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O julgamento do direito ao esquecimento

07/03/2021 às 09:15
Leia nesta página:

O artigo analisa o precedente criado pelo Supremo Tribunal Federal no Tema nº 786 da Repercussão Geral e os cuidados a ser tomados no julgamento de casos em que se busca o direito ao esquecimento.

No dia 11 de fevereiro de 2021, o STF concluiu o julgamento do Tema nº 786 da Repercussão Geral, com a fixação da seguinte tese:

“É incompatível com a Constituição Federal a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social – analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais, especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral, e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível”.

Apesar de o caso decidido no recurso extraordinário afetado ao Tema tratar da recordação de um crime de homicídio ocorrido em 1958 por meio de um programa de televisão de 2004, discutiu-se no processo de forma genérica a (in)constitucionalidade do direito ao esquecimento nos meios físico e digital.

O Supremo Tribunal Federal concluiu que a divulgação de fatos ou de dados verídicos, obtidos e publicados de forma lícita em meio analógico ou digital, é protegida pela Constituição e não pode ser restringida (nem por Emenda Constitucional) com fundamento na existência de um direito ao esquecimento.

Apesar de o STF ter declarado a inconstitucionalidade do direito ao esquecimento no Tema 786 da Repercussão Geral, os atos ilícitos e os atos abusivos ou excessivos podem causar danos aos titulares de dados pessoais.

Portanto, não se excluiu a possibilidade de proteção judicial dos direitos da personalidade (e, inclusive, dos dados pessoais), o que compreende as tutelas preventiva e repressiva.

O precedente fixado no Tema nº 786 não excluiu a possibilidade de, por exemplo, a pessoa ofendida (ou ameaçada) em direito da personalidade pleitear o impedimento da divulgação (lícita) de determinados fatos ou até mesmo a remoção de conteúdo publicado ou da indicação de matérias, posts ou outras formas de apresentação dos fatos em buscadores na internet (o denominado direito à desindexação). Por outro lado, o próprio STF possui decisões recentes com a determinação de exclusão de conteúdos na internet e do bloqueio de perfis em redes sociais.

Destaca-se também que não há menção no enunciado do precedente à utilização do interesse público ou do interesse social como fundamentos possíveis para o exercício do direito ao esquecimento.

Apesar de a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018) não tratar especificamente do direito ao esquecimento, os direitos do titular previstos em seu art. 18 devem ser utilizados como fundamento de pedidos que, indiretamente, poderão levar à remoção de conteúdo na internet (ou de termos ou buscadores que levem a ele), em especial os direitos à anonimização, bloqueio ou eliminação de dados desnecessários ou excessivos ou tratados em desconformidade com a LGPD (ou seja, tratamento ilícito, o que é diferente do direito ao esquecimento de fatos e dados divulgados ou tratados de modo lícito), e à eliminação dos dados pessoais tratados com o consentimento do titular (após a revogação deste, ou seja, o que torna o tratamento ilícito e o diferencia do direito ao esquecimento ).

Além disso, é preciso ter cuidado com a exposição excessiva de julgamentos, para evitar que causem danos às partes e levam a um direito ao esquecimento do julgamento do direito ao esquecimento. Por exemplo, o autor da ação contra a Google que teve reconhecido o direito à desindexação (no primeiro caso) declarado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia nunca será esquecido, porque é diariamente citado e relembrado por este julgamento. Logo, o exercício de seu direito ao esquecimento levou à exposição e à eternização do caso (histórico) na internet, em diversos idiomas, e o nome do autor (e as razões de seu pedido) não será mais esquecido.

Por fim, ressalta-se que a constitucionalidade do art. 19 do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), sobre a remoção de conteúdo potencialmente ilícito com base em notificação extrajudicial e a responsabilidade dos provedores de aplicações pelo conteúdo produzido pelos usuários, é objeto dos Temas nº 533 e 987 da Repercussão Geral do STF, ainda pendentes de julgamento (o que tem relação parcial com o direito ao esquecimento, mas com ele não se confunde, por compreender a remoção de conteúdos ilícitos).

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Sobre o autor
Oscar Valente Cardoso

Professor, Doutor em Direito, Diretor Geral da Escola da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul, Coordenador do Comitê Gestor de Proteção de Dados do TRF da 4a Região, Palestrante, Autor de Livros e Artigos, e Juiz Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Oscar Valente. O julgamento do direito ao esquecimento . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6458, 7 mar. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/88779. Acesso em: 21 nov. 2024.

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