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O julgamento do direito ao esquecimento

O julgamento do direito ao esquecimento

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O artigo analisa o precedente criado pelo Supremo Tribunal Federal no Tema nº 786 da Repercussão Geral e os cuidados a ser tomados no julgamento de casos em que se busca o direito ao esquecimento.

No dia 11 de fevereiro de 2021, o STF concluiu o julgamento do Tema nº 786 da Repercussão Geral, com a fixação da seguinte tese:

“É incompatível com a Constituição Federal a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social – analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais, especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral, e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível”.

Apesar de o caso decidido no recurso extraordinário afetado ao Tema tratar da recordação de um crime de homicídio ocorrido em 1958 por meio de um programa de televisão de 2004, discutiu-se no processo de forma genérica a (in)constitucionalidade do direito ao esquecimento nos meios físico e digital.

O Supremo Tribunal Federal concluiu que a divulgação de fatos ou de dados verídicos, obtidos e publicados de forma lícita em meio analógico ou digital, é protegida pela Constituição e não pode ser restringida (nem por Emenda Constitucional) com fundamento na existência de um direito ao esquecimento.

Apesar de o STF ter declarado a inconstitucionalidade do direito ao esquecimento no Tema 786 da Repercussão Geral, os atos ilícitos e os atos abusivos ou excessivos podem causar danos aos titulares de dados pessoais.

Portanto, não se excluiu a possibilidade de proteção judicial dos direitos da personalidade (e, inclusive, dos dados pessoais), o que compreende as tutelas preventiva e repressiva.

O precedente fixado no Tema nº 786 não excluiu a possibilidade de, por exemplo, a pessoa ofendida (ou ameaçada) em direito da personalidade pleitear o impedimento da divulgação (lícita) de determinados fatos ou até mesmo a remoção de conteúdo publicado ou da indicação de matérias, posts ou outras formas de apresentação dos fatos em buscadores na internet (o denominado direito à desindexação). Por outro lado, o próprio STF possui decisões recentes com a determinação de exclusão de conteúdos na internet e do bloqueio de perfis em redes sociais.

Destaca-se também que não há menção no enunciado do precedente à utilização do interesse público ou do interesse social como fundamentos possíveis para o exercício do direito ao esquecimento.

Apesar de a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018) não tratar especificamente do direito ao esquecimento, os direitos do titular previstos em seu art. 18 devem ser utilizados como fundamento de pedidos que, indiretamente, poderão levar à remoção de conteúdo na internet (ou de termos ou buscadores que levem a ele), em especial os direitos à anonimização, bloqueio ou eliminação de dados desnecessários ou excessivos ou tratados em desconformidade com a LGPD (ou seja, tratamento ilícito, o que é diferente do direito ao esquecimento de fatos e dados divulgados ou tratados de modo lícito), e à eliminação dos dados pessoais tratados com o consentimento do titular (após a revogação deste, ou seja, o que torna o tratamento ilícito e o diferencia do direito ao esquecimento ).

Além disso, é preciso ter cuidado com a exposição excessiva de julgamentos, para evitar que causem danos às partes e levam a um direito ao esquecimento do julgamento do direito ao esquecimento. Por exemplo, o autor da ação contra a Google que teve reconhecido o direito à desindexação (no primeiro caso) declarado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia nunca será esquecido, porque é diariamente citado e relembrado por este julgamento. Logo, o exercício de seu direito ao esquecimento levou à exposição e à eternização do caso (histórico) na internet, em diversos idiomas, e o nome do autor (e as razões de seu pedido) não será mais esquecido.

Por fim, ressalta-se que a constitucionalidade do art. 19 do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), sobre a remoção de conteúdo potencialmente ilícito com base em notificação extrajudicial e a responsabilidade dos provedores de aplicações pelo conteúdo produzido pelos usuários, é objeto dos Temas nº 533 e 987 da Repercussão Geral do STF, ainda pendentes de julgamento (o que tem relação parcial com o direito ao esquecimento, mas com ele não se confunde, por compreender a remoção de conteúdos ilícitos).


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Oscar Valente. O julgamento do direito ao esquecimento . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6458, 7 mar. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/88779. Acesso em: 17 maio 2024.