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RELAÇÃO HISTÓRICA DA RESPONSABILIZAÇÃO ADMINISTRATIVA COM O COMBATE À CORRUPÇÃO E À IMPUNIDADE: ADVENTO DA LEI Nº. 12.846/2013

RELAÇÃO HISTÓRICA DA RESPONSABILIZAÇÃO ADMINISTRATIVA COM O COMBATE À CORRUPÇÃO E À IMPUNIDADE: ADVENTO DA LEI Nº. 12.846/2013

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O estudo aborda o histórico da legislação brasileira de combate à corrupção praticada por pessoa jurídica, com enfoque para a Lei Anticorrupção.

RELAÇÃO HISTÓRICA DA RESPONSABILIZAÇÃO ADMINISTRATIVA COM O COMBATE À CORRUPÇÃO E À IMPUNIDADE: ADVENTO DA LEI Nº. 12.846/2013

 

 

RESUMO

 

A corrupção é hoje considerada um dos piores problemas do mundo. Trata-se de uma questão recorrente ao longo da história da sociedade. No Brasil, os atos corruptos têm se tornado cada vez mais evidentes e prejudiciais às estruturas do Estado Democrático e Republicano e à concretização dos direitos fundamentais. A abordagem dos temas é realizada procurando demonstrar a interface da disciplina normativa com outros diplomas legais como as Leis ns. 12.529/2011 (Lei de Antitruste), 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa), 8.666/1993 (Lei de Licitações e Contratos da Administração Pública Federal) e 12.462/2011 (Lei do RDC). Assim, inovações e falhas no sistema de combate à impunidade estão em evidência no presente estudo.

Palavras-chaves: Corrupção. Ato lesivo. Administração. Pessoa Jurídica. Responsabilidade. Inovações. Falhas. Impunidade.

 

 

ABSTRACT

Corruption is considered today one of the world’s worst problems. It is a recurrent theme throughout the history of societies. In Brazil, corrupt acts have become more evident and harmful to the structures of the Democratic and Republican State and to the consolidation of the fundamental rights. The approach of the themes is accomplished seeking to demonstrate the interface of the normative discipline with other legislations such as Laws No. 12.529/2011 (Antitrust Law), 8.429/1992 (Administrative Misconduct Law), 8.666/1993 (Law of the Tenders and Contracts of the Federal Public Administration) and 12.462/2011 (Differentiated Hiring System Law). Therefore, innovations and failures in the fighting against impunity are in evidence in the present study.

 

Keywords: Corruption. Harmful Act. Administration. Juridical person. Responsibility. Innovations. Failures. Impunity.

 

  1. INTRODUÇÃO

 

O Brasil vive um momento sem precedentes na revelação de atos de corrupção e fraude envolvendo pessoas jurídicas.

A corrupção não é uma novidade no país, trata-se de uma realidade histórica. No entanto, nunca esteve tanto em evidência. Isso se deve a fatores como o ligeiro aumento do grau de instrução do brasileiro a partir da década de 1990[1], a maior exposição midiática, mas, sobretudo, a natureza, a quantidade e a dimensão dos atos corruptos praticados.

Os atos corruptos acompanharam o crescimento da máquina pública brasileira no século XX. Isso significa o aumento quantitativo desses ilícitos, mas também sua maior organização e especialização. Características relacionadas ao desenvolvimento de técnicas, cada vez mais audaciosa, com o objetivo de aperfeiçoar o ganho privado em prejuízo do patrimônio público e da efetividade de direitos fundamentais e sociais constitucionalmente assegurados.

A evolução dos atos de corrupção foi acompanhada ao largo pela criação de um sistema normativo de prevenção e repressão, com o objetivo de viabilizar a responsabilização do corrupto. Esse sistema de responsabilização – penal, civil, administrativo, dentre outros – encontrava-se basicamente circunscrito à pessoa física do corruptor.

Ocorre que, conforme mencionado, a corrupção se especializou, tendo os infratores percebido as vantagens materiais e formais da utilização da pessoa jurídica com meio de prejudicar ainda mais a Administração Pública e, consequentemente, a sociedade.

Essa percepção se deve ao fato de ter o sistema jurídico pátrio instituído a pessoa jurídica como único meio regular do exercício de diversas atividades econômicas, inclusive, sendo condição para participar da maioria das licitações e dos contratos administrativos.

Eis, então, a vantagem material da utilização da pessoa jurídica, a possibilidade de titularizar a maioria das relações jurídicas havidas com a Administração Pública, bem como as que importam maiores transferências de valores. Já no plano formal, destaca-se o fato de a pessoa jurídica ser dotada de patrimônio próprio distinto do pertencente a seus integrantes, o qual deve arcar com os compromissos assumidos por esta.

A potencialização e o aumento do número dos mencionados atos de corrupção e fraude praticados por pessoas jurídicas não se trata apenas de uma realidade brasileira. Essa situação afeta a vários Estados e já foi reconhecida como um problema transnacional. Por esse motivo, o Brasil figurou como signatário de tratados internacionais que versavam sobre o combate à corrupção[2], tendo se comprometido a adotar medidas no plano nacional e internacional, de modo a reprimir e prevenir a utilização da personalidade jurídica para fins corruptos.

No direito pátrio, a responsabilização da pessoa jurídica tem fundamento constitucional no art. 173, § 5º[3], ao estabelecer que esta se sujeita às punições compatíveis com sua natureza nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular, e no art. 225, § 3º[4], ao prever a possibilidade de lhe serem aplicadas sansões de natureza penal e administrativa em virtude de condutas e atos lesivos ao meio ambiente.

Ocorre que, a responsabilização da pessoa jurídica pelos atos de corrupção e fraude praticados contra a Administração Pública representava verdadeira falha no sistema de combate à impunidade. Isso porque, a legislação infraconstitucional existente não possibilitava a devida reprimenda dos atos ilícitos nem se adequava com exação às características da pessoa jurídica, aplicando-se de forma subsidiária e pontual. Nessa perspectiva, são dignos de nota a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº. 8.429/92) em matéria de responsabilização civil, e dispositivos pontuais da legislação de licitações e contratos (no âmbito federal: Lei nº. 8.666/93, Lei nº. 10.520/02 e Lei nº. 12462/11) e da Lei Antitruste (Lei nº.12.529/11), em matéria de responsabilização administrativa.

Como mencionado, esses diplomas não são aptos a prevenir e reprimir os atos lesivos à Administração Pública praticados por pessoas jurídicas. Isso, somado aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, e ao clamor social pela efetiva punição de corruptos, foram fatores decisivos para a promulgação da Lei nº. 12.846, de 1ª de agosto de 2013, também conhecida como lei da empresa limpa ou lei anticorrupção.

Esse estatuto legal tem por objeto possibilitar a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, demonstrando que o legislador não se valeu, para esse mister, da responsabilidade de natureza penal. Isso resta mais evidente pelo fato da lei anticorrupção ter adotado dois modelos de responsabilização: administrativo – por meio de processo administrativo - e judicial – pelo ajuizamento de ação civil pública.

O novo marco regulatório foi promulgado com a finalidade de por fim à impunidade das pessoas jurídicas, aplicando-se somente a estas. No entanto, embora se deva reconhecer a importância do mencionado diploma legal, admitindo que trouxe significativas inovações para o ordenamento jurídico pátrio, é importante observar, também, que inaugurou falhas e deixou lacunas substanciais na disciplina a qual estava vocacionado. 

Essas inovações e falhas inauguradas no sistema de combate à impunidade, por meio da promulgação da lei anticorrupção, serão o objeto do presente estudo. Este, no entanto, dará maior destaque à apreciação da responsabilização administrativa prevista no mencionado estatuto, por entender que apresenta as questões mais controversas a clamarem por intervenção doutrinária. Fator a ser somado à compreensão de que a responsabilidade administrativa se mostrou exitosa em aspectos nos quais a responsabilização pela via judicial apresenta dificuldades no combate à impunidade, dentre estes, a duração razoável do processo e a efetividade da decisão.

  1. CORRUPÇÃO E IMPUNIDADE NO BRASIL

 

A corrupção é considerada, hoje, um dos piores problemas do mundo[5].

Corrupção, em linhas gerais, é a conduta pela qual se concede ou se recebe vantagens ou recompensas indevidas, com o objetivo de obter uma conduta comissiva ou omissiva do agente público.

A prática de atos de corrupção envolve órgãos e entidades da Administração Pública, seus agentes públicos, pessoas jurídicas e naturais, sendo um problema recorrente ao longo da história da sociedade.

Um dos mais antigos documentos escritos que retrata a corrupção é a Bíblia[6], referindo-se a esta como uma prática da época e que já causava efeitos negativos: o injusto aceita suborno às escondidas, para distorcer o curso da justiça[7].

No Brasil, a corrupção é uma realidade histórica. As formas de governo vivenciadas no território brasileiro, em sua maioria, terminaram substituídas devido a acusações de corrupção:

Os republicanos da propaganda acusavam o sistema imperial de corrupto e déspota. Os revolucionários de 1930 acusavam a Primeira República e seus políticos de carcomidos. Getúlio Vargas foi derrubado em 1954 sob a acusação de ter criado um mar de lama no Catete. O golpe de 1964 foi dado em nome da luta contra a subvenção e corrupção. A ditadura militar chegou ao fim sob acusações de corrupção, despotismo e desrespeito pela coisa pública. Após a redemocratização, Fernando Collor foi eleito em 1989 com a promessa de caça aos marajás e foi expulso do poder por fazer o que condenou. De 2005 para cá, as denúncias de escândalo surgem com regularidade quase monótona[8].

 

 Na última década, este fenômeno parece ter ganhado maior dimensão no país. Os exemplos recentes com maior repercussão foram do “Mensalão”[9] e da “Operação Lava Jato”[10] envolvendo a Petrobrás.

O aumento dos casos de corrupção está diretamente relacionado ao crescimento acelerado da máquina estatal brasileira durante o século XX. Esses casos também passaram a ter maior repercussão, em virtude da exposição midiática e pelo ligeiro aumento do senso crítico dos integrantes das classes de menor poder aquisitivo, que passaram a ter maior acesso à educação.

A reação à corrupção que, antes tinha cunho meramente moral, passa a se enquadrar em uma perspectiva política e sistêmica[11]. Essa agora é repudiada por prejudicar as estruturas do Estado e a própria essência do sistema democrático-representativo.

Nessa perspectiva, a corrupção é concebida como fator que reduz ou impede a realização dos direitos fundamentais e sociais constitucionalmente assegurados.

Destarte, passa-se a observar os reais prejuízos decorrentes dos altos índices de corrupção, dentre os quais, pode-se mencionar: baixa qualidade e quantidade dos serviços públicos disponibilizados à população; a precariedade da infraestrutura de grande parte das instalações físicas do poder públicas; baixa renda per capita dos cidadãos, e redução do crescimento e da competitividade da economia do país.

A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – FIESP apresentou estudo intitulado Corrupção: custos econômicos e propostas de combate[12], constatando que, se a corrupção no Brasil estivesse no mesmo patamar dos países que apresentam a menor percepção desta, ter-se-ia evitado um prejuízo estimado de 41,5 bilhões de reais em 2008. O trabalho ainda foi mais além, constatando que se a corrupção fosse erradicada, tendo em conta uma concepção ideal, deixar-se-ia de verificar um prejuízo aproximado de 69,1 bilhões de reais também em 2008[13]. Eis, portanto, estimado o custo anual da corrupção no Brasil.

A pesquisa ainda apresenta os investimentos que poderiam ser feitos na educação, saúde, habitação e infraestrutura, caso os recursos gastos com a corrupção fossem integralmente investidos em cada um desses setores.

Na educação, a rede pública do ensino fundamental, que hoje é composta por 34,5 milhões de estudantes, poderia passar a ter 51 milhões, aumentando em 47% sua capacidade e contemplando mais 16 milhões de crianças e jovens. Na saúde, a quantidade de leitos para internação nos hospitais públicos do SUS poderia ser aumentada em 89%, passando de 367.397 para 694.409. Na habitação, mais 2.940.371 famílias poderiam ser contempladas, com base nos mesmos parâmetros habitacionais adotados para o Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, que tem meta de atender 3.960.000 famílias, portanto, poderia ser aumentado em 74,3%. Quanto ao saneamento básico, mais 23.347.547 casas passariam a ter esgotamento sanitário, representando 103,8% da média prevista para o PAC de 22.500.00[14].

Caso o valor integralmente gasto com a corrupção, em apenas um ano, fosse investido em infraestrutura de transporte, o país teria um grande salto na qualidade e disponibilidade de serviços de logística, com repercussão positiva na economia. A pesquisa apurou as hipóteses do investimento da totalidade dos recursos destinados à corrupção nas seguintes áreas: ferroviária, portuária e aeroportuária. As ferrovias poderiam ser aumentadas em 13.230 km, percentual 525% maior se comparado com os 2.518 km de ferrovias previstos na meta do PAC. Os recursos poderiam ser utilizados para construção de 184 portos, sendo que o país atualmente só dispõe de 12, tratando-se de um crescimento de 1537%. Ademais, a quantia destinada à corrupção proporcionaria a construção de 277 novos aeroportos, representando um aumento de 1383%[15].

Os investimentos em infraestrutura que deixam de ser realizados, devido à corrupção, têm impacto direto na economia do país, conforme bem acentuou a equipe técnica da FIESP no mencionado relatório:

A corrupção pode prejudicar seriamente o desempenho econômico de um país. Entre uma série de problemas, a corrupção afeta as decisões de investimentos, limita o crescimento econômico, altera a composição dos gastos governamentais, causa distorções na concorrência, abala a legitimidade dos governos e a confiança no Estado. Por meio desses fatores, a corrupção compromete a competitividade do país, na medida em que aumenta o custo do investimento produtivo e prejudica a estabilidade do ambiente de negócios.[16]

 

Esta corrupção que prejudica os serviços públicos, a infraestrutura estatal e, consequentemente, a dignidade da pessoa humana e a realização dos direito fundamentais, tem a participação de pessoas naturais e pessoas jurídicas nos dois polos que a relação corruptiva requer para sua concretização (corruptor e corrompido). 

A relação de corrupção apenas subsiste se esses dois polos forem preenchidos. A corrupção não se realiza tecnicamente nas hipóteses em que a pessoa física ou jurídica privada ou o agente público atua isoladamente em prejuízo da Administração, com ou sem percepção de vantagens para si ou para outrem.

A menção a pessoas naturais, na relação de corrupção, refere-se à atuação da pessoa física que oferece ou concede vantagem indevida a agente público[17], bem como ao ato deste de solicitar ou receber a vantagem indevida ou aceitar promessa desta, com vistas a adotar conduta ou dela se omitir, tendo em conta a condição que ocupa ou possa vir a ocupar.

Esta concepção de corrupção, tendo como referência as pessoas naturais que a praticam, guarda grande proximidade com a composição dos tipos penais de corrupção passiva[18] e corrupção ativa[19] previstos no código penal[20].

Ocorre que as relações das pessoas naturais com a Administração Pública são limitadas, pois, a legislação infraconstitucional instituiu a pessoa jurídica como único meio regular do exercício de diversas atividades econômicas, inclusive, sendo condição para participar da maioria das licitações e dos contratos administrativos.

A reflexão sobre a atuação da pessoa jurídica na sociedade deve ser norteada pelos seguintes fatores: (i) são as grandes produtoras de riquezas, figurando como principais responsáveis pela produção e circulação de bens e serviços; (ii) consequentemente, promovem maior interferência no meio ambiente; (iii) representam parcela relevante da arrecadação tributária do Estado, e (iv) titularizam grande parte das relações contratuais com entes e órgãos administrativos.

O fato de titularizar a maioria das relações jurídicas havidas com a Administração Pública, faz da pessoa jurídica, também, a principal responsável pela participação em atos de corrupção e fraude em prejuízo de órgãos e entes públicos. Esta é a razão pela qual devem estar submetidas a procedimentos de responsabilização administrativa mais severos, de modo a prevenir o ato lesivo e desestimular a reincidência, e mais eficazes, de forma a viabilizar a punição.

 Outro fator a ser ponderado é a gravidade da lesão. Isso porque as pessoas jurídicas e, sobretudo, as sociedades empresárias, tem grande participação nas receitas e despesas da Administração Pública. Destarte, por estas manterem relações pecuniárias mais expressivas com a Administração, consequentemente, são mais nefastos os efeitos da corrupção decorrentes de suas atividades.

A Transparência Brasil[21] em parceria com a Kroll – The Risck Consulting Company[22], reconhecendo a grande participação das pessoas jurídicas nos atos de corrupção identificados no país, promoveu pesquisa, mundialmente inédita, com o objetivo de verificar as percepções e experiências com fraude e corrupção no setor privado brasileiro.

A pesquisa realizada em 2002 e divulgada em 2004 envolveu 92 empresas entre prestadoras de serviços, indústrias e financeiras. Dentre estas, 70% afirmaram já terem se sentido compelidas a contribuir com o financiamento de campanha eleitoral. Em 58% desses casos houve menção a vantagens em troca do financiamento. Os outros 42% não responderam à pergunta. Portanto, nenhuma empresa declarou não ter havido menção a possíveis vantagens auferidas com a participação no financiamento de campanha[23].

A mencionada pesquisa ainda revelou que: (i) 48% das empresas entrevistadas que participam de licitações dizem já ter recebido pedido de propina; (ii) também quase a metade de todas as empresas entrevistadas (48%) declara já ter sido submetida a solicitação de propina referentes a impostos e taxas, e (iii) 31% das entrevistadas afirmam já ter recebido pedido de propina para a concessão de licenças[24].

As empresas que participaram da pesquisa não afirmaram ter concedido qualquer tipo de vantagem a servidor público, limitando-se a declarar que: “já receberam pedido de propina”. No entanto, contraditoriamente, manifestaram-se sobre o cálculo do valor da propina, informando, que, na maioria dos casos, não há um parâmetro para estipulá-la[25].

O relatório da referida pesquisa apenas reforça a vultosa participação das pessoas jurídicas na prática de corrupção no Brasil, sendo alarmante o fato de se tratar de um estudo realizado há mais de uma década, sem que o Poder Público houvesse adotado qualquer medida legislativa para possibilitar a efetiva repressão e punição dos atos de corrupção perpetrados sob o manto da personalidade jurídica, o que só ocorreu em agosto de 2013, com a promulgação da Lei nº 12.846/2013.

Deve-se ter em conta que a corrupção perpetrada pelo corruptor pessoa jurídica caracteriza-se pelo estado de “presentação”, representação ou condição de preposto da pessoa física que praticou o ato de corrupção, devendo as peculiaridades desta prática serem mais bem analisas no presente estudo.

Apesar da promulgação do mencionado diploma legal, a corrupção ainda tem como um dos principais fatores para sua reiteração e expansão, a falta ou a indevida utilização dos mecanismos de prevenção e repressão à disposição da Administração Pública e do Poder Judiciário. Isso somado a equívocos e lacunas legislativas, bem como institutos legais que possibilitam a procrastinação dos processos, de modo a retardar ou evitar a punição, dando azo a um constante estado de impunidade.

Impunidade, por sua vez, é a incapacidade de punir do Estado.

A impunidade decorrer da prática de conduta ilícita, em qualquer das esferas de responsabilização – a exemplo da penal, civil e administrativa -, sem que haja a devida punição do ofensor.

Luís Francisco Carvalho Filho, tratando da matéria na seara penal, assim definiu a impunidade:

IMPUNIDADE SIGNIFICA falta de castigo. Do ponto de vista estritamente jurídico, impunidade é a não aplicação de determinada pena criminal a determinado caso concreto. A lei prevê para cada delito uma punição e quando o infrator não é alcançado por ela – pela fuga, pela deficiência da investigação ou, até mesmo, por algum ato posterior de "tolerância" – o crime permanece impune[26].

 

A impunidade pode decorrer das seguintes circunstâncias: (i) incapacidade de fazer cumprir a decisão administrativa[27] ou judicial[28] que aplicou a sanção; (ii) impossibilidade de apurar os fatos, sua autoria e de proferir uma decisão definitiva; (iii) atos de redução ou extintivos da punibilidade proferidos por autoridade ou órgão político, e (iv) lacuna ou ausência de disciplina legal idônea a possibilitar a punição.

Essas hipóteses da impunidade podem ser todas realizadas por meio de atos corruptivos.  Por isso, a corrupção é um dos principais meios do qual decorre a impunidade, embora se tratem de institutos que podem ser verificados de forma autônoma.

A acentuada verificação da impunidade em uma sociedade não significa, necessariamente, a ausência de um conjunto normativo apto a promover a reprimenda dos atos lesivos, o qual chamaremos nesse estudo de sistema de combate à impunidade. Este se refere a um sistema de normas que tem por objeto garantir o efetivo cumprimento da reprimenda estatal.

A falha no sistema de combate à impunidade decorre, portanto, da incapacidade de aplicação adequada do sistema normativo com a finalidade de coibir atos ilícitos.

Esse sistema tem como uma de suas consequências, a emissão de decisão administrativa ou judicial com caráter definitivo, de modo a possibilitar a efetiva repressão ao ato lesivo. No entanto, não raro, observam-se dificuldades no cumprimento da decisum.

Nesse mister, devem-se destacar as dificuldades das entidades administrativas e dos órgãos judicantes em fazer cumprir suas decisões por, muitas vezes, não dispor de meios efetivos para impor ao ofensor a penalidade pela qual já foi condenado. Tem-se como exemplo desses meios utilizados para possibilitar a imposição de sanção, a inscrição de débito na Dívida Ativa, a utilização de autoridade policial para realização de prisão, e o bloqueio eletrônico de valores bancários.

Outro fator que afeta o sistema de combate à impunidade são os obstáculos existentes para apurar os fatos, sua autoria e para proferir uma decisão final. Esses se tratam de óbices fáticos e legais hábeis a dificultar a instrução e tramitação do processo, com consequente retardo ou ineficácia dos efeitos da decisão final proferida.

Como exemplo desses fatores que obstaculizam o combate à impunidade pode-se mencionar, a dificuldade dos órgãos do Poder Judiciário brasileiro com a realização de perícias técnicas, sobretudo quando as partes não têm condições de arcar com as custas processuais; o problema da validade das provas, face à constante ampliação dos horizontes da teoria das provas ilícitas; o grande número de recursos que comporta o sistema judiciário brasileiro, em especial os processos de competência originária do 1º grau de jurisdição, e a possibilidade de ocorrência da prescrição concorrente em matéria criminal.

Ademais, os atos de redução ou extintivos da punibilidade proferidos por autoridade ou órgão político, também considerados institutos de política governamental, são hábeis a excepcionar o cumprimento da sanção, podendo, por vezes, serem considerados mecanismos aptos a ensejar falhas no sistema de combate à impunidade, são estes: anistia, graça e indulto. Esses institutos desconsideram a existência de processos em curso ou de decisões proferidas pelo Poder Judiciário, importando, tão somente, a determinação da autoridade política.

A anistia é uma medida, essencialmente de direito penal, por meio do qual o Congresso Nacional edita lei que visa desconsiderar a existência de uma infração, que, normalmente, está circunscrita à esfera política, eleitoral ou militar[29]. Já a graça, medida individual, e o indulto, de caráter coletivo, podem ser adotados pelo Presidente da República para a redução total ou parcial das penas aplicadas.

As falhas no sistema de combate à impunidade também podem ser atribuídas às lacunas normativas ou à ausência de disciplina legal idônea a possibilitar a punição. As lacunas legislativas referem-se às seguintes situações: (i) ausência de disciplina legal de parte ou da totalidade de determinada matéria; (ii) pendência de norma regulamentadora, e (iii) ausência da edição de norma específica para conferir eficácia a outra.

Cabe ponderar, ainda nesse aspecto normativo, que além da ausência de disciplina legal, sua imprecisão também pode ser causa de impunidade. As normas que regulam as hipóteses de punição ou responsabilização, quando contêm termos imprecisos ou de grande espectro interpretativo, minoram a segurança jurídica, admitindo entendimentos ambíguos, além de contribuir para a desconstituição das sanções administrativas em juízo e revisão das decisões judiciais em nível de recurso.

 Deve-se ter em conta que estes fatores de “impunidade” não devem ser confundidos com o “sentimento de impunidade”, este vinculado à concepção valorativa de moral, enquanto justiça, muito comum no seio da sociedade.

O sentimento de impunidade apresenta como principais fatores de injustiça: (i) a alegação de que as normas que integram o ordenamento jurídico não seriam suficientemente preventivas e repressivas, e (ii) a condescendência dos órgãos julgadores, que deixam de aplicar as penas ou o fazem de forma branda.

Eis, portanto, apresentadas as hipóteses de falhas no sistema de combate à impunidade, as quais serão aplicadas na análise de aspectos gerais e do instituto da responsabilização administrativa previstos na Lei nº. 12.846/2013 (lei anticorrupção), antecipando-se que este trabalho tratará de forma mais detida a questão em seu aspecto normativo.

 

  1. HISTÓRICO E FUNDAMENTOS DA RESPONSABILIZAÇÃO ADMINISTRATIVA DA PESSOA JURÍDICA NO BRASIL

 

O estudo do histórico da responsabilização administrativa da pessoa jurídica se faz necessária para se conhecer as origens e fontes de inspiração para que a Lei nº. 12.846/2013 disciplinasse esse instituto como instrumento de combate à corrupção e fraude. Como se verá mais adiante, o mencionado histórico será abordado na seara da legislação de licitações e contratos administrativos, bem como na lei antitruste, por guardarem maior afinidade com a lei anticorrupção.

No entanto, antes de se adentrar a jornada histórica a que se propôs, faz-se necessário apresentar os fundamentos do instituto da responsabilização administrativa e os motivos pelos quais acredita tratar-se de importante instrumento na prevenção e repressão de infrações. 

A responsabilidade administrativa decorre de conduta omissiva ou comissiva em desconformidade com as normas ou os contratos de natureza administrativa, com consequente prejuízo material ou imaterial à Administração Pública e aos serviços e atividades desenvolvidos por esta direta ou indiretamente, sujeitando o infrator ao devido processo administrativo de apuração e, por ventura, a suportar a aplicação de penalidade.

A partir da verificação da lesão, o administrador, do próprio órgão lesado ou agindo por delegação, deverá instaurar processo administrativo próprio para a apuração da responsabilidade do autor da conduta lesiva, sendo garantidos os direitos ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa, com a emissão de decisão fundamentada e autoexecutória, que pode punir, criando obrigações ou restringindo direitos.

Essa acepção de responsabilidade administrativa pode ser compreendida em dois sentidos diferentes a depender dos autores do ato lesivo. Assim, caso o ato prejudicial à Administração Pública seja praticado pelo agente público, em virtude de comportamento desenvolvido no exercício de seu cargo, emprego ou função pública, estar-se-á diante da também concebida como responsabilidade funcional ou disciplinar, cujo processado se encontra no interior do próprio órgão administrativo. Já na segunda acepção, o autor do ato lesivo é pessoa física ou jurídica não vinculada funcionalmente à Administração, portanto, externo a esta, mas que deve ser responsabilizado pela inobservância das normas administrativas e pelos danos por ventura decorrentes.

A responsabilidade funcional pode ser claramente compreendida no magistério do Prof. Marçal Justen Filho:

A responsabilidade administrativa consiste no dever de o agente estatal responder pelos efeitos jurídicos administrativos dos atos praticados no desempenho da atividade administrativa estatal, inclusive suportando a sanção administrativa cominada em lei pela prática do ato ilícito.[30]

 

A hipótese de responsabilização administrativa funcional ou disciplinar é tratada nos diplomas legais que versam acerca da responsabilização do agente público, dentre as quais se pode citar a Lei nº. 4.898/1965, que versa sobre a responsabilidade administrativa, em virtude de abuso de autoridade e, sobretudo, na Lei nº 8.112/1990, estatuto normativo que dispõe sobre o regime jurídicos dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais.

Já a responsabilização administrativa de pessoas externas à Administração tem seu conceito bem sedimentado nas lições do José Afonso da Silva:

Responsabilidade Administrativa - resulta de infrações a normas administrativas, sujeitando-se o infrator a uma sanção também de natureza administrativa: advertência, multa, interdição de atividade, suspensão de benefícios etc. A responsabilidade administrativa fundamenta-se na capacidade que tem a pessoa jurídica de direito público de impor condutas aos administrados. Este poder Administrativo é inerente à Administração de todas as entidades estatais – União, Estados, Distrito Federal e Municípios –, nos limites das respectivas competências institucionais.[31]

 

Essa acepção de responsabilidade administrativa é aquela prevista, por exemplo, no Código Brasileiro de Trânsito (Lei nº. 9.503/1997), em virtude de infrações de trânsito; na Lei nº. 9.605/1998 devido à prática de atos prejudiciais ao meio ambiente, bem como na Lei 12.529/2011, pela prática de infrações contra a ordem econômica.

Na hipótese disciplinada nesses diplomas legais, restarão tipificadas certas condutas como infrações, o estabelecimento das respectivas sanções, bem como a concessão de poderes à autoridade administrativa para processar, julgar e punir os infratores, diretamente pela esfera administrativa, restando aos particulares o livre acesso ao Poder Judiciário, na defesa de seus interesses (CF/1988, art. 5º, XXXV).[32]

Deve-se ter em conta que esta segunda concepção de responsabilização administrativa decorrer do poder de polícia. Cabe relembrar que esse se trata de atribuição da Administração Pública com o objetivo de disciplinar ou limitar direitos individuais, tendo em vista o interesse coletivo[33].

A hipótese de responsabilização administrativa prevista na Lei nº. 12.846/2013, portanto, decorrem do poder de polícia, sendo vocacionada às pessoas externas à Administração Pública, mais propriamente às pessoas jurídicas que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.

Este estudo terá como principal objetivo a apreciação da responsabilização administrativa prevista no mencionado estatuto, por se entender que apresenta as questões mais controversas a clamarem por intervenção doutrinária. Isso deve ser somado ao fato do instituto ter se mostrado mais exitoso em aspectos nos quais a responsabilização pela via judicial apresenta falhas no combate à impunidade, dentre os quais: a razoável duração do processo e a efetividade das decisões (autoexecutoriedade).

A utilização da responsabilidade administrativa na Lei nº. 12.846/2013, como meio de combate à corrupção e à impunidade, tem o objetivo de proteger, essencialmente, os seguintes bens jurídicos: o patrimônio público, a construção de uma sociedade justa, a garantia do desenvolvimento social e econômico, a livre concorrência, e a probidade administrativa.

 Por esse motivo, faz-se mister proceder à análise da responsabilização administrativa afeta à proteção dos mencionados bens jurídicos, tendo como sujeito passivo a pessoa jurídica, de modo a entender como se deu e ainda se verifica o tratamento da matéria no ordenamento jurídico pátrio.

Assim, a título de melhor conhecer os modelos de responsabilização administrativa no Brasil, que influenciaram a concepção da lei anticorrupção e também tutelam alguns dos bens jurídicos mesmos bens jurídicos, mister se faz proceder a uma análise histórica da disciplina normativa da matéria nas seguintes áreas: (i) licitações e contratos administrativos; (ii) direito da concorrência, e (iii) defesa da probidade administrativa e combate à corrupção e à fraude de pessoas jurídicas contra a Administração Pública.

Como mencionado, estas áreas não foram selecionadas de forma aleatória, mas pela influência que exerceram na configuração de um sistema de responsabilização da pessoa jurídica por atos de corrupção e prejudiciais à Administração Pública.

 

  1. HISTÓRICO E FUNDAMENTOS NA DISCIPLINA DE LICITAÇÕES E CONTRATOS

 

Desde a época do Império já se tinha percebido que a maioria dos contratos administrativos eram titularizados por pessoas jurídicas. Por esse motivo, o Decreto nº 2.926, de 14/05/1862, que regulamentava as arrematações de serviços a cargo do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, inaugurou a disciplina da penalidade de multa pelo descumprimento de obrigações pré-contratuais e contratuais assumidas com o governo imperial.

No período republicano, a legislação pertinente a licitações e contratos administrativos iniciou a disciplina das sanções administrativas de forma modesta. Isso porque, o Decreto nº. 4.536, de 28/01/1922, que instituiu o antigo Código de Contabilidade da União, embora tivesse o objetivo de uniformizar os procedimentos licitatórios e de contratação no âmbito federal, não inovou na disciplina normativa do descumprimento dos institutos que previa, disciplinando, apenas, que a revisão das multas administrativas seria objeto de análise pelo Tribunal de Contas[34].

O Decreto-lei nº. 200, de 25/02/1967, promoveu a alteração do marco regulatório da responsabilização administrativa da pessoa jurídica, no período, passando a prever além da multa, as penalidades de suspensão do direito de licitar e declaração de inidoneidade para licitar na Administração Federal[35].

Ocorre que o diploma legal foi impreciso quanto à disciplina das sanções, estabelecendo que: (i) a multa seria prevista no instrumento convocatório ou no contrato; (ii) a suspensão do direito de licitar seria pelo prazo que a autoridade competente fixasse, segundo a gradação estipulada em função da natureza da falta, e (iii) a declaração de inidoneidade seria aplicada sem qualquer parâmetro de duração da sanção.

Assim, as mencionadas penalidades não observavam o já então princípio geral de direito da proporcionalidade, deixando a quantificação da sanção de multa[36] e o prazo de duração da penalidade de suspensão do direito de licitar a cargo de previsão editalícia e da discricionariedade do administrador. Já a sanção de inidoneidade apresentava disciplina ainda mais imprecisa quanto ao tempo de duração, podendo-se afirmar até que teria efeitos ad aeternitatem.

O mencionado estatuto legal foi substituído, em suas disposições sobre licitações e contratos administrativos, com o advento do Decreto-lei nº. 2.300, de 21/11/1986, atualizado em 1987 pelos Decretos-Lei 2.348 e 2.360[37], tendo instituído, pela primeira vez no ordenamento jurídico pátrio, o Estatuto Jurídico das Licitações e Contratos Administrativos, disciplinando normas gerais e especiais relacionadas à matéria[38].

 O Decreto-lei nº. 2.300/67, além de promover a unificação da matéria no âmbito federal, disciplinou de forma mais detida as infrações pré-contratuais passíveis de sanção e aumentou o âmbito de incidência da responsabilização administrativa.

Acerca da inovação em matéria pré-contratual está o fato de estender as sanções de suspensão do direito de licitar e declaração de inidoneidade de licitar ao ato de recusa injusta do adjudicatário em assinar o contrato, aceitar ou retirar o instrumento equivalente, dentro do prazo estabelecido pela Administração [...] mesmo não se tratando de um certame licitatório – hipótese de contratação direta por dispensa ou inexigibilidade de licitação.

Outra importante inovação do Decreto-lei nº. 2.300/67 foi a dilação do âmbito da responsabilização administrativa, possibilitando que profissionais e empresas também pudessem ser apenados com as sanções de suspensão do direito de licitar e declaração de inidoneidade, quando: (i)  praticarem, por meios dolosos, fraude fiscal, no recolhimento de quaisquer tributos; (ii) praticarem atos ilícitos, visando a frustrar os objetivos da licitação, e (iii) demonstrarem não possuir idoneidade para contratar com a Administração, em virtude de atos ilícitos praticados.

Não obstante, o mencionado diploma legal manteve equívocos semelhantes aos evidenciados no Decreto-lei nº 200/67, em especial quanto às sanções de multa e de declaração de inidoneidade. Isso porque a penalidade de multa manteve a remissão à disciplina do instrumento convocatório ou do edital para sua estipulação, sem haver fixação de parâmetros legais. O mesmo ocorreu com a declaração de inidoneidade, que continuou sem fixação de prazo de duração, no entanto, passando a poder cessar com a reabilitação perante a autoridade que aplicou a punição. Por essas circunstâncias, ainda restou prejudicado o princípio da proporcionalidade.

Já sob a vigência da Constituição de 1988, a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União (Lei nº. 8.443, de 16/06/1992) disciplinou a penalidade de declaração de inidoneidade para licitar, em virtude de fraude comprovada em licitação, estipulando o prazo de duração de 05 (cinco) anos, no âmbito da Administração Pública Federal[39]. Portanto, em matéria de fraude em licitações, estabelecendo o prazo máximo da mencionada sanção.

As inovações do retromencionado Decreto-lei nº. 2.300/67 e, pontualmente, da Lei nº. 8.443/92, além da necessidade de superar as falhas até então verificadas, inspiraram a promulgação da Lei nº. 8.666, de 21/07/1993. Este diploma, ainda hoje em vigor, conhecido como a Lei de Licitações e Contratos da Administração Pública Federal promoveu as seguintes inovações em matéria de responsabilização administrativa[40] afeta à pessoa jurídica: (i) disciplina mais detalhada do instituto da multa moratória; (ii) instituição da penalidade de advertência; (iii) delimitação do prazo de 2 (dois) anos para a duração da sanção de declaração de inidoneidade, na hipótese de reabilitação[41], qualquer que seja a infração cuja grau de reprovação enseje a aplicação dessa penalidade.

Não obstante a Lei nº. 8.666/93 tenha progredido na disciplina da responsabilização administrativa, o mesmo não se verificou nas modalidades de licitações previstas no mencionado diploma (convite, concurso, tomada de preço, concorrência pública e leilão). Isso porque, os procedimentos licitatórios previstos apresentam maior prazo de divulgação, contêm formalidades demasiadas, são, em regra, presenciais, além de admitirem a interposição de recursos nas diferentes etapas da licitação (credenciamento, habilitação, proposta de preço e julgamento). 

Esses motivos ensejaram o advento da licitação na modalidade “pregão”, inicialmente por meio da Medida Provisória nº. 2.026, de 04/05/2000, reeditada por dezoito vezes[42], e por fim convertida na Lei nº. 10.520, de 17/06/2002. Esse diploma instituiu nova sanção administrativa, qual seja, o impedimento de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios e, consequente, descredenciamento do Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores – SICAF, pelo prazo de até 5 (cinco) anos[43]

A mencionada sanção tem o objetivo de punir tanto atos ilícitos pré-contratuais quanto pós-contratuais. Por esse motivo o mencionado estatuto legal estabelece que o impedimento de licitar seja aplicado ao licitante que: (i) convocado dentro do prazo de validade da sua proposta, não celebre o contrato; (ii) deixe de entregar ou apresente documentação falsa exigida para o certame; (iii) der causa ao retardamento da execução do objeto contratado; (iv) não mantiver a proposta; (v) falhar ou fraudar na execução do contrato; (vi) comportar-se de modo inidôneo, ou (vii) cometer fraude fiscal[44].

A sanção de impedimento de licitar e contratar foi disciplinada de modo semelhante na Lei nº. 12.462, de 04/08/2011, que instituiu o Regime Diferenciado de Contratação - RDC[45]. Não obstante, o mencionado estatuto legal inova com a extensão dessa forma de responsabilização administrativa à hipótese de inexecução total ou parcial do contrato. Além disso, a Lei do RDC possibilita, expressamente[46], que as licitações e contratos que disciplina sejam objeto das sanções administrativas previstas na Lei nº. 8.666/93[47].

Assim, a responsabilização administrativa da pessoa jurídica, em matéria de licitações e contratos administrativos, no âmbito federal, apresenta o arcabouço sancionatório previsto nos seguintes diplomas legais: Lei nº. 8.443/92, Lei nº. 8.666/93, Lei nº. 10.520/02, Lei nº. 12.462/11. Esses, conforme visto, são resultados de significativa evolução desde o período imperial, no entanto, ainda não são hábeis a penalizar a pessoa jurídica em diversa hipótese que transcendam o descumprimento dos compromissos contratuais e pré-contratuais.

Isso porque os mencionados estatutos normativos são imprecisos e, por isso, pouco efetivos na disciplina da responsabilização administrativa decorrente dos atos de corrupção e fraude em licitações e contratos administrativos.

Conforme mencionado, o Decreto-lei nº. 2.300/67 (com dispositivo reproduzido na Lei nº. 8.666/93) deveras inovou ao prever a possibilidade de extensão das sanções de suspensão do direito de licitar e de declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública aos contratados que tenham: (i) praticado atos ilícitos visando a frustrar os objetivos da licitação, e (ii) demonstrem não possuir idoneidade para contratar com a Administração em virtude de atos ilícitos praticados[48]. Hipóteses semelhantes também foram previstas para a aplicação da penalidade de impedimento de licitar e contratar na Lei nº. 10.520/02: (i) falhar ou fraudar na execução do contrato, e (ii) comportar-se de modo inidôneo[49]. Mesma sanção é aplicada em situação análogas previstas na Lei nº. 12.462/11: (i) fraudar a licitação ou praticar atos fraudulentos na execução do contrato, e (i) comportar-se de modo inidôneo[50].

Ocorre que essas hipóteses sancionatórias são imprecisas quanto a seu âmbito de aplicação. Assim, nas situações mencionadas para a Lei nº. 8.666/93, quais seriam os atos ilícitos que visam frustrar o objeto da licitação ou que tornam inidônea uma empresa contratada? Já a penalidade de impedimento prevista nos diplomas que disciplinam as modalidades pregão ou RDC, quais as situações que se consideram fraudadas a licitação ou a execução do contrato? Ou, ainda, o que deve ser considerado como comportamento inidôneo?

Essas perguntas clamam por uma definição mais precisa por meio da efetiva tipificação de atos lesivos. Isso porque a utilização de expressões como “fraudar” e “inidôneo”, sem que haja uma determinação de quais situações devem assim ser consideradas, aumenta a discricionariedade do administrador, haja vista se tratarem de conceitos legais de ampla interpretação.

A técnica legislativa de aumentar a margem de interpretação do administrador e, consequentemente, o seu âmbito de discricionariedade, não parece ter sido a opção mais adequada, pois, por se tratar de disciplina de direito administrativo sancionatório, a ausência de hipóteses definidas de atos lesivos, facilita a revisão das sanções em juízo.

Assim, a imprecisão na definição dos atos lesivos de “fraude” e “conduta inidônea” trata-se de questão que precisa ser objeto de labor legislativo, de modo a definir verdadeiros tipos infracionais para a legislação de licitações e contratos administrativos.

 Até que se promovam alterações legislativas, as sanções devem continuar sendo aplicadas, com a finalidade principal de reprimir e prevenir o descumprimento imotivado de infrações nas relações pré-contratuais, contratuais e pós-contratuais havidas com a Administração Pública, bem como, subsidiariamente, promover o cobate à corrupção e impunidade em sede de responsabilização administrativa.

 

  1. HISTÓRICO E FUNDAMENTOS NO DIREITO ANTITRUSTE

 

O direito da concorrência tem expressiva contribuição na responsabilização administrativa da pessoa jurídica no Brasil. Não obstante, este ramo jurídico tenha iniciado sua disciplina sancionatória no direito pátrio por meio da responsabilização penal. Isso porque, após as Constituições de 1934[51] e 1937[52] terem previsto a possibilidade de intervenção do Estado no domínio econômico, a primeira norma infraconstitucional a disciplinar a matéria foi o Decreto-lei nº. 869, de 18/11/1938, da lavra de Nelson Hungria, que versava sobre a prática de crimes contra a economia popular, inclusive ilícitos concorrenciais.

Ocorre que o mencionado diploma legal não se mostrou efetivo na defesa da concorrência[53], demonstrando que a responsabilização penal já não se afigurava, àquela época, hábil a punir as pessoas jurídicas, em virtude de atos de abuso do poder econômico. Esses atos passaram, portanto, a ser disciplinados, eminentemente, na seara da responsabilização administrativa.

O primeiro diploma a utilizar a responsabilização administrativa em disposições normativas antitruste foi o Decreto-lei nº. 4.807, de 07/10/1942, que criou a Comissão de Defesa da Economia – CDE[54]. Dentre as competências do mencionado órgão administrativo estava resolver, por solicitação ou “ex-ofício”, a rescisão ou forma de liquidação dos contratos em que sejam partes pessoas cuja a atividade econômica se torne necessária reprimir[55]. No entanto, este diploma conjugava a defesa da economia com a defesa de segurança nacional[56], um dos motivos pelos quais foi fortemente criticado, além de enfrentar grande resistência de grupos de empresas nacionais e estrangeiras.

Logo em seguida foi editado o Decreto-lei nº. 7.666, de 22/06/1945, também conhecido como Lei Malaia, consagrando-se como expoente dessa nova tendência de transformar em ilícitos administrativos os atos anticompetitivos. Esse estatuto legal criou a Comissão Administrativa de Defesa da Economia – CADE, órgão diretamente subordinado ao Presidente da República. Dentre os atos de responsabilização administrativa previstos como competência do CADE pode-se destacar a decisão de decretar e executar a intervenção em empresas[57].

Ocorre que o Decreto-lei nº. 7.666/45 não vigorou por muito tempo, tendo sido revogado com o fim do Estado Novo, por meio do Decreto-lei nº. 8.167, 09/11/1945.

No entanto, com a redemocratização do país, a temática de defesa da concorrência já tinha assentado sua importância no ordenamento jurídico pátrio, motivo pelo qual foi prevista expressamente da Constituição de 1946[58].

Assim, após mais de vinte anos de discussões sobre os termos da lei antitruste, foi promulgada a Lei nº. 4.137, de 10/09/1962, que instituiu o Conselho Administrativo de Defesa da Economia – CADE, e adotou, também, a responsabilização administrativa como principal forma de defesa da ordem econômica.

Na Lei nº. 4.137/1962, as principais sanções administrativas aplicadas pelo CADE circunscreviam-se à multa[59] e à desapropriação de bens da empresa[60]. O mencionado diploma legal utilizava corriqueiramente o termo “empresa” para designar seus destinatários, demonstrando que era empregado, essencialmente, em face de pessoas jurídicas, em virtude da realização de atividade econômica.

A Constituição Federal de 1988 erigiu a ordem econômica a um novo status, passando a livre concorrência a ser um de seus princípios norteadores[61]. Nesse mister, a Carta Política ainda atribuiu a lei ordinária a incumbência de reprimir o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros[62].

A nova configuração constitucional manteve inalterada a predileção dos estatutos de defesa da concorrência pela adoção da responsabilização administrativa. No entanto, ocorreu o aumento de hipóteses puníveis e dos tipos de penalidades.

Na vigência da Constituição Federal de 1988, o primeiro estatuto legal com o desiderato de disciplinar o abuso do poder econômico foi a Lei nº. 8.158, de 07/01/1991[63], que instituiu a Secretaria Nacional de Defesa da Economia – SNDE. Dentre as principais sanções administrativas previstas no diploma pode-se mencionar a declaração de inidoneidade do agente para fins de habilitação em licitação ou contratação, com a respectiva publicação do ato em órgão oficial, bem como a recomendação de que não seja concedido ao agente parcelamento de tributos federais por ele devidos[64].

A Lei nº. 8.158/91, no entanto, não revogou a Lei nº. 4.137/1962, apenas alterando dispositivos desta, de modo que o controle da defesa da concorrência passou a ser realizado a posteriori pela SNDE.

No mesmo período, as práticas anticoncorrenciais voltam a ser objeto de criminalização por meio da Lei nº. 8.137, de 27/12/1990.

Assim, face à pulverização do tratamento da disciplina antitruste nas Leis nº. 8.158/91 e 4.137/1962, em matéria de responsabilização administrativa, bem como na Lei nº. 8.137/1990, em matéria penal, se fez mister a sistematização e consolidação dos novos conceitos e procedimentos na Lei nº. 8.884, de 11.06.1994.

A Lei nº. 8.884/94 também versada em procedimentos de responsabilização administrativa, transformou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE em autarquia federal, bem como dispôs sobre as prevenção e repressão contra a ordem econômica.

O mencionado diploma estabeleceu como penalidades administrativas aplicáveis às pessoas jurídicas, em decorrência da infração à ordem econômica, as seguintes: (i) multa de um a trinta por cento do valor do faturamento bruto no seu último exercício[65], desconsiderando os impostos, sendo que este valor nunca será inferior à vantagem auferida, quando quantificável[66]; (ii) a publicação da penalidade às expensas do infrator; (iii) proibição de contratar com instituição financeira e licitar com qualquer órgão público da administração direta e indireta das entidades federativas, por prazo não inferior a cinco anos; (iv) inscrição do infrator no Cadastro Nacional de Defesa do Consumidor; (v) recomendação aos órgãos públicos competentes para que seja concedida licença compulsória de patentes de titularidade do infrator, (vi) não lhe seja concedido o parcelamento de tributos federais, ou que (vii) sejam cancelados, no todo ou em parte, incentivos fiscais ou subsídios públicos que lhe foram conferidos; (viii) cisão da sociedade, transferência do controle societário, venda de ativos, cessação parcial de atividade, bem como qualquer ato ou providência necessário à eliminação dos efeitos prejudiciais à ordem econômica[67].

A Lei nº. 8.884/94, indubitavelmente, robusteceu a responsabilização administrativa, mas também o fez em matéria criminal, alterando o art. 4º, da Lei nº. 8.137/90, com a ampliação dos tipos penais ali disciplinados[68].

As mudanças na ordem econômica, bem como a necessidade de melhor disciplinar e organizar as disposições constantes da Lei nº. 8.884/94, deram ensejo à promulgação da nova lei de defasa da concorrência, Lei nº. 12.529/2011, que revogou, na plenitude, o diploma que a antecedeu.

Esse novo estatuto legal prevê com maior exação as hipóteses de responsabilização, bem como as sanções administrativas. Nas alterações promovidas nas mencionadas penalidades pode-se destacar que:

  1. a multa aplicada passou a ser balizada entre 0,1% (um décimo por cento) e 20% (vinte por cento) do faturamento bruto da empresa, grupo ou conglomerado obtido, no exercício anterior à instauração do processo administrativo, no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração, não podendo ser esta inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação; 
  2. a possibilidade de o CADE considerar o faturamento total da empresa ou grupo de empresas, quando não dispuser do valor do faturamento no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração ou, ainda, quando este for apresentado de forma incompleta e/ou não demonstrado de forma inequívoca e idônea.  
  3. deixou-se de utilizar as Unidades Fiscais de Referência (Ufir), para a estipulação de multa dos infrator que não exerça atividade empresarial, bem como quando não seja possível utilizar o critério do valor do faturamento bruto, passando a ser estipulada entre R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) e R$ 2.000.000.000,00 (dois bilhões de reais), e
  4. houve a inclusão da sanção de proibição de exercer o comércio em nome próprio ou como representante de pessoa jurídica, pelo prazo de até 5 (cinco) anos[69].

 

O novo diploma, além de disciplinar com maior precisão as sanções administrativas, promoveu a atualização destas. Isso porque o estatuto adotou referenciais de aplicação de penalidades calcados nas experiências dos julgamentos do CADE. Por exemplo, a aplicação da multa era dificultada por fatores como indisponibilidade, incompletude, imprecisão e dúvidas sobre a idoneidade do faturamento bruto da empresa ou grupo de empresas no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração, os quais podem agora ser superados, excepcionalmente, com a utilização do faturamento bruto total.

Essas inovações trazidas pela Lei nº. 12.529/2011, bem como a evolução das penalidades em matéria de defesa da concorrência são de suma importância para o estudo da responsabilização administrativa da pessoa jurídica por atos de corrupção e prejudiciais à Administração Pública. Isso porque, a lei antitruste foi o diploma inspirador das sanções e do instituto do acordo de leniência previstos na Lei nº. 12.846/2013.

Ademais, apresenta hipótese de infração que muito se aproxima dos atos lesivos em licitações e contratos previstos na lei anticorrupção, qual seja: [...] acordar, combinar, manipular ou ajustar com concorrente, sob qualquer forma:[...] preços, condições, vantagens ou abstenção em licitação pública (art.36, §3º, da Lei nº. 12.529/2013[70]), possibilitando, nesse mister, o controle subsidiário dos atos de corrupção e fraude em certames licitatórios.

 

  1. HISTÓRICO SOBRE COMBATE AOS ATOS DE CORRUPÇÃO E FRAUDE

 

A responsabilização administrativa da pessoa jurídica por atos de corrupção e fraude contra a Administração Pública, até o dia 29 de janeiro de 2014 – data término do vacatio legis da Lei nº. 12.846, de 1º de agosto de 2013 -, circunscrevia-se, no ordenamento jurídico pátrio, a dispositivos pontuais da legislação de licitações e contratos (no âmbito federal: Lei nº. 8.666/93, Lei nº. 10.520/02 e Lei nº. 12462/11) e da Lei de Defesa da Concorrência (Lei nº.12.529/11)[71].

Essas duas possibilidades de responsabilização foram vastamente versadas nos tópicos anteriores, motivo pelo qual se faz desnecessária uma nova análise.

Ocorre que, não apenas nessas duas áreas se viabiliza a responsabilização das práticas corruptas e fraudulentas perpetradas pela pessoa jurídica ante a Administração Pública, devendo ser destacada, também, a possibilidade de punição por meio da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº. 8.429, de 02/06/1992).

 Em princípio, deve-se ter em conta que a pessoa jurídica apenas pode ser responsabilizada por ato de improbidade administrativa, caso induza ou concorra para a prática deste ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta[72].

A possibilidade de a pessoa jurídica figurar no polo passivo de uma ação de improbidade administrativa é tema pacificado no Superior Tribunal de Justiça[73].

No entanto, conforme frisado, a participação da pessoa jurídica é sempre secundária (induzir ou concorrer). Isso porque a matriz do ato de improbidade administrativa depende da atuação do agente público, pessoa natural. Assim, a verificação da prática do ato ímprobo pelo agente público é conditio sine qua non para que a pessoa jurídica, que induziu ou concorreu para prática deste, seja também processada, independente de ter se beneficiado da conduta ilícita. 

Essa condição limita o âmbito de responsabilização da pessoa jurídica por meio da LIA, aliás, a qual foi promulgada com o objetivo precípuo de punir agentes públicos em virtude de enriquecimento ilícito pelo exercício de suas atribuições, por lesões ao erário e violação dos princípios da administração pública[74].

Assim, encontram-se excluídos da apreciação em ação de improbidade administrativa, por exemplo, as hipóteses em que embora a pessoa jurídica tenha oferecido vantagem indevida, o agente público tenha se negado a receber e a se comportar – omissiva ou comissivamente – conforme pleiteado, bem como nos casos de fraude prejudiciais a órgão ou ente da administração em que não haja a participação de agente público.    

Apesar desses breves comentários à aplicação da Lei de Improbidade Administrativa à pessoa jurídica, deve-se observar que, em virtude de este trabalho circunscrever-se ao estudo da responsabilidade administrativa da pessoa jurídica, mister se faz declinar à realização de uma análise mais apurado sobre o tema, tendo em conta que o Supremo Tribunal Federal pacificou entendimento acerca da natureza civil da ação de improbidade administrativa[75].

Assim, restaram apenas os pontuais dispositivos da lei de licitações e contratos e da lei antitruste, constatado-se que a disciplina da responsabilização administrativa da pessoa jurídica por atos de corrupção e fraude contra a Administração Pública, tratava-se de uma necessidade histórica do Brasil. Essa afirmação é reforçada pelo fato de as sociedades empresárias e grupos de empresas que atuam no mercado de valores e negociam ações na Bolsa de Nova Iorque terem que adequar suas condutas à Foreign Corrupt Practices Act - FCPA (Lei sobre Práticas de Corrupção no Exterior dos Estados Unidos), promulgada em 1977.

A Lei FCPA é considerada a principal lei americana de combate à corrupção, tendo sido utilizada como modelo para as leis anticorrupção de vários outros países, consagrando-se como uma das mais importantes e eficazes normas anticorrupção do mundo.

Não obstante, durante muitos anos, a existência desse diploma legal não foi suficiente a influenciar o advento de um estatuto normativo nacional, com características semelhantes, capaz de disciplinar a matéria.

Além da tímida influência do diploma americano, o Brasil também figurou como signatário na “Convenção sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais” da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE[76], na “Convenção Interamericana de Combate à Corrupção” – Organização dos Estados Americanos - OEA[77] e a “Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção” na Organização das Nações Unidas - ONU[78], reforçando ainda mais o compromisso do país com a confecção de uma legislação hábil a responsabilizar a pessoa jurídica por atos de corrupção e fraude em prejuízo da Administração Pública.

Neste cotejo, e em virtude de outros fatores que serão mais bem analisados no próximo tópico, foi promulgada a Lei nº. 12.846/2013, que tem por objeto a responsabilização objetiva administrativa e civil da pessoa jurídica pela prática de atos contra a Administração Pública nacional ou estrangeira.

 

  1. ADVENTO DA LEI Nº. 12.846/2013: JUSTIFICATIVA E OBJETO

 

A Lei nº. 12.846/2013 foi promulgada com o objetivo de regulamentar a responsabilidade administrativa e civil de pessoas jurídicas por atos lesivos à Administração Pública nacional e estrangeira, conforme consignou a exposição de motivos para apresentação do anteprojeto da lei logo em seu primeiro parágrafo[79].

O anteprojeto à época apresentado ao Presidente da República (23 de outubro de 2009) e a lei dele resultante teria como objetivo

suprir uma lacuna existente no sistema jurídico pátrio no que tange à responsabilização de pessoas jurídicas pela prática de atos ilícitos contra a Administração Pública, em especial, por atos de corrupção e fraude em licitações e contratos administrativos.[80]

 

Esta lacuna seria, portanto, a ausência de disciplina específica acerca da responsabilização da pessoa jurídica pelos atos prejudiciais à Administração Pública. Trata-se, conforme se pode depreender da exposição de motivos, de lacuna que acarreta prejuízos substanciais aos fundamentos e objetivos da República Federativa do Brasil e à ordem constitucional, pois inviabilizaria a devida responsabilização da pessoa jurídica. Assim, sendo esta uma das principais responsáveis pela prática de corrupção, estar-se-ia diante de uma verdadeira falha no sistema de combate à impunidade, atmosfera jurídica propícia à prática de atos corruptos, lesivos à Administração Pública e a seus princípios regentes, sem que houvesse a possibilidade da devida reprimenda estatal.

   A lei se justificaria pela falta de disciplina própria da matéria e pelos resultados nefastos causados pela corrupção e pelo seu estímulo por meio da impunidade da pessoa jurídica que dela participa:

Sabe-se que a corrupção é um dos grandes males que afetam a sociedade. São notórios os custos políticos, sociais e econômicos que acarreta. Ela compromete a legitimidade política, enfraquece as instituições democráticas e os valores morais da sociedade, além de gerar um ambiente de insegurança no mercado econômico, comprometendo o crescimento econômico e afugentando novos investimentos.  O controle da corrupção assume, portanto, papel fundamental no fortalecimento das instituições democráticas e na viabilização do crescimento econômico do país[81].

 

O estatuto legal proposto, portanto, aparentemente se presta a uniformizar a disciplina da responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas por atos lesivos à Administração Pública nacional e estrangeira, em especial, decorrentes de corrupção e fraude.

A lei anticorrupção adotou a responsabilização administrativa e civil, sob o fundamento de que o Direito Penal não ofereceria mecanismos efetivos ou céleres para punir as pessoas jurídicas interessadas ou beneficiadas pelos atos de corrupção e prejudiciais à Administração Pública. 

A responsabilização civil foi adotada, segundo a referida exposição de motivos, porque seria a mais adequada às sanções aplicadas às pessoas jurídicas e menciona como exemplo o ressarcimento dos prejuízos econômicos suportados pelo erário, o qual não se trata efetivamente de uma sanção.[82] Já a responsabilidade administrativa foi escolhida também por se mostrar mais eficaz e célere para promover a reprimenda aos prejuízos causados por meio de contratos administrativos e procedimentos licitatórios.

Como mencionado, a necessidade de promover a colmatação da lacuna existente no sistema jurídico pátrio quanto à disciplina do tema é apontada como um dos principais motivos de pertinência da lei anticorrupção.

As lacunas a que a lei busca sanar seriam as referentes à inexistência de meios próprios para alcançar o patrimônio da pessoa jurídica e promover a devida punição e ressarcimento dos prejuízos à Administração Pública.

Na exposição de motivos do anteprojeto, a Controladoria-Geral da União, Ministério da Justiça e Advocacia Geral da União reconheceram que a responsabilização de pessoas jurídicas na esfera administrativa não se trataria de uma inovação no sistema jurídico pátrio. Isso porque, a Lei de Defesa da Concorrência[83] já apresentava êxito na reprimenda às infrações contra a ordem econômica. Por esse motivo, o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência foi utilizado como parâmetro financeiro para o dispositivo referente à multa e influenciou na inclusão do acordo de leniência na redação final do Projeto de Lei nº. 6.826/2010, que passou a albergar disciplina semelhante à do programa de leniência previsto na Lei nº. 12.529/2011.

Deve-se destacar que, embora de forma comedida, a exposição de motivos do anteprojeto reconheceu que a responsabilização administrativa da pessoa jurídica já foi disciplinada também na Lei de Licitação e Contratos Administrativos da Administração Pública Federal (Lei nº. 8.666/93) em algumas hipóteses de “atos lesivos” [84] praticados em licitações e contratos administrativos[85]. No entanto, este mesmo estatuto legal comportaria diversas lacunas que precisariam ser supridas pela lei anticorrupção que estava sendo proposta. Desta forma, a lacuna normativa quanto à disciplina da matéria em apreço, ao mesmo quanto à responsabilidade administrativa, restara reconhecidamente reduzida.

O expediente de exposição de motivos do anteprojeto ainda apontou, especificamente, as lacunas da Lei nº. 8.666/93 que precisariam ser colatadas, sendo estas a previsão de condutas e sanções. Isso porque as condutas objeto de maior reprimenda no diploma legal seriam tratadas na seção reservada à responsabilização criminal de pessoas naturais. Assim, a pessoa jurídica que se beneficiou ou determinou a prática da corrupção ou fraude em contratos e licitações sairia ilesa, pela ausência de previsão legal específica a possibilitar sua punição.

Ademais, apontou-se o fato de as sanções previstas na Lei nº. 8.666/93 não atingirem de modo eficaz o patrimônio da pessoa jurídica nem possibilitarem a devida reparação do prejuízo suportado pela Administração Pública, argumento que, em breve, será objeto de questionamento quanto à sua inteireza.

A exposição de motivos menciona, ainda, a aplicação da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429, de 02.06.1992) à pessoa jurídica[86]. No entanto, ressalta o fato de a reprimenda legal pela conduta da pessoa jurídica estar condicionada à verificação do ato de improbidade administrativa praticado pelo agente público. Ademais, a necessidade de averiguação de culpa lato sensu (dolo ou culpa stricto sensu) da conduta da pessoa jurídica se apresentaria como outro entrave da Lei de Improbidade Administrativa para sua punição.     

Talvez este último impasse, aquele cuja superação tenha sido tratada como um dos mais importantes para se instaurar um novo marco regulatório em matéria de responsabilização civil e administrativa da pessoa jurídica pela prática de atos prejudiciais à Administração Pública. Isso porque, a lei anticorrupção prevê que esta responsabilização se dará de forma objetiva, ou seja, sem a averiguação do animus de culpabilidade da pessoa jurídica[87], bastando para aplicar a sanção, a verificação do ato ilícito administrativo previsto na lei (fato), a ocorrência do dano e o nexo de causalidade existente entre estes. Esta medida visa superar as dificuldades de produção de provas do elemento subjetivo, que se observa no modelo geral de responsabilização das pessoas naturais adotado no Brasil.

A lei anticorrupção ainda tem dentre seus objetivos a proteção da Administração Pública estrangeira. Algo que também se reveste no cumprimento de obrigações assumidas por meio de compromissos internacionais ratificados pelo Brasil em matéria de combate à corrupção, sendo estes: a “Convenção sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais” da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE[88], a “Convenção Interamericana de Combate à Corrupção” – Organização dos Estados Americanos - OEA[89] e a “Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção” da Organização das Nações Unidas - ONU[90].

Os países signatários dessas convenções reconheceram expressamente que a corrupção deixou de ser um problema local de cada um deles, para passar a ser um fenômeno transnacional que prejudica indistintamente os países, tornando-se imprescindível a prevenção e o combate de forma organizado na esfera internacional.

As mencionadas convenções vigoram no Brasil, como se leis ordinárias fossem, desde a data de suas correspondentes promulgações por meio de decreto presidencial. Assim, a necessidade de imprimir efetividade aos compromissos assumidos tratava-se de uma obrigação, conforme fez referência a exposição de motivos do anteprojeto que originou a Lei nº. 12.846/2013:

8. Com as três Convenções, o Brasil obrigou-se a punir de forma efetiva as pessoas jurídicas que praticam atos de corrupção, em especial o denominado suborno transnacional, caracterizado pela corrupção ativa de funcionários públicos estrangeiros e de organizações internacionais. Dessa forma, urge introduzir no ordenamento nacional regulamentação da matéria - do que, aliás, o país já vem sendo cobrado -, eis que a alteração promovida no Código Penal pela Lei nº 10.467, de 11 de junho de 2002, que tipificou a corrupção ativa em transação comercial internacional, alcança apenas as pessoas naturais, não tendo o condão de atingir as pessoas jurídicas eventualmente beneficiadas pelo ato criminoso[91].

 

Neste viés, a lei anticorrupção surge não apenas como uma necessidade social e constitucional de combate à corrupção, mas também como uma obrigação decorrente de compromissos assumidos em âmbito internacional.

A Lei nº. 12.846/2013 foi calcada, então, na experiência dos órgãos da Administração Pública com os atos de corrupção, bem como os atos que fazem estes suportarem prejuízos e fraudes em licitações e contratos administrativos, em virtude da atuação de pessoas jurídicas. A capitulação desses atos lesivos se deu por meio da formulação de um rol de condutas puníveis que, teoricamente, ainda não tinham previsão legal, quando praticados em proveito ou em nome de pessoas jurídicas.

Além da responsabilização administrativa, a lei anticorrupção teve como um dos propósitos de sua promulgação, a criação de um novo modelo que impusesse condutas ainda mais graves à pessoa jurídica que, em virtude do grau mais elevado de reprimenda que representa, precisaria ser objeto de apreciação pelo Poder Judiciário[92]. Trata-se do instituto da responsabilização judicial da pessoa jurídica por atos prejudiciais à Administração nacional e estrangeira[93].

A responsabilização judicial representa uma inovação no ordenamento jurídico pátrio, não sendo compatível com qualquer outro modelo preexistente[94]. Representa um novo instituto que segue o rito previsto para a ação civil público, podendo ser ajuizada por qualquer órgão de representação das entidades federativas, entidades públicas e Ministério Público.

Segundo a exposição de motivos do anteprojeto, a ação de responsabilização judicial foi também prevista com caráter complementar as penalidades aplicadas na esfera administrativa. Isso porque se trata de um instituto que prevê penalidades mais graves que serão aplicadas após o crivo do Poder Judiciário, a exemplo da dissolução compulsória de pessoas jurídicas utilizadas para facilitar ou promover a prática de atos ilícitos[95].

Cabe registrar que este estudo não abordará mais detidamente a responsabilidade judicial, uma vez que se circunscreve a apreciar as inovações e as falhas advindas da responsabilização administrativa constante da lei anticorrupção. 

No concernente à justificativa da previsão de proporcionalidade nas sanções a serem aplicadas, a exposição de motivos do anteprojeto que originou a Lei nº. 12.846/2013 consignou um pseudo respeito aos princípios da conservação da empresa e da manutenção das relações trabalhistas. Isso sob o argumento de que foram adotados parâmetros claros para a aplicação da sanção de multa, instituindo limites mínimos e máximos para o seu valor[96], com vistas a adequar a penalidade à situação de cada pessoa jurídica, independente de seu porte, seja, por exemplo, pequena, média ou grande empresa. Alegação questionável face à grande margem de discricionariedade que o administrador tem ao estabelecer o percentual da multa que incidirá sobre o faturamento bruto do exercício anterior da pessoa jurídica (margem de 0,1% a 20%), bem como pelo fato de as hipóteses atenuantes e agravantes não se encontrarem dispostas de forma orgânica e sistemática, como será abordado em breve.  

A lei anticorrupção, além do caráter punitivo nas esferas administrativa e judicial, mostra-se também vocacionada à prevenção da utilização da personalidade jurídica para prática de atos prejudiciais à Administração Pública. Neste cotejo, pode-se destacar a busca por reduzir os casos de constituição de pessoas jurídicas unicamente com o intuito de violar as normas de direito administrativo. Motivo pelo qual a lei prevê, de forma inovadora na legislação pátria[97], o instituto da desconsideração administrativa da personalidade jurídica, que ainda será objeto de apreciação mais detalhada.

Também serão objeto de estudo mais acurado, as hipóteses de atos lesivos previstos na Lei nº. 12.846/2013 que visam evitar a utilização de terceiros para ocultar os reais interesses da pessoa jurídica ou a identificação dos beneficiários da prática de atos lesivos à Administração Pública.

Ademais, embora este trabalho seja calcado em parâmetros normativos, deve-se ter em conta que o Presidente da República enviou o projeto de lei que deu origem à lei anticorrupção à Câmara de Deputado, por meio da Mensagem 52, em 08 de fevereiro de 2010, tendo este tramitado três anos nessa casa legislativa como Projeto de Lei nº. 6.826/2010. Já quando enviado ao Senado Federal, em 19 de junho de 2013, o então Projeto de Lei da Câmara nº. 39/2013 foi aprovado, em regime de urgência, no dia 04 de julho de 2013. Por coincidência, em maio e junho de 2013, aconteceram grandes manifestações no Brasil, que demonstravam a insatisfação popular com o Poder Público.

Em suma, pode-se compreender que o objeto da lei anticorrupção é a responsabilização objetiva administrativa e civil da pessoa jurídica por atos prejudiciais à Administração Pública nacional e estrangeira, bem como que as principais justificativas para sua promulgação foram: (i) lacuna de normas hábeis a prevenir e punir, efetivamente, atos de corrupção e fraude praticados por pessoas jurídicas em prejuízo de órgãos e entidades do Poder Público,e (ii) compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.

  1. A VALIDADE DA LEI ANTICORRUPÇÃO

 

A análise das inovações e falhas, em matéria de responsabilização administrativa, constantes da Lei nº. 12.846/2013, passa pela averiguação do seu âmbito de validade do diploma normativo, ou melhor, pelo estudo da extensão de sua aplicabilidade cogente dentro do território brasileiro. Assim, faz-se mister questionar se se trata de um estatuto legal de validade nacional, sendo portanto aplicável à União, Estados, Distrito Federal e Municípios, ou se está circunscrito à esfera federal, aplicando-se somente à União.

No expediente de exposição de motivos que acompanhou o anteprojeto da Lei nº. 12.846/2013, já restava consignada a intenção de que a nova legislação tivesse validade nacional:

[...] Observe-se que a Administração Pública aqui tratada é a Administração dos três Poderes da República - Executivo, Legislativo e Judiciário - em todas as esferas de governo - União, Distrito Federal, estados e municípios -, de maneira a criar um sistema uniforme em todo o território nacional, fortalecendo a luta contra a corrupção de acordo com a especificidade do federalismo brasileiro[98].

 

Ocorre que não basta a vontade do proponente da lei ou do legislador para a norma ter um determinado âmbito de validade, sendo necessário que esta se subsuma as hipóteses constitucionais.

Isso porque as entidades federativas que compõem a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) são autônomas, inclusive quanto à atribuição do poder de legislar, conforme expressamente prevê a Magna Carta[99].

A Constituição Federal ao tratar da atribuição legiferante dos entes federados dividiu-a em três grupos: privativas, residuais e concorrentes.

A titularidade privativa da União é, em regra, responsável pelas leis ditas de caráter nacional. Já a lei de validade federal é aquela cuja aplicabilidade se circunscreve ao âmbito da Administração Pública Federal. Assim, a matéria disciplinada na lei de validade federal deve ser objeto de legislação própria na esfera dos Estados, Distrito Federal e Municípios.

Por esse motivo, as leis editadas pela União nem sempre são aplicáveis no âmbito das demais entidades federadas. Assim, como premissa, já se depreende que a Lei nº. 12.846/2013 tem aplicação na Administração Pública Federal. Cabe questionar, então, se está é vigente também no âmbito dos Estados, Municípios e Distrito Federal. E, na hipótese do reconhecimento de sua aplicabilidade nessas entidades federativas, qual o grau de autonomia que teriam diante desse estatuto legal? Seria cabível a regulamentação da lei, no que couber, no âmbito de seus territórios? Existiria a possibilidade de não se reconhecer vigência à Lei nº. 12.846/2013, optando por atribuir tratamento distinto na matéria nela tratada? [100]

O âmbito de incidência é, portanto, indispensável para se averiguar a importância da promulgação da lei anticorrupção. Esse fator estabelece se Estados, Distrito Federal e Municípios devem obrigatoriamente cumprir a Lei nº. 12846/2013, ou se podem, simplesmente, desconsiderá-la ou legislar sobre a matéria de forma independente.

Ainda existem outros fatores a serem suscitados, caso se considere que a disciplina da Lei nº. 12.846/2013 é cogente para todas as entidades federadas, quais sejam: se há dispositivos pendentes de regulamentação e, se a norma regulamentadora teria caráter nacional ou se se trataria de atribuição normativa de cada um desses entes que compõem a federação. 

A distinção entre os conceitos de lei federal e nacional podem ser facilmente compreendidos nas lições de Geraldo Ataliba:

Há leis federais (ou da União), estaduais (ou dos Estados) e municipais (ou dos Municípios) dirigidas às pessoas na qualidade de administrados da União, dos Estados e dos Municípios e emanadas dos legislativos dessas entidades políticas, respectivamente. E há leis nacionais, leis brasileiras voltadas para todos os brasileiros, indistintamente, abstenção feita da circunstância de serem eles súditos desta ou daquela pessoa política. É que o Estado Federal Brasileiro é pessoa de direito público internacional, categoria está que nenhuma relação guarda com as eventuais divisões políticas internas. É o Brasil – Estado brasileiro – pessoa soberana que figura, ao lado dos demais estados do mundo, no palco do direito das gentes. (...) Seus instrumentos, entre os quais a lei, não são concomitantemente, nacionais ou federais. São-no exclusivamente uma coisa ou outra coisa.

A grande dificuldade, pois, demora-se exatamente aqui: o órgão é o mesmo – no que interessa ao nosso tema, o Congresso – e o fruto de sua ação formalmente idêntico, embora substancialmente tão diverso: lei federa e lei nacional. Lei que o Congresso edita enquanto órgão do Brasil – Estado Federal – e lei da pessoa união. [101] 

 

Assim, para definir se a lei anticorrupção é nacional ou federal, é necessário averiguar qual atribuição o Congresso Nacional exerceu ao editá-la. Se competência foi privativa da União, estar-se-á diante de uma lei nacional. Caso contrário, deve-se reconhecer se tratar de uma lei federal.

No entanto, a classificação da natureza da lei anticorrupção não se afigura como uma tarefa fácil. Isso porque embora o objeto verse sobre a “responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira”, com foco no combate à corrupção, o estatuto acaba por abranger uma multiplicidade de disciplinas, não se amoldando a uma única atribuição privativa da União, mas a varias delas.

A partir da análise dos dispositivos do diploma legal, pode-se verificar o tratamento das seguintes matérias: responsabilidade civil e administrativa (arts. 1º-7ª e 18-20), dos quais pode se extrair a tipificação de atos lesivos de corrupção e prejudiciais à Administração Pública nacional ou estrangeira (art. 5º), estes por sua vez também tipificam normas referentes à licitação e contratos administrativos (art. 5º, inciso IV, alínea a-g), processo administrativo de responsabilização (art. 8º-15, 26 e 29), procedimento administrativo de leniência (art. 16-17), regras de direito administrativo (arts. 22-24), regra geral de responsabilização civil, administrativa e penal do agente público omisso (art. 27 e 30), regras de direito internacional (art. 1º, caput e parágrafo único, 5º caput e §§ 1º-3º, 9º e 28). 

A diversidade de temáticas abordadas pela lei anticorrupção, além da expressa declaração na exposição de motivos de apresentação do anteprojeto, levam a crer que esta deve ser considerada uma lei nacional. Todavia, faz-se necessário apresentar quais as matérias privativas de competências para legislar da União a lei se subsume: responsabilidade civil (art. 22, I, da CF/88), regulamentação na esfera do direito internacional (arts. 4º, IX, 21, I, 49, I e 84, VIII da CF/88), normas gerais de licitações e contratos administrativos (arts. 22, XXVII, da CF/88), e assuntos de interesse predominantemente nacional, como é o caso da temática de combate à corrupção, nos casos de omissão do texto constitucional.

A Lei nº. 12.846/2013 toca de forma superficial a temática da responsabilidade civil. Esta afirmação pode causar estranheza porque a lei tem por objeto a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira. Ocorre que não basta a repetição do termo “responsabilidade civil” para a configuração desta importante disciplina de direito civil.

A responsabilidade civil tem como consectário lógico a reparação do dano causado, trata-se de uma tentativa de recomposição do status quo ante que, caso inviabilizada, poderá se dar por meio da indenização em pecúnia.

Ocorre que a lei anticorrupção não inovou em matéria de responsabilização civil, pois não (i) não estabelece qualquer nova disciplina ou procedimento para a reparação do dano sofrido pela Administração Pública, além do que (ii) não se deve confundir a responsabilização judicial (arts. 18-19 da Lei nº. 12.846/2013), decorrente dos atos ilícitos apresentados no art. 5º da referida lei, que se verifica pela via judicial, com a obrigação reparatória na esfera da responsabilidade civil.

Assim, embora também se possa verificar em diversas passagens a expressão “reparação integral do dano causado”, o diploma legal não promove uma nova disciplina, apenas apresenta situações que: (i) não prejudicam a reparação[102], (ii) fazem com que esta seja solidaria[103]; (iii) possibilitam a garantia da rearação por meio de medida cautelar; (iv) é destacada a independência entre o procedimento sancionatório e o de reparação do dano[104], e (iv) torna certa a obrigação de reparar em virtude de decisão judicial[105].

Essas situações não são aptas a caracterizar a lei anticorrupção como um estatuto eminentemente vocacionado à disciplina da responsabilidade civil, conforme bem pontuou Ubirajara Custódio Filho ao discorrer sobre o tema:

Sustentar o contrário, vale ilustrar, seria o mesmo que considerar leis de responsabilidade civil a Lei de Ação Civil Popular (Lei nº. 4.717/1965), a Lei de Ação Civil Pública (Lei nº. 7.347/1985) e a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº. 8.429/1992), todas as quais também veiculam regras de reparação de danos causados ao Poder Público, embora não sejam tratadas como leis de responsabilidade civil. [106]

 

Por esses motivos, a lei anticorrupção não pode ser enquadrada perfeitamente na competência privativa da União em matéria de direito civil, sob o fundamento de se tratar de um diploma que versa sobre responsabilidade civil. Parece mais acertado compreender que a lei anticorrupção insere-se parcialmente nessa competência privativa da União (art. 22, I, da CF/88[107]), em virtude da previsão de responsabilização civil objetiva da pessoa jurídica por atos de corrupção e prejudiciais à Administração Pública (art. 5º, da Lei nº. 12.846/2013).

Outra competência privativa da união, que poderia ser invocada para justificar a natureza nacional da Lei nº. 12.846/2013, seria a de legislar normas gerais de licitações e contratos administrativos para todos os órgãos integrantes da Administração Pública, inclusive empresas públicas e de economia mista (art. 22, inciso XXXVII, da CF/88[108]). Isso porque o inciso IV do art. 5º, da lei anticorrupção, traz um rol específico de atos lesivos praticados em licitações e contratos administrativos[109].

Neste aspecto, resta inquestionável que os dispositivos específicos versam sobre matéria de competência privativa da União, não podendo as demais entidades federadas se arvorarem a disciplinar normas gerais de licitações e contratos. Não obstantes, apenas estes dispositivos não têm o condão de conferir ao estatuto legal o caráter de natureza nacional.

A lei anticorrupção traz, também, disciplina sobre matéria de direito internacional (art. 1º, caput e parágrafo único, 5º caput e §§ 1º-3º, 9º e 28) também de competência constitucional privativa da União[110]. Isso porque o combate à corrupção, principal objetivo da Lei nº. 12.846/2013, amolda-se a um dos princípios regentes das relações internacionais do Brasil, qual seja a cooperação entre os povos para o progresso da humanidade (arts. 4º, IX, da CF/88). Ademais, a atribuição de manter relações com Estados estrangeiros é competência da União (art. 21, I, da CF/88[111]).

Deve-se ter em conta, ainda quanto à disciplina de direito internacional, a necessidade de regulamentação dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil[112] (arts. 84, VIII e 49, I, da CF/88[113]), conforme foi pontuado na exposição de motivo do anteprojeto que originou a lei anticorrupção:

7.  [...] o anteprojeto apresentado inclui a proteção da Administração Pública estrangeira, em decorrência da necessidade de atender aos compromissos internacionais de combate à corrupção assumidos pelo Brasil ao ratificar a Convenção das Nações Unidas contra Corrupção (ONU), a Convenção Interamericana de Combate à Corrupção (OEA) e a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

8.  Com as três Convenções, o Brasil obrigou-se a punir de forma efetiva as pessoas jurídicas que praticam atos de corrupção, em especial o denominado suborno transnacional, caracterizado pela corrupção ativa de funcionários públicos estrangeiros e de organizações internacionais. Dessa forma, urge introduzir no ordenamento nacional regulamentação da matéria - do que, aliás, o país já vem sendo cobrado -, eis que a alteração promovida no Código Penal pela Lei nº 10.467, de 11 de junho de 2002, que tipificou a corrupção ativa em transação comercial internacional, alcança apenas as pessoas naturais, não tendo o condão de atingir as pessoas jurídicas eventualmente beneficiadas pelo ato criminoso. [114]

 

Ocorre que, como nos demais matérias privativas da União, a disciplina do direito internacional não é tratada como o objetivo principal do diploma legal, portanto, também não sendo suficiente para conferi-lo o status de nacional.

Eis, então, a importância de observar que o objeto central da Lei nº. 12.846/2013, o combate à corrupção e atos lesivos prejudiciais à Administração Pública nacional ou estrangeira, representa temática de preponderante interesse nacional.

A ausência de uma competência legislativa constitucional específica da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, possível de enquadrar a temática da corrupção, não desabona a importância nacional da matéria. Até porque o tema encontra-se diretamente relacionada com três dos quatro objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, são estes: (i) constituir uma sociedade livre e justa; (ii) garantir o desenvolvimento nacional, e (iii) erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais[115].

Em face da relevância da disciplina versada na lei anticorrupção, para o cumprimento dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil e da impossibilidade de se promover o devido enquadramento da matéria em uma das hipóteses constitucionais de competência, resta socorrer-se ao princípio da ponderação de interesses.

Sobre esse tema ponderam José Afonso da Silva:

O princípio geral que norteia a repartição de competência entre as entidades componentes do Estado federal é o da preponderância de interesse, segundo o qual à União caberão aquelas matérias e questões de predominante interesse geral, nacional, ao passo que aos estados tocarão as matérias e assuntos de predominante interesse regional, e aos Municípios concernem os assuntos de interesse local, tendo a Constituição vigente desprezado o velho conceito de peculiar interesse local, que não logrará conceituação satisfatória em um século de vigência[116].

 

O Supremo Tribunal Federal inclusive firmou entendimento pacífico[117] acerca da adesão da jurisprudência da corte à teoria da predominância de interesses, com o objetivo de definir competências legislativas.  Vale transcrever o trecho de um julgado sobre a temática:

Considerando correto o entendimento do Ministério Público, que se harmoniza com a lição de José Afonso da Silva, para quem a Carta Magna vigente abandonou o conceito de “interesse local”, tradicionalmente abrigado nas constituições brasileiras, de difícil caracterização, substituindo-o pelo princípio da “predominância do interesse”, segundo o qual na repartição de competência, “à União caberão aquelas matérias e questões de predominante interesse geral, nacional, ao passo que aos Estados tocarão as matérias e assuntos de predominante interesse regional, e aos Municípios conhecerem os assuntos de interesse local” [118].

 

O posicionamento doutrinário e do STF pelo reconhecimento da teoria da “preponderância dos interesses” possibilita afirmar que o combate à corrupção, embora não se amolde às hipóteses constitucionais de competência legislativa privativa da União, deve ser considerada matéria de preponderante interesse nacional. Isto porque o tema intervém em toda estrutura da sociedade, além de afetar diretamente objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, conforme já mencionado.

Deste modo, considerando que a Lei nº. 12.846/2013 tem o objetivo de promover o combate à corrupção e que contém dispositivos de competência exclusiva da União, como responsabilidade civil, normas gerais de licitações e contrato, e sobre direito internacional, deve-se concluir por se tratar de uma norma de natureza nacional, com aplicação cogente por todas as entidades federativa.

  1. A REGULAMENTAÇÃO DA LEI ANTICORRUPÇÃO

 

 

Assunto de salutar importância para o prosseguimento do presente estudo é o problema da necessidade de regulamentação da lei anticorrupção e sua abrangência.

Deve-se ter em conta, inicialmente, que uma lei ou dispositivo legal carece de regulamentação quando há a expressa previsão em sua redação ou, então, quando para sua efetiva aplicação depende da edição de ato normativo regulamentador de competência do Poder Executivo.

Segundo Oswaldo Aranha Bandeira de Mello para

[...] a boa aplicação da lei, nas relações entre o Estado-poder e terceiros, surgiu a necessidade do Executivo regulamentá-la, estabelecendo as regras orgânicas e processuais para a sua execução, através de regulamentos executivos.[119]

 

Ainda segundo o mesmo doutrinador, o regulamento é identificado pelo caráter geral e abstrato que possui, devendo versar sobre organização e ações do Estado no exercício do poder público[120].

Na mesma linha, Celso Antônio Bandeira de Mello assevera que o regulamento é

Ato geral e (de regra) abstrato, de competência privativa do Chefe do Poder Executivo, expedido com a estrita finalidade de produzir as disposições operacionais uniformizadoras necessárias à execução de lei cuja aplicação demande atuação da Administração Pública[121]

 

A atribuição do Poder Executivo federal para a expedição de decretos e regulamentos, com a finalidade de permitir o fiel cumprimento da lei, consta de expressa previsão constitucional no art. 84, inciso V, da CF/88[122].

Ocorre que o poder regulamentar não se restringe à União, podendo ser exercido pelos chefes do Poder Executivo das demais entidades federadas. Entendimento que resta claro nos ensinamentos de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

Como uma das formas pelas quais se expressa a função normativa do Poder Executivo. Pode ser definido como o que cabe ao chefe do Poder Executivo da União, dos Estados e dos Municípios, de editar normas complementares à lei, para sua fiel execução[123].

 

A regulamentação, então, trata-se de uma atividade normativa secundária exercida pela Administração Pública, de modo a editar normas que esclareçam a previsão legal e possibilitem o seu fiel cumprimento. Isso porque, normalmente, a lei não prevê todas as situações que dela serão derivadas, cabendo ao regulamento especificar sua aplicação, dentro dos limites da matéria versada no estatuto legal.

Após está breve explicação sobre a importância da atribuição regulamentadora, cabe esclarecer porque a Lei nº. 12.846/2013 precisa ter regulamentados determinados assuntos que estão previstos nela, podendo-se citar: (i) os ritos e formalidades do processo administrativo; (ii) o processo referente ao acordo de leniência; (iii) o procedimento de reparação integral do dano; (iv) a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica[124], também conhecido como compliance[125]; (v) meios de promover a dosimetria da multa; (vi) procedimento de desconsideração da personalidade jurídica; (viii) a aplicação da  lei anticorrupção, em face das disciplinas previstas na lei de improbidade administrativa, nas normas de licitações e contratos da Administração Pública e na lei antitruste, e (ix) o funcionamento do Cadastro Nacional de Empresas Punidas - CNEP.

Assim, faz-se mister identificar a competência para regulamentar as mencionadas matérias. A concepção da lei anticorrupção como uma lei nacional poderia levar à conclusão de que a competência regulamentadora seria exclusiva da União. Todavia, este entendimento não se afigura o mais acertado. Isso porque as disciplinas, exclusivamente, de processo administrativo tem atribuição legislativa constitucional concorrente entre as demais entidades federativas[126].

Nesse cotejo pode-se mencionar o magistério de Carmem Lúcia Antunes Rocha:

 

Ora, um dos princípios mais fortes e vinculantes do sistema constitucional brasileiro é exatamente o federativo (cf., por exemplo, o art. 60, §4.º). Este princípio é formulado a partir da garantia da autonomia política e administrativa das entidades que compõem a Federação. [...] tanto o processo administrativo, quanto os procedimentos que lhe são inerentes, são objetos precípuos de tratamento autônomo de cada qual das entidades da Federação brasileira e a referência à legislação processual que compete privativamente à União, por definição constitucional expressa, é tão somente aquela correspectiva à unidade de direito processual judicial (civil e penal)[127].

 

Esses ensinamentos permitem a conclusão de que só seria possível a regulamentação de norma processual administrativa, sem que se verificasse a violação do princípio federativo, caso restasse comprovada a interface com outras matérias privativas de disciplina por um determinado ente federado.

Este posicionamento já era defendido por Pontes de Miranda, embora na análise da Constituição e 1967:

A legislação processual a que se refere o art. 8º, XVII, b), é a legislação formal correspondente aos ramos do direito material, antes referidos: direito civil, comercial, penal, eleitoral, aeronáutico e do trabalho. Nenhuma atribuição tem o Poder Legislativo central para legislar sobre o direito material da competência do próprio Estado-membro, como seja o dos papeis administrativos, o da cobrança puramente fiscal, o da responsabilidade dos seus funcionários. Portanto, nem todo o direito processual deriva da realização do direito material para todo território. Quando o direito material é só para um dos Estados-membros, ou parte dele, nenhuma competência tem o centro para editar normas processuais que o realizem. Portanto, se o direito material é de competência do Estado-membro, o direito processual para realizá-lo também o é.[128]

                                                                                       

Os comentários de Pontes de Miranda não têm em conta o dispositivo do art. 24, XI, da CF/88[129], pois não tinha correspondente nas Constituições anteriores. No entanto, os ensinamentos do doutrinador parecem se adequar à definição da atribuição legislativa a partir da preponderância do direito material sobre o direito processual dele decorrente.

Essa compreensão permite excluir da esfera federal de regulamentação, tão somente, os ritos do procedimento administrativo de responsabilização, bem como os procedimentos de acordo de leniência, os quais seriam regulamentados pelas demais Entidades Federativas, na esfera dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, Ministério Público, fundações de direito público, empresas públicas e de economia mista.

Todas as demais matérias objeto de regulamentação seriam de atribuição federal. Embora seja possível chegar a esse entendimento por meio dos fundamentos expostos, deve-se pontuar a boa técnica legislativa adotada no parágrafo único do art. 7º, da Lei nº. 12.846/2013. Isso porque, o estatuto legal estabelece expressamente ser de competência do Poder Público federal regulamentar os métodos de compliance, disciplina de suma importância para a prevenção dos atos lesivos de corrupção, bem como para o cumprimento dos compromissos internacionais de combate à corrupção que o Brasil é signatário.   

A afirmação de que a lei precisa ser regulamentada em matéria de ritos de processo administrativo deixa antever o entendimento, que será mais bem abordado no decorrer deste trabalho, segundo o qual a lei anticorrupção foi sintética em matéria processual, estabelecendo apenas formalidades mínimas.

A partir dos vários dispositivos apresentados que carecem de regulamentação, questiona-se se a lei anticorrupção pode ser aplicada imediatamente ou se depende da edição de ato normativo regulamentador, ao menos, pelo Poder Executivo federal.

A pergunta é de grande relevância, face à costumeira demora dos Poderes Executivo e Legislativos, em todos os níveis de governo, no cumprimento da atribuição de editarem atos normativos de regulamentação.

A ausência de regulamentação, no entanto, tem uma solução provisória no âmbito federal, por meio da aplicação da Lei nº. 9.784/99, que dispõem em caráter geral sobre processo administrativo. Nas demais entidades federativas seriam aplicadas as respectivas leis de procedimento administrativo equivalentes e, na sua ausência, subsidiariamente o diploma federal, posicionamento este que tem amparo na jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça[130].

Destarte, considera-se que a lei anticorrupção pode ser aplicada, independentemente de regulamentação, tendo em conta o respaldo normativo da Lei nº. 9.784/99.

No entanto, este posicionamento não é unânime:

[...] à luz dos princípios constitucionais da legalidade, do devido processo legal, da ampla defesa e da segurança jurídica, o mais adequado será deixar de proceder à responsabilização na via administrativa até que o ente federado aprove sua respectiva regulamentação, restando ao Ministério Público promover a responsabilização judicial (arts. 18 a 21), no que couber[131].

 

Os posicionamentos contrários à imediata aplicabilidade da Lei nº. 12.846/2013 ponderam que, mesmo com o emprego da lei geral de normas administrativas, ainda não seria possível a regulamentação de todas as matérias, sendo, portanto, vedada sua aplicação com base nos princípios constitucionais da legalidade, devido processo legal, ampla defesa e segurança jurídica.

Efetivamente, dispositivos legais deixarão de ser aplicados, a exemplo do compliance. Todavia, defende-se que a grande maioria das disposições normativas do estatuto legal poderão ser regularmente aplicados, sob o prisma do direito constitucional, de modo a possibilitar o cumprimento de sua finalidade, qual seja, o combate e a prevenção aos atos ilegais de corrupção e fraude praticados por pessoas jurídicas em prejuízo da Administração Pública nacional ou estrangeira.

 

 


[1] PIRES, Júlio Manuel. Níveis de Escolaridade e Rendimentos do Trabalho: evidências para o Brasil na Década de 1990. Disponível em <http://www.pucsp.br/eitt/downloads/v_ciclo_debate/V_Ciclo2007_ Julo_Pires_EScolaridade_e_Rendimento.pdf>. Acessado em 13.09.2014.

 

[2] A “Convenção sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais” da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE (Decreto nº. 3.678/2000), a “Convenção Interamericana de Combate à Corrupção” – Organização dos Estados Americanos – OEA (Decreto nº. 4.410/2002) e a “Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção” da Organização das Nações Unidas – ONU (Decreto nº. 5.687/2006).

[3] Art.173 (...)

§ 5º - A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.

 

[4] Art. 225 (...)

§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

 

[5] Fato constatado por meio de uma pesquisa desenvolvida, em 2014, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE em parceria com a Worldwide Independent Network of Market Research (WIN), realizada em 65 países, com 66.806 entrevistados, mostra que 21% citam a corrupção como o principal problema do mundo. No Brasil, esse índice foi de 29%. IBOPE. A Corrupção é o pior problema mundial, aponta pesquisa <http://www.ibope.com.br/pt-br/relacionamento/imprensa/releases/Paginas/Corrupcao-e-o-principal-problema-mundial,-aponta-pesquisa.aspx> acessado em 30 de out. de 2014.

 

[6] Passagens bíblicas nas quais se pode identificar a ideia de corrupção: Não aceite suborno, porque o suborno cega quem tem os olhos abertos e perverte até as palavras dos justos. Êxodo, 23:8.

Não perverta o direito, não faça diferença entre as pessoas, nem aceite suborno, pois o suborno cega os olhos dos sábios e falseia a causa dos justos. Deuteronômio, 16:19.

Como se transformou em prostituta a cidade fiel! Antes era cheia de direito, e nela morava a justiça; agora está cheia de criminosos! A sua prata se tornou lixo, o seu vinho ficou aguado. Os seus chefes são bandidos, cúmplices de ladrões: todos eles gostam de suborno, correm atrás de presentes; não fazem justiça ao órfão, e a causa da viúva nem chega até eles. Isaías, 1:21-23. (Bíblia Sagrada, edição pastoral. São Paulo: Paulus Editora, 1990. p. 91, 805 e 903).

 

[7] Ibidem. p. 205

[8] CARVALHO, José Murilo de. Passado, Presente e Futuro da Corrupção Brasileira. In: AVRITZER, Leonardo; BIGNOTTO, Newton; GUIMARÃES, Juarez; STARLING, Heloisa Maria Murgel (org.). Corrupção: ensaios e críticas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008. p. 237.

[9] “Mensalão” foi o nome dado ao escândalo de corrupção política mediante compra de votos de parlamentares no Congresso Nacional do Brasil, que ocorreu entre 2005 e 2006. O caso teve como protagonistas alguns integrantes do governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, membros do Partido dos Trabalhadores e de outros partidos, sendo objeto da ação penal de número 470, movida pelo Ministério Público no Supremo Tribunal Federal.

[10] Nome dado à operação da Polícia Federal, que iniciou a fase ostensiva em março 2014, com o objetivo de investigar um grande esquema de lavagem e desvio de dinheiro, envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos.

[11] Op. cit. p. 239.

[12] Pesquisa divulgada em 2010, com dados apurados até 2009. DECONTEC – FIESP. Relatório – Corrupção: custos econômicos e propostas de combate. Março de 2010. Disponível em <http://www.fiesp.com.br/indices-pesquisas-e-publicacoes/relatorio-corrupcao-custos-economicos-e-propostas-de-combate/>. Acessado em 21/08/2014.

 

[13] O relatório da FIESP é bem claro quanto aos prejuízos provisionados com a corrupção: “As perdas econômicas e sociais do Brasil com a corrupção foram estimadas considerando um nível de corrupção percebida no país igual à média de uma cesta de países Selecionados. Se o Brasil possuísse um nível de percepção da corrupção igual a média desses países de 7,45, o produto per capita do país passaria de US$ 7.954 a US$ 9.184, ou seja, um aumento de 15,5% na média do período 1990-2008 (equivalente a 1,36% ao ano). Isto corresponde a um custo médio anual da corrupção estimado em R$ 41,5 bilhões, correspondendo a 1,38% do PIB (valores de 2008). Se o controle da corrupção fosse ainda mais rigoroso, estima-se que todos os recursos liberados da corrupção para as atividades produtivas (isto é, o custo médio anual da corrupção) chegue a R$ 69,1 bilhões (valores de 2008), correspondentes 2,3% do PIB. No entanto, este valor corresponde a um referencial teórico, em que se considera um nível de percepção da corrupção tendendo a zero, condição que não foi observada por nenhum país até então”. DECONTEC – FIESP. Relatório – Corrupção: custos econômicos e propostas de combate. Março de 2010. Disponível em <http://www.fiesp.com.br/indices-pesquisas-e-publicacoes/relatorio-corrupcao-custos-economicos-e-propostas-de-combate/>. Acessado em 21/08/2014.p.04.

 

[14] Ibidem. p. 21.

 

[15] Ibidem. p. 21.

[16] Ibidem. p. 21.

[17] O termo agentes públicos empregado compreende: agentes ocupantes de cargo eletivo; servidores concursados ou ingressos na forma do art. 19 da ADCT da CF/88, mesmo que não estáveis; empregados públicos; ocupantes de cargo em comissão, sendo quaisquer desses integrantes da Administração Pública direta ou indireta, além dos prepostos de concessionárias de serviços públicos e demais pessoas jurídicas em que haja participação financeira do Estado.

A melhor definição para a expressão adotada encontra-se no art. 2º, da Lei nº. 8.429/92: “Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior [art. 1º...a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei.Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.]”.

 

[18] Corrupção passiva

Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 10.763, de 12.11.2003)

§ 1º - A pena é aumentada de um terço, se, em conseqüência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.

§ 2º - Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

 

[19] Corrupção ativa

Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 10.763, de 12.11.2003)

Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional.

 

[20] Corrupto e corruptor não respondem apenas na esfera penal, podendo, não raro, as circunstâncias que ensejaram a corrupção se subsumirem a outras instâncias de responsabilização autônomas, como a civil e administrativa. Exemplificativamente, pode-se aplicar a ambos os dispositivos da Lei de Improbidade Administrativa (8.429/92) e, somente aos servidores públicos, as sanções disciplinares previstas na Lei nº. 8.112/90.

 

[21] Organização não governamental vinculada à Transparência Internacional (IT, em inglês), a qual se dedica ao combate à corrupção e calcula anualmente, desde 1995, o Índice de Percepção da Corrupção (CPI, em inglês) para mais de 100 países.

 

[22] Transparência Brasil e Kroll – The Risck Consulting Company. Fraude e corrupção no Brasil: a perspectiva do setor privado. Pesquisa realizada em novembro de 2002. Disponível em < http://www.transparencia.org.br/docs/perspec-privado-2003.pdf> acessado em 20/01/2015.

[23] Ibidem. p. 03.

[24] Ibidem. p. 07-13.

[25] Ibidem. p. 13.

 

 

[26] CARVALHO FILHO, Luís Francisco. Impunidade no Brasil Colônia e Império. SciELO. Estud. av. vol.18 no.51 São Paulo May/Aug. 2004. Disponível em <http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142004000200011>, acessado em 22/01/2015. 

[27] A decisão administrativa, dentro do prazo prescricional - normalmente de 5 anos - sempre é passível de revisão pelo Poder Judiciário. No entanto, enquanto esta não for questionada em juízo, o seu deliberado descumprimento, sem que existam meios hábeis a garantir a execução, configura a impunidade.

[28] A decisão judicial precisa ser de aplicação imediata, ou seja, não caber recurso com efeito suspensivo, ou já ter transitado em julgado.

 

 

[29] A anistia é inaplicável aos delitos que se referem a “pratica de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afim, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos.” (art. 2º, Lei 8.072 /1990).

 

 

[30] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 10 ed. São Paulo: Ed. RT, 2014.p.1051.

[31] SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 2 ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p.848.

[32] CUSTÓDIO FILHO, Ubirajara In SANTOS, José Anacleto Abduch; BERTONCINI, Mateus; CUSTÓDIO FILHO, Ubirajara. Comentários à Lei nº. 12.846/2013: Lei anticorrupção. 1ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 57.

[33] O melhor conceito normativo de poder de polícia encontra-se no art. 78, do Código Tributário Nacional: “Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interêsse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de intêresse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.      (Redação dada pelo Ato Complementar nº 31, de 1966)”.

 

[34] Art. 57. A relevação de multas applicadas em virtude de lei ou de contractos celebrados com a administração publica depende de assentimento prévio do Tribunal de Contas. 

[35] Art. 136. Os fornecedores ou executantes de obras ou serviços estarão sujeitos às seguintes penalidades: (Revogado pelo                  Decreto-lei               nº.            2.300,     de              1986)
I-  Multa, prevista nas condições de licitação. 
II - Suspensão do direito de licitar, pelo prazo que a autoridade competente fixar, segundo a gradação que fôr estipulada em função da natureza da falta. 
II - Declaração de inidoneidade para licitar na Administração Federal. 
Parágrafo único. A declaração de inidoneidade será publicada no órgão oficial.

[36] A única restrição à sanção de multa encontra, ainda hoje, respaldo legal no Decreto nº. 22.626/33 (“Lei da Usura”), que prevê em seu art. 9º, não ser válida a cláusula penal superior a importância de 10% do valor da dívida

[37]   Art. 71. A recusa injusta do adjudicatário em assinar o contrato, aceitar ou retirar o instrumento equivalente, dentro do prazo estabelecido pela Administração, caracteriza o descumprimento total da obrigação assumida, sujeitando-o as penalidades aludidas no artigo 73, ainda que não tenha sido caso de licitação.   (Redação dada pelo Decreto-lei nº 2.360, de 1987)

Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica aos licitantes convocados nos termos dos arts. 23, § 2º, e 54, § 2º, que não aceitarem a contratação, nas mesmas condições, inclusive quanto a prazo e preço, das propostas pelo primeiro adjudicatário.  (Incluído pelo Decreto-lei nº 2.348, de 1987)

 Art 72. O atraso injustificado na execução do contrato sujeitará o contratado à multa de mora, fixada na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato.

§ 1º A multa a que alude este artigo não impede que a Administração rescinda unilateralmente o contrato e aplique as outras sanções previstas neste Decreto-lei.

§ 2º A multa será descontada dos pagamentos ou da garantia do respectivo contrato, ou, ainda, quando for o caso, cobrada judicialmente.

Art. 73. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções:   (Redação dada pelo Decreto-lei nº 2.360, de 1987)

I - advertência;

II - multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato;

III - suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 anos;

IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Federal, enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação, perante a própria autoridade que aplicou a penalidade.   (Redação dada pelo Decreto-lei nº 2.360, de 1987)

§ 1º Se a multa aplicada for superior ao valor da garantia prestada, além da perda desta, responderá o contratado pela sua diferença, que será descontada dos pagamentos eventualmente devidos pela Administração ou cobrada judicialmente.

§ 2º As sanções previstas nos incisos I, III e IV deste artigo poderão ser aplicadas juntamente com a do inciso II, facultada a defesa prévia do interessado, no respectivo processo, no prazo de 5 dias úteis.   (Redação dada pelo Decreto-lei nº 2.360, de 1987)

§ 3º A sanção estabelecida no inciso IV é de competência exclusiva do Ministro de Estado, facultada a defesa do interessado no respectivo processo, no prazo de 10 dias da abertura de vista.

Art 74. As sanções previstas nos incisos III e IV do artigo anterior poderão também ser aplicadas às empresas ou profissionais que, em razão dos contratos regidos por este Decreto-lei:

I - praticarem, por meios dolosos, fraude fiscal, no recolhimento de quaisquer tributos;

II - praticarem atos ilícitos, visando a frustrar os objetivos da licitação;

III - demonstrarem não possuir idoneidade para contratar com a Administração, em virtude de atos ilícitos praticados.

 

[38] OLIVEIRA, José Carlos de. Princípios e Elementos do Processo Licitatório. Disponível em < http://www.acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/65615/2/a2_m01_s03_l06_Print.pdf>, acessado em set de 2014.

 

[39] Art. 46. Verificada a ocorrência de fraude comprovada à licitação, o Tribunal declarará a inidoneidade do licitante fraudador para participar, por até cinco anos, de licitação na Administração Pública Federal.

 

[40] Art. 86.  O atraso injustificado na execução do contrato sujeitará o contratado à multa de mora, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato.

§ 1o  A multa a que alude este artigo não impede que a Administração rescinda unilateralmente o contrato e aplique as outras sanções previstas nesta Lei.

§ 2o  A multa, aplicada após regular processo administrativo, será descontada da garantia do respectivo contratado.

§ 3o  Se a multa for de valor superior ao valor da garantia prestada, além da perda desta, responderá o contratado pela sua diferença, a qual será descontada dos pagamentos eventualmente devidos pela Administração ou ainda, quando for o caso, cobrada judicialmente.

Art. 87.  Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções:

I - advertência;

II - multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato;

III - suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos;

IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.

§ 1o  Se a multa aplicada for superior ao valor da garantia prestada, além da perda desta, responderá o contratado pela sua diferença, que será descontada dos pagamentos eventualmente devidos pela Administração ou cobrada judicialmente.

§ 2o  As sanções previstas nos incisos I, III e IV deste artigo poderão ser aplicadas juntamente com a do inciso II, facultada a defesa prévia do interessado, no respectivo processo, no prazo de 5 (cinco) dias úteis.

§ 3o  A sanção estabelecida no inciso IV deste artigo é de competência exclusiva do Ministro de Estado, do Secretário Estadual ou Municipal, conforme o caso, facultada a defesa do interessado no respectivo processo, no prazo de 10 (dez) dias da abertura de vista, podendo a reabilitação ser requerida após 2 (dois) anos de sua aplicação. 

Art. 88.  As sanções previstas nos incisos III e IV do artigo anterior poderão também ser aplicadas às empresas ou aos profissionais que, em razão dos contratos regidos por esta Lei:

I - tenham sofrido condenação definitiva por praticarem, por meios dolosos, fraude fiscal no recolhimento de quaisquer tributos;

II - tenham praticado atos ilícitos visando a frustrar os objetivos da licitação;

III - demonstrem não possuir idoneidade para contratar com a Administração em virtude de atos ilícitos praticados.

 

[41] A reabilitação é o ato de ressarcir a Administração pelos prejuízos causados, conforme se depreende  do art. 87, inciso IV, da Lei nº. 8.666/93,

 

[42] Medida Provisória nº. 2.026-1, de 1º/06/2000 Medida Provisória nº. 2.026-2, de 29/06/2000,  Medida Provisória nº. 2.026-3, de 28/07/2000,  Medida Provisória nº. 2.026-4, de 28/08/2000,  Medida Provisória nº. 2.026-5, de 27/09/2000,  Medida Provisória nº. 2.026-6, de 26/10/2000,  Medida Provisória nº. 2.026-7, de 23/11/2000,  Medida Provisória nº. 2.026-8, de 21/12/ 2000,  Medida Provisória nº. 2.108-9, de 27/12/2000,  Medida Provisória nº. 2.108-10, de 26/01/2001,  Medida Provisória nº. 2.108-11, de 23/02/2001,  Medida Provisória nº. 2.108-12, de 27/03/2001,  Medida Provisória nº. 2.108-13, de 26/04/2001,  Medida Provisória nº. 2.108-14, de 24/05/2001,  Medida Provisória nº. 2.108-15, de 21/06/2001,  Medida Provisória nº. 2.182-16, de 28/06/2001,  Medida Provisória nº. 2.182-17, de 26/07/2001 e  Medida Provisória nº. 2.182-18, de 23/08/2001.

 

[43] Lei nº. 10.520, de 17/06/2002: Art. 7º  Quem, convocado dentro do prazo de validade da sua proposta, não celebrar o contrato, deixar de entregar ou apresentar documentação falsa exigida para o certame, ensejar o retardamento da execução de seu objeto, não mantiver a proposta, falhar ou fraudar na execução do contrato, comportar-se de modo inidôneo ou cometer fraude fiscal, ficará impedido de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios e, será descredenciado no Sicaf, ou nos sistemas de cadastramento de fornecedores a que se refere o inciso XIV do art. 4o desta Lei, pelo prazo de até 5 (cinco) anos, sem prejuízo das multas previstas em edital e no contrato e das demais cominações legais.

 

[44] Nessa mesma esteira os atos normativos regulamentadores, Decreto nº. 3.555, de 03/08/2000 (regulamenta a modalidade pregão, mais precisamente, na forma presencial) e Decreto nº. 5.450, de 31/05/2005 (regulamenta o Pregão na forma eletrônica).

Decreto nº. 3.555, de 03/08/2000: Art. 14.  O licitante que ensejar o retardamento da execução do certame, não mantiver a proposta, falhar ou fraudar na execução do contrato, comportar-se de modo inidôneo, fizer declaração falsa ou cometer fraude fiscal, garantido o direito prévio da citação e da ampla defesa, ficará impedido de licitar e contratar com a Administração, pelo prazo de até cinco anos, enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade.

Parágrafo único.  As penalidades serão obrigatoriamente registradas no SICAF, e no caso de suspensão de licitar, o licitante deverá ser descredenciado por igual período, sem prejuízo das multas previstas no edital e no contrato e das demais cominações legais.

Decreto nº. 5.450, de 31/05/2005: Art. 28.  Aquele que, convocado dentro do prazo de validade de sua proposta, não assinar o contrato ou ata de registro de preços, deixar de entregar documentação exigida no edital, apresentar documentação falsa, ensejar o retardamento da execução de seu objeto, não mantiver a proposta, falhar ou fraudar na execução do contrato, comportar-se de modo inidôneo, fizer declaração falsa ou cometer fraude fiscal, garantido o direito à ampla defesa, ficará impedido de licitar e de contratar com a União, e será descredenciado no SICAF, pelo prazo de até cinco anos, sem prejuízo das multas previstas em edital e no contrato e das demais cominações legais.

Parágrafo único.  As penalidades serão obrigatoriamente registradas no SICAF.

 

[45] Art. 47. Ficará impedido de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, pelo prazo de até 5 (cinco) anos, sem prejuízo das multas previstas no instrumento convocatório e no contrato, bem como das demais cominações legais, o licitante que:

I - convocado dentro do prazo de validade da sua proposta não celebrar o contrato, inclusive nas hipóteses previstas no parágrafo único do art. 40 e no art. 41 desta Lei;

II - deixar de entregar a documentação exigida para o certame ou apresentar documento falso;

III - ensejar o retardamento da execução ou da entrega do objeto da licitação sem motivo justificado;

IV - não mantiver a proposta, salvo se em decorrência de fato superveniente, devidamente justificado;

V - fraudar a licitação ou praticar atos fraudulentos na execução do contrato;

VI - comportar-se de modo inidôneo ou cometer fraude fiscal; ou

VII - der causa à inexecução total ou parcial do contrato.

§ 1o A aplicação da sanção de que trata o caput deste artigo implicará ainda o descredenciamento do licitante, pelo prazo estabelecido no caput deste artigo, dos sistemas de cadastramento dos entes federativos que compõem a Autoridade Pública Olímpica.

 

[46] A Lei nº. 12.462/2011 inovou em relação à Lei nº. 10.520/02, que não prevê expressamente a aplicação das penalidades previstas nos arts. 86 a 88 da Lei nº. 8.666/1993 às licitações e contratos da modalidade pregão.

 

[47] Lei nº. 12.462/2011, art. 47:[...]§ 2o As sanções administrativas, criminais e demais regras previstas no Capítulo IV da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, aplicam-se às licitações e aos contratos regidos por esta Lei.

 

[48] Art. 88.  As sanções previstas nos incisos III e IV do artigo anterior poderão também ser aplicadas às empresas ou aos profissionais que, em razão dos contratos regidos por esta Lei:

I - tenham sofrido condenação definitiva por praticarem, por meios dolosos, fraude fiscal no recolhimento de quaisquer tributos;

II - tenham praticado atos ilícitos visando a frustrar os objetivos da licitação;

III - demonstrem não possuir idoneidade para contratar com a Administração em virtude de atos ilícitos praticados.

 

[49] Lei nº. 10.520, de 17/06/2002: Art. 7º  Quem, convocado dentro do prazo de validade da sua proposta, não celebrar o contrato, deixar de entregar ou apresentar documentação falsa exigida para o certame, ensejar o retardamento da execução de seu objeto, não mantiver a proposta, falhar ou fraudar na execução do contrato, comportar-se de modo inidôneo ou cometer fraude fiscal, ficará impedido de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios e, será descredenciado no Sicaf, ou nos sistemas de cadastramento de fornecedores a que se refere o inciso XIV do art. 4o desta Lei, pelo prazo de até 5 (cinco) anos, sem prejuízo das multas previstas em edital e no contrato e das demais cominações legais. (grifos imiscuídos).

 

[50] Lei nº. 12.462/11: Art. 47. Ficará impedido de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, pelo prazo de até 5 (cinco) anos, sem prejuízo das multas previstas no instrumento convocatório e no contrato, bem como das demais cominações legais, o licitante que:

[...]

V - fraudar a licitação ou praticar atos fraudulentos na execução do contrato;

VI - comportar-se de modo inidôneo ou cometer fraude fiscal; ou

 

[51] Art 115 - A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da Justiça e as necessidades da vida nacional, de modo que possibilite a todos existência digna. Dentro desses limites, é garantida a liberdade econômica. 

Parágrafo único - Os Poderes Públicos verificarão, periodicamente, o padrão de vida nas várias regiões da País. 

Art 116 - Por motivo de interesse público e autorizada em lei especial, a União poderá monopolizar determinada indústria ou atividade econômica, asseguradas as indenizações, devidas, conforme o art. 112, nº 17, e ressalvados os serviços municipalizados ou de competência dos Poderes locais. 

Art 117 - A lei promoverá o fomento da economia popular, o desenvolvimento do crédito e a nacionalização progressiva dos bancos de depósito. Igualmente providenciará sobre a nacionalização das empresas de seguros em todas as suas modalidades, devendo constituir-se em sociedades brasileiras as estrangeiras que atualmente operam no País. 

Parágrafo único - É proibida a usura, que será punida na forma da Lei. 

 

[52]  Art 135 - Na iniciativa individual, no poder de criação, de organização e de invenção do indivíduo, exercido nos limites do bem público, funda-se a riqueza e a prosperidade nacional. A intervenção do Estado no domínio econômico só se legitima para suprir as deficiências da iniciativa individual e coordenar os fatores da produção, de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos e introduzir no jogo das competições individuais o pensamento dos interesses da Nação, representados pelo Estado. A intervenção no domínio econômico poderá ser mediata e imediata, revestindo a forma do controle, do estimulo ou da gestão direta.

 

[53] O Decreto-Lei nº 869/38 ficou a cargo do jurista e Ministro do Supremo Tribunal Federal, Nelson Hungria. Posteriormente, na ocasião do projeto de Lei nº 1.521, o mesmo Nelson Hungria declarou que o Decreto-lei nº 869/38 foi “elaborado de afogadilho”, pois, visto que “encomendado com urgência tive que organizá-lo um tanto atabalhoadamente.”. SOUZA, Washington Peluso Albino de. Achegas à Lei 8.884/94. In: ROCHA, João Carlos de Carvalho [et.al.] (coord.). Lei Antitruste: 10 anos de combate ao abuso de poder econômico. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 266. Ana Paula Martinez destaca pesquisa realizada por Bejamin M. Shieber, tendo o doutrinador concluído que: “um exame da jurisprudência e de livros da doutrina revelou um só caso em que os dispositivos antitrustes do Decreto-lei [nº 869/38] foram executados, e isso aconteceu não em um processo judicial mas em um parecer do Consultor-Geral da República respondendo a uma consulta da Standard Oil Company of Brazil” (MARTINEZ, Ana Paula . Controle de Concentrações Econômicas no Brasil: passado, presente e futuro. Revista do IBRAC. v. 18. p. 15, 2010. apud SHIEBER, Bejamin M.. Abusos do poder econômico. São Paulo: RT, 1966, p.6).

 

[54] A Coimissão de Defesa Econômica – CDE era composta por cinco membros nomeados pelo Presidente da República e integrantes dos seguintes Ministérios: Fazenda, Relações Exteriores, Justiça e Negócios Interiores, Guerra e Trabalho, Indústria e Comércio.

 

[55] Art. 4º Compete à C.D.E.;

a)

determinar, conforme os casos, a fiscalização, administração, liquidação ou desapropriação de bens e direitos de pessoas naturais ou jurídicas, compreendidas no Decreto-lei n. 4.166, de 11 de março de 1942;

b)

providenciar a venda desses bens e direitos, em concorrência pública, a brasileiros ou empresas idôneas, a estas quando haja maioria de brasileiros;

c)

providenciar a desapropriação e venda de materiais julgados estratégicos ou essenciais, que estejam retidos;

d)

resolver, por solicitação ou "ex-officio", a recisão ou forma de liquidação dos contratos em que sejam partes pessoas cuja atividade econômica se torne necessário reprimir; e

e)

determinar a desapropriação ou utilização provisória de patentes e marcas de fábrica de propriedade de pessoas naturais ou jurídicas, cuja atividade seja contrária à segurança nacional.

 

[56] Decreto-lei nº. 4.807/42: Art. 5º Ficam sujeitas à jurisdição da C.D.E. e aos efeitos dos decretos-leis ns. 3.911 e 4.166 as pessoas naturais ou jurídicas de qualquer nacionalidade, cuja atividade seja julgada contrária à segurança nacional. 

 

[57] Decreto-lei nº. 7.666/45: Art. 21. Compete privativamente à C.A.D.E.:

a) julgar a existência ou inexistência, em cada caso concreto que lhe fôr presente de atos ou práticas contrários aos interesses da economia nacional, ou nocivos ao interêsser público, ou da coletividade;

b) delimitar as áreas de terra para aplicação do art. 1º, III;

c) decretar e executar a intervenção em empresas, nos têrmos dêste Decreto-lei;

d) organizar a lista das indústrias bélicas, básicas e de interêsse nacional para os efeitos do disposto neste Decreto-lei;

e) conceder ou negar as autorizações de que cogitam os artigos 8º e 11, bem como as apravações a que se refere o art. 14;

f) fiscalizar a realização do capital das emprêsas a que se refere o artigo 8º;

g) receber. processar e julgar tôdas as representações que lhe sejam feitas por qualquer pessoa denunciando atos contrários ou nocivos aos interêsses públicos ou da economia nacional;

h) fiscalizar a execução dos serviços públicos concedidos pelo Estado, bem como aplicar as penalidades previstas nos respectivos contratos.

 

[58] Art 148 - A lei reprimirá toda e qualquer forma de abuso do poder econômico, inclusive as uniões ou agrupamentos de empresas individuais ou sociais, seja qual for a sua natureza, que tenham por fim dominar os mercados nacionais, eliminar a concorrência e aumentar arbitrariamente os lucros.

 

[59] Art. 43. Decidindo pela procedência da representação e proclamando determinado ato ou atos como de abuso do poder econômico, o CADE, ouvida a Procuradoria, fixará prazo para que os responsáveis, de acôrdo com as circunstâncias, cessem sua prática, multando-os de 5 (cinco) a 10.000 (dez mil) vêzes o valor do maior salário-mínimo vigente no País, na data da decisão. 
§ 1º O prazo a que se refere êste artigo contar-se-á a partir da data da publicação da decisão do CADE no Diário Oficial da União. 
§ 2º A decisão do CADE será publicada dentro de cinco dias no Diário Oficial da União.

 

Essa redação foi alterada pela Lei nº. 8.035/90, passando a dispor que:

Art. 43. Verificada a procedência da representação e proclamado determinado ato ou atos como de abuso do poder econômico, o CADE, ouvida a Procuradoria, fixará prazo para que os responsáveis, de acordo com as circunstâncias, cessem sua prática, multando-os de duzentas mil a cinco milhões de vezes o valor do Bônus do Tesouro Nacional - BTN, da data de decisão. 

 

[60] Art. 17. Compete ao CADE: [...]

p) propor a desapropriação do acervo de emprêsas nos casos previstos nesta lei;

 

[61] Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

[...]

IV - livre concorrência;

[...]

 

[62] Art. 173 [...]

§ 4º - A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.

 

[63] Decorrente da Medida Provisória nº. 218, de 03/09/1990, da Mediada Provisória nº. 246, de 13/10/1990, e da Medida Provisória nº. 276, de 05/12/1990.

 

[64] Art. 7º Verificada a procedência da representação, a SNDE, em circunstanciado relatório final, que evidenciará os fundamentos de seu juízo, recomendará ao agente as medidas de correção cabíveis, com fixação de prazo para o seu atendimento, e encaminhará o processo ao Cade para as medidas de sua competência, as quais serão adotadas no prazo de cento e vinte dias, prorrogáveis por mais noventa dias.

§ 1º Desatendida a recomendação, a SNDE providenciará, conforme o caso, cumulativa ou alternadamente:

a) a declaração de inidoneidade do agente para fins de habilitação em licitação ou contratação, promovendo a publicação do ato no órgão oficial;

b) a inscrição do agente no Cadastro Nacional de Defesa do Consumidor;

c) a recomendação de que não seja concedido ao agente parcelamento de tributos federais por ele devidos; e

d) solicitará ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) que delibere, liminarmente, sobre a prática ilícita e determine sua imediata cessação, se for o caso, até final julgamento do processo.

§ 2º As providências tomadas pela SNDE, nos termos deste artigo, permanecerão em vigor até o completo atendimento, pelo agente, do inteiro teor da recomendação, observado o disposto no § 3º.

§ 3º Verificando a SNDE o completo atendimento, pelo agente, das recomendações, e desde que não se trate de reincidência, serão canceladas as sanções adotadas nos termos das alíneas a , b e c do § 1º, e feita a devida comunicação ao Cade, que deliberará sobre a suspensão ou não dos procedimentos porventura iniciados.

§ 4º Em caso de reincidência, as sanções aplicadas pela SNDE permanecerão em vigor por um período não inferior a doze meses nem superior a trinta e seis meses, contados da data do reconhecimento, pelo órgão, da cessação das práticas daquelas sanções. (grifos imiecuídos)

 

[65] Art. 23. A prática de infração da ordem econômica sujeita os responsáveis às seguintes penas:      (Revogado pela Lei nº 12.529, de 2011).

I - no caso de empresa, multa de um a trinta por cento do valor do faturamento bruto no seu último exercício, excluídos os impostos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando quantificável;

 

[66] Na hipótese de inviabilidade de quantificação do valor da multa por meio do faturamento do exercício anterior, o art. 23, inciso III, da Lei n. 8.884/94 previa que: III - No caso das demais pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como quaisquer associações de entidades ou pessoas constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, que não exerçam atividade empresarial, não sendo possível utilizar-se o critério do valor do faturamento bruto, a multa será de 6.000 (seis mil) a 6.000.000 (seis milhões) de Unidades Fiscais de Referência (Ufir), ou padrão superveniente.      (Incluído pela Lei nº 9.069, de 29.6.95)

 

§ 4º Em caso de reincidência, as sanções aplicadas pela SNDE permanecerão em vigor por um período não inferior a doze meses nem superior a trinta e seis meses, contados da data do reconhecimento, pelo órgão, da cessação das práticas daquelas sanções. (grifos imiecuídos)

 

[67] Art. 23. A prática de infração da ordem econômica sujeita os responsáveis às seguintes penas:      (Revogado pela Lei nº 12.529, de 2011).

I - no caso de empresa, multa de um a trinta por cento do valor do faturamento bruto no seu último exercício, excluídos os impostos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando quantificável;

II - no caso de administrador, direta ou indiretamente responsável pela infração cometida por empresa, multa de dez a cinqüenta por cento do valor daquela aplicável à empresa, de responsabilidade pessoal e exclusiva ao administrador.

III - No caso das demais pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como quaisquer associações de entidades ou pessoas constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, que não exerçam atividade empresarial, não sendo possível utilizar-se o critério do valor do faturamento bruto, a multa será de 6.000 (seis mil) a 6.000.000 (seis milhões) de Unidades Fiscais de Referência (Ufir), ou padrão superveniente.      (Incluído pela Lei nº 9.069, de 29.6.95)

Parágrafo único. Em caso de reincidência, as multas cominadas serão aplicadas em dobro.

 

Art. 24. Sem prejuízo das penas cominadas no artigo anterior, quando assim o exigir a gravidade dos fatos ou o interesse público geral, poderão ser impostas as seguintes penas, isolada ou cumulativamente:     (Revogado pela Lei nº 12.529, de 2011).

I - a publicação, em meia página e às expensas do infrator, em jornal indicado na decisão, de extrato da decisão condenatória, por dois dias seguidos, de uma a três semanas consecutivas;

II - a proibição de contratar com instituições financeiras oficiais e participar de licitação tendo por objeto aquisições, alienações, realização de obras e serviços, concessão de serviços públicos, junto à Administração Pública Federal, Estadual, Municipal e do Distrito Federal, bem como entidades da administração indireta, por prazo não inferior a cinco anos;

III - a inscrição do infrator no Cadastro Nacional de Defesa do Consumidor;

IV - a recomendação aos órgãos públicos competentes para que:

a) seja concedida licença compulsória de patentes de titularidade do infrator;

b) não seja concedido ao infrator parcelamento de tributos federais por ele devidos ou para que sejam cancelados, no todo ou em parte, incentivos fiscais ou subsídios públicos;

V - a cisão de sociedade, transferência de controle societário, venda de ativos, cessação parcial de atividade, ou qualquer outro ato ou providência necessários para a eliminação dos efeitos nocivos à ordem econômica.

[68]        Art. 4° Constitui crime contra a ordem econômica:

I - abusar do poder econômico, dominando o mercado ou eliminando, total ou parcialmente, a concorrência mediante:

a) ajuste ou acordo de empresas;

b) aquisição de acervos de empresas ou cotas, ações, títulos ou direitos;

c) coalizão, incorporação, fusão ou integração de empresas;

d) concentração de ações, títulos, cotas, ou direitos em poder de empresa, empresas coligadas ou controladas, ou pessoas físicas;

e) cessação parcial ou total das atividades da empresa;

f) impedimento à constituição, funcionamento ou desenvolvimento de empresa concorrente.

II - formar acordo, convênio, ajuste ou aliança entre ofertantes, visando:

a) à fixação artificial de preços ou quantidades vendidas ou produzidas;

b) ao controle regionalizado do mercado por empresa ou grupo de empresas;

c) ao controle, em detrimento da concorrência, de rede de distribuição ou de fornecedores.

III - discriminar preços de bens ou de prestação de serviços por ajustes ou acordo de grupo econômico, com o fim de estabelecer monopólio, ou de eliminar, total ou parcialmente, a concorrência;

IV - açambarcar, sonegar, destruir ou inutilizar bens de produção ou de consumo, com o fim de estabelecer monopólio ou de eliminar, total ou parcialmente, a concorrência;

V - provocar oscilação de preços em detrimento de empresa concorrente ou vendedor de matéria-prima, mediante ajuste ou acordo, ou por outro meio fraudulento;

VI - vender mercadorias abaixo do preço de custo, com o fim de impedir a concorrência;

VII - elevar, sem justa causa, os preços de bens ou serviços, valendo-se de monopólio natural ou de fato.

VII - elevar sem justa causa o preço de bem ou serviço, valendo-se de posição dominante no mercado.        (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa. (Revogado pela Lei nº. 12.529, de 30 de novembro de 2011)

 

 

[69]        Art. 37.  A prática de infração da ordem econômica sujeita os responsáveis às seguintes penas: 

I - no caso de empresa, multa de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do valor do faturamento bruto da empresa, grupo ou conglomerado obtido, no último exercício anterior à instauração do processo administrativo, no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação; 

II - no caso das demais pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como quaisquer associações de entidades ou pessoas constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, que não exerçam atividade empresarial, não sendo possível utilizar-se o critério do valor do faturamento bruto, a multa será entre R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) e R$ 2.000.000.000,00 (dois bilhões de reais); 

III - no caso de administrador, direta ou indiretamente responsável pela infração cometida, quando comprovada a sua culpa ou dolo, multa de 1% (um por cento) a 20% (vinte por cento) daquela aplicada à empresa, no caso previsto no inciso I do caput deste artigo, ou às pessoas jurídicas ou entidades, nos casos previstos no inciso II do caput deste artigo.  

§ 1o  Em caso de reincidência, as multas cominadas serão aplicadas em dobro. 

§ 2o  No cálculo do valor da multa de que trata o inciso I do caput deste artigo, o Cade poderá considerar o faturamento total da empresa ou grupo de empresas, quando não dispuser do valor do faturamento no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração, definido pelo Cade, ou quando este for apresentado de forma incompleta e/ou não demonstrado de forma inequívoca e idônea.  

Art. 38.  Sem prejuízo das penas cominadas no art. 37 desta Lei, quando assim exigir a gravidade dos fatos ou o interesse público geral, poderão ser impostas as seguintes penas, isolada ou cumulativamente: 

I - a publicação, em meia página e a expensas do infrator, em jornal indicado na decisão, de extrato da decisão condenatória, por 2 (dois) dias seguidos, de 1 (uma) a 3 (três) semanas consecutivas; 

II - a proibição de contratar com instituições financeiras oficiais e participar de licitação tendo por objeto aquisições, alienações, realização de obras e serviços, concessão de serviços públicos, na administração pública federal, estadual, municipal e do Distrito Federal, bem como em entidades da administração indireta, por prazo não inferior a 5 (cinco) anos; 

III - a inscrição do infrator no Cadastro Nacional de Defesa do Consumidor; 

IV - a recomendação aos órgãos públicos competentes para que: 

a) seja concedida licença compulsória de direito de propriedade intelectual de titularidade do infrator, quando a infração estiver relacionada ao uso desse direito; 

b) não seja concedido ao infrator parcelamento de tributos federais por ele devidos ou para que sejam cancelados, no todo ou em parte, incentivos fiscais ou subsídios públicos; 

V - a cisão de sociedade, transferência de controle societário, venda de ativos ou cessação parcial de atividade;  

VI - a proibição de exercer o comércio em nome próprio ou como representante de pessoa jurídica, pelo prazo de até 5 (cinco) anos; e 

VII - qualquer outro ato ou providência necessários para a eliminação dos efeitos nocivos à ordem econômica.

 

[70] Pode-se mencionar como disciplina pontual na Lei Antitruste (Lei nº. 12.529/11) de responsabilização administrativa da pessoa jurídica por fraude contra a Administração, que não se limita à matéria de defesa da concorrência, a disposição constante de seu Art.36, §3º [...]

I - acordar, combinar, manipular ou ajustar com concorrente, sob qualquer forma: 

[...]

d) preços, condições, vantagens ou abstenção em licitação pública; 

 

[71] Pode-se mencionar como disciplina pontual na Lei Antitruste (Lei nº. 12.529/11) de responsabilização administrativa da pessoa jurídica por fraude contra a Administração, que não se limita à matéria de defesa da concorrência, a disposição constante de seu Art.36, §3º [...]

I - acordar, combinar, manipular ou ajustar com concorrente, sob qualquer forma: 

[...]

d) preços, condições, vantagens ou abstenção em licitação pública; 

 

[72] Art. 3° As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

 

[73] PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE. PESSOA JURÍDICA. LEGITIMIDADE PASSIVA. RECEBIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. PROVA EMPRESTADA. DEFICIÊNCIA DA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF.

1. A recorrente insurge-se contra acórdão do Tribunal Regional Federal que manteve o recebimento da petição inicial de Ação Civil Pública por improbidade administrativa relacionada a suposto esquema de corrupção constatado na Procuradoria do INSS de Mato Grosso, envolvendo o favorecimento de advogados e empresas devedoras da referida autarquia com a emissão indevida de certidões negativas de débito, ou positivas com efeitos negativos.

2. As pessoas jurídicas que participem ou se beneficiem dos atos de improbidade sujeitam-se à Lei 8.429/1992.

3. A Lei da Improbidade Administrativa exige que a petição inicial seja instruída com, alternativamente, "documentos" ou "justificação" que "contenham indícios suficientes do ato de improbidade" (art. 17, § 6°). Trata-se, como o próprio dispositivo legal expressamente afirma, de prova indiciária, isto é, indicação pelo autor de elementos genéricos de vinculação do réu aos fatos tidos por caracterizadores de improbidade.

[...]

8. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. REsp. nº 1.115.399 - MT 2009/0096998-2. Rel. Min. Herman Benjamin. Julgado em 02/03/2010. T2. Publicado no DJe de 27/04/2011)

 

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 535 DO CPC INOCORRENTE. PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO. LEGITIMIDADE PASSIVA.

[...]

2. Considerando que as pessoas jurídicas podem ser beneficiadas e condenadas por atos ímprobos, é de se concluir que, de forma correlata, podem figurar no polo passivo de uma demanda de improbidade, ainda que desacompanhada de seus sócios.

3. Recurso especial não provido.

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. REsp 970393 CE 2007/0158591-4. Min. Benedito Gonçalves. Julgado em 21/06/2012. T1. Publicado no DJe de 29/06/2012).

 

 

[74]         Nesse sentido importante observar o caput dos arts. 9º, 10 e 11, da Lei nº. 8.429/92:

Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente:

[...]

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:

[...]

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

[75]        IV. Ação de improbidade administrativa: extensão da competência especial por prerrogativa de função estabelecida para o processo penal condenatório contra o mesmo dignitário (§ 2º do art. 84 do C Pr Penal introduzido pela L. 10.628/2002): declaração, por lei, de competência originária não prevista na Constituição: inconstitucionalidade.

5. De outro lado, pretende a lei questionada equiparar a ação de improbidade administrativa, de natureza civil (CF, art. 37, § 4º), à ação penal contra os mais altos dignitários da República, para o fim de estabelecer competência originária do Supremo Tribunal, em relação à qual a jurisprudência do Tribunal sempre estabeleceu nítida distinção entre as duas espécies. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal. ADI nº. 2.797-2 DF. Rel. Min. Sepúlveda Pertence. Tribunal Pleno. Julgado em 15/09/2005. Publicado em 19/12/2006)

[76] Promulgada no Brasil pelo Decreto nº. 3.678/2000.

[77] Promulgada no Brasil pelo Decreto nº. 4.410/2002.

[78] Promulgada no Brasil pelo Decreto nº. 5.687/2006.

[79] Exposição de Motivos Interministerial nº. 11/2009 – CGU/MJ/AGU, datado de 23.10.2013, subscrita pelos Ministros de Estado Jorge Hage Sobrinho, Tarso Genro e Luís Inácio Lucena Adams, que acompanhou o anteprojeto de lei encaminhado ao Senhor Presidente da República Luís Inácio Lula da Silva, posteriormente enviado ao Congresso Nacional sob forma de projeto de lei, por meio da Mensagem 52, de 08.02.2010. O documento inaugura a exposição de motivos da seguinte forma: Temos a honra de submeter à consideração de Vossa Excelência proposta de regulamentação da responsabilidade administrativa e civil de pessoas jurídicas por atos lesivos à Administração Pública nacional e estrangeira (item 1)

[80] Ibidem, item 2.

[81] Idem.

[82] Cabe destacar que o exemplo apresentado não foi adequado, uma vez que há muito a doutrina consolidou que o ressarcimento dos danos não se trata de uma sanção, mas de matéria de responsabilidade civil.

[83] À época ainda a Lei nº 8.884, de 11.06.1994, hoje a Lei nº.12.529, de 30.11.2011. 

[84] Defende-se que as leis de licitações e contratos não apresentam verdadeiros atos lesivos, haja vista a falta da clareza inerente à tipicidade.

[85] Embora o expediente de exposição de motivos do anteprojeto tenha se restringido a tratar da Lei nº. 8.666/93, que é diploma vigente, deve-se ter em conta que a responsabilização administrativa foi prevista no Brasil pela primeira vez no Decreto nº 2.926, de 14.05.1862 (regulamento para as arrematações dos serviços a cargo do Ministerio da Agricultura, Commercio e Obras Publica), e posteriormente em outros diplomas.

[86] Dispositivos da Lei nº. 8.429/92 que mencionam expressamente sua aplicação à pessoa jurídica:

Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente:

[...]

VIII - aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade;

 

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:

[...]

I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;

II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

III - doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie;

 

Art. 12.  Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:         (Redação dada pela Lei nº 12.120, de 2009).

I - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;

 II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;

III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

[87] A averiguação da culpa da pessoa jurídica seria tarefa deveras árdua e controvertida.

[88] Promulgada no Brasil pelo Decreto nº. 3.678/2000.

[89] Promulgada no Brasil pelo Decreto nº. 4.410/2002.

[90] Promulgada no Brasil pelo Decreto nº. 5.687/2006.

[91] Op. cit. item 8.

[92] Não se concorda com a necessidade de legar ao Poder Judiciário a competência pela aplicação das sanções de responsabilização judicial da pessoa jurídica, uma que vez que já há no ordenamento jurídico pátrio a previsão de o administrador aplicar penalidades consideradas de alto grau de reprimenda, como as seguintes: suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos; declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior (art. 87, incisos III e IV, da Lei nº. 8.666/93), destruição ou inutilização do produto; suspensão de venda e fabricação do produto; embargo de obra ou atividade; demolição de obra; suspensão parcial ou total de atividades; restritiva de direitos (art. 72, incisos V a XI, da Lei nº. 9.605/98).

[93] Art. 19.  Em razão da prática de atos previstos no art. 5o desta Lei, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por meio das respectivas Advocacias Públicas ou órgãos de representação judicial, ou equivalentes, e o Ministério Público, poderão ajuizar ação com vistas à aplicação das seguintes sanções às pessoas jurídicas infratoras:

I - perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé;

II - suspensão ou interdição parcial de suas atividades;

III - dissolução compulsória da pessoa jurídica;

IV - proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos.

[94] Há uma aproximação entre a ação de responsabilização judicial da pessoa jurídica por atos praticados contra a Administração Pública e a ação de improbidade administrativa, uma vez que são figuras sui generis no sistema jurídico pátrio, ambas com natureza de ação civil pública e tendo o Ministério Público como um de seus legitimados.

[95] Op. cit. Item 18.

[96] Ibidem. Item 19.

[97] Embora a desconsideração administrativa da pessoa jurídica já seja objeto de julgados do STJ e TCU.

[98] Ibidem. Item 6.

[99] Arts. 22, 24, 25, 29, caput, e 30, I e II, da Constituição Federal.

[100] CUSTÓDIO FILHO, Ubirajara. Introdução. In SANTOS, José Anacleto Abduch; BERTONCINI, Mateus; CUSTÓDIO FILHO, Ubirajara. Comentários à Lei nº. 12.846/2013: Lei anticorrupção. 1ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p.21.

[101] ATALIBA, Geraldo. Leis nacionais e leis federais no regime constitucional brasileiro. Estudos jurídicos em homenagem a Vicente Ráo. São Paulo: Resenha Universitária, 1976. P. 132-133. 

[102] Art. 4º [...]

§ 1o  Nas hipóteses de fusão e incorporação, a responsabilidade da sucessora será restrita à obrigação de pagamento de multa e reparação integral do dano causado, até o limite do patrimônio transferido, não lhe sendo aplicáveis as demais sanções previstas nesta Lei decorrentes de atos e fatos ocorridos antes da data da fusão ou incorporação, exceto no caso de simulação ou evidente intuito de fraude, devidamente comprovados.

Art. 6º. [...]

§ 3o  A aplicação das sanções previstas neste artigo não exclui, em qualquer hipótese, a obrigação da reparação integral do dano causado.

 

Art. 16. [...]

§ 3o  O acordo de leniência não exime a pessoa jurídica da obrigação de reparar integralmente o dano causado

 

[103] Art. 4º. [...]

§ 2o  As sociedades controladoras, controladas, coligadas ou, no âmbito do respectivo contrato, as consorciadas serão solidariamente responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei, restringindo-se tal responsabilidade à obrigação de pagamento de multa e reparação integral do dano causado.

 

[104] Art. 13.  A instauração de processo administrativo específico de reparação integral do dano não prejudica a aplicação imediata das sanções estabelecidas nesta Lei.

 

[105] Art. 21.  Nas ações de responsabilização judicial, será adotado o rito previsto na Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985.

Parágrafo único.  A condenação torna certa a obrigação de reparar, integralmente, o dano causado pelo ilícito, cujo valor será apurado em posterior liquidação, se não constar expressamente da sentença.

 

[106] Op. cit. p.30.

[107] Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

[...]

I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;

 

[108] Art. 22 Compete privativamente à União legislar sobre:

[...]

XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

 

[109] Art. 5º.

IV - no tocante a licitações e contratos:

a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público;

b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público;

c) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo;

d) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente;

e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo;

f) obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou

g) manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública;

 

[110] Embora não conste do rol do art. 22 da CF/88

 

[111] Art. 21. Compete à União:

I - manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais;

 

[112] A “Convenção sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais” da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE (Decreto nº. 3.678/2000), a “Convenção Interamericana de Combate à Corrupção” – Organização dos Estados Americanos – OEA (Decreto nº. 4.410/2002) e a “Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção” da Organização das Nações Unidas – ONU (Decreto nº. 5.687/2006).

 

[113] Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;

 

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;

[114] Op. cit. Itens 7 e 8. 

[115] Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

 

[116] SILVA, José Afonso da. Comentários Contextual à Constituição. 2. Ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 478.

 

[117] Cita-se como exemplos os julgados da ADI 2606/SC e da ADI 3112/DF.

 

[118] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 3112/DF. Rel. Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Julgado em 02/05/2007. Publicado em 26/10/2007.

 

[119] MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios Gerais de Direito Administrativo. 2. ed. v. I. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 353.

 

[120] Op cit, p. 342. v. I. Segundo o autor: [...] os regulamentos são regras jurídicas gerais, abstratas, impessoais, em desenvolvimento da lei, referentes à organização        e                ação                  do             Estado,    enquanto                  poder      público  [...].
 

[121] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 327.
 

[122] Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

[...]

IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;

 

[123] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella.  Direito Administrativo. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 87.
 

[124] Art. 7º [...]

Parágrafo único.  Os parâmetros de avaliação de mecanismos e procedimentos previstos no inciso VIII do caput serão estabelecidos em regulamento do Poder Executivo federal.

 

[125] O termo “compliance” é derivado do verbo inglês “to comply”, que significa cumprir, executar, satisfazer, realizar o que lhe foi imposto. “Compliance” é expressão do dever de cumprir e fazer cumprir normas legais, códigos de ética concorrencial e normas internas que regem determinada atividade econômica. (SANTOS, Renato Almeida dos. “Compliance” como elemento de mitigação e prevenção de fraude funcional. Disponível em < www.cgu.gov.br/concursos/Arquivos/6_ConcursoMonografias/2-Lugar-profissionais.pdf>. Acessado em 13 de dez. de 2014.).

[126] Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

[...]

XI - procedimentos em matéria processual;

 

[127] ROCHA, Cármem Lúcia Antunes.  Princípios constitucionais de processo administrativo no direito brasileiro. Revista de Informação Legislativa. n. 136. Brasília: Senado Federal, out.-dez. 1997. p.10-11.

 

[128]  A redação do art. 8º, XVII, b, da Constituição de 1967, referido pelo autor tinha a seguinte redação: XVII – legislar sobre; [...] b) direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, especial e do trabalho; [...] (MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituição Federal de 1967 - com a Emenda nº. 1, de 1969. t. 2. São Paulo: Editora RT, 1967. p. 59)

 

[129] Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

[...]

XI - procedimentos em matéria processual;

 

[130] [...]3. No âmbito estadual ou municipal, ausente lei específica, a Lei Federal 9.784/99 pode ser aplicada de forma subsidiária, haja vista tratar-se de norma que deve nortear toda a Administração Pública, servindo de diretriz aos seus órgãos. Destarte, editada lei local posteriormente, está incidirá apenas a partir dos atos administrativos praticados após sua vigência, não interrompendo a contagem do prazo decadencial já iniciado com a publicação da norma federal. [...] (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no RMS 25.979/GO. 5ª T. Rel. Min. Marco Aurélio Bellize. j. 09.04.2013. Dje 16.04.2013).

 

[131] Op. cit. p.45.


Autor

  • Felipe Jacques Silva

    Mestre e Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia - UFBA, Especialista em Direito Civil pela UFBA. Professor Substituto da Faculdade de Direito da UFBA, da Pós-graduação da UNIFACS e de outras faculdades. Sócio-fundador do Escritório Antônio Bastos & Felipe Jacques Advocacia Especializada.

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