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Da co-responsabilidade civil dos bancos por danos ambientais

Da co-responsabilidade civil dos bancos por danos ambientais

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O texto estuda a necessidade de os bancos, em sua atividade de financiadores, de internalizar os riscos de danos ao meio ambiente causados em projetos por eles financiados.

Resumo: Discute-se na presente monografia a co-responsabilidade civil ambiental dos bancos à luz da teoria objetiva do risco, acatada pelo direito ambiental pátrio. Aponta-se a necessidade dos bancos, em sua atividade de financiadores, de internalizar os riscos de danos ao meio ambiente causados em projetos por eles financiados. O ordenamento ambiental brasileiro traz expressamente em várias leis essa co-responsabilidade por danos ecológicos. A responsabilidade civil por dano ambiental é objetiva e foi estabelecida pelo artigo 14, § 1º da Lei 6.938/81 e a Constituição Federal a recepcionou no § 3º do artigo 225. Pretende-se demonstrar que os bancos são espécies de controladores ambientais, uma vez que, por força do legislador ambiental brasileiro, devem atuar em consonância e de acordo com as exigências da legalidade ambiental e de, mais além, monitorar a boa utilização do dinheiro emprestado, sobretudo, quando aplicados em projetos de potencial impacto ambiental. A extensão dessa responsabilidade é aqui discutida, reconhecendo-se que a mesma deve ser limitada ao tempo em que vigora o financiamento, com término quando do adimplemento do contrato de crédito. O financiamento sem a observância dos ditames normativos ambientais eiva dito contrato de ilegalidade, e, nesse caso, os bancos respondem por eventuais prejuízos que venham a ocorrer sem a referida limitação no tempo. Também, entende-se que o custo da reparação do dano ambiental por parte do banco, na situação de poluidor indireto e na forma objetiva e solidária que é característica da responsabilidade civil ambiental no Brasil, não deve ser proporcional ao valor do financiamento. O financiador responde pela reparação in solidum do dano causado por seu cliente, em face da teoria objetiva do risco integral. A crescente ampliação da responsabilidade socioambiental dos bancos tem sido apontada como resultado de uma maior valorização da natureza por parte das corporações e de consumidores cada vez mais conscientes.

Palavras-chave: Responsabilidade civil. Bancos. Dano ambiental.

Sumário:Introdução. 1 Aspectos gerais da responsabilidade civil ambiental. 2 Os bancos diante da legislação ambiental brasileira. 3 A responsabilidade civil dos bancos por danos ecológicos causados por seus clientes em projetos por eles financiados. 4 A ampliação da responsabilidade ambiental por parte dos bancos na construção de um mercado verde. Conclusão. Referências


Introdução

O artigo 225 da Carta Fundamental de 1988 impõe a todos – poder público e coletividade – o dever de defender e preservar para as presentes e futuras gerações o meio ambiente ecologicamente equilibrado.

As normas constitucionais são normas de ordem pública e como tais positivam valores básicos de uma sociedade (CAVALIERI, 2002, p. 31). Destarte, o engajamento dos que a compõe em prol da defesa desses valores – o meio ambiente saudável dentre eles -, é um imperativo a que todos nós – pessoas jurídicas e pessoas físicas -, pertencentes à esfera estatal, ao setor produtivo e à sociedade civil, organizada ou não, nos submetemos. Isto quer dizer que somos depositários da imensa responsabilidade de cuidar bem desses valores, de defendê-los quando necessário e de poupá-los sempre dos riscos e efetivos danos iminentes a que eventualmente se sujeitem, sob pena de termos que suportar o peso das sanções que o Estado inflige aos transgressores.

Ao Estado cabe a vigilância, portanto, desses valores supramencionados. Não só cuidá-los, sabemos, mas, ao igual que a todos os que compõem a sociedade, observá-los quando da sua atuação governamental no exercício político de suas decisões.

O Estado brasileiro assumiu, tanto internamente quanto externamente, o compromisso da gestão pública saudável de seu meio ambiente, convocando-nos à responsabilidade de mantê-lo sustentável ao longo dos tempos, garantindo este direito constitucional de um ambiente ecologicamente equilibrado às presentes e futuras gerações.

Inovou, e muito, o Estado brasileiro ao constitucionalizar o valor ambiental no artigo 225 do seu Mandamento Maior, vindo a ser talvez o único país do mundo a fazê-lo expressamente. Pioneirismo que muito nos orgulha, mormente quando na sinergia dos valores constitucionalizados percebemos que o legislador, ao ratificar no artigo 170 a sua opção por uma sociedade capitalista onde a livre iniciativa é fundamento da ordem econômica, o fez vinculando-o ao princípio da defesa do meio ambiente (Art. 170, VI), o que equivale dizer que podemos empreender, acumular capital, utilizar os recursos naturais de que dispomos - mas que já não nos pertencem de forma absoluta -, desde que o façamos comprometidos com um desenvolvimento dito sustentável, isto é, alicerçado na tríade do socialmente justo, economicamente viável e ambientalmente correto. Podemos dizer que o artigo 170, inciso VI, é um complemento do artigo 225, caput da Constituição Federal.

Para o renomado processualista ambiental Édis Milaré, essa defesa do meio ambiente como princípio da ordem econômica brasileira, incluído pelo constituinte como limite à livre iniciativa, que por sua vez é um dos sustentáculos dessa mesma ordem econômica (Art. 170, caput), vem a ser um dos principais – senão o principal – avanços da Constituição Federal de 1988 em relação à tutela ambiental. Estabeleceu, em última instância, que a propriedade privada deixa de cumprir sua função social quando se insurge contra o meio ambiente (MILARÉ, 2001, p. 233).

Da responsabilidade ambiental então, poderíamos dizer que ao Estado cabe regulamentar e fiscalizar o fiel cumprimento de seus ditames na defesa do meio ambiente e promover e garantir o desenvolvimento sustentável. Para este mister, impõe-se a todos os agentes da coletividade parcela desta responsabilidade ambiental.

Muitas indagações decorrem do tema ora proposto e que nos animamos a suscitá-las ao longo do trabalho, ainda que cientes dos limites do mesmo. Dispomo-nos abordar com mais profundidade a responsabilidade civil ambiental dos bancos e o acautelamento na gestão dos riscos que essas instituições se viram obrigadas a observar e desenvolver, não só em respeito às obrigações legais ambientais próprias de suas atividades, mas, também, em face dessa possibilidade indenizatória por danos ao ambiente provocados pelos seus clientes, em projetos por eles financiados, em decorrência da adoção pelo legislador pátrio da responsabilidade objetiva e subsidiária do poluidor indireto por atividades causadoras de degradação ambiental.

Condicionam-se os bancos (expressamente, apenas os oficiais), desde 1981, a partir da implementação da política nacional do meio ambiente (Lei 6.938/81), a exigir o licenciamento ambiental dos projetos habilitados aos seus financiamentos, como também ao cumprimento das normas, dos critérios e dos padrões emanados pelo CONAMA. Obras e aquisições de equipamentos destinados ao controle da degradação ambiental passaram, também, por determinação legal, a constar dos projetos a serem financiados, tudo com o escopo da prevenção e do controle da degradação ambiental, visando melhoria da qualidade do meio ambiente, conforme se depreende do artigo 12, da Lei em tela.

Bancos públicos e privados se incluem e se equiparam no conceito constitucional de coletividade, constante do artigo 225 da Lei Maior. SANTOS JÚNIOR (1998) nos faz lembrar que a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), um marco na construção do direito ambiental brasileiro – recepcionada pela Constituição de 1988 -, eleva o financiamento, o crédito, ao nível de instrumento de controle ambiental, o que faz com que os bancos desempenhem um papel fundamental no cumprimento da política ambiental do país e criem a necessidade de um maior entrelaçamento entre eles e os órgãos ambientais integrantes do SISNAMA.

Nessa linha de posicionamento situam-se GRIZZI et al. (2003) ao manifestarem a importância de se "instituir o financiamento como instrumento de controle da efetividade da legislação ambiental e econômico-financeira do país para obtenção do desenvolvimento sustentável" (GRIZZI et al., 2003, p. 32).

Forçosa é a atuação preventiva por parte dos bancos visando a afastar, nos seus financiamentos, a incidência em potencial de danos ao meio ambiente (VIANA, 2002). Tal atuação decorre, já vimos, da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, no âmbito civil e administrativo, e da Lei 9.605/98 – Lei dos Crimes Ambientais ou Lei da Natureza -, na esfera penal. Trata-se de atuação preventiva, desde a análise inicial do projeto até a sua efetiva implementação, o que assegura que a atividade do setor bancário vem a ser complementar a atividade das empresas do setor produtivo que executam práticas ambientalmente saudáveis (BRASIL, 1995).

A opção do Brasil por estimular políticas econômicas favoráveis ao desenvolvimento sustentável é formalmente assumida em 1992 quando da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), realizada na cidade do Rio de Janeiro, largamente conhecida como Eco-92. Representantes de 178 países estiveram presentes nesta "Cúpula da Terra" e 36 documentos e planos de ações resultaram desse grande conclave.

A Agenda 21, seu principal documento, e que tem o Brasil como signatário, posteriormente transformado em Programa 21 pela ONU, estabeleceu um plano de ação para alcançar os objetivos do desenvolvimento sustentável. No seu capítulo 30, que trata do fortalecimento do papel do comércio e da indústria, as entidades e empresas do setor produtivo se comprometem a promover uma produção mais limpa e a ampliar sua responsabilidade empresarial, reconhecendo o manejo do meio ambiente como uma das mais altas prioridades e como fator determinante do desenvolvimento sustentável (BARBIERI, 1997, p. 65).

Não obstante os bancos comerciais não terem sido expressamente nomeados neste documento, o papel das instituições financeiras internacionais como o BID, BIRD, GEF e as agências de cooperação (JICA, GTZ) foi reconhecido como de principal importância para uma nova política ambiental a que as nações signatárias da Agenda 21 se comprometeram a dar seguimento. Isto significa que financiamentos de quaisquer origem, público ou privado, devem ser disponibilizados em consonância com os princípios e diretrizes acatados pelos países signatários.

Os bancos, enquanto entidades financiadoras de projetos, devem estar compro-metidos com o eco-desenvolvimento.

O seu papel é cada vez mais relevante enquanto ator na gestão pública do meio ambiente. Isto porque, parece-nos, a questão ambiental vem perdendo, sob pressões do fenômeno da chamada globalização, e com a conseqüente e exacerbada mercantilização das relações materiais e imateriais da pós-modernidade, importância na pauta das questões políticas e se incorporando cada vez mais às questões de mercado.

Nesse sentido, as evidências se expressam no advento de novos instrumentos ofertados neste campo, como as auditorias, certificação de processos e produtos, análise e mapeamento de risco, centrais de tratamentos de resíduos, redes de estações automáticas, sistemas de informações geográficas, selo verde, modelos hidrodinâmicos, biodetectores, etc. (VIEIRA; BREDARIOL, 1998, p. 89).

Também nessa esteira, a recente vigência do Protocolo de Kyoto impulsionará o já existente "mercado de carbono", gerador de "créditos" aos partícipes do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo – MDL (Clean Development Mechanism), um dos mecanismos criados pelo acordo em tela que, visando à redução de gases de efeito estufa, permite a participação no Protocolo de um país em vias de desenvolvimento como o Brasil, mediante a obtenção de créditos de carbono (Certified Emission Reduction Units – CERs). Previsões do Banco Mundial antecipam que o comércio internacional desses títulos de redução de emissões certificadas poderá chegar a US$ 20 bilhões ao ano (DEBONI, 2005, p. 3).

Revisando a literatura científica nacional verificar-se-á a relativa escassez de referências sobre o tema da responsabilidade dos bancos por danos ambientais decorrentes de projetos, atividades e empreendimentos por eles financiados. Da mesma forma, a quase completa ausência de julgados a que tenham concorrido os bancos no pólo passivo da relação processual como poluidores indiretos, isto é, como co-responsáveis civilmente a indenizar terceiros e reparar danos provocados ao meio ambiente por seus clientes. Imagine-se na esfera penal.

Não obstante, os bancos, de um modo geral, têm se alinhado pelo viés da ética nos negócios e na responsabilidade social corporativa. Matérias e propagandas nessas áreas são abundantes em revistas, jornais e páginas de internet. Ainda que o resultado prático dessa nova postura dos bancos seja pífio na área ambiental e que existam poucas evidências de que os documentos, protocolos e outros compromissos assumidos por essas entidades influenciem ainda muito pouco suas decisões estratégicas (WOOD Jr., 2005, p. 35), a adoção de princípios de responsabilidade corporativa na área ambiental, em que pese a indução de padrões globais para práticas de controle ambiental decorrentes, inapropriadas a um mundo heterogêneo como o atual, e aos eventuais gastos com marketing dos programas que superam os gastos com os próprios programas, e que são, ao final, repassados e assimilados, via aumento de custos e preços, à toda sociedade, possibilitou uma nova forma de relacionamento dos bancos com a comunidade na qual operam.

De um lado, o Estado, na sua tarefa de regulamentar e fiscalizar, impondo suas exigências através de seu sistema de comando e controle, exigências que devem os bancos observar quando da concessão de seus financiamentos, como parte do "risco negocial", e, de outro, esses mesmos bancos que motivados pela ética da responsabilidade socioambiental (em alta no atual estágio do capitalismo) e pela busca de lucros num "mercado verde" cada vez mais promissor (o segmento dos negócios "ambientalmente corretos"), estabelecem entre si acordos para se coadunar aos compromissos maiores assumidos pelo Estado, interna e externamente, com relação ao desenvolvimento sustentável.

Restrito ao direto ambiental, especificamente da responsabilidade civil por danos causados com recursos financeiros concedidos aos seus clientes, no caso dos bancos comerciais, sempre direcionados ao lucro, pretende-se, com o presente trabalho, abordar o ordenamento jurídico-ambiental pátrio que vincula os bancos nas suas atividades creditórias à clientela utilizadora de recursos naturais e à sindicância do poder judiciário sobre essas atividades que resultaram em danos ao meio ambiente, mas, trata-se também, em paralelo, ainda que com pouca ênfase, da discussão sobre o papel e a importância dos bancos diante do compromisso constitucional a que todos nós, atores sociais, fomos conclamados a assumir: o dever de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações.

A estrutura dessa monografia inicia-se com uma abordagem geral sobre a teoria da responsabilidade civil até chegar à especificidade da co-responsabilidade civil ambiental dos bancos, tema central da mesma, dedicando-se o derradeiro capítulo à importante função dessas instituições na construção de um modelo de desenvolvimento sustentável.

Assim, na primeira seção (capítulo 1) tratamos dos aspectos gerais do instituto da responsabilidade civil ambiental, no que consiste e quais as suas características à luz da teoria geral da responsabilidade civil, abordando-se para isso, a peculiaridade do dano ambiental a ser reparado.

Na segunda seção (capítulo 2), abordamos o ordenamento jurídico brasileiro – constitucional e infraconstitucional -, que diz respeito expressamente à questão dos bancos e sua relação com o meio ambiente. Ou seja, apontou-se e se discutiu os normativos internos que têm implicações diretas na conduta das instituições financeiras em face de suas responsabilidades com relação aos riscos ambientais em projetos e atividades por eles financiados.

Na terceira seção (capítulo 3), mais especificamente, discutimos a co-responsabilidade civil dos bancos por danos ambientais provocados pelos tomadores de seus créditos. Tratou-se, também, dos limites quantitativo e temporal dessa responsabilidade.

E para finalizar, como dito, na quarta seção (capítulo 4), entendemos oportuno tratar de um aspecto que hodiernamente norteia a conduta das empresas e instituições no mundo inteiro que é a chamada responsabilidade socioambiental das mesmas. Tratou-se de mostrar o crescente interesse das pessoas jurídicas e a sua efetiva participação na construção de uma economia ambientalmente sustentável, em respeito à boa qualidade social e ambiental de suas atividades, dentro de um mercado que cobra posturas cada vez mais éticas.


1. Aspectos gerais da responsabilidade civil ambiental

O princípio da responsabilidade tem por sustentação o consenso de que há um dever geral de não prejudicar ninguém, a que todos nós devemos nos submeter. No Direito Romano, a máxima neminem laedere expressa desde remotos tempos esse princípio, que fez nascer, a partir da prática de atos ilícitos (antijurídicos) com resultados danosos, a obrigação de indenizar (STOCO, 2001, p. 90).

A palavra responsabilidade vem do latim red spondeo, significando a "capacidade de assumir as conseqüências dos atos ou das omissões, que pressupõe a ocorrência de um ilícito" (SÉGUIN, 2000, p. 275). Como gênero, portanto, a noção de responsabilidade vincula-se a exame de conduta voluntária violadora de um dever jurídico (VENOSA, 2003, p. 19).

Mas essa clássica concepção do instituto da responsabilidade, vinculada essencialmente à esfera subjetiva do agente, no campo da culpabilidade, sofreu profundas mudanças ao longo do tempo. Essa evolução está intrinsecamente associada à crescente complexidade das relações humanas, mormente com o advento da modernidade industrial capitalista. Para o professor Rui Stoco, "a responsabilidade civil é o instituto de direito civil que teve maior desenvolvimento nos últimos 100 anos" (STOCO, 2004, p. 150).

A mudança de perspectiva da responsabilidade civil então, pode-se dizer, migrou, ao longo da história, não apenas desde uma perspectiva privada (voltada para a proteção individual) para uma perspectiva ampliada de garantia da incolumidade dos bens de titularidade difusa (STEIGLEDER, 2003, p. 93), como também pendeu no sentido da superação do entendimento de que só pode haver responsabilidade com culpa, isto é, no sentido do afastamento da "concepção subjetiva da culpa" (STOCO, 2001, p. 107).

O referido afastamento do elemento subjetivo da culpa só foi possível mediante a adoção de uma nova visão doutrinária, denominada doutrina do risco, que fez progredir o conceito da responsabilidade objetiva, deslocando a questão da responsabilidade extracontratual do critério da responsabilidade fundada na culpa para um ponto de vista exclusivo da reparação das perdas, que já não seria definido pela medida de culpabilidade, mas que deveria surgir do próprio fato causador da lesão a um bem jurídico. Em outras palavras: o problema da reparação dos danos sofridos deve ser proposto a partir da questão de "quem deve reparar os danos" e não da questão de "quem é o responsável" (BARACHO JÚNIOR, 2000, p. 297).

A doutrina da responsabilidade objetiva se contrapunha radicalmente à doutrina subjetivista, sustentadora de uma responsabilidade fundada na culpa. Em que pese as fortes reações dos defensores do subjetivismo, a responsabilidade objetiva agigantou-se nos tempos modernos, sobretudo a partir da segunda metade do século XIX.

O Código Civil Francês (1804), o Alemão (1896) e o Brasileiro (1916) concretizaram o sentido primordial da responsabilidade civil como dever de reparar um prejuízo causado a outrem indissoluvelmente ligado à idéia de culpa. A fonte, portanto, da responsabilidade civil era a culpa, ou seja, o comportamento reprovável do agente. O risco como fonte de responsabilidade civil, decorrente de uma atividade perigosa, é consagração posterior e a "responsabilidade civil por danos ao meio ambiente é, talvez, um dos mais recentes exemplos de hipóteses de responsabilidade civil por risco" (ANDRADE, 2003, p. 112).

O desenvolvimento inexorável da responsabilidade objetiva representa a ruptura das limitações da responsabilidade fundada na culpa que não possibilitava a resolução de "diversos casos que a civilização moderna criava ou agravava" (BARACHO JÚNIOR, 2000, p. 297).

Os precursores da doutrina do risco foram os alemães partidários da escola do direito natural. O que nos diz essa doutrina? Nos diz que o causador de um dano deve ser responsabilizado independentemente da existência de culpa de sua parte (BARACHO JÚNIOR, 2000, p. 297), ou seja, imputa-se a responsabilidade objetiva e admite-se o risco como o seu "único fundamento adequado".

O patrimônio ambiental, como bem de titularidade difusa que é, deve ser tutelado por uma teoria protecionista sem os limites que a doutrina subjetiva impõe ao condicionar os deveres de reparação do dano causado e da indenização aos prejudicados a apuração da culpabilidade do(s) agente(s) agressor(es). Hercúlea tarefa impunha-se aos agredidos, há não muito tempo atrás, para a compensação dos danos por eles sofridos – danos diretos e indiretos – quando, com base nessa teoria subjetiva, exigia-se a comprovação da ocorrência, o montante e a causa do prejuízo. As características específicas do dano ecológico, cujos efeitos são muitas vezes invisíveis aos olhos e cujos resultados são, também muitas vezes, inverificáveis de imediato, levam os agredidos contumazmente à impossibilidade de apontar um único responsável.

A propósito, o professor Antonio Herman Benjamin assenta que a responsa-bilidade civil só pode dar aquilo que tem. Não se pode esperar mais do que uma eterna busca da identificação do autor do dano e da solvência deste, o que nem sempre é possível, principalmente no caso dos chamados danos anônimos, como, por exemplo, a emissão de veículos nas grandes cidades e da chamada poluição marginal, como a garimpagem irregular. Além dos limites da responsabilidade civil, o direito deve procurar adotar outros mecanismos jurídicos para enfrentamento dos obstáculos que se lhe apresentam. A comum pluralidade de agentes na pauta subjetiva passiva é enfrentada pelo sistema jurídico brasileiro, v.g., pela responsabilidade civil in solidum dos co-responsáveis (princípio geral da solidariedade passiva). Todos são responsáveis: o poluidor que diretamente causa o dano ambiental, bem como os poluidores que indiretamente com ele contribuem, facilitando ou viabilizando a ocorrência do prejuízo, como pode ser o caso dos bancos. A degradação ambiental é vista como um fato danoso único e indivisível. Na impossibilidade de fragmentar o dano, o nexo causal é comum (BENJAMIN, 1998, p. 37).

A teoria objetiva, reivindicada pelo movimento ambientalista para a apreciação dos danos ecológicos representou o fim desse limite à tutela ambiental, rompendo com a necessidade de produção de provas de culpabilidade – que dependia de resultados de complexas perícias por parte dos agredidos e dos defensores da causa ambiental (exigência da responsabilidade subjetiva fundada na culpa) – e, consequentemente, impondo à lide a inversão do ônus da prova (LUCARELLI, 1994, p. 10 e 11).

Por óbvio, a nem todos os fatores decorrentes da interação social é cabível a responsabilização objetiva. Persiste no nosso ordenamento jurídico a teoria jurídica subjetivista como tipo de responsabilidade civil dominante. O atual Código Civil de 2002 a adota. A culpa continua sendo o elemento centralizador da responsabilidade civil (SANTOS, 2005).

Entretanto, como já vimos, a insuficiência da teoria da culpa – que "resulta da vulneração de norma preexistente, e comprovação do nexo causal entre o dano e a antijuridicidade da conduta do agente" (STOCO, 2001, p. 107) -, diante da fragilidade e da hiposuficiência do lesado em suportar o onus probandi, o inverteu com a adoção da teoria objetivista para aqueles fatos considerados merecedores de tal tratamento, como os decorrentes das relações de consumo, os acidentes com material nuclear ou radioativo e os referentes a danos causados ao meio ambiente.

E isso por uma questão de ordem moral, porque há que se buscar evitar a chamada "socialização dos riscos" através de um "sistema eficiente de canalização da responsabilidade", numa sociedade de risco como a atual sociedade pós-moderna (STEIGLEDER, 2003, p. 89). Nesses novos tempos, a produção social da riqueza é acompanhada por uma produção social do risco, que expõe como nunca os habitantes do planeta e o meio ambiente a inúmeros riscos e formas de contaminação (BECK apud DEMAJOROVIC, 2001, p. 35). Oportuno aqui reproduzir as palavras do professor Alvino Lima: "Não é justo, nem racional, nem tampouco eqüitativo e humano, que a vítima, que não colhe os proveitos da atividade criadora de riscos e que para tais riscos não concorreu, suporte os azares da atividade alheia" (LIMA, 1998, p. 119).

SANTOS (2005), ao discorrer sobre a responsabilidade na atividade bancária das instituições financeiras, nos dá a oportunidade de utilizar os seus argumentos para fazer-nos melhor perceber a evolução da responsabilidade dos agentes em suas atividades de risco, num mundo com interações sociais cada vez mais complexas. O autor aponta para o aumento da responsabilidade civil dos bancos na medida de sua evolução tecnológica.

Numa primeira fase, imperando sozinha, estava a visão subjetivista da culpa, como principal elemento norteador de reparações civis, à qual se viam os bancos – como de regra os demais entes -, "confortavelmente" vinculados. Afinal, as distorções de suas atividades que produzissem lesados, a estes últimos caberia a produção de prova com o fim de evidenciar a sua culpabilidade, tarefa nem sempre ao alcance dos menos favorecidos, sobretudo nas relações extracontratuais entre bancos e os usuários-clientes.

À doutrina e à jurisprudência couberam relativizar com o tempo e enfraquecer a doutrina subjetivista. Assim, numa segunda fase, aparece o instituto da culpa presumida, quando o STF, por edição da Súmula 28, responsabilizou os bancos pelo risco do cheque falso. "Por intermédio desta presunção de culpa, a responsabilidade encontra-se predominantemente com o agente passivo causador do fato danoso e permanece com ele até a real comprovação fática de que não agiu com culpa" (SANTOS, 2005).

Por fim, uma terceira fase, atual, caracterizada pela adoção da teoria objetiva, onde a culpa é totalmente abstraída e, em decorrência, a sociedade usuária dos serviços bancários, desimpedida do obstáculo do ônus da prova. "Assim veio a teoria do risco, em bom momento, socorrer todos inclusos na sociedade desprotegida, em especial a quem não tem o contrato como elemento probatório essencial de imputação da culpa" (SANTOS, 2005).

A recente jurisprudência afirma este direcionamento no entender da Quarta Turma do STJ, para quem o fornecedor de serviços – bancos incluídos – responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes, ou inadequadas, sobre sua fruição e riscos, como dispõe o artigo 14 do CDC. A propósito, tanto o CDC quanto a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, § 6º (prestação de serviços públicos), afastaram a "concepção subjetiva da culpa" (STOCO, 2001, p. 107).

Pois bem, apenas em certos casos a lei brasileira adotou a teoria do risco, ou seja, a responsabilidade sem culpa. "A responsabilidade subjetiva subsiste como regra sem prejuízo da adoção da responsabilidade objetiva, nos casos e limites previstos em leis especiais" (CAVALIERI FILHO, 2002, p. 33).

Deu-se assim, na forma objetiva, a responsabilização dos poluidores por danos ambientais. A nossa Lei da Política Nacional do Meio Ambiente – Lei 6938/81 – consagrou a responsabilidade objetiva por danos ambientais em seu artigo 14, § 1º, que assim reza: "Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros afetados por sua atividade...". Antes disso, porém, a adoção da teoria objetiva no ordenamento jurídico ambiental brasileiro foi originalmente abraçada no Decreto 79.347/77, que promulgou a Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil em Danos Causados por Poluição por Óleo e a Lei 6.453/77, que trata da responsabilidade civil por acidentes nucleares (MUKAI, 2002, p. 61; LUCARELLI, 1994, p. 14).

A responsabilidade civil pelo dano ambiental efetivamente foi instituída na supracitada Lei 6.938/81, em seu § 1º do artigo 14, encontrando seu fundamento axiológico na própria Constituição Federal de 1988, no artigo 225, § 2º e 3º. Esta responsabilidade pelo dano ambiental é objetiva e foi recepcionada pela Carta Magna, tendo como pressuposto "a existência de uma atividade que implique riscos para a saúde e para o meio ambiente, impondo-se ao empreendedor a obrigação de prevenir tais riscos (princípio da prevenção) e de internalizá-los em seu processo produtivo (princípio do poluidor-pagador). Pressupõe, ainda, o dano ou risco de dano e o nexo de causalidade entre a atividade e o resultado, efetivo ou potencial" (STEIGLEDER, 2004, p. 197).

É certo que, também, no direito ambiental brasileiro, decorre do princípio do poluidor-pagador o fundamento para que a recuperação do dano ambiental seja integral. O agente responsável pela degradação do meio ambiente deve internalizar todos os custos com a prevenção e a reparação dos danos ambientais (STEIGLEDER, 2005, p. 93).

A adoção da responsabilidade objetiva pelo legislador ambiental tem como conseqüências a 1) prescindibilidade da culpa para o dever de indenizar; 2) irrelevância da ilicitude da atividade; 3) irrelevância do caso fortuito e da força maior. Em decorrência do tipo de responsabilidade em tela, apenas dois são os requisitos necessários para gerar obrigação de indenizar: o dano e o nexo causal (BITTENCOURT; MARCONDES, 1997, p. 85).

Vale ressaltar que no direito ambiental, em decorrência dos princípios da precaução e prevenção, o conceito de dano é ampliado, abarcando danos futuros e meramente prováveis, isto é, rompe-se com o requisito geral da responsabilidade civil de que o dano seja certo e atual (STEIGLEDER, 2004, p. 191). Em outras palavras, em sede de reparação do dano ambiental o prejuízo a ser indenizado não necessariamente precisa ter ocorrido, uma vez que a responsabilidade civil ambiental vai mais além do que a responsabilidade civil em sede de reparação do dano em geral: todo prejuízo potencial, que pode advir no futuro (dano futuro) pode e deve ser coibido (VENOSA, 2003, p. 197). Ora, em face da característica do dano ambiental, sua "ilimitabilidade" - quer no tempo, quer no espaço -, o que se pretende é evitar que ele ocorra.

No dano ambiental, o nexo causal verifica-se de forma atenuada entre ele e o risco criado pela atividade do agressor, ou seja, o responsável. O risco é, na verdade, a condição da existência do dano, ainda que não se possa demonstrar ter sido sua causa direta (BITTENCOURT; MARCONDES, 1997, p. 87). Por isso que a determinação do nexo de causalidade em matéria de danos ambientais tem a sua exigência de comprovação diminuída (VENOSA, 2003, p.147), invertendo-se, na prática, o ônus da prova (BITTENCOURT; MARCONDES, 1997, p. 87) e evitando-se a "socialização do prejuízo" (LUCARELLI, 1994, p. 12).

Se na esfera da responsabilidade civil em geral teríamos que fechar uma relação efetiva entre o dano causado e a ação ou omissão do agressor, o mesmo não se passa quando dos prejuízos à natureza: basta uma "potencialidade de dar causa ao prejuízo na atividade do agente que se pretende responsabilizar, estabelecendo-se, então, uma presunção" (LUCARELLI, 1994, p. 12). Nas palavras de Annelise Monteiro Steigleder: "...a verdade substitui-se a verossimilhança; a certeza dá lugar à probabilidade" (STEIGLEDER, 2004, p. 208). A autora sinaliza aqui uma dicotomia entre o jurídico e o científico.

A doutrina do risco, portanto, é um substitutivo à teoria da culpa na responsabilização da pessoa no dano ambiental. Deve o empreendedor andar com cautela se a atividade por ele escolhida é gravada pelo ordenamento com a responsabilidade objetiva. Ao dedicar-se a ela, aceita, sob o pálio do ordenamento ambiental pátrio, quer lhe soe bem ou não, as conseqüências danosas que lhe são inerentes (STIEGLEDER, 2003, p. 84). Por isso se diz que o explorador da atividade econômica coloca-se na posição de garantidor da preservação ambiental.

A depender da maior ou menor possibilidade de assunção dos riscos por parte do empreendedor, está a doutrina do risco dividida em duas grandes espécies de teoria: 1) a teoria do risco integral e a 2) teoria do risco criado. Aquela considera que o responsável deve reparar quaisquer danos que tenha conexão com a sua atividade, não admitindo excludentes de responsabilidade (caso fortuito, força maior, ação de terceiros ou da própria vítima). "Nem o estado de necessidade, nem a legítima defesa excluem a responsabilidade do degradador" (BITTENCOURT; MARCONDES, 1997, p. 85). Esta, apenas considera aqueles fatores de risco efetivamente aptos a gerar lesões, admitindo excludentes de responsabilidade (culpa exclusiva da vítima, fatos de terceiro e força maior).

A teoria do risco integral encontra amparo justificador no artigo 225, caput, da Constituição Federal de 1988, e no § 1º do artigo 14 da Lei 6.938/81. Autores da estirpe de Antonio Herman Benjamin, Athias, Cavalieri Filho, Milaré, Nery Júnior, José Afonso da Silva e Sérgio Ferraz defendem sua inteira adoção (STEIGLEDER, 2004, p. 199). Uma variante da teoria do risco integral é a teoria do exercício da atividade perigosa ou teoria do risco profissional. O artigo 927, § único, 2ª parte, do novo Código Civil o acolheu. Aqui a imposição da responsabilidade objetiva ao agente (os bancos se prestam bem como exemplo) tem como pressuposto o exercício de atividade lucrativa, que faz com que o agente tenha o dever de assumir os riscos dos danos que causar... A responsabilidade civil deve recair sobre quem aufere os lucros (ubi emolumentum, ibi onus) (STOCO, 2001, p. 487).

De resto, porém, toda a teoria da responsabilidade civil objetiva estaria fundada nesse "princípio de equidade", não apenas uma ou outra variante. Eis que o princípio da responsabilidade objetiva é o da equidade e por ele deve o agente assumir todos os riscos e desvantagens de sua atividade. Impõe-se o dever de reparar o dano não somente porque existe responsabilidade. Põe-se fim, assim, em tese, à prática inadmissível da socialização do prejuízo e da privatização do lucro (MILARÉ, 2001, p. 429).

Prosseguindo, temos que a teoria do risco integral é majoritariamente adotada pela doutrina e pela jurisprudência brasileiras, o que não impede, todavia, de que seja vista apenas como uma construção doutrinária e que seja rejeitada por parcela considerável dos doutrinadores (GRIZZI et al., 2003, p. 56).

A teoria do risco criado foi acolhida pelo artigo 927 do novo Código Civil Brasileiro que, na 2ª metade do seu parágrafo único, consigna a obrigação de reparar o dano independentemente de culpa "quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem". Como visto, este risco diz respeito exclusivamente a atividades perigosas, ou seja, àquelas que geram fatores de risco de considerável periculosidade e que seja efetivamente aptas a gerar situações lesivas (STEIGLEDER, 2004, p. 198). Tal teoria admite excludentes de responsabilidade e é adotada em vários países da comunidade européia, como a Alemanha, Espanha, Itália, França e Portugal. Autores consagrados como Admeck, Toshio Mukai e Andreas Krell defendem a teoria em foco. De acordo com SANTOS (2005), a doutrina brasileira é francamente favorável à teoria do risco criado.


2. Os bancos diante da legislação ambiental brasileira

Emprestar dinheiro é tarefa dos bancos. Uma de suas atividades. O financiamento de projetos envolve riscos e os bancos, através de seus analistas de crédito, têm muito se preocupado com o retorno de seu capital na hora de sua concessão. Há um tempo atrás predominava uma visão inteiramente capitalista, voltada exclusivamente para os interesses dos próprios agentes financeiros.

Paulatinamente os bancos foram chamados à responsabilização e a análise de crédito passou a incorporar as externalidades, não só do campo econômico-financeiro, mas também de outros campos como o das relações de consumo e do meio ambiente.

A legislação básica de referência aos bancos é a Lei Federal 4.595/64, conhecida como Lei da Reforma Bancária, que estrutura o sistema financeiro nacional, do qual fazem parte o Conselho Monetário Nacional, o Banco Central – a quem é atribuída a função de fiscalização do sistema -, e as demais instituições financeiras. O estatuto aqui referido não trata de responsabilidade civil dos bancos, nem contratual (na relação entre banco e seus clientes), nem aquiliana (danos a terceiros não clientes), sendo sua previsão e regulamentação fruto, sobretudo, decorrente das soluções doutrinárias e jurisprudenciais. A teoria do risco criado tem sido utilizada por parte da doutrina para suprir a falta de previsão e regulamentação da Lei 4.595/64, no que se refere à responsabilidade civil dos bancos, conferindo à atividade bancária, portanto, uma responsabilização independentemente de culpa, exatamente porque lhe falta tal previsão (ALVES, 1999, v.1, p. 94). No que outra parte da doutrina se descontenta e a contraria, haja vista não entender que os bancos exerçam atividade de risco ou atividade perigosa que justifique a aplicação da teoria do risco criado. Nas palavras de Rui Stoco, "nem mesmo por presunção se pode considerar a atividade bancária como atividade de risco ou que essas instituições criem riscos aos seus clientes de modo a ensejar a sua responsabilidade objetiva" (STOCO, 2004, p. 40).

Não só a falta de previsão doutrinária referida anteriormente, mas, a bem da verdade, o culto – em substituição à teoria da culpa -, da teoria do "risco profissional", teoria essa que se apóia no pressuposto de que o exercício de atividades com fins lucrativos incorpora os riscos dos danos gerados, isto é, a defesa de que a responsabilidade deve recair sobre aquele que aufere os benefícios ou lucros da atividade que explora (teoria do ubi emolumentum, ibi onus).

Uma mutação deu-se, a bom tempo, com o advento do Código de Defesa do Consumidor (CDC), Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, que equiparou a prestação de serviços bancários de natureza onerosa às relações de consumo (STOCO, 2004, p. 39).

Com tal equiparação, consignada no parágrafo 2º, do artigo 3º da Lei, os riscos do consumidor foram transferidos para o fornecedor – leia-se, nesse caso, os bancos -, estabelecendo responsabilidade civil objetiva para todos os casos de acidente de consumo, quer decorrentes do fato do produto, quer do fato do serviço (CAVALIERI FILHO, 2000, p. 205).

Hodiernamente o que se discute é se a relação dos bancos com o sistema financeiro estaria sujeita a dois regimes jurídicos distintos, quais sejam, o do Código de Defesa do Consumidor e a resolução do Banco Central que criou o Código de Defesa do Consumidor Bancário, e não propriamente se as relações bancos-clientes não são relações de consumo, ainda que o fato dessas instituições não aplicarem dinheiro próprio e sim de terceiros (investidores) – já que são meros "trocadores de dinheiro" -, caracterizaria relação não-consumerista (MARTINS, 2005). Em que pese tal posicionamento, há também o entendimento de que o simples fato de o financiado ser destinatário final do dinheiro ou do crédito outorgado pelo banco caracterizaria relação de consumo (SCARTEZZINI, 2003, p. 19).

No campo do direito ao meio ambiente sadio e de qualidade, não só os bancos, mas todo o sistema financeiro tem demonstrado crescente preocupação com as repercussões ambientais de suas atividades, a partir, sobretudo, da iniciativa financeira do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – IF/PNUMA (ANTUNES In: GRIZZI et al., 2003, p. XIII). A concessão do crédito das instituições financeiras evolui, a olhos vistos, no sentido da sua vinculação aos ditames da legislação ambiental.

A Constituição Federal norteia esse direcionamento ao contemplar no mesmo plano os princípios da livre concorrência e o da defesa do meio ambiente, não admitindo privilégios de um sobre o outro (MUKAI, 2002, p. 34). A ordem econômica brasileira, segundo o inciso VI, do artigo 170 da Carta Magna, "é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa", tendo entre seus princípios a "defesa do meio ambiente". "Toda atividade econômica", nos ensina o constitucionalista José Afonso da Silva, "só pode desenvolver-se legitimamente enquanto atende a tal princípio, entre os demais relacionados no mesmo artigo 170, convocando no caso de não atendimento, a aplicação da responsabilidade da empresa e de seus dirigentes, na forma prevista no artigo 173, §5º" (SILVA, 2002, p. 48).

Recordemo-nos, também, de que nosso país, na Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, ECO 92, como ficou conhecida, acatou como meta a ser buscada, o modelo do desenvolvimento sustentável adotado na Declaração do Rio (Princípio 4: "Para se alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção do meio ambiente deve constituir parte integrante do processo de desenvolvimento e não pode ser considerada isoladamente em relação a ele") e na Agenda 21. Por desenvolvimento sustentável, a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento entende como "aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades" (MILARÉ, 2001, p. 122).

Humberto Adami, em artigo intitulado "A Responsabilidade Ambiental dos Bancos", advoga que no conceito constitucional de coletividade, registrada no caput do artigo 225 da Carta Maior, a quem o constituinte, juntamente com o Poder Público, impôs o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações, deve ser incluído como partícipe os bancos de um modo geral, públicos ou privados, "...pois não se pode admitir que os bancos pretendam estar fora da coletividade" (SANTOS JÚNIOR, 1998).

Expressamente, o legislador infraconstitucional ambiental tratou pioneiramente dos bancos na Lei 6.803/80, conhecida como Lei do Zoneamento Industrial, que "dispõe sobre as diretrizes básicas para o zoneamento industrial nas áreas críticas de poluição". Eis o que diz o seu artigo 12, verbis:

Art. 12. Os órgãos e entidades gestoras de incentivos governamentais e os bancos oficiais condicionarão a concessão de incentivos e financiamentos às indústrias, inclusive para participação societária, à apresentação da licença de que trata esta Lei.

A licença a que se refere o artigo em tela está prevista no artigo 9º da Lei e diz respeito à observância e atendimento das normas e padrões ambientais definidos pelos órgãos ambientais referentes à emissão de gases, ruídos, radiações; a riscos de explosão, incêndios e, inclusive, padrões de uso e ocupação de solo. Vigente é o referido artigo, ainda que a Lei encontra-se parcialmente revogada. Paulo de Bessa Antunes, fazendo alusão ao valor histórico dessa Lei no direito ambiental brasileiro, considera que a mesma "estabeleceu de forma clara e precisa a necessidade de avaliação de impacto ambiental dos empreendimentos industriais" (ANTUNES, 2000, p. 205). Esse reconhecimento já havia sido registrado por Ann Helen Wainer, ao se referir à Lei sob comento como um dos maiores avanços na legislação ambiental brasileira (WAINER, 1999, p. 83).

Os bancos, destarte, pelo menos os oficiais, conforme dispôs a Lei, se viram obrigados a partir desse "momento de grande importância", como à ela se referiu o autor supracitado em sua obra Direito Ambiental, a requisitar e condicionar a liberação de recursos às indústrias à apresentação da licença ambiental prévia aos incentivos e financiamentos. Os bancos também devem oferecer condições especiais de financiamento a projetos que visem à redução de poluição, conforme o parágrafo único do artigo 12 da Lei.

Em 1981 o país conquistou uma lei considerada por vários autores como o marco inicial do direito ambiental no Brasil: a Lei 6.938/81, que estabeleceu a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), constituiu o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), criou o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) e instituiu o Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental. ANTUNES (2005, p. 6) entende-a como "[...] o instrumento apto ao desempenho da coordenação da aplicação das diversas normas legais esparsas que cuidam de proteção ambiental no Brasil". Tamanha sua importância. A grande virtude, entretanto, apontada por estudiosos da matéria e ambientalistas foi a consagração da responsabilidade objetiva de indenizar e reparar os danos ambientais, pelos seus artigos 4º, VII e 14, § 1º (ALVARENGA, 2001, p. 91).

No artigo 12 da Lei 6.938/81, com o seu parágrafo único, da mesma forma que no artigo 23 do Decreto 99.274/90, que regulamentou a Lei, "o legislador procurou o apoio dos bancos para aplicar concretamente a legislação ambiental, indicando a necessidade de atuação conjunta entre bancos e órgãos ambientais de fiscalização" (GRIZZI et al., 2003, p. 53). Devem os bancos, portanto, exigir o prévio licenciamento ambiental para aprovação do crédito, além de impor a observância do cumprimento das normas do CONAMA, e fazer constar no projeto financiado a realização de obras e aquisição de equipamentos para o controle da degradação ambiental. Assim vêm estatuídos os artigos em tela:

Lei 6.938/81, verbis:

Art. 12. As entidades e órgãos de financiamento e incentivos governamentais condicionarão a aprovação de projetos habilitados a esses benefícios ao licenciamento, na forma desta Lei, e ao cumprimento das normas, dos critérios e dos padrões expedidos pelo CONAMA.

Parágrafo único. As entidades e órgãos referidos no caput deste artigo deverão fazer constar dos projetos a realização de obras e aquisição de equipamentos destinados ao controle de degradação ambiental e à melhoria da qualidade do meio ambiente.

Decreto 99.274/90, verbis:

Art. 23. As entidades governamentais de financiamento ou gestoras de incentivos condicionarão a sua concessão à comprovação do licenciamento previsto neste decreto.

Alguns outros artigos da Lei 6.938/81 – Lei da Política Nacional do Meio Ambiente – e a Lei 9.605/98 – Lei de Crimes Ambientais - possuem impactos diretos na consideração da responsabilidade ambiental dos bancos. Os artigos 3º e 14 da Lei 6.938/81 tratam, respectivamente, da equivalência na reparação dos danos para poluidores diretos e indiretos (isto é, o referido artigo cria a figura do "poluidor indireto" – co-autor ou partícipe do dano causado) e a obrigação do poluidor de reparar o dano independentemente da existência de culpa. Esse último artigo 14, inclusive, em seu inciso III, impõe a sanção de perda ou suspensão de participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito aos transgressores. Ainda no que diz respeito à Lei 6.938/81, uma antiga atribuição de competência do CONAMA – atualmente desnecessária após a promulgação da Lei de Crimes Ambientais (SANTILLI, 2001, p. 163) -, era a de aplicar a sanção de perda ou restrição de benefícios a incentivos oficiais concedidos pelas autoridades administrativas ou financeiras.

Na Lei 9.605/98 temos os artigos 2º, 3º e 4º que tratam do concurso às práticas criminosas (incidência nas mesmas penas cominadas), da responsabilidade penal da pessoa jurídica e da desconsideração da personalidade jurídica, respectivamente. Por óbvio, estamos a falar de penas de natureza criminal. Todavia, no plano administrativo, a Lei 9.605/98 prevê, no artigo 72, § 8º, inc. IV, dentre as sanções restritivas de direitos, a "perda ou suspensão da participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito".

Igual sanção restritiva de direitos encontrá-la-emos na atual Lei de Biossegurança (Lei 11.105/05), em seu artigo 21, inc. X, bem como no seu regulamento, Decreto 5.591/05, no artigo 70, inc. X, que tratam, ambos, das infrações administrativas e suas respectivas punições para aqueles que violarem as suas normas. Tanto uma como outra, tanto a lei quanto o seu regulamento, fazem referência às organizações públicas e privadas, nacionais e estrangeiras, financiadoras ou patrocinadoras de atividades ou de projetos que envolvam organismos geneticamente modificados (OGM) e seus derivados, impondo-lhes o dever de exigir a apresentação do Certificado de Qualidade em Biossegurança (CQB), emitido pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Assim, os bancos para concederem os seus financiamentos devem condicionar a aprovação dos mesmos à apresentação prévia do CQB, sob pena de, em não o fazendo, tornarem-se co-responsáveis pelos eventuais efeitos decorrentes do descumprimento da Lei ou de seu Regulamento. Cabe dizer: prevista está a co-responsabilidade dos bancos em casos de financiamentos dos projetos de biotecnologia (MACHADO, 2000, p. 312).

Expressamente, o artigo 20 da Lei de Biossegurança afirma que os responsáveis pelos danos ao meio ambiente e a terceiros responderão solidariamente por sua indenização ou reparação integral, independentemente da existência de culpa.

Damos, enfim, por visto, uma relação de leis ordinárias e regulamentos de importância indiscutível para o direito de todos, presentes e futuros, a um meio ambiente equilibrado ecologicamente, que convoca expressamente os financiadores de atividades e empreendimentos – os bancos -, a desempenharem políticas de crédito cuja gestão garanta o cumprimento de determinações legais ambientais, sob pena de responderem eles, os bancos, solidariamente com os seus financiados, pelos danos causados ao meio ambiente.

Lembramos que, em função da competência concorrente para legislar sobre o meio ambiente, Distrito Federal, Estados e Municípios possuem legislações ambientais próprias às quais os bancos devem obediência quando da liberação de seus créditos. E como os citados entes federais tratam muitas vezes de forma diferenciada a sujeição ao licenciamento ambiental das mesmas atividades, isto é, possuem políticas estaduais próprias com diferentes parâmetros de exigências para concessão de licença ambiental, os bancos devem, então, observar os casos de exigência/dispensa de licença ambiental para cada atividade nos diferentes Estados da federação. A título de exemplo: atualmente, os bancos se vêem obrigados no Estado de Pernambuco a exigir a licença ambiental do cliente da carteira de crédito rural, para aprovação e concessão do referido crédito, quando o projeto contemplar irrigação, para qualquer tamanho de área que seja. O mesmo não ocorre no Estado da Bahia, cuja legislação ambiental dispensa o licenciamento para atividades/empreendimentos de agricultura irrigada em áreas de até 50 hectares.

Os posicionamentos normativos do CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente - devem ser considerados para fins de cautela pelos bancos, no campo de sua responsabilidade, sobretudo quando os órgãos estaduais dispensam o processo de licenciamento ambiental para a instalação e operação de certas atividades.


3. A responsabilidade civil dos bancos por danos ecológicos causados por seus clientes em projetos por eles financiados

Uma das características da responsabilidade ambiental brasileira é o fato de que a mesma é solidária, o que implica dizer que concorrem todos aqueles que, de forma direta e indireta, colaboraram para com a atividade que resultou danosa. Ou seja, todos respondem, por ação ou omissão, uma vez que o legislador não limita o perfil do poluidor, estendendo-o ao invés, de tal modo que se fala em poluidor direto e poluidor indireto. Está assentado no artigo 3º, inc. IV, da Lei 6.938/81, quando da conceituação do poluidor, verbis:

Art. 3º. Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

...

IV – poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental;

A prevalência desse vínculo e das regras de solidariedade entre os empreendedores, a quem direta ou indiretamente aproveita a atividade econômica lesiva, é decorrência do sistema da responsabilidade objetiva adotada pelo legislador pátrio para reparação e indenização de danos provocados ao meio ambiente (MILARÉ, 2001, p. 435).

Isso permite à vítima a liberdade de processar todos ou apenas um poluidor, o mais solvente, por exemplo, ou aquele que mais lhe convier, para reparar-lhe o prejuízo causado. Não estará obrigado, assim, a apontar todos os responsáveis diretos ou indiretos que tenham causado os danos a serem reparados (MACHADO, 2000, p. 328). Claro está que, àquele que pagar pela integralidade do dano "caberá ação de regresso contra os outros co-responsáveis, pela via da responsabilização subjetiva, procedimento que permite discutir a parcela de responsabilidade de cada um" (MILARÉ, 2001, p. 436).

Pois bem, como se situam os bancos diante da possibilidade de co-responsabilidade por danos ambientais? A instituição que financia projetos e/ou atividades causadoras de lesão ao meio ambiente, estará a exercer atividade de cooperação ou mesmo de co-autoria, respondendo pela degradação ambiental provocada pelo responsável direto pelo empreendimento financiado, que, prima facie, provocou o dano ambiental. Como vimos alhures, essa co-responsabilidade já vem explícita na Lei de Biossegurança (Lei 11.105/05, art. 2º, § 4º) e implícita na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81, art. 12), sendo evidente que esta é a tendência legislativa mais moderna: "considerar quem financia a degradação ambiental é co-responsável por ela" (SANTILLI, 2001, p. 138)

Presente a responsabilidade solidária, podem os litisconsortes ser acionados em litisconsórcio facultativo, o que significa dizer que, na processualística da ação civil pública por danos ambientais – ação própria para defesa dos interesses difusos e coletivos, instituída pela Lei 7.347/85 -, não se exige que o autor acione todos os responsáveis, ainda que o pudesse fazer (MAZZILLI, 2003, p. 140).

A solidariedade passiva é admitida em matéria de danos ambientais e danos aos consumidores, dada a comum dificuldade em delimitar os legitimados passivos. Hugo Nigro Mazzilli lista três motivos, a saber: 1) há solidariedade nas obrigações resultantes de ato ilícito (CC, art. 942); 2) os co-responsáveis, por via de regresso, poderão discutir posteriormente, entre si, distribuição mais eqüitativa da responsabilidade; 3) nas obrigações indivisíveis de vários devedores, cada um deles tem responsabilidade pela dívida toda (CC, arts. 259 e 260; CDC, arts. 7, § único e 22, § 1º) (MAZZILI, 2003, p. 308).

Fica claro que o instrumento processual Ação Civil Pública pode ser intentado não só contra o responsável direto, como também contra a instituição que o financiou, objetivando apurar a sua co-responsabilidade pelo dano ambiental (SANTILLI, 2001, p. 138). Isto é, os bancos têm responsabilidade pela concessão do crédito, respondendo solidariamente por eventual dano ambiental. A contaminação do lençol freático de veneno utilizado por agricultor que o adquiriu mediante financiamento do crédito rural para custeio de lavoura, através de um banco, torna este último responsável solidariamente pelo dano causado. O banco é partícipe da relação (MOTTA, 2000, p. 268) e esse liame de solidariedade passiva a que se vê emaranhado o agente financiador do empreendimento que degradou o meio ambiente, é que justifica o termo "poluidor indireto", por força da Lei 6.938/81, art. 3º, inciso IV (GRIZZI et al., 2003, p. 41).

Como condição de responsabilização civil por dano ambiental do banco financiador do empreendimento ou atividade degradante, parte da doutrina entende que cabe demonstrar que o financiamento foi imprescindível para que o evento danoso ocorresse, isto é, se não conseguisse o financiamento, o empreendedor não desenvolveria a atividade e, logo, não causaria danos ambientais (GRIZZI et al., 2003, p. 51).

Entendemos que há de ter uma espécie de "nexo de causalidade" entre o dinheiro injetado na atividade ou empreendimento e o dano decorrente de sua aplicação. Não poderíamos imaginar a co-responsabilidade de um banco financiador por poluição de mercúrio, causado por uma indústria química, no momento do financiamento, quando os recursos liberados pelo banco foram destinados à edificação das instalações da indústria, não sendo aportado para sua operacionalização... Não há no exemplo uma "conexão" dos fatos.

O direito ambiental no campo da responsabilidade civil não deve fazer distinção entre bancos públicos e privados, nacional ou estrangeiro. Responsabiliza-se o financiador, que aqui denominamos simplesmente banco, como sendo toda e qualquer organização de financiamento, pela reparação dos danos de forma objetiva e solidária. Essa é uma importante questão: a amplitude da responsabilidade que abrange todos os estabelecimentos financiadores (MACHADO, 2000, p. 312).

Seria isolar setores do sistema financeiro, o que é inadmissível, caso interpretássemos que apenas os bancos oficiais, por exemplo, se veriam obrigados a exigir o cumprimento da legislação ambiental no momento do financiamento a seus clientes. Uma necessária interpretação lógico-sistemática das disposições constitucionais ambientais e econômico-financeiras, além das disposições infraconstitucionais das normas ambientais apontam para a responsabilidade dos financiadores públicos e privados (GRIZZI et al., 2003, p. 44).

Outra importante questão é a duração dessa co-responsabilidade ambiental dos bancos. No caso, por exemplo, da Lei de Biossegurança, um eventual financiamento bancário sem que o financiado tenha obtido o CQB (Certificado de Qualidade em Biossegurança), os órgãos financiadores tornam-se co-responsáveis pelos eventuais danos ambientais decorrentes da atividade ilegal. O mesmo raciocínio seria financiar empreendimento ou atividade de significativo impacto ambiental sem a contra-apresentação do licenciamento ambiental, exigido por lei para sua instalação e operação. Enquanto existir a atividade/empreendimento, co-responsáveis pelos eventuais danos se fazem os bancos.

A responsabilidade limitada dos bancos só poderia ser invocada caso o mesmo der pleno cumprimento às disposições da legislação ambiental. Essa limitação diz respeito tanto no sentido quantitativo, quanto no temporal.

Para as autoras GRIZZI et al. (2003) o fato de o banco atuar injetando capital não o vincula ao empreendimento, devendo ser sua responsabilidade, por isso mesmo, limitada, isto é, circunscrita ao valor concedido e com vigência coincidente com o termo do contrato de financiamento. A tese é a de que o risco ambiental é risco financeiro diretamente propor-cional aos valores concedidos no financiamento. Reconhecem as autoras que inexiste norma jurídica expressa que determine a limitação da responsabilidade civil ambiental do poluidor, mas, por outro lado, fazem coro com os defensores da teoria do risco criado, alegando que também não há norma jurídica que sustente a teoria do risco integral da atividade, ainda que se considere o artigo 14, parágrafo 1º, da Lei 6.938/81. Para elas, a responsabilidade civil ambiental ilimitada só se consagraria caso o contrato de financiamento fosse celebrado em desacordo com os preceitos constitucionais.

Concordamos com a tese da limitação temporal da responsabilidade do financiador. Emperraríamos a geração de crédito no país caso co-obrigássemos os bancos, ad infinitum, por assim dizer, pelo projeto financiado. Somos conscientes de que os prazos de prescrição são lapsos de tempo fixados por lei que preservam a estabilidade das relações jurídicas, sem a qual não haverá certeza, paz e harmonia (CAVALIERI FILHO, 2002, p. 296).

Parece-nos lógico que a responsabilidade do financiador que cuidou em atender as exigências legais e normativas ambientais, exigíveis quando da concessão do crédito, e que observou, com a responsabilidade que lhe cabe observar, a boa e correta aplicação de seus créditos, mediante fiscalização ou auditoria ambiental, cesse no momento em que cessa o financiamento.

Paulo Afonso Leme Machado sintetiza o exposto: "Quem financia tem a obrigação de averiguar se o financiado está cumprindo a legislação ambiental, no momento do financiamento" (MACHADO, 2000, p. 312). Despiciendo dizer que a legalidade do financiamento não exime agente empreendedor ou o banco cedente do crédito da responsabilidade civil de reparar o dano ambiental eventualmente causado, porque já nos é cediço que a responsabilidade ambiental é objetiva, não se indagando sobre a licitude da atividade. A responsabilidade pela reparação não será, portanto, excluída pelo fato da existência de licença ambiental ou da observância dos limites de emissão de poluentes, bem como de outras autorizações administrativas. Está pacificada a assertiva de que não se concebe o direito adquirido de poluir, tanto que as licenças ambientais são periodicamente renovadas (MACHADO, 2000, p. 46; STEIGLEDER, 2004, p. 209).

Mas não concordamos que o custo da reparação do dano ambiental por parte do banco seja proporcional ao valor financiado. Entendemos que, em face da responsabilidade objetiva na reparação do dos danos ambientais, e respaldado pela teoria do risco integral, o financiador deve obrigar-se à reparação integral do dano, solidariamente com o poluidor direto e eventuais co-responsáveis para depois, aí sim, em sede de direito regressivo, discutir a limitação quantitativa com base no montante financiado.

Financiar atividade ou empreendimento sem a observância das prescrições legais é financiar ilegalidade, assumindo o financiador o papel de co-autor com o poluidor-cliente por todos os atos lesivos ao meio ambiente que este último praticar. Em poucas palavras: se o banco aloca recursos para atividades ambientalmente lícitas, caso haja dano ao meio ambiente durante o financiamento, responde ele integralmente pela reparação do mesmo em situação de poluidor indireto. Se essa alocação de recursos por parte do financiador é realizada sem a observância das prescrições legais, beneficiando empreendimentos/atividades não licenciadas, por exemplo, responde ele integralmente pela reparação do dano ambiental, em situação de co-autoria, sem limitação temporal, isto é, ad infinitum.

Se o poluidor direto responde ilimitadamente nos dois sentidos aqui tratados, quais sejam, quantitativo e temporal, de forma objetiva e solidária, o banco financiador de sua atividade, de seu empreendimento, que ao fazê-lo o fez sem as cautelas devidas, em nada se diferencia dele, não podendo pretender seja limitada sua responsabilidade civil pelo dano ambiental. Não o é, porque o financiador é também poluidor; porque inadequada é a atividade financiada aos normativos ambientais vigentes; porque o contrato é, perante o direito ambiental, ilegal, por desobediência ao art. 225, § 3º, da Constituição Federal (SOUZA, 2005, p. 28).

Mas no caso contrário, quando da adequação do projeto financiado às exigências ambientais, quando da observância por parte dos bancos das restrições e dos cuidados preventivos exigidos pelo arcabouço normativo para a concessão de seus créditos, quando, em suma, financiar atividade ambientalmente lícita, nessas condições, entendemos como os autores aqui mencionados – GRIZZI et al. (2003) e SOUZA (2005) – que a responsabilidade deve ser limitada temporalmente até a adimplência do contrato pelo financiado, por se entender que, ao se liquidar a dívida do financiamento, extingue-se o nexo causal entre o ato do financiador e eventual dano ambiental superveniente (SOUZA, 2005, p. 29). O nexo de causalidade, todavia, eis o nosso posicionamento, garante à natureza e a terceiros a indenização e a reparação integral do dano pelo financiador, independentemente do quantum de dinheiro injetado no projeto.

No campo processual, a legitimidade passiva dos bancos para responder a ações de reparação por danos ambientais, em solidariedade com o seu cliente tomador do crédito e causador direto do prejuízo à natureza, ainda é, como visto, objeto de discussão doutrinária, em face dos diversos ângulos com que se pode mirar a questão da responsabilidade civil ambiental. Os nossos tribunais foram poucas vezes provocados a se manifestar em relação a casos concretos de bancos no pólo passivo, como co-responsáveis, juntamente com os seus clientes poluidores diretos.

Temos conhecimento de um aresto do TRF da 1ª Região, delimitando essa legitimidade passiva, vale dizer, essa co-responsabilidade civil ambiental da instituição financeira, no caso o BNDES, em ação de reparação por dano ambiental, causado por empresa extrativista mineral em uma propriedade particular vizinha a lavra, que resultou em "crateras (dolinas) e morte de animais por contaminação da água". Eis a parte que nos interessa do aresto em tela:

[...]6. Quanto ao BNDES, o simples fato de ser ele a instituição financeira incumbida de financiar a atividade mineradora da CMM, em princípio, por si só, não o legitima para figurar no pólo passivo da demanda. Todavia, se vier a ficar comprovado, no curso da ação ordinária, que a referida empresa pública, mesmo ciente da ocorrência dos danos ambientais que se mostram sérios e graves e que refletem significativa degradação do meio ambiente, ou ciente do início da ocorrência deles, houver liberado parcelas intermediárias ou finais dos recursos para o projeto de exploração minerária da dita empresa, aí, sim, caber-lhe-á responder solidariamente com as demais entidades-rés pelos danos ocasionados no imóvel de que se trata, por força da norma inscrita no art. 225, caput, § 1º, e respectivos incisos, notadamente os incisos IV, V e VII, da Lei Maior. [Agravo de Instrumento 200201000363291/MG. Relator: Des. Fed. Fagundes de Deus. DJU 19.dez.2003 – seção II].

Como se vê, o entendimento acordado é de que para legitimação passiva do banco, faz-se mister comprovar que a liberação das parcelas dos recursos financeiros tenha ocorrido com o conhecimento – e a aceitação dano – por parte do financiador. Salvo melhor juízo, parece-nos que estamos aqui incorrendo perigosamente no campo da culpabilidade em matéria ambiental, já afastada pelo direito ambiental brasileiro.

Oportuno reproduzir aqui as palavras do professor Álvaro Luiz Valery Mirra:

Limitar a reparação dos danos ambientais em virtude da menor culpa ou da ausência de culpa do degradador, significaria, no final das contas, reinserir na responsabilidade objetiva a discussão da culpa, agora não mais para a definição da responsabilidade em si mesma, mas para a definição do montante reparatório, o que a Constituição de 1988 e a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente pretenderam precisamente afastar (MIRRA, 2003, p. 75)

Um outro registro jurisprudencial que não diz respeito diretamente à responsabilidade civil ambiental, mas que merece ser trazida à colação, refere-se a uma sentença prolatada nos autos de uma ação civil pública movida pelo Ministério Público do Estado do Mato Grosso, tendo como réu o Banco do Brasil S.A., com trâmite na Vara Especializada do Meio Ambiente, uma das poucas varas especializadas do país, na Comarca de Cuiabá. O Parquet Estadual objetivava – e logrou no 1º grau – compelir aquela Instituição Financeira a se abster de conceder, dentro da Unidade Federativa do Mato Grosso, qualquer financiamento agropecuário em favor de proprietários de imóveis rurais com área igual ou superior a 100 (cem) hectares, sem que os mesmos apresentassem a comprovação de cumprimento das exigências contidas no artigo 44 da Lei 4.771/65 (Código Florestal) ou do artigo 99 da Lei 8.171/91 (Política Agrícola).

As exigências dizem respeito à recomposição da reserva florestal mediante plantio, regeneração natural ou compensação ambiental, em cumprimento aos percentuais estabelecidos no artigo 16 da Lei 4.771/65, a título de Reserva Legal, e sua compulsória averbação à margem da inscrição de matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente.

O Juízo a quo reconheceu razão à ré – Banco do Brasil S.A. – na alegação de que cabe ao Poder Público atuar na defesa do meio ambiente e que ao IBAMA compete a fiscalização da flora. Mas – entendeu o Juízo -, ainda que o banco seja pessoa jurídica de direito privado, exerce atividade de interesse público e que, portanto, deve atuar em conformidade com os propósitos e objetivos que constituem a política ambiental do país (Processo 008/99 – Cuiabá-MT – J. 10.05.2000 – Juiz de Direito José Zuquim Nogueira).


4. A ampliação da responsabilidade ambiental por parte dos bancos na construção de um "mercado verde"

Uma tendência privatizante e de redução do desenvolvimento à lógica do mercado, imperiosa tempos atrás, parece menos expressiva na atualidade em termos comparativos, em face de um processo de transformação, de nova postura, que os agentes financeiros de todos os níveis tiveram que adotar, diante das novas questões relevantes vinculadas ao trabalho, à ética, à etnia, à sociedade de um modo geral, e ao meio ambiente, e que são objetos de atenção e de preocupação de boa parte do mundo atual.

Cunharam-na de responsabilidade socioambiental das empresas e como o nome sugere, inclui toda pessoa jurídica inserida no contexto mercadológico do sistema capitalista, com vistas à obtenção de lucro. No caso dos bancos, pelo menos os comerciais, seus interesses típicos são a aplicação lucrativa do capital, como sabemos.

A preocupação em compatibilizar, portanto, os supramencionados interesses com a dimensão socioambiental, ficou patente na medida em que os bancos trazem a referida dimensão para o seu processo de análise de crédito. Essa preocupação é um compromisso assumido cada vez mais pelas instituições bancárias, sendo oportuno registrar que a concessão de recursos financeiros às empresas fica condicionada a uma avaliação de responsabilidade socioambiental da tomadora do crédito.

Atualmente, é crescente o número de empresa que já publicam Balanço Social ou Balanço Socioambiental com vistas, portanto, a atender a exigência do mercado e do sistema financeiro. Recentemente, um novo indicador do mercado acionário brasileiro entrou em vigor: trata-se do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), o primeiro da América Latina, criado pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). O índice, que entrou em vigor na abertura do pregão da Bovespa no dia 01.12.2005, avalia as dimensões econômico-financeiras, sociais e ambientais das empresas.

São mudanças notáveis que vem surgindo nessa economia globalizada sob a égide do princípio do desenvolvimento sustentável, assumido na Cúpula da Terra (RIO 92), precisamente na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), por mais de 170 países, cujo documento-guia para se alcançar o propósito de buscar novos padrões de produção e consumo sustentáveis para estas e as futuras gerações foi a Agenda 21, um grande inventário dos problemas que a humanidade enfrenta e das providências que devemos todos tomar para enfrentá-los (BARBIERI, 1997, p. 85).

Uma nova concepção de sociedade a partir do reconhecimento de que a economia de mercado e a concorrência entre empresas e países têm sido em grande parte as causas da degradação humana e ambiental (BARBIERI, 1997, p. 30).

Os bancos, nesse contexto, foram os veículos principais de fomento à degradação ambiental, na medida em que são os financiadores do sistema capitalista de mercado. O crédito tem servido para expandir monoculturas, levando à destruição em larga escala o espaço natural (HAGEMANN, 1996, p. 43). O peso dos pesticidas, a perda de fertilidade do solo, a poluição dos aqüíferos, o desflorestamento das nossas matas, a contaminação do ar pela indústria... Quanto do dinheiro público e/ou privado não vem sendo disponibilizado através dos bancos para financiar a destruição, com o conseqüente desequilíbrio da existência na terra? Assombroso pensar que somente nesses últimos anos a legislação ambiental surgiu para limitar essas conseqüências desastrosas da produção capitalista desmesurada, do crescimento selvagem, na expressão utilizada por Ignacy Sachs, para se referir àquele crescimento pelo qual pagamos um alto preço social e ecológico e que não é sinônimo de desenvolvimento (SACHS, 1996, p. 10).

Todavia, essa nova ideologia da produção consciente, do boom do movimento da responsabilidade social corporativa que vivenciamos na atualidade, tem sido mais vitoriosa, segundo alguns autores, no campo das relações públicas. Princípios e valores dos mais elevados são assumidos por um número crescente de empresas, através, por exemplo, de conselhos de ética, a cada dia, sem, no entanto, perceber-se significativa influência dos mesmos nas decisões estratégicas das organizações (WOOD Jr., 2005, p. 35).

Não raro se vê destaques na mídia por parte dos bancos que alardeiam responsabilidade socioambiental nos seus financiamentos, como por exemplo, a aquisição de equipamentos de aquecimento solar ou conversão de automóveis para GNV, quando essas atividades são tipicamente bancárias, servindo apenas como propaganda enganosa dessa responsabilidade socioambiental da qual estamos a falar (CORTEZ, 2003).

Não obstante, é inquestionável o grande número de empresas que endossaram a ética da responsabilidade socioambiental e acompanham seriamente um mercado consciente da necessidade de preservação dos recursos naturais, da necessidade de se consumir produtos ecologicamente corretos. Acionistas, investidores, consumidores, têm todos exigido o aumento dessa responsabilidade por parte das empresas. E os bancos, obviamente, têm se esmerado na conquista da fatia desse mercado promissor, ampliando, em contrapartida, sua participação efetiva na construção de um desenvolvimento sustentável.

Grandes bancos americanos como o Citigroup, Bank of America e o J. P. Morgan Chase têm fechado acordos a favor do meio ambiente com organizações ambientais como a Rainforest Action Network. Um processo de "reverdecimento" da economia global, isto é, a implementação de processos produtivos que respeitam o meio ambiente da terra está a ocorrer, em face das "pressões dos preços e o aumento da consciência pública sobre os custos da contaminação, da mudança climática e de uma decadente qualidade de vida..." (SOMMER, 2005).

Nesse direcionamento foi a edição aqui no Brasil, já no ano de 1995, do chamado Protocolo Verde, um acordo entre o Governo Federal e instituições financeiras que assumiram a incorporação da variável ambiental na concessão de crédito e de benefícios fiscais, propugnando um Estado que promova e garanta o desenvolvimento sustentável. No Protocolo Verde consta um anexo intitulado "Carta de Princípios para o Desenvolvimento Sustentável", o qual estabelece, entre seus princípios gerais, que (1) o setor bancário deve privilegiar de foram crescente o financiamento de projetos que não sejam agressivos ao meio ambiente ou que apresentem características de sustentabilidade e que (2) a gestão ambiental deve requerer a adoção de práticas que antecipem e previnam degradações ao meio ambiente (BRASIL, 1995).

De lá pra cá, proliferaram financiamentos de projetos de cunho ambiental (PORTO, 2003).

Mais recentemente, os bancos vêm se mostrando interessados no rentável mercado de créditos de carbono, que funciona através de um "Mecanismo de Desenvolvimento Limpo", um instrumento, oriundo do Protocolo de Kyoto, que destina recursos para financiamento de projetos ambientalmente corretos, voltados para o desenvolvimento sustentável e que repercutam na diminuição da concentração de carbono na atmosfera, como forma de combater o aquecimento global (efeito estufa).

Financiamentos socioambientais, como são genericamente referidos, são oferecidos pelos bancos a seus clientes para viabilizar projetos de uso de tecnologias limpas, de tratamento de água e lixo, controle de emissões, energia alternativa, recuperação de solos contaminados, reflorestamento, etc. Recursos frequentemente repassados pelo braço financeiro do Banco Mundial, o International Finance Corporation (IFC), aos signatários do Princípio do Equador, um conjunto de critérios assumidos voluntariamente por um pool de bancos nacionais e estrangeiros, que orientam os mesmos na avaliação do impacto socioambiental dos grandes projetos que financiam. São instituições financeiras que ao redor do globo resolveram adotar padrões para avaliação e gerenciamento dos riscos ambientais e sociais em projetos de desenvolvimento (ROBINSON, 2005).


Conclusão

1 – A responsabilidade civil subjetiva fundada na culpa mostrou-se insuficiente e limitada para enfrentar as complexas questões decorrentes das relações sociais no mundo moderno;

2 – A responsabilidade civil objetiva afastou o elemento subjetivo da culpa e aproximou o instituto da inversão do ônus da prova, permitindo uma maior garantia na incolumidade dos bens difusos, como o meio ambiente;

3 – O risco passou a ser a fonte de responsabilidade civil em substituição da culpa;

4 – As limitações da tutela ambiental foram flexibilizadas com a adoção da teoria objetiva: a recorrente impossibilidade de apontar um único responsável pelo dano ecológico (todos são responsáveis) e a produção de provas de culpabilidade por parte do agredido (inversão do onus probandi);

5 – A consagração da responsabilidade civil objetiva por danos ambientais veio com a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81). Entretanto, o legislador a abraçou originalmente no Decreto 79.347/77, que promulgou a Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil em Danos causados por Poluição de Óleo e pela Lei 6.453/77, que tratava da responsabilidade civil por acidentes nucleares;

6 – A teoria do risco substituiu, portanto, a teoria da culpa. A doutrina ambiental se divide, basicamente, entre suas duas vertentes: a teoria do risco integral e a teoria do risco criado. A primeira é a que maior tutela oferece: não admite excludentes de responsabilidade e qualquer dano ambiental que tenha conexão com a sua atividade deve ser reparado;

7 – A teoria do risco integral foi recepcionada pelo caput do artigo 225 da Constituição Federal e a do risco criado, tem assento no Código Civil, precisamente na segunda metade do parágrafo único do seu artigo 927;

8 – O Código de Defesa do Consumidor definiu que as relações dos bancos com os seus clientes são relações de consumo, transferindo para o fornecedor todos os riscos do consumo, quer do fato do produto, quer do fato do serviço;

9 – Os bancos financiam a atividade econômica e esta, à luz do artigo 170, inciso VI, da Constituição Federal, não pode se descuidar do imperativo constitucional da defesa do meio ambiente. O crédito bancário, portanto, deve estar condicionado aos ditames da legislação ambiental e aos valores do desenvolvimento sustentável;

10 – Não se distingue bancos públicos dos privados, oficiais ou comerciais. Todos são instituições financeiras e são responsáveis pela reparação dos danos ambientais de forma objetiva e solidária;

11 – Os bancos devem atuar conjuntamente com os órgãos ambientais de fiscalização, uma vez que é responsável pela legalidade ambiental do projeto que financia, respondendo solidariamente com o seu cliente pelos eventuais danos causados ao meio ambiente no momento do financiamento. Destarte, desempenha os bancos uma função de controle ambiental;

12 – A responsabilidade ambiental do financiador é objetiva, mas deve ela ter limitação temporal ajustada à duração do financiamento, com termo final coincidente com o adimplemento do contrato de crédito, desde que este seja lícito. Do contrário, a irresponsabilidade do banco que não observou os ditames exigíveis pelo ordenamento ambiental se estende através do tempo;

13 – A legalidade do financiamento, todavia, não exime o banco da responsabilidade civil de reparar o dano ambiental eventualmente causado no momento do financiamento;

14 – É co-responsável o banco pelo dano provocado ao meio ambiente por seu financiado desde que os recursos aportados tenham conexão causal com o mesmo. Caracterizado o citado nexo, não se deve cogitar se foi o mesmo imprescindível ou não para a ocorrência do referido dano, nem se o custo da reparação para o financiador seja proporcional ao valor financiado;

15 – Os bancos cumprem uma importante função de gestores ambientais na medida que controlam recursos financeiros destinados a atividades que resultam em impactos sobre os recursos naturais. A assunção de maior responsabilidade socioambiental por parte dos bancos na atual fase do sistema capitalista de mercado, é resultante de uma também crescente valorização da natureza, possível na medida em que ampliamos nossa consciência sobre os erros cometidos no passado e os acertos que o futuro demanda de todos nós.


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Abstract: The present paper discusses the environmental and civil co-responsibility of banks in light of the objective theory of risk, which is widely accepted by the national environmental law. The study highlights the necessity of banks, in their activity as financiers, to internalize the risks of possible environmental damage caused by projects that are financed by them. The Brazilian environmental law expressly includes this co-responsibility with regards to ecological damage in a number of laws. The civil responsibility for environmental damage could be classified as objective and was established by the article 14, § 1º of the Law 6.938/81, and the Federal Constitution includes it in the § 3º of the article 225. This study intends to demonstrate that banks serve as environmental controllers, since, by way of the Brazilian environmental legislator, they must act in consonance and according to the legal environmental demands, and in addition, monitor the correct application of the money that is lent – especially when applied in projects with high environmental impact potential. The extension of this responsibility is discussed here, recognizing that it must be limited to the time period in which the financing is active, finishing when the credit contract expires. Financing without the normative environmental statements harms such a contract of illegality and in this case the banks respond for the occasional losses that could occur without the referred time limitation. Also, the cost of repairing the environmental damage by the bank, that is in a situation of indirect polluter – and in the objective and solidary way that is characteristic of civil and environmental responsibility in Brazil – should not be proportional to the value of the financing. In light of the objective theory of integral risk, the financier responds for the repair in solidum of the damage caused by its client. The growing socio-environmental responsibility of the banks is a result of a greater general valorization of nature by corporations and increasingly more conscious consumers.

Key words: Civil Responsability; Banks; Environmental damage.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RESURREIÇÃO, Mauricio Gaspari. Da co-responsabilidade civil dos bancos por danos ambientais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1228, 11 nov. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9142. Acesso em: 20 maio 2024.