a satisfação de alguns deles é mais dispendiosa que a de outros, de modo que, por exemplo, o homem que prefere champanhe precisará de mais recursos para não ser frustrado que o homem que se satisfaz com cerveja. (...). A neutralidade mais eficaz, portanto, exige que a mesma parcela seja destinada a cada um, de modo que a escolha entre gostos dispendiosos e gostos menos dispendiosos seja feita por cada pessoa, sem nenhuma noção de que a parcela que lhe cabe será aumentada se escolher uma vida mais dispendiosa, ou que, seja o que for que escolher, sua escolha subsidiará os que escolheram viver mais dispendiosamente.

Mas o que o princípio da igualdade aproximada de distribuição exige na prática? Se o governo distribuísse diretamente todos os recursos, fornecendo alimentação, moradia etc., se todas as oportunidades que os cidadãos têm fossem oferecidas pelo governo por meio de disposições dos Direitos civil e criminal, se todo cidadão possuísse exatamente os mesmos talentos, se todo cidadão começasse a vida com o mesmo que qualquer outro cidadão tivesse no início; e se todo cidadão tivesse exatamente a mesma idéia acerca do que é viver bem e, portanto, exatamente o mesmo esquema de preferências que todos os outros cidadãos, inclusive preferências entre a atividade produtiva de diferentes formas e o lazer, então o princípio da igualdade aproximada poderia ser satisfeito simplesmente pela igual distribuição de tudo a ser distribuído e por leis civis e criminais de aplicação universal. O governo providenciaria a produção que maximizasse o conjunto de bens, inclusive empregos e lazer, que todos preferissem, distribuindo o produto igualmente. [46]

No Brasil não é diferente, pois, com a Constituição de 88 o principio da igualdade deixa de ser limitado à igualdade perante a lei, mas sim, passa a garantir a cada cidadão oportunidades iguais para a realização dos seus próprios objetivos. Se antes não se vislumbrava como realizar a igualdade, a norma agora desiguala desiguais para atingir a igualdade dando dinamicidade ao dito princípio da isonomia.

Nosso entendimento é abalizado pelo ilustre Professor José Joaquim Gomes CANOTILHO, vejamos: "... a obtenção da igualdade substancial, que pressupõe um amplo reordenamento das oportunidades: impõe políticas profundas; induz, mais, que o Estado não seja um simples garantidor da ordem assente nos direitos individuais e no título da propriedade, mas um ente de bens coletivos e fornecedor de prestações." [47]

Com efeito, no Brasil de forma explícita e textual, o princípio da igualdade aparece desde a Carta Imperial de 1824. Contudo, nos moldes que orienta nossos estudos, ele aparece em nosso ordenamento jurídico no caput do artigo 5º do texto constitucional de 1988, sendo também mencionado inclusive no Preâmbulo desta Constituição, assim, parafraseando o que nos ensinou, acima, o Ministro Gilmar MENDES, ele se irradia por toda a ordem jurídica interna e exige do Estado as prestações positivas que possam garantir sua plena e efetiva satisfação. [48]

Vejamos a letra da Lei encartada na nossa Constituição Federal: "Art. 5º - Caput - "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à igualdade, a segurança e a propriedade, (...)". [49]

Decorrente das lutas de classes, tal preceito constitucional não é algo inédito, pois, como visto anteriormente, semelhantes preceitos fizeram-se presentes em diversas outras constituições, que orientam os ordenamentos jurídicos dos Estados modernos. Declarações e Pactos de organizações supra-estatais, verbi gratia, deste ultimo, a Convenção Internacional sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, assinada pelo Brasil em Nova Iorque, 7/3/66 e aprovada pelo Decreto Legislativo nº 23/67 da ONU, tendo sido promulgada no Brasil pelo Dec. nº 65.810/69 de 08/12/69 e Publicado no DOU de 10/12/69. [50]

Destarte, é norma supra-constitucional; com isso, estamos diante de um princípio que é direito e garantia para o qual todas as demais normas devem observância e obediência.

Portanto, não foi por obra do acaso que os representantes do povo brasileiro reunidos na Assembléia Nacional Constituinte, < de forma clara e com efetiva demonstração de preocupação com o princípio da isonomia >, instituíram naquela Carta de 88 desde o seu Preâmbulo um Estado Democrático que seja destinado a assegurar a igualdade e a justiça como valores supremos da República Brasileira, sendo, portanto, essa combinação de pressupostos é a garantia isonômica da substancialidade da igualdade formal inscrita no artigo 5º da CF/88. Assim, ambas se complementam e são entre si, pressupostos existenciais.

O esteio da isonomia na Lei Maior é o artigo 3º, que institui como objetivos da República Federativa do Brasil, a erradicação da pobreza e da marginalização, bem como redução das desigualdades sociais e regionais, além do disposto no inciso IV do mesmo artigo que determina também como objetivo < promover o bem de todos sem preconceitos, de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação >.

Nesse sentido, existem inúmeras formas de manifestação da igualdade material no referido Estatuto Regulador Brasileiro, a exemplo, o art. 5º, I, XXXII, LXXIV, o art. 7º, XXX e XXXI, o art. 170, VII, art. 193, art. 196, art. 205, dentre outros.

Assim, é verdadeira a assertiva de que é dever do Estado, já através do legislador ordinário a promoção da igualdade material e quando este não o faz, cabe ao executivo fazê-lo para alcançar a igualdade material entre seus administrados. E, que o legislador ao elaborar uma norma não poderá criar situações que discriminem sem motivo, < sendo-lhe imperativo > esse descrímen já no nascedouro de norma, quando necessário para a devida observação do princípio da igualdade com a correção do histórico e comprovado desvio social da atual < vontade constitucional >.

Não havendo o que se falar em inconstitucionalidade, ensinamento depreendido da análise do que nos ensina o Professor Celso Antônio BANDEIRA DE MELLO, vejamos:

Há ofensa ao preceito constitucional da isonomia quando:

I – A norma singulariza atual e definitivamente um destinatário determinado, ao invés de abranger uma categoria de pessoas, ou uma pessoa futura indeterminada.

II – A norma adota como critério discriminador, para fins de diferenciação de regimes, elemento não residente nos fatos, situações ou pessoas por tal modo desequiparadas. É o que ocorre quando pretende tomar o fator tempo – que não descansa no objeto – como critério diferencial.

III – A norma atribui tratamentos jurídicos diferentes em atenção ao fator de discrímen adotado que, entretanto, não guarda relação de pertinência lógica com a disparidade de regimes outorgados.

IV – A norma supõe relação de pertinência lógica existente em abstrato, mas o discrímen estabelecido conduz a efeitos contrapostos ou de qualquer modo dissonantes dos interesses protegidos constitucionalmente.

V – A interpretação da norma extrai dela distinções, discrímens, desequiparações que não foram professadamente assumidos por ela de modo claro, ainda que por via implícita. [51]

Estes critérios estabelecidos pelo Ilustre professor referenciado, devem ser respeitados, tanto na elaboração da norma como para se identificar se há ou não inconstitucionalidade por ofensa ao princípio da igualdade após a promulgação da norma. Tornando-se claro então, que < coexiste no nosso sistema constitucional tanto a igualdade perante a lei como a igualdade na lei >.

Esse entendimento constitui sobremaneira um avanço para a efetivação do princípio da igualdade, pois, ao se limitar o Poder Legislativo ao princípio da isonomia na elaboração das normas, tem-se para o ordenamento jurídico brasileiro a garantia de que as leis não poderão criar privilégios injustificados ou produzir situações discriminatórias sem qualquer fundamento. Portanto, reciprocamente, a lei deverá criar o descrímen quando necessário for para efetivar o princípio da igualdade.

O que se pretende, então, é que a igualdade perante a lei signifique igualdade por meio da lei, podendo-se inferir que, < a lei é o instrumento criador das igualdades possíveis e necessárias ao florescimento das relações justas e equilibradas entre as pessoas >. Há que se desbastarem, pois, as desigualdades encontradas na sociedade pelo desvirtuamento de gênero, classe ou raça, o que impõe, por vezes, a necessidade de desigualação daqueles que, sob o enfoque tradicional ou reacionário, são iguais.

Dessa maneira, para cada situação encontrada na sociedade como injusta e discriminatória, deve o direito, por meio da lei, promover a equiparação dos desiguais atendendo dessa forma o princípio constitucional da igualdade. Percebe-se, portanto, a dinamicidade com que atua o princípio da isonomia para a concretização do preceito de igualdade, não mais se limitando à forma estática de outrora. Sendo que, agora é aplicado e elaborado para transformar a sociedade, para promover o bem de todos visando a consecução dos ideais de justiça que permeiam a sociedade idealizada por Ronald DWORKIN na lição anterior.

Porquanto, fica aqui um desafio ao hermeneuta e que, as efetivas desigualdades, de várias categorias, existentes e eventualmente estabelecidas por lei, entre os vários seres humanos, desafiam a inteligência dos juristas a determinar os conceitos de "iguais" e "iguais perante a lei". Assim, cumpre como papel do jurista a interpretação do conteúdo jurídico dessa norma, tendo em vista a sua finalidade e os princípios consagrados no Direito Constitucional para que desta forma o princípio realmente tenha efetividade.


2.DISCRIMINAÇÃO RACIAL NO BRASIL

Elie Wiesel, Prêmio Nobel da Paz, disse uma frase muito interessante: "O matador mata sempre duas vezes – a segunda pelo silêncio." (...) Em alguns racismos conhecidos na historia da humanidade, as relações entre segmentos étnicos diferentes são mais explícitas, mais abertas; é um racismo institucionalizado, por vezes acompanhado de hostilidades e da morte física do outro. Quero me referir ao nazismo, ao apartheid sul-africano, ao sistema ‘Jim Crow’ nos Estados Unidos. Mas outros racismos foram e são implícitos, não-institucionalizados, objeto de segredo e tabu, submetidos ao silêncio, um silêncio criminoso. Quero me referir, como vocês devem ter captado pela mensagem camuflada no título, ao racismo brasileiro." [52]

Kabengele MUNANGA

Sistema de apartheid, invisível para o Povo, mas, apartheid. Pois, em breve analise da pirâmide social brasileira, é possível verificar que a população negra ocupa os mais baixos estratos.

É importante salientar, que o Povo que aqui é tratado, é aquele Povo do qual trata Friedrich MÜLLER em sua obra (Quem é o povo. A questão fundamental da democracia. 2000); [53] portanto, quando dizemos "invisível para o Povo", não é aquela invisibilidade que é dada à população negra brasileira pelo Povo da chamada "elite pensante da sociedade" < do mundo acadêmico, político, econômico, jurídico, etc... >. Ou seja, não se esta a falar ali dos letrados, mas sim, da massa da população. Pois, esta "elite pensante" do país são, no mais das vezes, os efetivos autores, co-autores ou partícipes de tal crime, seja, pela ação discriminatória que sempre será consciente, seja pela omissão na denuncia de práticas discriminatórias ou ainda, pela forma velada como se discrimina que para nós é a mais perversa de todas.

Sendo, contudo, esta a característica do racismo no Brasil que é a prática do silenciamento sobre o tema e isso, pelo simples fato de que um dia foi escrito que somos um país de < democracia racial >.

É com essa assertiva que iniciamos esse novo capítulo, concluindo, desde logo, que ao analisarmos a história da sociedade brasileira verificamos que o Estado sistematizou privilégios a determinadas etnias/raças ao longo de mais de três séculos e, com apenas uma simples e candongueira pincelada, como se encerrando a página de um livro, passa a viver, em tese, uma nova era.

Assim, o pressuposto de todas as discussões que serão apresentadas neste capítulo, é aquele que esses marcos históricos –[54]Leis nº 2040 de 28/09/1871 e nº 3.353 de 13/05/1888, CF/88, Conf. Durban/2001 - [55] nos permitem inferir, de que a propalada democracia racial brasileira, não passou de uma tentativa estatal de lançar mão de uma história escravagista - de passado e presente –, através do silenciamento no trato da questão. [56] E ainda, quando, por necessidade, esse silêncio tivesse (foi) que ser rompido, a questão deveria ser tratada a partir de pressupostos diametralmente antagônicos a esses que acabamos de afirmar com o < metaprincípio > constitucional da igualdade; antagonismo este, que tem hoje seus efeitos latentes na sociedade brasileira. [57]

História esta, que segundo Florestan FERNANDES, [58] traz na condição humana do antigo agente do trabalho escravo e na forma como se deu a sua inserção - abolição – na sociedade de classes, por perpetuar-se no tempo; numa atroz, extrema e cruel espoliação.

A esse respeito assevera FERNADES que:

A desagregação do regime escravocrata e senhoral operaram-se no Brasil, sem que cercasse a destituição dos antigos agentes de trabalho escravo de assistência e garantias que protegessem na transição para o sistema de trabalho livre. Os senhores foram eximidos da responsabilidade pela manutenção e segurança dos libertos, sem que o Estado, a Igreja ou qualquer instituição assumissem encargos especiais (1), que tivessem por objeto prepará-los para o novo regime de organização da vida e do trabalho. O liberto viu-se convertido, sumária e abruptamente em senhor de si mesmo, tornando-se responsável por sua pessoa e por seus dependentes, embora não dispusesse de meios materiais e morais para realizar essa proeza nos quadros de uma economia competitiva. (1) A exemplo do que ocorreu em vários países europeus, em face de conseqüências análogas que afetaram o antigo servo da gleba (cf. C. W. Pipkin, art. "Poor Laws", Encyclopédia of Social Sciences, vol. XII, pp. 230-234)... [59] [ Sem grifos no original]

A partir daí, dá-se então a perpétua reprodução da deteriorização do nível de vida do negro, sendo ele impedido de exercer plenamente sua qualidade de liberto – de trabalhador livre -, uma vez que não tinha acesso ao mercado de trabalho que, com o escravismo constituíra-se numa estrutura de privilégios em favor da população branca, que em inúmeros casos eram, inclusive, oficializados, verbi gratia:

1875. Postura Municipal da cidade de São Paulo, art. 155.

"Todos os que tiverem casas de negócios não poderão ter nelas cativos como caixeiros ou administradores, sob pena de 10% de multa"

1883. Postura Municipal da cidade de Itapetininga, São Paulo, art. 67

São proibidas cantorias e danças de pretos, se não pagarem os chefes de tais divertimentos o imposto de 10$, se em tais reuniões consentir polícia" [60]

Quiçá então, passar da condição de (negro) liberto para a de cidadão. O que, certamente, para este contingente privilegiado desde sempre, admitir o negro como um cidadão significaria a provável diminuição – pela distribuição eqüitativa de quinhões - dos benefícios angariados ao longo da adoção do trabalho escravo, e é esse o momento onde o preconceito e a discriminação racial ganham novos ingredientes, que se voltam para a defesa daquela estrutura de privilégios, que é sistematicamente trabalhada até nossos dias. [61]

Outro exemplo da ação discriminatória do Estado brasileiro contra o cidadão negro, que merece ser anotado, é a forma de controle social exercido na esfera penal, que parafraseando a professora Dora Lúcia de Lima BERTÚLIO, a população reclama posições drásticas e enérgicas da Justiça com o fim de se proteger de situações de violência. [62]

Com isso, novamente nos ensina a professora BERTÚLIO que: "... o sistema jurídico fica legitimado a agir na defesa da sociedade, estabelecendo critérios dos quais não participam os segmentos empobrecidos e/ou discriminados que, de malgrado terem requerido proteção, serão as vítimas privilegiadas da ação da ‘Justiça’."[63]

Com esse contexto, não é tão simples lançar mão desse passado discriminatório e segregacionista, que outrora fora oficializado e, hodiernamente, por omissão é consentido pelo Estado, tornando-o, por ser velado, um regime ainda mais gravoso àqueles que sofrem de tal preconceito.

Soma-se ainda, o exemplo da xenofobia cultural de matriz africana, especialmente encontrada aqui em Curitiba, "na capital da cultura", onde a expressão cultural de todas as raças/etnias que de alguma forma compõe a formação da população municipal são, devidamente, representadas através de parques, portais, praças, etc., inclusive, com um festival de folclore denominado "Festival das Etnias", sendo que, a raça negra não é contemplada com nenhuma dessas formas de representação e, inclusive, não pode participar do referido "Festival de Etnias", sob a alegação de que no Paraná não existe a expressão da cultura africana ou seja, que aqui não existem negros.

Os efeitos desse racismo institucionalizado são os mais perniciosos possíveis na formação do imaginário "senso comum" de toda a população, negra e não negra. Refletindo-se nas relações sociais onde esse imaginário inconsciente pode atuar, exemplo disso, podem ser vistos pelas pesquisas estatísticas existentes sobre educação, mercado de trabalho, criminalidade, presença nas artes, além das outras formas e outros campos que se pode identificar, na prática, o problema.

Portanto, conforme nos ensina a antropóloga social Professora Nilma Lino GOMES, "no Brasil, o racismo e a discriminação racial que incidem sobre os habitantes negros ocorrem não somente em decorrência dos aspectos culturais presentes em suas vidas, mas pela conjunção entre esses aspectos (vistos de maneira negativa) e pela existência de sinais diacríticos [Diz-se DIACRÍTICO, ao sinal e/ou sintoma tido(s) como característico(s) de uma doença] [64] que remetem esse grupo a uma ancestralidade negra e africana." [65]

Desta forma é que se justifica, a adjetivação a esse sistema de segregação racial brasileiro, como sendo ainda mais gravoso do que o do apartheid sul africano, pois, fosse ele declarado ou assumido, tornar-se-ia possível < leia-se, obrigatório, para o atual estado democrático de direito > a luta no sentido de neutralizá-lo inclusive, incriminando o agente de tal conduta, para daí então possibilitar que o homem negro brasileiro, como dito por Luiz GAMA, [66] tenha a "...liberdade de ser infeliz onde e como queira...".

Com esse breve intróito, demonstrou-se a origem histórica da atual situação da população negra no Brasil, evidenciando, com isso, a necessária e urgente materialização do metaprincípio da igualdade, através da implementação de políticas públicas de ações afirmativas para os afrodescendentes, sem olvidar, que tal < postura estatal > está de fato prevista na Ordem Jurídica vigente.


3.AÇÕES AFIRMATIVAS, ORIGENS, CONCEITO E FINALIDADES

Não obstante ao fato do termo affirmative action ter aparecido nos Estados Unidos, as primeiras políticas de ações oficiais de discriminação positiva que se tem conhecimento na historia, surgiram na Índia na década de 1940, com o nome de medidas afirmativas. Tais medidas tinham a finalidade de fazer com que o parlamento indiano passasse a ser constituído por representantes das castas consideradas inferiores. [67] A partir de então, essas medidas têm sido difundidas e aplicadas em diversos países com as mais diversas correntes ideológicas.

O termo ação afirmativa - affirmative action - é atribuído ao Ex-presidente norte americano Jhon F. Kennedy que governou aquele país entre os anos de 1961 até 1963 – assassinato -, com sua morte o Presidente Lyndon B. Johnson assumiu o cargo e deu continuidade aos projetos que estavam em tramitação conseguindo aprovar o Civil Right Act de 02 de julho de 1964, que instituía a proibição de discriminação ou segregação em lugares ou alojamentos públicos; a observância de medidas não discriminatórias na distribuição de recursos em programas monitorados pelo governo federal; a proibição de qualquer discriminação no mercado de trabalho calcada em raça, cor, sexo ou origem nacional, proibição essa que deveria ser observada pelos grandes e pequenos empregadores , incluindo-se as universidades, públicas e privadas. [68]

Com os poucos avanços ocorridos na questão das relações raciais, não tardaram a chegar às chamadas "medidas positivas", 24 de setembro 1965, que impunham àquelas empresas que quisessem contratar com o governo, adotassem práticas eqüitativas de distribuição dos postos de trabalho, especialmente, aos indivíduos da raça negra que ainda sofriam os efeitos do regime escravocrata. [69]

No ano de 1971 o então Presidente Nixon, tornou tais medidas mais específicas, modificando a legislação existente para que a discriminação positiva fosse utilizada mais agressivamente, [70] ou seja, tornou possível a utilização dos critérios de sexo e raça como fator de discriminação, desde que no sentido inverso ao que historicamente foi utilizado.

Na América do Norte tais políticas públicas vêm dos idos de 1941, quando o Presidente Franklin D. Roosevelt decretou que as empresas de material bélico deveriam abrir vagas para negros, criando ainda, um órgão fiscalizador para garantir a efetividade da norma através do seu cumprimento.

Essa discussão em torno da humanização dos direitos civis não se restringiu aos EUA, com o advento da Declaração de Direitos Humanos adotada pelo ONU em dez/48 e, reflexivamente, aos acontecimentos na América do norte essa questão rompeu fronteiras e chegou ao Canadá por volta de 1960, tendo sido introduzida no direito interno daquele País pela via infraconstitucional.

Na África do Sul, com as eleições gerais de 1948, foi adotado pelo Partido Nacional da África do Sul o "estado de separação" – apartheid – e, com a derrota desse trágico momento histórico (1994), [71] iniciaram-se profícuas discussões a cerca do tema - ações afirmativas -, resultando em várias propostas ao Parlamento. Em seguida, surgiu e foi aprovada a proposta elaborada pelo próprio "Comitê Constitucional do African National Congress (A Eill of Rights for a Democratic SouthAfrica - Working Draft Consultation)", que era a mais incisiva no tratamento das ações afirmativas

Numa possível conceituação de ações afirmativas para afrodescendentes, diz-se que são elas, políticas públicas ou privadas que, dinamizando o conceito histórico de igualdade formal buscam a concretização de seus preceitos, visando não só dar substancialidade ao princípio, como também a redução dos efeitos maléficos da discriminação institucionalizada e dissimulada. [72]

Desta forma, parafraseando Joaquim B. Barbosa GOMES, essas ações nada mais é do que tentativas de concretização da igualdade substancial, sendo possível conceituar as ações afirmativas como sendo, "um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero e de origem nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego." [73]

Para a Professora Carmen Lúcia Antunes ROCHA, "A ação afirmativa é, então, uma forma jurídica para se superar o isolamento ou a diminuição social a que se acham sujeitas as minorias." [74]

Portanto, essas políticas consistem numa série de medidas com a finalidade de corrigir uma forma específica de desigualdade, que no presente estudo é a desigualdade racial e seus efeitos, podendo ser aplicadas tanto pelo poder público, quanto pela iniciativa privada, no primeiro caso advogamos com a idéia do poder dever; sendo que, no atual estágio da democracia estatal esse é um dever de toda a sociedade brasileira – setores, público e privado -.Vale dizer, que as ações afirmativas quando aplicadas pelo poder público, normalmente, se traduzem em reserva de vagas – cotas -, a exemplo cotas no serviço público ou nas universidades.

Com efeito, pode-se inferir ao final deste sub-capítulo, que o gênero ação afirmativa, não é a espécie "cotas", mas sim, as cotas são uma das formas de concretização de um conceito maior, usualmente chamado de ações afirmativas, portanto, não havendo motivos para uma confusão conceitual; pois, as ações afirmativas para afrodescendentes mais do que um meio, ela é a própria estrutura através da qual se busca igualar as oportunidades de inclusão socio-economico-cultural de todo um grupo étnico racial, considerando que os fatores que impedem a ascensão social dos indivíduos integrantes desse grupo, estão imbricados numa complexa rede de motivações, explícitas ou implicitamente preconceituosas e de cunho racial. [75]

Devendo-se assinalar, por fim, que hoje a utilização de critérios raciais para a promoção da igualdade, tem sido no mundo, uma saída para alcançar a igualdade substancial.

Portanto, no Brasil não poderia ser diferente. Não só é uma saída para a questão, como também, é uma imposição legal < meta constitucional >, portanto, não só é totalmente lícita como também, imperativa a discriminação por critérios raciais, desde que, obviamente, ela não esteja a serviço de preconceitos, mas sim, da isonomia para a promoção da igualação substancial.

Tal previsão é de ordem constitucional, ali encartada explícita e implicitamente, constituindo-se como um dos < objetivos fundamentais da república federativa do brasil >.

3.1AS AÇÕES AFIRMATIVAS E SUAS POSSIBILIDADES JURÍDICAS

Contudo, fundados numa hermenêutica tecnicista, alguns operadores jurídicos, têm sofismado no sentido de que, - o Estado brasileiro não tem amparo legal para implementação das políticas de ações afirmativas para afrodescendentes, pois, se assim agisse estaria afrontando o princípio da igualdade -. O fundamento desta interpretação, por certo, é diametralmente oposto à apresentada neste trabalho e, com a devida vênia aos defensores da tese contraria, tal posicionamento é seguramente < alheio a real e efetiva vontade constitucional >.

Pretendemos então, demonstrar nesse sub-capítulo, que as políticas de ações afirmativas são legalmente possíveis e no que se refere à constitucionalidade de tais atos, eles se subscrevem no chamado poder dever do Estado.

Ora, tendo que, a norma constitucional possui dentre seus efeitos "a cogencia e a vinculação" dos atos do administrador e do administrado, o que numa leitura sistemática da Constituição brasileira – Estado (o Povo organizado garantindo o "bem comum"), [76] democracia (participativa, com o fim da consecução da soberania popular), [77] cidadania ("possibilidade de" não ser sub-cidadão), direitos humanos (dignidade) e, principalmente, a igualdade racial (que se traduz substancialmente, nos fatos, como "desigualação") –, desta forma, se pensarmos uma política administrativa comprometida com a vontade da constituição; levando em conta o < efeito> catastrófico do regime escravocrata ao < cidadão brasileiro> negro, as ações afirmativas para afrodescendentes, tornam-se uma imposição constitucional tanto ao Poder Público quanto à sociedade civil.

Tornando-se, portanto, um dever do Estado < em face da realidade de suas relações de raça entre negros e não negros >-, a adoção o descrímen como forma e critério de igualação substancial, não havendo o que se falar em ofensa a Constituição quanto à norma, discriminando positivamente, visa atingir igualdade substancial na relação que regula.

Corroborando com essa posição, em palestra proferida no Tribunal Superior do Trabalho no ano de 2001, o então Presidente do STF Ministro Marco Aurélio Mendes de Farias MELLO, asseverou que, de fato, o fundamento do descrímen para o fim de se alcançar toda a extensão do < metaprincípio da igualdade > tem esteio constitucional, dizendo: "< do artigo 3º vem-nos luz suficiente ao agasalho de uma ação afirmativa, a percepção de que o único modo de se corrigir desigualdades é colocar o peso da lei, com a imperatividade que ela deve ter em um mercado desequilibrado, a favor daquele que é descriminado, que é tratado de forma desigual >." [78] [no original sem grifos]

Afirma ainda, o Ministro Marco Aurélio Mendes de Faria MELLO na mesma ocasião, que "toda e qualquer lei que tenha por objetivo a concretude da Constituição Federal não pode ser acoimada de inconstitucional". [79]

Desta forma, sistematizando o entendimento de que, dentre outros, o Estado Democrático se destina ao asseguramento do exercício dos direitos sociais e individuais, tendo a igualdade e a justiça como valores supremos da sociedade [80] para a consecução dos direitos e garantias fundamentais, são elencados como objetivos da Republica Federativa do Brasil, o que segue:

Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. [81]

Verifica-se que os verbos utilizados pelo Legislador Constituinte foram, construir, garantir, erradicar, reduzir e, por fim, promover. Não se percebe na letra fria da Lei a intenção de uma postura estática, não é crível outra hermenêutica desse mandamento constitucional que não seja aquela de uma postura dinâmica, de conformação social. Caso, contrário, qual seria o modo de atuar do Estado que possa transformar as metas constitucionais em ação que venham promover o bem de todos aqueles que ainda hoje, sofrem os efeitos do regime escravocrata, se não for o agir positivamente. [82]

Desta forma, não há outra locução verbal que implique nesse agir constitucional, no sentido verbal ativo, no sentido de tornar cidadão o não cidadão; que se revele mais apropriado do que a locução "ação afirmativa". Eis aí, o momento em que ganha esteio constitucional, no atual contexto de relações raciais do Brasil, as políticas públicas e privadas de ações afirmativas para os afrodescendentes.

Assim, parafraseando a Professora Carmen Lúcia Antunes ROCHA, estas ações afirmativas são instrumentos legítimos para a "superação do problema do não cidadão, daquele que não participa política e democraticamente como lhe é na letra da lei fundamental assegurado, porque não se lhe reconhecem os meios efetivos para se igualar com os demais". [83]

Em decorrência de outro Seminário que, desta feita, aconteceu no Conselho da Justiça Federal em Brasília, no ano de 2001, tratando da mesma temática, ao fazer a apresentação do evento, o Procurador Regional da Republica Aurélio Virgílio Veiga RIOS e o Juiz Federal Flávio Dino de Castro e COSTA, [84] foram categóricos ao afirmar que no Estado Democrático o direito a igualdade, não só pode, como deve ser garantido pela lei e nos fatos, auferindo o amparo constitucional às ações que possam vir a garantir a consecução de tais metas, vejamos um trecho da referida apresentação:

Em um Estado democrata de Direito, a igualdade de todos deve ser garantida na lei e nos fatos. Porém, há grupos humanos que são menores em número ou na sua expressão econômica ou política, e por isso são tratados pela sociedade envolvente não apenas como diferentes, mas desiguais e "menores" em direitos.

A delicada questão do tratamento dado por governos e povos às suas minorias encontra-se no centro das preocupações mundiais. A Conferência Mundial sobre Racismo em Durban (África do Sul), realizada em agosto de 2001, pretendeu apontar os novos paradigmas na promoção de políticas públicas, visando a pavimentar as avenidas que podem ser percorridas no cenário internacional para que o respeito à diferença - como afirmação do valor da diversidade - e a promoção da efetiva igualdade, possam garantir a todos o pleno gozo dos direitos fundamentais, sem distinção de sexo, cor, raça, origem nacional ou regional, etnia, religião, orientação sexual, ou qualquer outra distinção.

Este movimento no âmbito internacional é congruente com o que se passa no plano interno, sobretudo a partir da Constituição brasileira de 1988, a qual lançou a base jurídica para construção de um Estado que atue em favor de uma sociedade solidária e pluriétnica - metas alçadas à condição de objetivos fundamentais da República. [85] [no original sem grifos]

No mesmo sentido é a posição dos Professores Clèmerson Merlin CLÈVE e Melina Breckenfeld RECK, que em recente artigo publicado na Revista On-line desta instituição de ensino, asseveram que, é garantido o esteio constitucional às políticas de ações afirmativas, pois, hodiernamente, o princípio da igualdade assume uma função bem diferente daquela concebida nos séculos XVII e XVIII, de uma garantia negativa para uma garantia positiva – sempre, do Estado p/ o cidadão -, vejamos:

... não há dúvida de que a Constituição de 1988 acolheu a transformação do princípio da igualdade, ou seja, a passagem de um conceito constitucional estático e negativo a um conceito dinâmico e positivo. Assim, o princípio constitucional da igualdade não representa mais um dever social negativo a um conceito dinâmico e positivo. Assim, o princípio constitucional da igualdade não representa mais um dever negativo, mas sim uma obrigação positiva, cuja expressão democrática mais atualizada é a ação afirmativa. [86] [no original sem grifos]

Segundo o jus-filósofo Jürgen HABERMAS, [87] deve-se tomar cuidado com o que ele chama de "princípios da maioria", pois, a composição do contingente dos cidadãos, normalmente, viciam aqueles resultados que < aparentemente são neutros> e, a justificativa para a unidade está além do alcance intelectivo da maioria da população.

Vejamos a posição do filósofo, quanto às ações afirmativas:

Uma minoria prejudicada pode sem dúvida alcançar a igualdade de direitos pela via da secessão, mas unicamente sob a condição improvável de sua concentração espacial [por tempo determinado]. Do contrário, retornam os velhos problemas, apenas com outros sinais. Em geral, a discriminação não pode ser abolida pela via da independência nacional, mas somente por uma inclusão suficientemente sensível aos substratos culturais das diferenças específicas individuais e de grupos. O problema das minorias "natas", que pode ocorrer em todas as sociedades pluralistas, agrava-se em sociedades multiculturais. Se estas, contudo, estão organizadas como Estados de direitos democráticos abrem-se assim diversas para a meta precária [Entende-se por meta precária: como sendo a concentração espacial tratada anteriormente] de uma inclusão "sensível à diferença": divisão federalista de poderes, descentralização ou uma transferência funcionalmente especificada de competências estatais, sobretudo a garantia de autonomia cultural, direitos específicos de grupos, políticas de equalização e outros arranjos para uma efetiva proteção das minorias. Com isso se altera em determinados territórios e em determinados campos políticos o conjunto básico dos cidadãos que participam do processo democrático, sem que sejam violados os princípios deste processo. [88] [No original sem grifos]

Noutras palavras, o sentido e a vontade do < viver constitucionalmente >, do eterno estado constitucional de < conformação social >, nem sempre está no que o senso comum entende por justiça, mas sim, na constante elaboração e conformação do viver constitucional e no alcance da Justiça Social.

Ainda na idéia de sistematização desse viver constitucional, nos ensina o Joaquim BARBOSA em sua obra, [89] que na conjugação dos §§ 1º e 2º do artigo 5º da Constituição Federal, extrai-se uma norma da mais alta relevância para a efetiva implementação dos direitos fundamentais. Como resultado dessa conjugação, tem-se ali, a garantia de < aplicação imediata das normas definidoras de direitos e garantias individuais > e que estes, além de não excluírem outros possíveis decorrentes dos princípios adotados pela Constituição, exempli gratia, as ações afirmativas; se consubstanciam também, < através dos tratados internacionais que o brasil seja parte >.

Destarte, inobstante ao fato de que a jurisprudência de nossas Cortes Superiores entende-se que os tratados internacionais entram em nosso ordenamento jurídico com o status de lei ordinária; o então Ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim BARBOSA, fundando-se na doutrina dos Professores Antônio Augusto Cançado TRINDADE e Celso de Albuquerque MELLO, nos ensina que: aqueles tratados internacionais que versam sobre direitos e garantias fundamentais, numa interpretação constitucional e sistemática, consubstanciam-se em normas de aplicação direta e imediata no território brasileiro, necessitando apenas de ratificação. Asseverando ainda o Ministro que: "... à luz desta respeitável doutrina, pode-se [sic] concluir que o direito constitucional brasileiro abriga, não somente o princípio e as modalidades implícitas e explícitas de ação afirmativa a que já fizemos alusão, mas também as que emanam dos tratados internacionais de direitos humanos assinados pelo nosso país". [90]

Com efeito, o Brasil é signatário de diversos tratados que instituem direitos e garantias fundamentais e que, portanto, se inserem no ordenamento pátrio com o status que a norma constitucional lhe outorga na conjugação dos §§ 1º e 2º do artigo 5º da CF/88. Dentre outros, que tratam de direitos fundamentais, temos àqueles que de forma implícita ou explicita adotam a discriminação positiva, como forma e critério de alcançar a igualdade substancial, a exemplo: A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher.

Desta forma, as ações afirmativas, são < legalmente > possíveis desde a ratificação pelo Brasil da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1969) e, < constitucionalmente > aceitáveis desde sua recepção na Carta de 88; pois, se inscrevem no próprio sentido de uma Constituição Cidadã que fora recebida por um contingente de quase a metade da população brasileira que não possui a < cidadania plena >, em decorrência dos efeitos do regime racista incorporado por essa mesma sociedade por quase quatrocentos anos, vejamos o disposto no referido tratado em seu artigo 1º, nº 4, verbis:

Artigo 1º

1. Nesta convenção, a expressão "discriminação" significará qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tem por objetivo ou efeito anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício num mesmo plano (em igualdade de condição), de direitos humanos e liberdades fundamentais do domínio político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro domínio de vida pública.

2. Esta Convenção não se aplicará às distinções, exclusões, restrições e preferências feitas por uma Estado-parte nesta Convenção entre cidadãos e não cidadãos.

3. Nada nesta Convenção poderá ser interpretado como afetando as disposições legais dos Estados-partes, relativas à nacionalidade, cidadania e naturalização, desde que tais disposições não descriminem contra qualquer nacionalidade particular.

4. < não será considerada discriminação racial medidas especiais tomadas com o único objetivo de assegurar o progresso adequado a certos grupos raciais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem da proteção que possa ser necessária para proporcionar a tais grupos ou indivíduos igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais, contando que tais medidas não conduzam, em conseqüência, à manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sido alcançados os seus objetivos >. [91] [No original, sem grifos]

Dos exemplos citados, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (1979), em seu artigo 4º, [92] faz reservas para as mulheres na área de Direito de Família; concessões essas, por subscrever-se no que HABERMAS convencionou em chamar acima, de "concentração espacial", foram retiradas em 1994. Podendo ser indicado aqui, como um exemplo da amplitude que o sistema de cotas pode tomar, ou seja, enquanto houver necessidade do programa e em todas as áreas de atuação onde houver defasagem do quantitativo étnico necessário para que ocorra a integração social, econômica e cultural.

Por fim, parafraseando o Ilustre Professor Paulo BONAVIDES, [93] sem justiça social não há Estado de Direito nem democracia que sobreviva nos países da periferia, sendo que, este Estado de Direito é Estado de Justiça e não é meramente um sistema de leis. E assevera ainda o nobre professor constitucionalista brasileiro, que: "O direito liberta ou não é Direito. Não lhe reconhecemos outra função, outra filosofia, outro escopo, outra validez. Não importa discutir-lhe a origem, mas o fim; o fim na concretude social contemporânea." [94]

Os direitos e garantias individuais que se pretendem assegurar com os sistemas de cotas, estão no caso brasileiro, encartados desde o preâmbulo da nossa Carta propagando-se por todo o corpo constitucional e atuando como princípios fundantes do nosso sistema Político - orientando o agir dos administradores e administrados no sentido de garantir a promoção do Estado Democrático de Direito, destinando assim, ao asseguramento do pleno exercício dos direitos individuais, tendo "a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos." [95]

Devendo, portanto, ser encarado a implementação dos sistemas de cotas, "latu sensu" como um dever do Estado brasileiro à real obtenção de uma sociedade fraterna, < pluralista e sem preconceitos >, para isso, transformando-se no eterno e já comentado, < estado de conformação social >.


4 DISCRIMINAÇÃO POSITIVA E CONSTITUCIONALIDADE

Para Ronald DWORKIN, a teoria constitucional "não é uma simples teoria da supremacia das maiorias. A Constituição e particularmente a Bill of Rights (Declaração de Direitos e Garantias), destina-se a < proteger os cidadãos (ou grupos de cidadãos) > contra certas < decisões que a maioria pode querer tomar >, mesmo quando essa maioria age visando o < que considera ser o interesse geral ou comum >." [96] [sem grifos no original]

Ensina-nos ainda o Professor DWORKIN, que algumas dessas restrições – para proteção - assumem a forma de regras bastante precisas ou concretas, [97] noutros casos, assumem posições que ele chama de "padrões vagos", sendo que, nesses casos a interferência na prática democrática americana exige uma justificação – leia-se, essa prática democrática como a prática legislativa constitucional já que outorga a sociedade, enquanto "real" legislador constituinte, a conformação do sistema -. [98] E nisso em nada diferindo da teoria constitucional Pátria, com a ressalva de que aqui, essa proteção que se refere o autor é a chamada garantia de prestações negativas por parte do Estado.

Para as restrições que dependem de justificação, que no caso norte-americano, foi presumido pelos "redatores da Constituição" que ela poderia ocorrer através do "apelo aos direitos morais que os indivíduos possuem contra a maioria, < direitos que afirma-se disposições constitucionais, tanto ?vagas? como precisas, reconhecem e protegem >". [99] Visivelmente se traz aqui a perspectiva de conformação social, mesclando a obrigatoriedade de algumas prestações positivas imediatas por parte daquele Estado, com a obrigatoriedade da eterna busca dos objetivos constitucionais eleitos por aquela comunidade.

Verifica-se, portanto, que a constitucionalidade das medidas de ações afirmativas é construída, através da fusão de dois fatores: o modelo de sociedade previsto e que deve ser construído pelo Estado < constitucional >, com a realidade social do povo a que se propõe esse novo modelo.

Desta forma, uma vez que o presente estudo tem o recorte racial na sociedade brasileira, na fusão desses dois fatores < modelo de estado & realidade social >, [100] tem-se que tais medidas não só são defensáveis, como também, são passíveis de imposição legal por meio de interpelação judicial < através das formas ou possibilidades processuais admitidas, para se fazer cumprir direitos que são reconhecidamente preceitos fundamentais >. [101]

Por fim, trazer a lume, um trecho da decisão do Juiz Lewis Powel da Suprema Corte norte-americana, onde o magistrado [Caso: Regents of the University of California v. Bakke, 438 U. S. 265 (1978)], [102] assegurou a constitucionalidade de práticas de preferências raciais, quando tais critérios são aplicados com o propósito de melhorar a diversidade racial entre os estudantes, desde que não se pretenda que as cotas sejam o < único critério de acesso >, mas sim, < um dentre os outros critérios universalmente exigidos >, vejamos o trecho da referida decisão que asseverou: "... < las preferencias raciales están permitidas si su propósito es mejorar la diversidad racial entre los estudiantes y si no estipulan cupos fijos para las minorías, sino que toman en cuenta la raza como um factor entre muchos otros > [103]." [original sem grifos]

Portanto, podemos outorgar < com segurança > constitucionalidade às políticas de ações afirmativas no Brasil; eis que, quando elas se consubstanciam em forma de cotas, certamente, estarão inseridas ou serão utilizadas como complemento de um certame ou programa que fora instituído universalmente. Pois, fatalmente haverá no programa a que se destinam as cotas, uma previsão geral de acesso aos indivíduos que fazem parte do que chamo aqui de "sociedade dominante" e outra previsão para aqueles grupos da sociedade que, por possuírem necessidades especiais, denominamos como socialmente "menos favorecidos." [104]


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O universalismo que queremos hoje é aquele que tenha como ponto em comum a dignidade humana. A partir daí, surgem muitas diferenças que devem ser respeitadas.

Temos direito de ser iguais quando a diferença nos inferioriza e direito de ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza. [105]

Boaventura de Souza SANTOS

Inquestionavelmente, a possibilidade de mudança nas relações de raça na sociedade brasileira depende, em nosso ponto de vista, de uma interpretação constitucional sistematizada, que leve em consideração os vários fatores que influenciaram e continuam a influenciar essas relações no Brasil, principalmente, no que se refere à questão da < igualdade racial > que pressupõe, conditio sine qua non, uma hermenêutica constitucional de inclusão.

Para tanto, afirmamos que a constituição é um sistema de metas, formado por regras e princípios, em constante < evolução >, ou seja, é um sistema < dinâmico > que busca efetivar os anseios da sociedade através de uma prática hermenêutica de < conformação social >, onde a < atuação do estado > é pautada na consecução de seus < objetivos > e, desta forma, fazendo com que ele tenha uma participação ativa perante a sociedade, não apenas como um garantidor negativo, mas sim, com uma postura positiva diante das várias situações que lhe são apresentadas.

Assim, no bojo desse avanço interpretativo constitucional, ganha < motricidade > o < princípio da igualdade > que passou de um conceito estático e negativo, para um conceito de efetividade constitucional, ou seja, < esse conceito de igualdade passa a ser positivo e dinâmico >. Valendo dizer aqui, que ele ultrapassou a barreira da simples proibição da desigualação jurídica para uma nova fase que chamamos de conformação social ou, de promoção da igualação jurídica. Enfim, de um conceito com função estática passa a ser um conceito que tem uma função dinâmica, de transformação e de < construção social de uma nova realidade >. [106]

Nessa perspectiva jurídica constitucional, é que chegamos ao enfrentamento dos efeitos do regime escravocrata, que durou cerca de quatrocentos anos no Brasil, sendo o último país da América Latina a abandonar esse regime e, com isso, fazendo estar presente entre nós, ainda hoje os efeitos discriminatórios daquele regime racista. Fazendo-nos acreditar, que o racismo que aqui se prática, muito mais que uma questão social é também uma questão da moral social. Essa situação é de difícil enfrentamento não só para o negro, que sente e sofre com essa prática velada e repugnante, como também para o não negro que encontra na forma < velada > de sua discriminação racial uma estratégia para se livrar da questão.

Destacamos então, que a postura do Estado brasileiro para o enfrentamento da questão, é de que se deve implementar, também, para os negros os avanços interpretativos do princípio da igualdade, mormente, em face aos objetivos do Estado Democrático de Direito; portanto, tal postura não pode ser outra se não de uma política de ação afirmativa a cerca da questão, pois, nela se traduz a mais democrática e atualizada expressão do princípio da igualdade, sendo que, esse comportamento positivo é normativamente imposto e, assim, administrativamente permitido.

A ação afirmativa reconstrói o tecido social introduzindo propostas novas à convivência política nas quais se descobrem novos caminhos para se igualar na realidade do direito e não apenas na palavra da lei, < o que o preconceito de ontem desigualou sem causa humana digna >. Ela constitui o próprio conteúdo essencial do princípio jurídico da igualdade, tal como deve pensar um Estado que vive e prática um Direito Constitucional contemporâneo.

Urge, portanto, afirmar para os leitores que comungam do discurso reacionário que: "as experiências alienígenas da prática das ações afirmativas são racistas e causam maior gravame à sociedade do que se vivêssemos sem elas"; QUE: os resultados dos estudos dos professores Bowen e Bok, demonstram efetivamente o contrário. Que, as políticas de ações afirmativas são um beneficio não só para os negros, mas sim, para toda a sociedade que ganha com o aprendizado do que seja a alteridade. Sem olvidar, de que tais medidas não só são constitucionais, como também, fazem parte do chamado poder dever do Estado, estando ele vinculado a elas de forma impositiva, pois, subscrevem-se num direito fundamental do indivíduo negro brasileiro, o direito de ser também, cidadão.

Encerramos então nossa pesquisa, com um trocadilho nas palavras da professora Cármen Lúcia Antunes ROCHA, [107] para dizer que a democracia combina com cidadania, cidadania combina com igualdade e, enfim, a igualdade combina com ações afirmativas.


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< http://www.ufpr.br/soc/pdf/coun/coun4104.pdf >


Notas

01 MUNANGA, Kabengele. As facetas de um racismo silenciado. In.; SCHWARCZ, Lilia. QUEIROZ, Renato da Silva. (Org.). Raça e Diversidade. São Paulo : Edusp. 1996. p. 218 - 219.

02 Oportunamente se fará a distinção entre princípios e regras.

03 Para melhor compreensão ver o capítulo "Os processos de racialização" na obra: DUARTE. Evandro Charles Piza. Criminologia e Racismo. Introdução à criminologia brasileira. Curitiba : Juruá, 2002. p. 85 - 95.

04 LINO GOMES, Nilma. Educação cidadã, etnia e raça : o trato pedagógico da diversidade. In.: CAVALLEIRO, Eliane (Org). Racismo e anti-racismo na educação : Repensando nossa escola. São Paulo : Summus. 2001. p. 84.

05 Novo debate jurídico, porque apesar da grande discussão e, do ainda maior número de pseudos pareceristas acerca do tema, poucos o fazem com a autoridade e o refinamento do pesquisador do assunto, pois, segundo Dora Lúcia L. BERTÚLIO, foi somente na década de noventa que a matéria "surge aos pedaços no Brasil e cuja discussão não passou, ainda, de bastidores e de comentários de racistas e antiracistas, militantes negros e acadêmicos que conhecem a experiência nos Estados Unidos da América e tentam fazer digressões". (Ibid., p. 6.)

06 HOLMES, Juiz. Towne v. Eisner, 245 US, p. 425. Apud. SILVA, Marcelo Amaral da. Princípios Constitucionais e Interpretação Constitucional. In.: Disponível em < jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=87"> http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=87 > Acesso em 05/09/04 às 12h27min.

07 HERMENÊUTICA. In: HOUAISS, Antônio (1915-1999). e VILLAR, Mauro de Salles (1939). Minidicionário Houaiss e Mauro de Salles Villar, elaborado no Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia e Banco e Dados da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro : Objetiva, 2001. p. 231

08 "A interpretação de algo como funda-se, essencialmente, numa posição prévia, visão prévia e concepção prévia. A interpretação nunca é a apreensão de um dado preliminar, isenta de pressuposições. Se a concreção de interpretação, no sentido da interpretação textual exata, se compraz em se basear nisso que "esta" no texto, aquilo que, de imediato, apresenta como estando no texto nada mais é do que a opinião prévia, indiscutida e supostamente evidente, do intérprete. Em todo princípio de interpretação, ela se apresenta como sendo aquilo que a interpretação necessariamente já "põe", ou seja, que é preliminarmente dado na posição prévia, visão prévia e concepção prévia." Cf. (COELHO, Inocêncio Mártires. Elementos de teoria da constituição e de interpretação constitucional. Apud.: MENDES, Gilmar Ferreira.; COELHO Inocêncio Mártires.; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais. 1ª ed. 2ª Tir. Brasília : Brasília Jurídica, 2002. p. 15-16.)

09 Ibid., p. 16.

10 "Para uma análise dos componentes – biológicos, psíquicos e socioculturais – e do modo como eles interagem, dando origem à personalidade concreta individual de cada homem como totalidade relativamente organizada e dinâmica, assim como para compreender o sentido da frase de Ortega y Gasset: Yo soy yo y mi circunstancia, cf. Luis Recanséns Siches. Tratado General de filosofia Del Derecho. México, Porrua, 1965, págs. 127/130 e 257/259; Tratado de Sociologia . Rio, Editora Globo, 1965, Tradução João Baptista Pinheiro de Aguiar, vol. I, págs. 143/150." [grifos do autor] (Id.)

11 Cf. HESSE, Konrad . A Força Normativa da Constituição. Porto Alegre : Sérgio Antonio Fabris Editor, 1991. p. 9

12 Id.

13 GUEDES, Néviton. CANOTILHO : O Direito Constitucional como um compromisso permanentemente renovado. In.: COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (org). Canotilho e a Constituição dirigente. Rio de Janeiro : Renovar, 2003. p. 1.

14 MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Princípios constitucionais e interpretação constitucional. Disponível em < http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=87 >. Acesso em 23/08/2004 às 10h 30 min.

15 ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 3a. ed. São Paulo : Malheiros. 2003.

16 Ibid., p. 70.

17 Ibid., p. 89.

18 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. São Paulo: RT. 1991. p.114

19 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Livraria Almedina. 2001. p.1215.

20 Apud. ROTHENBURG. Walter Claudius. Princípios Constitucionais. Porto Alegre: Safe. 1999. p.14.

21 CADERNATORI, Sérgio. Estado de direito e legitimidade - uma abordagem garantista. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. p. 36.

22 BONAVIDES, Paulo. Teoria Constitucional da Democracia Participativa (Por um Direito Constitucional de luta e resistência por uma Nova Hermenêutica por uma repolitização de legitimidade). São Paulo: Malheiros. 2001. p. 228.

23 Apud. COELHO, Inocêncio Mártires. Ibid., p. 36.

24 DALLA-ROSA, Luiz Vergílio. O direito como garantia: pressuposto de uma teoria constitucional. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2003. p. 82/83.

25 Id.

26 A idéia que se traz aqui, é que haja uma constante evolução interpretativa constitucional, absorvendo em cada época, em cada contexto, os anseios da nova sociedade, com novas idéias e novos conceitos do que seja efetivamente o justo – constituição real -. Contudo, sem perder de vista a observância dos princípios universais de direitos humanos – individuais -, como consagradores desse processo evolutivo.

27 BERTÚLIO, Dora Lúcia de Lima. O "novo" direito velho: Racismo e direito. In.: WOLKMER, Antonio Carlos.; LEITE, José Rubens Morato. (Org). Os "novos" direitos no Brasil: Natureza e perspectivas : Uma visão básica das novas conflituosidades jurídicas. São Paulo: Saraiva. 2003. 99 - 130.

28 Decisão de deferimento de liminar nos autos da ACP nº 2004.70.00.040716-8 JF/PR, proposta contra a Universidade Federal do Paraná pelo Ministério Público Federal no Município de Guarapuava/PR.

29 O fenômeno informal de alteração do conteúdo do texto Constitucional é denominado de mutação constitucional e, se diz do conteúdo do texto porque em verdade, não há qualquer alteração formal na letra da Lei. A mudança ocorre na interpretação ou entendimento em virtude da dinâmica evolução social. O professor Uadi Lammêgo BULOS define mutação constitucional como "o fenômeno, mediante o qual os textos constitucionais são modificados sem revisões ou emendas". Diz ainda, que as "mutações constitucionais como uma constante na vida dos Estados e, as constituições como organismos vivos que são, acompanham a evolução das circunstâncias sociais, políticas, econômicas, que, se não alteram o texto na letra e na forma, modificam-no em substância, significado, alcance e sentido dos dispositivos." (GALLO, Ronaldo Guimarães. Mutação constitucional. Disponível em: < http://jus.com.br/revista/doutrina/te? id=3841 > Acesso em 13/09/2004, às 14h 10m.)

30 Utilizou-se aqui o termo "garante positivo", também em analogia ao garante" do direito penal e aos efeitos que causa ao agente que cometeu o crime – comissivo por omissão -. Contudo, deve-se ressaltar, que em nosso estudos o "garante positivo" para o caso dos direitos humanos muito mais que o simples dever de cuidado, o Estado passa a ter a < obrigação > de promover esses direitos aos cidadãos.

31 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª ed. 10ª tiragem. São Paulo : Malheiros. 2002. p. 10.

32 Apud. LUCAS SILVA. Fernanda Duarte. Principio Constitucional da Igualdade. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2003. p. 42.

33 Id.

34 BANDEIRA DE MELLO, op. cit. p. 9

35 Ibid., p. 10.

36 BANDEIRA DE MELLO, op. cit. p. 9.

37 Op. cit.

38 Id.

39 Cf. BERTÚLIO. Op. Cit.

40 MENDES, Gilmar Ferreira. Os direitos individuais e suas limitações : Breves reflexões. In.: MENDES.; COELHO.; BRANCO. (Orgs)., op. cit. p. 209.

41 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: RT. 1993. p.195.

42 Ibid., p. 466.

43 Brown v. Board of Education, 347 U.S. 483 (1954). (DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Tradução Luiz Carlos Borges. São Paulo : Martins Fontes, 2000. p. 44)

44 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Apud. GOMES, Joaquim B. Barbosa. As ações afirmativas e os processos de promoção a igualdade efetiva. In.: SÉRIE CADERNOS DO CEJ. Seminário Internacional as minorias e o direito (2001 : Brasília). Brasília, Vol. 24. p. 126. 2003.

45 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução Nelson Boeira. São Paulo : Martins Fontes, 2002. p. [?].

46 DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Ibid. p. 288 – 289.

47 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Livraria Almedina. 1982. p. 306.

48 Id.

49 BRASIL. Constituição da Republica federativa do Brasil : Promulgada em 05 de outubro de 1988. 18. ed. atual e ampl. São Paulo : Saraiva, 1998.

50 Disponível em http://www.sbda.org.br/textos/Cnvncoes.doc Acesso em 22/09/04 às 22h 10m.

51 BANDEIRA DE MELLO, op. cit. p. 47.

52 MUNANGA, op. cit. p. 213.

53 MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo. A questão fundamental da democracia. Tradução Peter Nauman. 2ª ed. São Paulo : Max Limonad. 2000.

54 Respectivamente, lei do "ventre livre" e da "abolição" do regime de escravidão no Brasil Império; centenário da abolição e promulgação da Constituição Federal de 1988, a chamada Constituição Cidadã, marco histórico da redemocratização no Brasil; e, por fim, a Conferência de Durban na África do Sul, onde o Brasil se compromete a acabar com todas as formas de preconceito racial existentes no País, inclusive, com a adoção das ações afirmativas como meio para a consecução desse fim.

55 "Novas estratégias Pós Durban... Em 1998, a ONU decidiu proclamar 2001 o Ano Internacional de Mobilização contra Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Conexas de Intolerância. Nesse contexto, realizou-se no mês de setembro, em Durban, na África do Sul, a III Conferência Mundial contra Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata. Cerca de 16 mil pessoas de 173 países participaram do debate político desta conferência, que teve como slogan "Unidos para combater o racismo: Igualdade, Justiça e Dignidade". (...) No documento oficial brasileiro é reconhecida a responsabilidade histórica pelo escravismo e pela marginalização econômica, social e política dos descendentes de africanos. Além disso, é recomendada oficialmente a inclusão no Código Penal Brasileiro de agravantes de crimes como o racismo, a xenofobia e outras formas de intolerância. ..." (PROGRAMA DE GOVERNO 2002 COLIGAÇÃO LULA PRESIDENTE. In.: CHAGAS, Martvs Antonio Alves das. RIBEIRO, Matilde. (Coord.). Caderno Temático do Programa de Governo : Brasil Sem Racismo. São Paulo : Comitê Lula Presidente. 2002. p. 11-13).

56 Cf. MUNANGA, op. cit. p. 213 – 219.

57 "A realidade é que a Lei 1390/51 sempre foi utilizada pelo sistema jurídico/político nacional para justificar a confirmar internamente e nas relações internacionais, a ausência do preconceito racial e do racismo na sociedade brasileira. E o que disse o Ministro Djaci Galvão, Presidente do Supremo Tribunal Federal em 1986: "... é verdade que entre nós, através da Lei 1390 de 03 de julho de 1951, denominada Lei Afonso Arinos, passamos a disciplinar possíveis contravenções penais decorrentes de preconceito de raça e de cor. Todavia sua introdução no âmbito dos ilícitos contravencionais mais se justifica pelo seu efeito preventivo, eis que, conforme demonstrado na prática, não apresenta área de incidência (...)". Representando o Estado Brasileiro, o Embaixador do Brasil em Washington em 1993, Rubens Ricupero, tem a mesma opinião do Ministro do Supremo Tribunal Federal (sic). Em carta endereçada ao Jornal Washington Post em 30 de Agosto de 1993, respondendo a um artigo que afirmava as desigualdades raciais no Brasil, o sr. Embaixador afirma: "As American historian Carl Degler showed in his Pulitzer Prize-winning book "Neither Black Nor White", race relations in Brazil have never been polarized in terms of a clear-cut black-white distinction as hás been the case in the United States (…) A case in point is the Brazilian Sstate [(sic)] of Rio Grande do Sul. If it were true, as implied in the article, that black Brazilians are disadvantaged in political and other areas because of their color, how could it be possible that a predominantely white state would elect a governors (…) the truth of other states that have black governors (…) the truth of the matter is that race and color do not have significant influence, much less determinancy, in Brazilian politics". (...) As palavras do embaixador Ricupero e sua tentativa de negar o racismo no Brasil, elucidam, mais propriamente, que não há desconhecimento nas Instituições e nos Poderes constituídos brasileiros, sobre o significado e apreensão da realidade racial brasileira." [sem grifos no original] (BERTÚLIO, Dora Lúcia de Lima. Considerações sobre o tratamento jurídico de combate ao racismo no direito brasileiro. Visiting Scholar em Harvard of Law. Cambridge – MA. 1995. p. 9 -10. Mimeo).

58 FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. 3. ed. São Paulo : Ática, 1978.

59 Ibid., p. 1.

60 BERTÚLIO, Dora Lúcia de Lima. Considerações sobre o tratamento jurídico de combate ao racismo no direito brasileiro. Florianópolis : UFSC. [198?]. p. 1. Mimeo.

61 Id.

62 Para maior aprofundamento na questão do controle social a partir da matriz racial, ver: "As matrizes teóricas e a construção do saber criminológico racista colonialista – Primeira parte: As matrizes crimonológicas pré-científicas e racistas científicas". DUARTE. Evandro Charles Piza. Criminologia e Racismo. Introdução a criminologia brasileira. Curitiba : Jurua, 2002. p. 51 – 96.

63 BERTÚLIO, apud. Ibid., p. 141.

64 DIACRÍTICO. In: DICIONÁRIO Aurélio Eletrônico Século XXI: Rio de Janeiro: Nova Fronteira & Lexikon Informática, 1999.

65 LINO GOMES, op. cit. p. 84.

66 "Eis como Ezequiel Freire descreve a ocorrência: ‘Um dia, faz 8 anos, estávamos no escritório de Luiz Gama, onde também viera um preto fugido apresentar pecúlio e pedir para a sua libertação o auxílio nunca negado daquele outro prêto de coração de ouro. Com pouco, a convite de Luis Gama chegou o senhor do escravo, de quem Luis era amigo. Ao ver o seu negro: Que mal te fiz eu, rapaz? Diz o senhor. Pois não tem boa cama e boa mesa, roupa e dinheiro? Queres então deixar o cativeiro de um senhor bom como eu, para ires ser infeliz em outra parte? Que te falta lá em casa? Anda! fala! E o negro, ofegante, cabisbaixo, calava-se. Falta-lhe, responde gracejando Luis Gama, dando uma palmada de amigo no homem de sua cor, falta-lhe a liberdade de ser infeliz onde e como queira’". (FERNANDES. Ibid., p.1-2).

67 VILAS-BOAS, Renata Malta. Ações Afirmativas e o princípio da igualdade. Rio de Janeiro: América Jurídica. 2003. p. 34.

68 MENEZES, Paulo Lucena de. A ação afirmativa (Affirmative action) no direito norte-americano. São Paulo : RT. 2001. p. 87 - 90.

69 A chamada Executive Order nº 11.246. Cf. Ibid., p. 91.

70 "No âmbito do direito interno norte-americano, contudo, progressos significativos somente ocorrem quando Richard Nixon assume a presidência da República em 1969, e incumbe Arthur Fletcher, que era negro e ocupava o cargo de assistente do Secretário do Trabalho George Schultz, de elaborar um projeto para tomar efetivas as previsões vertentes do Título VII do Civil Right Act de 1964, com a recomendação de que o mesmo deveria ser estruturado de forma a resistir aos inevitáveis questionamentos judiciais. Esse trabalho, que passou a ser conhecido por Philadelphia Plan, terminou sendo introduzido no ordenamento jurídico em dezembro de 1971 por intermédio da Office of Federal Contract Compliance (OFCC) Revised Order n. 4. Segundo as suas disposições, os contratantes com o governo federal deveriam desenvolver, anualmente, programas de ação afirmativa com a finalidade de identificar e corrigir deficiências existentes em relação às mulheres e a grupos minoritários (v.g. negros, índios e hispânicos), o que se daria pelo cumprimento e pela observância de determinadas metas numéricas (goals) na contratação de empregados, as quais seriam fixadas de acordo com a participação dessas mesmas minorias no mercado de trabalho. Referidas metas, contudo, não poderiam ser "quotas rígidas e inflexíveis", mas ‘alvos razoavelmente atingíveis, encetando-se todo esforço de boa fé para fazer com que todos os aspectos do programa de ação afirmativa funcionem’." (Ibid., 92 – 93).

71 Libertação de Nelson Mandela (Fev/1990). Elaboração de uma Constituição de transição de regime entre os anos de 1991 a 1994. A adoção dessa Constituição pelo Parlamento Sul Africano se deu em maio/1996, com a entrada em vigor em fevereiro/1997.

72 "Em países como o Brasil, onde a discriminação é velada, dissimulada, não assumida, isso tem um efeito devastador nas políticas anti-discriminatórias adotadas, contribuindo para a estigmatização daquelas poucas pessoas que ousam desafiar o status quo e que se vêem conseqüentemente isoladas e impotentes." (GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade: (O direito como instrumento de transformação social. A experiência dos EUA). Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 20).

73 Ibid., p. 40.

74 ROCHA, Apud. Ibid., p. 42.

75 GOMES, Joaquim B. Barbosa. As ações afirmativas e os processos de promoção a igualdade efetiva. In.: SÉRIE CADERNOS DO CEJ. Seminário Internacional as minorias e o direito (2001 : Brasília). Brasília, Vol. 24. p. 95 – 132. 2003.

76 MÜLLER, op. cit.

77 BONAVIDES, op. cit. p. 9 – 12.

78 MELLO. Marco Aurélio Mendes de Farias. Ótica Constitucional : a Igualdade e as Ações Afirmativas. In.: TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Seminário Nacional Discriminação e sistema Legal Brasileiro. Brasília. p. 23. 2001.

79 Ibid., p. 26.

80 BRASIL. Constituição da Republica federativa do Brasil : Promulgada em 05 de outubro de 1988. SABATOVSKI, Emilio. FONTOURA, Iara P. FOLMANN, Melissa. (Org.) 11ª ed. Curitiba : Juruá. 1998.

81 Ibid., artigo 3º. p. 11.

82 MELLO, op. cit. p. 23.

83 ROCHA, Apud. Ibid. 27.

84 SÉRIE CADERNOS DO CEJ. Seminário Internacional as minorias e o direito (2001 : Brasília). Brasília, Vol. 24. p. 7 – 8. 2003.

85 Ibid., p. 8.

86 CLÉVE. Clémerson Merlin. RECK, Melina Breckenfeld. Princípio Constitucional da Igualdade e Ações Afirmativas. Disponível em < http://www.unibrasil.com.br/asite/revista_on_line/artigo%2001.pdf> Acesso em 28/09/04 às 22h 58m.

87 HABERMAS, Jürgen. Inclusão : Integrar ou incorporar? Sobre a relação entre nação, estado de direito e democracia. In.: Novos Estudos – CEBRAP. nº 52. p. 99 – 120.

88 Ibid., p. 113.

89 GOMES, Joaquim B. Barbosa. As ações afirmativas e os processos... Ibid. p. 118.

90 Ibid., 119 – 120.

91 Convenção Internacional sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. Assinada em Nova Iorque, em 7/3/66. Aprovada pelo Dec. Legislativo nº 23/67 da ONU. Promulgada no Brasil pelo Dec. nº 65.810/69 de 08/12/69 e Publicado no DOU de 10/12/69. Disponível em < www.mj.gov.br/sal/convencoes.htm > Acesso em 15/10/2004, às 22h 50m.

92 Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres. Assinada em Nova Iorque em 18/12/79. Aprovada pelo Dec. Legislativo nº 93/83. Promulgada pelo Decreto nº 89.406/84. Disponível em < www.mj.gov.br/sal/convencoes.htm > Acesso em 18/10/2004, às 22h 50m.

93 BONAVIDES, op. cit. p. 216 – 219.

94 Ibid. p. 219.

95 BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil. Ibid. Preâmbulo.

96 DWORKIN, Ronald. Levando... Ibid., 208 – 209.

97 Conforme anotado anteriormente, esta classificação foi demonstrada neste trabalho de conclusão de curso quando tratamos da teoria dos princípios de Humberto Ávila, nota nº 21; e, demonstrada ainda na nota nº 23 pelo Ministro Eros Roberto GRAU.

98 Ver nota nº 35.

99 DWORKIN, Ronald. Levando... Op. cit. p. 209.

100 Mapa estatístico dessa realidade social, com o recorte racial, às fls. 37 – 38, deste Trabalho de Conclusão de Curso. Fonte: IBGE.

101 Sobre possibilidades de interpelação judicial através da Ação Civil Pública e ação de Descumprimento de Preceito Fundamental, ver respectivamente: (GOMES, Joaquim Benedito Barbosa. O USO DA LEI NO COMBATE AO RACISMO : Direitos difusos e ações civis públicas. Apud. GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. HUNTLEY, Lynn. Tirando a máscara : Ensaios sobre o racismo no Brasil. São Paulo : Paz e Terra. 2000. p. 389 – 410.). e (MELO. Carlos Antonio de Almeida. Temas Constitucionais. Série Positividade e Sociedade. 2001. nº 1. Fundação Escola Superior do Ministério Público – MT. p. 151 – 161.).

102 DWORKIN, Ronald. Virtud soberana.... p. 449.

103 Id.

104 Não obstante ao fato de que, a maioria dos autores do direito Constitucional e, principalmente, da antropologia referem-se a esses grupos da sociedade como "minorias", para o caso dos afrodescendentes na sociedade brasileira, não concordamos com tal denominação e, por esse motivo, não utilizamos o referido termo no presente Trabalho de Conclusão de Curso. Isso se dá, pela simples constatação de que quando tratamos das minorias na sociedade brasileiras, essas minorias são, de fato, quantitativamente a maioria; porém, se fizermos o recorte racial dessa maioria sem acesso, certamente, a maioria se não a totalidade dessa massa excluída, será da raça negra. Somando-se a isso, a questão de que nas recentes pesquisas do IBGE, mesmo pelo sistema da autodeterminação e levando em conta os efeitos do racismo velado do Brasil; o contingente de afrodescendentes é praticamente a metade da população nacional, portanto, não sendo viável, em nosso entendimento, atribuir a essa população a adjetivação de "minoria étnica". Sobre o tema ver nota de rodapé nº 3. Cf.: ROCHA. Cármen Lúcia Antunes. Ação afirmativa – O conteúdo democrático do princípio da igualdade jurídica. Revista Trimestral de Direito Público. nº 15. São Paulo: Malheiros. 1996. p. 87.

105 SANTOS, Boaventura de Souza. Apud. ROCHA, op. cit. 91.

106 A "construção social da realidade" redefine tudo aquilo que se considera conhecimento na sociedade, especialmente o conhecimento do senso comum, sobre o qual o racismo institucional e velado exerce maior influencia e torna ainda mais difícil para o negro, a convivência numa sociedade onde a dignidade humana é medida e admitida conforme o tom da pele. Por esse motivo se diz, "a construção social de uma nova realidade". Sobre a construção social de a realidade conferir em: (BERGER, Peter L. LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade: Tratado de sociologia do conhecimento. Tradução de Floriano de Souza Fernandes. 2ª ed. Petrópolis: Vozes. 1974).

107 ROCHA, op. cit. p. 99.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA FILHO, Antonio Leandro da. Ações afirmativas no Brasil: sistema de cotas, amplitude e constitucionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 862, 12 nov. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7497. Acesso em: 26 abr. 2024.