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O bem de família, a fiança locatícia e o direito à moradia

O bem de família, a fiança locatícia e o direito à moradia

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Diferentemente do Supremo, o texto sustenta que o contrato de locação deve ser regido pelo CDC e CC, na esteira do direito civil constitucional, e sugere a reestruturação do seguro de fiança locatícia.

"Quem dá as Constituições realidade não é nem a inteligência que as concebe nem o pergaminho que as estampa: é a Magistratura que as defende."
Rui Barbosa

"...Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação."

Carlos Drumond de Andrade


SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Breve histórico do bem de família – 3. Conceito de bem de família – 4. Histórico do bem de família no direito brasileiro – 5. Espécies de bem de família: 5.1 Bem de família voluntário; 5.2 Bem de família legal; 5. 3 Distinção entre bem de família voluntário e bem de família legal - 6. A fiança locatícia e a Lei 8.009/90 – 7. A fiança locatícia e o art. 82 da Lei 8.245/91 – 8. A emenda constitucional nº 26 e o direito à moradia – 9. Controvérsia sobre a penhorabilidade do bem de família do fiador locatício: 9.1 Razões dos adeptos à tese da penhorabilidade; 9.2 Razões dos adeptos à tese da impenhorabilidade – 10. A recente decisão do Supremo Tribunal Federal – 11. O contrato locatício, o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil – 12. Meu posicionamento jurídico: o direito civil constitucional e uma proposta para a abrandar a voracidade do mercado locatício – 13. Conclusão – 14. Bibliografia


Resumo: De origem norte-americana, o bem de família ingressa no Brasil via Código Civil de 1916, sob a modalidade voluntária. A espécie legal só surge com a Lei 8.009/90, que adota a impenhorabilidade como regra geral, mas a Lei 8.245/91 cria uma nova exceção à impenhorabilidade, tornando penhorável o bem de família do fiador locatício. A Emenda Constitucional nº 26/2000 introduz um novo direito social, o direito à moradia, nascendo a controvérsia sobre a recepção ou não da Lei 8.009/90 em face da Emenda. O STF entende não haver incompatibilidade, admitindo a penhora do bem de família do fiador da locação. Diferentemente do Supremo, entendo que o contrato de locação deve ser regido pelo CDC e CC, na esteira do direito civil constitucional. Ao fim, sugiro que o Governo reestruture o seguro de fiança locatícia.

Palavras-chave: Bem de família – Lei 8.009/90 – Fiança locatícia – Emenda constitucional nº 26/2000(direito à moradia) – Controvérsia sobre recepção ou não da Lei 8.009/90 – Decisão do STF pela recepção – Contrato de locação de adesão, o CDC e o CC – Meu entendimento pela não recepção à luz do direito civil constitucional -- Proposta de lege ferenda(seguro fiança locatícia).


1.Introdução

            A motivação desse artigo deve-se à enorme importância social do instituto do bem de família, desde o seu surgimento, na República do Texas, com o advento da Lei do Homestead, em 1839, objetivando não só povoar o imenso território americano, mas, fundamentalmente, proteger a família com a isenção de penhora sobre a casa de moradia. Difundiu-se pelos Estados Unidos da América, que passou a adotar o Homestead federal, apresentando-se sob duas formas, o formal e o legal.

            No Brasil, foi adotado pelo Código Civil de 1916, Parte Geral, Livro dos bens, sob a modalidade apenas voluntária, não tendo havido aceitação pela população, mormente em razão das formalidades exigidas para a sua constituição, estando também previsto no Novo Código Civil, no Livro de Família, com pequenas alterações em relação ao Código de Bevilácqua, mas também sob a modalidade voluntária.

            Todavia, com a edição da Lei 8.009/90, o instituto difundiu-se largamente, vez que o bem de família passou a ser legal, ou seja, prescindindo da interveniência do proprietário do imóvel, posto que ditado pelo Estado, que passou a excluir da penhora o imóvel residencial de qualquer brasileiro, rico ou pobre, em face de execuções de qualquer espécie, salvo algumas poucas exceções.

            O mercado de locação retraiu-se com o surgimento da Lei 8.009/90, razão pela qual o artigo 82 da Lei 8.245/91 alterou o artigo 3º da Lei 8.009/90, acrescentando mais uma exceção à regra geral da impenhorabilidade, tornando assim penhorável o bem de família do fiador locatício, até então impenhorável.

            A partir daí a questão tornou-se controversa – tendo aumentado ainda mais com a promulgação da Emenda Constitucional nº 26/2000, vez que introduziu o direito à moradia no rol dos direitos sociais previstos no artigo 6º da Carta Magna, resultando no aparecimento de duas correntes de pensamento: a primeira, que advoga a penhora do bem de família do fiador da locação e admite a recepção da Lei 8.009/90 pela Emenda Constitucional e, a segunda, que sustenta a tese da impenhorabilidade do bem de família do fiador locatício, em razão da não recepção da exceção do inciso VII do artigo 3º da Lei 8.009/90 pela Emenda referida.

            A questão resultou deveras polêmica, quando então, só recentemente, o STF entendeu, por maioria, não haver incompatibilidade entre a Lei e a Emenda mencionadas, concluindo pela recepção da lei infraconstitucional e pela penhorabilidade do bem de família do fiador da locação.

            Pessoalmente, discordo da posição do Supremo, na esteira dos votos minoritários e da corrente que advoga a não recepção ou incompatibilidade entre a Lei 8.009/90 e a Emenda Constitucional nº 26/2000. Nesse sentido, pois, sustento que o contrato lacatício, como assim difundido no Brasil de hoje, mormente nas médias e grandes cidades, é um contrato de adesão e de consumo, devendo assim ser regido, em simbiose, pelas principiologias consumerista e civilística, além do que pelos postulados do direito civil constitucional.

            Dessarte, defendo que para abrandar o voraz mercado imobiliário e, portanto, afastar a penhora do bem de família do fiador da locação -- faz-se necessário que o Governo, mediante o Dirigismo Estatal, reestruture o seguro fiança locatícia, que praticamente inexiste, à vista da abusividade praticada pelos agentes bancário e securitário, em detrimento do locador e das regras cogentes da Lei do Inquilinato, sendo esse um microssistema jurídico valiosíssimo, mormente numa sociedade injusta e estratificada como a nossa, com imenso déficit habitacional.


2.Breve histórico do bem de família

            O instituto do bem de família teve origem nos Estados Unidos da América do Norte, precisamente na República do Texas, com a edição da Lei do Homestead, em 26 de janeiro de 1839. O significado da expressão Homestead reporta-se ao local do lar(home=lar; setead=local), surgida em defesa da pequena propriedade e que objetivava proteger as famílias radicadas na República do Texas.

            As razões históricas do instituto derivam, ainda que em apertada síntese, no fato de que, para fins de ocupação do imenso território americano, mormente a partir da independência dos Estados Unidos, inúmeras levas de imigrantes obtiveram empréstimos bancários às largas, especularam à vontade, mas em seguida vieram as crises econômicas, por volta de 1837 a 1839, com o fechamento de inúmeros bancos, ocasionando uma monumental derrocada econômica e o conseqüente empobrecimento da população; e, por conseguinte, as execuções se deram, tendo os devedores que entregarem, para a satisfação dos créditos, bens irrisioriamente avaliados, em detrimento dos altos valores por eles pagos antes da crise.

            Diante desse cenário, pois, a República do Texas editou a Lei do Homestead, de 26 de janeiro de 1839, assim vazada, verbis: "De e após a passagem desta lei, será reservado a todo cidadão ou chefe de família, nesta República, livre e independente do poder de um mandado de fieri facias ou outra execução, emitido de qualquer Corte de jurisdição competente, 50 acres de terra, ou um terreno na cidade, incluindo o bem de família dele ou dela, e melhorias que não excedam a 500 dólares, em valor, todo mobiliário e utensílios domésticos, provendo para que não excedam o valor de 200 doláres, todos os instrumentos(utensílios, ferramentas) de lavoura(providenciando para que não excedam a 50 doláres), todas as ferramentas, aparatos e livros pertencentes ao comércio ou profissão de qualquer cidadão, cinco vacas de leite, uma junta de bois para o trabalho ou um cavalo, 20 porcos e provisões para um ano; e todas as leis ou partes delas que contradigam ou se oponham aos preceitos deste ato são ineficazes perante ele. Que seja providenciado que a edição deste ato não interfira com os contratos entre as partes, feitos até agora(Digest of the Laws § 3.798)", apud Álvaro Villaça de Azevedo [01].

            Em síntese, a referida lei do Homestead buscou fixar o homem à terra, na medida em que decretou a impenhorabilidade dos bens móveis domésticos, além dos bens imóveis, visando, em suma, a proteção da família e seu imóvel de morar, haja vista que isentava de execução judicial por dívidas as áreas de terra de até 50 acres, bem como terrenos urbanos, objetivando fundamentalmente incentivar a colonização.

            Anos após, em 1845, a República do Texas foi incorporada aos Estados Unidos, tendo em conseqüência o homestead estadual, nascido com a Lei Texana de 1839, se difundido pelo território americano, provocando o surgimento de outra espécie de homestead, o chamado federal, editado pela Lei Federal de 20.05.1862(Homestead Act), com fins ligados à colonização e ao povoamento do território americano.

            De sorte que, doravante, o instituto do homestead passou a ser adotado em vários Estados, com algumas diferenças, mas sempre prevendo três condições básicas, a saber: a) a existência de um direito sobre determinado imóvel que se pretende ocupar a título de homestead; b) que o titular desse direito seja chefe de família(head of a family); c) que esse imóvel seja ocupado pela família(occupancy) -- conforme magistério de Álvaro Villaça Azevedo [02] -- que também elucida a ocorrência acidental de uma quarta condição(dedication), isto é, a publicidade especial destinada à prevenção dos terceiros, mediante uma declaração feita junto ao registro imobiliário, no sentido de dar ciência aos credores acerca do bem sob regime de homestead.

            De sorte que, no Direito Americano surgiram duas formas de homestead, sendo que a homestead formal ou formalista, adotada por alguns Estados Americanos, era aquela dependente de forma, segundo a qual fazia-se necessário uma declaração junto ao Registro de Imóveis(Registrar of deeds), dando conta que o bem estava sob o regime de homestead a fim de que fosse dado ciência aos credores, não podendo esses, doravante, alegarem prejuízos pela impossibilidade de execução. Já a homestead denominada de legal ou de direito, prescindia dessa formalidade junto ao Registro de Imóveis, bastando apenas a demonstração da mera ocupação efetiva do imóvel segundo as condições apontadas, sendo essa espécie adotada por outros tantos Estados.

            Assim, conclui-se que a primeira(homestead formal) deu origem ao bem de família voluntário, necessariamente emanado da vontade do titular e a segunda(homestead legal) deu origem ao chamado bem de família legal, imposto pela lei, e que prescinde da vontade do titular.


3. Conceito de bem de família

            O instituto do bem de família guarnece uma importância social enorme, pois visa a proteção da família e sua casa de morar, consoante de há muito assinalado pela doutrina.

            Para fins de conceituação dogmática, trago à baila cinco conceitos, sendo três deles da lavra de civilistas clássicos e outros dois de civilistas contemporâneos, a saber:

            Clóvis Bevilácqua [03]: "Nos Estados Unidos da America, onde se originou o instituto do homestead, elle significa a isenção da penhora, creada em favor da pequena propriedade. Mas, umas vezes, o homestead tem por fim favorecer os colonos, para a cultura das terras do domínio público, outras vezes é garantia da pequena propriedade particular. Essa diferença de institutos não acarreta, porém, diferença essencial no instituto, que obedece a certas normas assentes, e pouco varia de um para outro Estado da União."

            Miguel Maria de Serpa Lopes [04]: "...no Bem de Família a inalienabilidade é criada em função de um outro objetivo: assegurar a residência da família, sendo esse o objetivo principal, e a inalienabilidade um simples meio de atingi-lo. Trata-se de um instituto originário dos Estados Unidos, destinado a assegurar um lar à família. A inalienabilidade não é um fim, senão um meio de que o legislador se serviu para assegurar a tranqüilidade da habitação da família;....Etimilogicamente, a palavra "Homestead" compõe-se de duas palavras anglo-saxões: "home", de difícil tradução, cuja versão francesa é "chez soi", "em sua casa", e "stead", significando "lugar". Em linguagem jurídica quer dizer, porém, uma residência de família, implicando posse efetiva, limitação de valor, impenhorável e inalienável."

            J. M. de Carvalho Santos [05]: "É prédio destinado pelo chefe de família para domicílio desta, com a cláusula de ficar isento de execução por dívidas, caracterizando-o a impenhorabilidade de que se reveste com a própria instituição, uma vez feita com observância das formalidades legais."

            Francisco Amaral [06]: "O bem de família é o instituto que permite, mediante escritura pública, que o chefe de família separe do seu patrimônio, com o fim de protegê-la, um prédio urbano ou rural de valor ilimitado, observadas as disposições legais pertinentes, com a cláusula de não ser executável por dívida, salvo decorrente de impostos, destinando-o ao domicílio da família, enquanto viverem os cônjuges e até a maioridade dos filhos."

            Álvaro Villaça Azevedo [07]: "O bem de família é um meio de garantir um asilo à família, tornando-se o imóvel onde a mesma se instala domicílio impenhorável e inalienável, enquanto forem vivos os cônjuges e até que os filhos completem sua maioridade."

            Nesse passo, é de destacar-se esse último conceito, da lavra do eminente Álvaro Villaça Azevedo, por ser mais atualizado, à luz do Texto Constitucional, uma vez que tem a virtude de não especificar quem é o instituidor e a forma de constituição do instituto.


4.Histórico do bem de família no direito brasileiro

            Inobstante a importância capital do bem de família, mormente em países de largas dimensões territoriais como é o caso do Brasil, o fato é que a sua introdução no direito pátrio deu-se com dificuldade e maneira delongada, materializada que foi pela polêmica havida entre os seus defensores e os seus opositores.

            De forma perfunctória, todavia, registra a doutrina que o vetusto Regulamento nº 737, de 25/11/1850, serve de exemplo como um vestígio do bem de família, posto que isentava de penhora alguns bens do devedor, apesar de ainda não excluir da execução a moradia do executado.

            Em seqüência, o Projeto de Código Civil Brasileiro, publicado oficialmente em 1893, de autoria de Coelho Rodrigues, tratava do instituto no âmbito do Direito de Família, nos arts. 2.079 a 2.090, sob a denominação "da constituição do lar da família".

            Já o Projeto de Código Civil de Clóvis Bevilácqua não previu o instituto. Todavia, quando da sua discussão, em 1900, na Comissão do Governo – "o conselheiro BARRADAS sugeriu a idéia de se consagrarem alguns artigos ao homestead, sob a denominação proposta pelo Projecto Coelho Rodrigues, de Constituição do lar da família; o seu pensamento, porém, não encontrou o necessário apoio entre os companheiros", consoante elucida Clóvis Bevilácqua [08].

            Mais tarde, em 1903, foi apresentado o Projeto Toledo Malta, na Câmara de Deputados, sobre o mesmo assunto(a introdução do homestead), mas que também não teve êxito, bem como não obteve êxito, já em 1910, a introdução via Projeto do Código de Processo Civil, através do Prof. Esmeraldino Bandeira, então Ministro da Justiça.

            O Projeto Bevilácqua saiu da Câmara e chegou ao Senado sem qualquer previsão acerca do bem de família. Contudo, durante sua tramitação no Senado, mediante emenda publicada no órgão oficial em 05/12/1912, o bem de família foi enfim introduzido e incluído no direito pátrio, restando dúvida se essa emenda foi de autoria do Senador Feliciano Penna ou de autoria do Senador Fernando Mendes de Almeida, sendo certo, todavia, que dita emenda mandou incluir, depois do artigo 33(logo em seguida às fundações) quatro artigos regulando o homestead.

            Ressalte-se que no Projeto Bevilácqua, com a adoção do instituto no Senado, o bem de família foi originariamente colocado no Projeto de Código Civil, na sua Parte Geral( Livro Das Pessoas), sendo depois deslocado para o Livro dos Bens, dessa mesma Parte Geral, à vista da forte censura feita por Justiniano de Serpa, ainda que tenham persistido dúvidas se melhor seria sua inserção no Livro dos Bens, como assim restou em vigor, ou se na Parte Especial do Código Civil, no âmbito do Direito de Família.

            Perante o Novo Código Civil o bem de família se acha disposto no âmbito do direito patrimonial da família, ou seja, no Livro que trata do Direito de Família(arts. 1.711 a 1.722), continuando a disciplinar somente o bem de família voluntário, com poucas alterações em relação à sua disciplina no Código de 1916(arts. 70 a 73).


5.Espécies de bem de família

            Assesta a doutrina que há duas espécies de bem de família, que coexistem perfeitamente, posto que centradas em princípios semelhantes, ainda que apresentem requisitos diferentes e acarretem efeitos diversos.

            Induvidosamente, há uma semelhança de princípios atinentes às duas espécies, haja vista que o bem de família nada mais é do que um meio de proteção da família, garantindo-lhe um teto, uma casa de morar imune às futuras execuções, salvo exceções. E nesse diapasão, precisa é a explicação da advogada Mariana Ribeiro Santiago [09], verbis: "O bem de família está regulado no sistema jurídico nacional pelo Código Civil de 1916, pela Lei 8.099/90 e pelo Código Civil de 2002. Todas essas normas partem do pressuposto de que resguardar o domicílio da família e da entidade familiar, garantindo-lhe um teto, é fundamental para a sua segurança, evitando, consequentemente, sua desestruturação. Assim, o nobre objetivo dos dispositivos legais referentes a esse instituto no Brasil é a proteção da família."

            Historicamente, como já dito, a homestead formal deu origem ao bem de família voluntário, advindo da vontade de seu instituidor e a homestead legal deu origem ao chamado bem de família legal, instituído pelo próprio Estado.

            De forma sumariada, passo a expositar as características principais de cada qual das espécies, acentuando, de logo, a profícua aplicação prática do bem de família legal, à vista da inexistência das formalidades legais para a sua constituição, apresentando ainda, ao cabo desse tópico, as diferenças básicas entre as espécies.

            5. 1 Bem de família voluntário

            Inicialmente, essa espécie de bem de família era previsto pelo Código Civil de 1916, que dele cuidava em quatro artigos(70 a 73), no Livro II, intitulado "Dos Bens". Posteriormente, com o advento do Decreto-lei nº 3.200, de 19 de abril de 1941, foi estabelecido valores máximos dos imóveis classificados como bem de família, limitando assim tais valores, sendo que essa limitação foi afastada pela Lei nº 6.742, de 1979, possibilitando a isenção de penhora de imóveis de qualquer valor. Outros diplomas legais também trataram do tema(a Lei 6.015/73, arts. 260 a 265) e o Código de Processo Civil de 1973(art. 1.218, VI).

            No Código Civil de 2002 o bem de família acha-se regulado nos artigos 1.711 a 1.722, o qual, por seu turno, limitou o valor do imóvel a um terço do patrimônio líquido do instituidor, quando existentes outros bens residenciais.

            Em linhas gerais, o bem de família voluntário, com tal se acha regulado no Código Civil de 2002, só pode ser constituído pela vontade expressa do instituidor, via escritura pública ou testamento, valendo-se registrar que o Novo Código Civil ao mesmo tempo ampliou e limitou a sua instituição; e digo ampliou, em razão de ter permitido a instituição de valores mobiliários cuja renda destinar-se-á à conservação do bem e sobrevivência da família(art. 1.712), sendo que o montante desses valores mobiliários não poderão ultrapassar o valor do imóvel(art. 1.713, caput e § 1º); e digo limitou, em razão de o valor de bem de família não poder ultrapassar a 1/3(um terço) do patrimônio líquido do instituidor, existente ao tempo da instituição(art. 1.711), diversarmente do Código Civil de 1916, que não previa tal limite.

            O título constitutivo(por exemplo, a escritura pública) deve ser levada ao Cartório de Registro de Imóveis, para fins de registro(art. 1.714), além do que a dissolução da sociedade conjugal( ou união estável) não faz extinguir o bem de família, sendo essa norma inócua à vista do disposto no artigo 1.716, que trata da duração do bem de família e que prevê que o bem de família durará enquanto viverem os cônjuges ou mesmo um deles, ou, na falta destes, até que os filhos completem a maioridade.

            Dessarte, em caso de extinção, alienação ou sub-rogação do bem instituído como bem de família, mister se faz a interferência do Estado-Juiz, consoante disposto nos artigos 1.717 e 1.719.

            5.2. Bem de família legal

            Essa espécie de bem de família, também denominado obrigatório ou involuntário, adveio da Medida Provisória nº 143, de 08/03/1990, editada pelo Presidente da República, José Sarney, e em seguida aprovada pelo Congresso Nacional, depois convertida na Lei 8.009/90, de 20 de março de 1990.

            Todavia, para chegar-se à Lei atual, um longo e árduo caminho foi percorrido pela doutrina, que de há muito criticava o tratamento do bem de família disposto no Código de Bevilácqua.

            Por exemplo, inclusive para fins de registro histórico, um desses doutrinadores críticos foi o eminente Professor Álvaro Villaça Azevedo, que desde a década de setenta, precisamente em 18 de outubro de 1972, quando da defesa da sua tese de doutorado, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, criticava a formatação do bem de família do Código Civil de 1916, bem como propunha sua reestruturação, sendo que sua tese transformou-se no livro Bem de Família, obra essa já clássica sobre o assunto.

            E para demonstrar a percuciência do pensamento crítico e moderno do citado jurista, trago à baila a seguinte referência, da lavra do próprio Álvaro Villaça Azevedo [10], e que reputo fundamental, verbis:

            "Como, ali, evidencio, nunca fui contrário a essa espécie de bem de família, que chamo de voluntário imóvel; todavia, ante sua insuficiência, propugnei pelas espécies de bem de família voluntário móvel(já cogitado, também, ainda que de modo incompleto, no novo Código Civil, analisado) e do bem de família involuntário ou legal, criado por norma de ordem pública, com a proteção patrimonial, assim, de todas as famílias.

            A Lei 8.099, 1990, sob análise, dispondo sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial e bens móveis, em algumas circunstâncias, acabou por acolher, em parte, minha proposta doutrinária de criação de um bem de família legal, por imposição do próprio Estado."

            Em síntese, em sede de bem de família legal, o instituidor é o próprio Estado, por força da edição da Lei nº 8.009/90, sendo essa uma lei de ordem pública por excelência, em defesa do núcleo familiar, independente de ato constitutivo e, portanto, de Registro de Imóveis.

            A advogada e professora Denise Willhelm Gonçalves [11], discorrendo sobre a citada lei, assim verbera, verbis: "A Lei 8.009/90, de 20.03.1990, tornou impenhorável o imóvel residencial do casal por dívidas, de qualquer natureza, contraídas pelos cônjuges, ou pelos pais e filhos(denominada de família monoparentais) que nele residam e que sejam seus proprietários, salvo nas hipóteses expressamente previstas no art. 3º., I e VII(fiança em contrato de locação, pensão alimentícia, impostos ou taxas que recaem sobre o imóvel). É o que se refere o art. 1º da referida Lei."

            Quanto ao objeto, é o imóvel residencial(rural ou urbano), assim como os móveis que guarnecem a residência do proprietário ou possuidor, independente do seu valor ou forma de constituição, sendo que, na hipótese de o devedor possuir domicílio plúrimo ou tiver pluralidade de domicílios, como assim previsto no artigo 71 do Código Civil, a impenhorabilidade recairá sobre o imóvel de "menor valor", salvo se outro tiver sido indicado pelo proprietário, na forma prevista no parágrafo único do aludido art. 5º De sorte que, como elucida Carlos Roberto Gonçalves [12], "em nenhuma hipótese se considera, pois, impenhorável mais de uma residência, ainda que em cidades diferentes. A casa de campo ou a de praia, ipso facto, excluem-se da inexcutibilidade."

            5. 3 Distinção entre bem de família voluntário e bem de família legal

            Para fins didáticos – que também é um dos enfoques deste estudo – entendo relevante discorrer sobre as diferenças entre as espécies de bem de família, a saber:

            a)Quanto ao bem de família voluntário: é constituído por ato de vontade do instituidor (se cônjuges, por escritura pública ou testamento, se terceiros, por testamento ou doação); os seus efeitos só nascem com o registro da escritura pública no Cartório de Registro de Imóveis ou quando da abertura e cumprimento do testamento; o valor do bem não pode exceder a um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, razão pela qual o instituidor deve possuir mais de um imóvel, o que, sem dúvida, favorece mais a classe abastada, já que a pessoa que possui apenas um imóvel não pode se valer dessa espécie de bem de família; o seu objeto é mais amplo, pois além do imóvel residencial(urbano ou rural), com todas as suas pertenças e acessórios, permite-se a instituição de valores mobiliários cuja renda destinar-se-á à conservação do bem e sobrevivência da família; em caso de extinção, alienação ou sub-rogação, é imperiosa a interferência do Estado-Juiz, uma vez que o bem de família é impenhorável e inalienável, gerando verdadeira imobilidade patrimonial, com conseqüências nefastas para as classes menos favorecidas, que têm no imóvel residencial o único bem economicamente relevante.

            b)Quanto ao bem de família legal: é constituído por ato do Estado, via Lei nº 8.009/90, independente da iniciativa do proprietário do imóvel; os seus efeitos operam-se de imediato, de logo, ope legis, bastando apenas que o imóvel sirva de residência para a família, ou seja, que a família ali esteja morando; não há limite para o valor do bem, salvo em face da multiplicidade de bens imóveis(pluralidade de domicílios), quanto, então, somente o de menor valor será tido como de bem de família legal; a impenhorabilidade do bem se estende ao terreno com a construção, plantações, benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive de uso profissional ou móveis que guarneçam a casa, desde que quitados; em caso de extinção ou alienação do bem de família legal é bastante o ato de vontade do proprietário, sem a interveniência do Judiciário, uma vez que a Lei 8.009/90 previu apenas a impenhorabilidade e não a inalienabilidade -- segundo uma parcela considerável da doutrina -- razão pela qual favorece principalmente as classes menos favorecidas, que têm no imóvel residencial o único bem de valor econômico expressivo, para fins de alienação.


6.A fiança locatícia e a Lei 8.009/90

            Primeiramente, entendo curial conceituar o contrato de fiança, trazendo à baila os seguintes conceitos colacionados, a saber:

            Washington de Barros Monteiro [13]: "O art. 818 do Código Civil de 2002 ministra conceito desse contrato: pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra."

            Orlando Gomes [14]: "Há contrato de fiança quando uma pessoa assume, para com o credor, a obrigação de pagar a dívida, se o devedor não o fizer.

            Quem contrai essa obrigação chama-se fiador. É o devedor da obrigação fidejussória. Denomina-se afiançado o devedor da obrigação principal.

            O contrato de fiança trata-se entre fiador e credor do afiançado. Sua natureza é a de um contrato subsidiário, por ter a execução condicionada à inexecução da obrigação principal. Por outras palavras, a obrigação fidejussória só se torna exigível se a obrigação principal não for cumprida. Contudo, tal sucessividade não é da essência do contrato de fiança. Podem os interessados eliminá-la, estipulando a solidariedade entre o fiador e o afiançado, como, de regra, se procede na prática."

            Doutrinariamente, diz-se que a fiança tem os seguintes caracteres: é um contrato unilateral, porque gera obrigações unicamente para o fiador; é solene, porque depende de forma escrita, imposta por lei(art. 819); é gratuito, em regra, porque o fiador ajuda o afiançado, nada recebendo em troca, salvo, é claro, a fiança onerosa, tipo a fiança bancária; é benéfico, porque não admite interpretação extensiva e apenas interpretação restritiva(art. 114 e 819), sendo por isso mesmo um contrato personalíssimo ou intuitu personae; e é um contrato acessório e subsidiário, porque depende da existência do contrato principal e tem sua execução subordinada ao não-cumprimento deste, pelo devedor principal.

            Quanto à Lei nº 8.009/90, de 29 de março de 1990, que entrou em vigor na data da sua publicação, em 30 de março de 1990 – e que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família -- foi gestada a partir da Medida Provisória nº 143, de 08/03/1990, editada pelo Presidente da República, José Sarney, e em seguida aprovada pelo Congresso Nacional.

            Tão logo entrou em vigor, uma parcela da doutrina questionou acerca de sua constitucionalidade, entendendo alguns doutrinadores, como foi o caso de Carlos Callage, que a dita lei era inconstitucional por violação ao princípio da sujeição do patrimônio do devedor ao pagamento de seus débitos, princípio esse universal e acolhido pela Constituição Federal(art. 5º, inciso LXVII e LIV), pois entendia este autor, citado por Álvaro Villaça Azevedo [15], que a impenhorabilidade geral de bens, instituída pela dita lei, tornava "inócuo o princípio universal da sujeição do patrimônio às dívidas, acolhido pela Constituição brasileira(art. 5º, incs. LXVII, LIV) e atinge o próprio regime econômico básico adotado pela Carta, que pressupõe relações obrigacionais das mais diferentes espécies, suprimindo garantias e a eficácia do direito de crédito". Em igual sintonia, esse mesmo autor(Carlos Callage), dessa feita citado por Rita de Cássia Corrêa de Vasconcelos [16], apontava a inconstitucionalidade da lei em razão da ausência de critérios seguros para definir a habitação familiar abrangida pelo benefício, ou seja: "Carlos Callage, para quem a Lei 8.009/90 está repleta de equívocos, aponta como uma das causas de sua inconstitucionalidade, a inexistência de regulamentação quanto ao valor, localização ou metragem do imóvel residencial familiar."

            Malgrado algumas críticas levantadas sobre a constitucionalidade da Lei 8.009/90, o fato é que a doutrina quase unânime entende ser a mesma constitucional, por se tratar de uma lei de emergência, de manifesto interesse público, pois visa à proteção da residência da família e os móveis nela guarnecidos, e, por via reflexa, objetiva a proteção da própria família, sendo assim uma exceção legal ao princípio universal de que o patrimônio do devedor responde perante seus credores, podendo estes, portanto, constranger outros bens do devedor, afora o bem de família.

            Feita esse importante esclarecimento, quanto à constitucionalidade da Lei 8.009/90, retorno ao instituto da fiança locatícia.

            Vejamos bem. Até a vigência da Lei 8.009/90, em 30 de março de 1990, o mercado de locação de imóveis fluía normalmente, afora, é claro, os percalços já conhecidos provocados pela política habitacional governamental. O fato concreto é que o mercado seguia seu curso normal, servindo como fiador mesmo aquele que tivesse um único imóvel, ainda que residisse com sua família, pois que esse imóvel era sim penhorável na hipótese de inadimplemento por parte do locatário.

            Contudo, com a edição da Lei, que, em última análise, previa ser impenhorável o bem de família também do fiador locatício, o mercado retraiu-se largamente, passando a aceitar como fiador somente aquele que fosse proprietário de mais de um imóvel, uma vez que um dos imóveis era bem de família legal e o outro serviria, em tese, para satisfazer o crédito do credor, ou seja, do locador, acaso o afiançado não pagasse os aluguéis.

            Ocorre que, como notório, o mercado imobiliário em geral incomodou-se com tal situação, na medida em que a Lei 8.009/90 restringiu e limitou as locações em geral, devido a dificuldade para encontrar-se fiador proprietário de mais um imóvel, razão pela qual o legislador foi "pressionado", e, por conseguinte, eliminado foi o embaraço com o advento da Lei do Inquilinato(Lei nº 8.245/91), que acrescentou o inciso VII ao artigo 3º da Lei 8.009/90, ou seja, ampliou o rol de exceções à impenhorabilidade do imóvel residencial do casal ou entidade familiar – tornando assim penhorável o imóvel residencial do fiador.


7. A fiança locatícia e o art. 82 da Lei 8.245/91

            Sem dúvida, com a inclusão do inciso VII da Lei 8.009/90 feita pelo artigo 82 da Lei do Inquilinato(Lei 8.245/91), até mesmo o único imóvel residencial do fiador passou a ser penhorável, uma vez que passou a constituir-se em mais uma exceção à regra geral da impenhorabilidade legal, princípio-mor da Lei 8.009/90.

            E qual a razão para essa alteração, ou melhor, qual o motivo do acréscimo do inciso VII da Lei 8.009/90 feita pela Lei do Inquilinato?

            A resposta é única: a segurança e o fortalecimento do mercado imobiliário, consoante assim bem adverte Genacéia da Silva Alberton [17], verbis:

            "O art. 82 da Lei 8.245/91, ao acrescentar o inc. VII à execução da parte final do art. 3º da Lei 8.009/90, estabelecendo como afastada a impenhorabilidade do imóvel familiar "por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação", visava tão-somente proteger a locação.

            O argumento que se levanta, portanto, é o que, sem essa garantia de penhorabilidade do imóvel do fiador para incentivar a locação, tornar-se-ia difícil trabalhar no mercado imobiliário. Assim sendo, para favorecer a moradia, permitiu-se que sobre o fiador viesse recair a exclusão quanto à impenhorabilidade do imóvel residencial."

            Como dito, a alteração deveu-se ao lobby dos administradores de imóveis, representando os legítimos interesses dos locadores, objetivando a melhoria e expansão do mercado de locações; e com tal alteração, pois, criou-se mais uma exceção prevista no rol do art. 3º da Lei 8.009/90, excluindo da impenhorabilidade o imóvel residencial do fiador da locação.

            E nesse sentido, bem discorrendo acerca do artigo 82 da Lei do Inquilinato, a insigne jurista Maria Helena Diniz [18] assim verbera, verbis:

            "Devido ao acréscimo do inciso VII ao artigo 3º da Lei n. 8.009/90, a impenhorabilidade de imóvel residencial do casal ou da entidade familiar não será oponível em processo de execução civil movido por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. O fiador não poderá, então, beneficiar-se da impenhorabilidade do imóvel onde reside com sua família, na hipótese de processo de execução relativo à fiança que prestou como garantia de um pacto locatício, assegurando o cumprimento das obrigações contratuais ex locato pelo afiançado(inquilino).

            Assim sendo, perante esta disposição normativa, o fiador de contrato de locação não poderá opor a impenhorabilidade do imóvel que lhe serve de moradia, no processo de execução contra ele movido, em razão de fiança prestada. Se o inquilino não cumprir seus deveres locativos, abrir-se-á execução contra o seu fiador, e o imóvel onde este reside não estará coberto pela garantia legal de insuscetibilidade de penhora. O locador, que veio a optar pela caução fidejussória, terá, consequentemente, maior garantia do adimplemento das obrigações locatícias."

            De sorte que, a partir da alteração já referida, assim vinha se dando a casuística, de forma recorrente: acaso o afiançado(o devedor principal, o inquilino ou locatário) não pagasse os aluguéis e, em tendo havido a renúncia ao benefício de ordem(como de costume assim ocorre, na esteira do artigo 828 inciso I do CC), o fiador teria sim seu imóvel residencial penhorado, por força da exceção capitulada no artigo 3º inciso VII da Lei 8.009/90, não mais podendo argüir a exceção da impenhorabilidade; em seqüência, e, por conseguinte, uma vez satisfeito o crédito do credor locador, o fiador, agora na condição de terceiro interessado se sub-rogaria nos direitos do locador(art. 346 inciso III c/c art. 831 1ª parte do CC) e, em seguida, faria uma ação regressiva em face do afiançado para ressarcir-se(art. 285), sendo essa regressiva, contudo, geralmente infrutífera, haja vista que o afiançado defendia-se argüindo a exceção da impenhorabilidade do seu único imóvel residencial.

            Em suma: enquanto impenhorável é o imóvel residencial do afiançado, devedor principal ou inquilino, vez que protegido pela regra geral da impenhorabilidade legal ditada pelo artigo 3º caput da Lei 8.009/90, o imóvel residencial do fiador ou devedor acessório é penhorável, por força da exceção legal prevista no artigo 3º inciso VII da dita lei.


8.A emenda constitucional nº 26 e o direito à moradia

            Em época mais recente, e em seqüência cronológica – inclusive para manter o viés didático que almejo nesse estudo – adveio a Emenda Constitucional nº 26, de 14 de fevereiro de 2.000, que ampliou o rol de direitos sociais, incluindo entre eles a moradia. Dita emenda entrou em vigor em 15/02/2000, na data da sua publicação, com o seguinte texto promulgado, verbis:

            "Art. 1º. O art. 6º da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

            "Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, à proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

            Art. 2º. Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data da sua publicação.

            Brasília, 14 de fevereiro de 2000."

            De conseguinte, a partir da sua vigência, inaugurou-se uma questão vexatória sobre se o direito à moradia, introduzido pela Emenda Constitucional, teria ou não revogado as exceções à cláusula geral de impenhorabilidade capituladas no artigo 3º incisos I a VII da Lei 8.009/90, verbis:

            "Art. 3º. A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:

            I – em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias;

            II – pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;

            III – pelo credor de pensão alimentícia;

            IV – para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;

            V – para execução de hipoteca sobre imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;

            VI – por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens;

            VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.(o grifo é nosso)."

            Em essência, pois, a questão central dizia respeito em saber-se se a Emenda Constitucional nº 26/2000(lex generalis superior) tinha ou não derrogado a Lei Ordinária(lex specialis inferior), isto é, a Lei 8.009/90, ou, em outras palavras, se era um caso de antinomia real ou meramente aparente.


9. Controvérsia sobre a penhorabilidade do bem de família do fiador locatício

            Como natural, à vista de tamanho impasse, duas correntes doutrinárias, bem distintas, lançaram suas teses jurídicas, valendo-se ambas da interpretação conforme a constituição, não obstante a querela não esteja totalmente encerrada, ainda que com o recente posicionamento do Supremo Tribunal Federal sobre o tema e que a seguir faço referência.

            Basicamente, a vexatio quaestio cinge-se em dirimir se o direito à moradia, introduzido pela Emenda Constitucional nº 26/2000, é ou não uma norma constitucional de eficácia plena ou de eficácia limitada(ou programática), sendo essa a questão de fundo relevante.

            Na hipótese de considerar-se uma norma constitucional de eficácia plena, logicamente e por imperativo hierárquico, a exceção prevista no inciso VII do art. 3º da Lei 8.009/90, que dispõe sobre a penhorabilidade do bem de família do fiador locatício, estaria de plano revogada, implicando na sua não recepção pela Carta Magna.

            De outro modo, na hipótese de considerar-se uma norma constitucional de eficácia limitada ou programática, a exceção do artigo 3º inciso VII da Lei 8.009/90 permaneceria em plena vigência e, portanto, plenamente recepcionada pela Constituição Federal.

            Uma vez esquadrinhada o ponto fulcral da contenda, entendo pertinente discorrer, ainda que em breves noções, acerca da eficácia das normas constitucionais, posto que absolutamente necessárias para o preciso entendimento da controvérsia ora em discussão.

            Pois bem. É mais do que conhecida a classificação acerca da eficácia das normas constitucionais, de autoria do eminente constitucionalista José Afonso da Silva, reiteradamente exposta nos manuais de direito constitucional, como assim se acha explicitada pelo Professor André Ramos Tavares [19], verbis:

            "São normas constitucionais de eficácia plena aquelas que têm aplicabilidade imediata, e portanto independem de legislação posterior para sua plena execução. Desde a entrada em vigor da Constituição, produzem seus efeitos essenciais, ou apresentam a possibilidade de produzi-los.

            Consideram-se normas constitucionais de eficácia contida aquelas que têm igualmente aplicabilidade imediata, irrestrita, comparando-se, nesse ponto, às normas de eficácia plena, mas delas se distanciando por admitirem a redução de seu alcance(constitucional) pela atividade do legislador infraconstitucional. Prevêem meios ou conceitos que permitem manter sua eficácia contida em certos limites, dadas certas circunstâncias. Por isso MICHEL TEMER prefere a designação de "normas constitucionais de eficácia redutível ou restringível". Enquanto a lei não exista, aplicam-se sem restrições, tal qual assegurado na Constituição. É o que ocorre na previsão do art. 5º, XII, da C.F.

            Por fim, as normas constitucionais de eficácia limitada são aquelas que dependem de regulamentação futura, na qual o legislador infraconstitucional vai dar eficácia à vontade do constituinte. Não produzem, com a simples entrada em vigor da Constituição, consoante o autor, todos os efeitos essenciais, porque o legislador constituinte, por qualquer motivo, não estabeleceu sobre a matéria uma normatividade para isso bastante, deixando essa tarefa ao legislador ordinário ou a outro órgão do Estado."

            No caso desse estudo, portanto, as correntes doutrinárias lançaram suas teses a partir desse enfoque constitucional, à luz da hermenêutica constitucional, resultando a divergência em um único ponto nevrálgico, qual seja: saber-se se o direito à moradia – direito social e fundamental por excelência -- é uma norma de eficácia plena ou é uma norma de eficácia contida, também chamada de norma programática.

            Doravante, vejamos as teses.

            9.1 Razões dos adeptos à tese da penhorabilidade

            Os partidários dessa tese entendem que a exceção contida no inciso VII do artigo 3º da Lei 8.009/90 – que prevê a penhorabilidade do bem de família do fiador de locação – tem plena eficácia, não obstante o advento do direito à moradia, introduzido com a promulgação da Emenda Constitucional nº 26/2000, aduzindo, para tanto, as seguintes razões:

            1ª) Porque o direito à moradia, em sendo um direito social por excelência, é uma norma constitucional de eficácia limitada(ou programática), conforme assim bem assevera Heitor Vitor Mendonça Sica [20], verbis: "O primeiro obstáculo que a tese não logra superar é o fato de que a norma do art. 6º da Constituição é programática, isto é, estabelece apenas um horizonte de atuação para o Estado, carecendo de regulamentação, sem a qual não tem eficácia plena.". Ou ainda, na dicção de José Rogério Cruz e Tucci [21], discorrendo acerca da eficácia do direito "genérico" à moradia, assentou que "estas – normas de eficácia limitada ou reduzida – são aquelas de aplicação indireta, mediata e reduzida, porque somente incidem no mundo jurídico após uma normatividade posterior que lhes empreste eficácia.";

            2ª) Porque o objetivo da exceção contida no inciso VII do art. 3º da Lei 8.009/90 é o de fomentar o mercado de locação, facilitando o direito à moradia, sobretudo daquelas pessoas de menor poder aquisitivo, que têm dificuldades imensas para conseguir um fiador, e maiores dificuldades teriam em conseguir fiadores com mais de um imóvel, diante da situação de pobreza generalizada do povo brasileiro, aqui incluída a classe média empobrecida, na hipótese da impenhorabilidade do bem de família do fiador de locação;

            3º) Porque se inconstitucional fosse a exceção do inciso VII do artigo 3º da dita lei resultaria também inconstitucionais as demais exceções previstas nos incisos I a VI do referido artigo e que, por conseguinte, seria também impenhorável o bem de família do devedor de créditos trabalhistas da própria residência(inciso I); o bem de família do devedor do financiamento utilizado para a construção ou aquisição do próprio imóvel(inciso II); o bem de família do devedor de pensão alimentícia(inciso III); o bem de família do devedor de impostos, taxas e contribuições devidas em função do imóvel(inciso IV); o bem de família do devedor da hipoteca do próprio imóvel dado em garantia real(inciso V), etc.;

            4ª) Porque não viola o princípio da isonomia(art. 5º caput da CF/88) vez que os contratos de locação e de fiança são distintos, haja vista que "o locatário responde pelas obrigações assumidas no contrato de locação, ao passo que o fiador pelo contrato acessório, de garantia. Muito embora o objeto das prestações devidas por ambos seja o mesmo, os contratos que deram origem a elas são diferentes, com requisitos e vicissitudes próprias.", conforme preleciona Heitor Mendonça Vitor Sica [22];

            5ª) Porque se inconstitucional fosse a exceção do inciso VII do artigo 3º haveria uma redução na oferta de imóveis para locação, bem como uma generalização do uso de "fiadores profissionais", tornando o mercado de locações uma verdadeira "loteria", impondo aos locadores a exigência de outras tantas garantias; ademais, poderia fomentar a má-fé de inquilinos, que propositadamente deixariam de pagar aluguéis, com a certeza de que os bens de seus garantidores(fiadores) estariam a salvo de constrição judicial, posto que impenhoráveis.

            9.2.Razões dos adeptos à tese da impenhorabilidade

            Já os defensores dessa tese sustentam que a exceção contida no inciso VII do artigo 3º da Lei 8.009/90 – que prevê a penhorabilidade do bem de família do fiador de locação – não tem nenhuma eficácia, em face da inclusão do direito à moradia como um direito social, introduzido pela Emenda Constitucional nº 26/2000, sendo esta norma constitucional de eficácia plena e de aplicação imediata, aduzindo, para tanto, as seguintes razões:

            1ª) Porque a Emenda Constitucional nº 26/2000 não recepcionou o artigo 3º inciso VII da Lei nº 8.009/90, uma vez que o direito à moradia, direito social por excelência, deriva de uma norma constitucional auto-aplicável(Emenda Constitucional nº 26/2000), de eficácia plena, imediata e direta, que diz respeito à dignidade da pessoa humana(art. 1º inciso III da CF/88), e que, em sendo uma norma maior deve ser aplicada em detrimento de uma norma menor, consoante assim assevera Clito Fornaciari Júnior [23], verbis: " A disposição da Emenda tem incidência imediata, como é próprio dos preceitos constitucionais, atingindo, destarte, a norma infraconstitucional que com ela é incompatível, não sendo, desse modo, recepcionada.";

            2ª) Porque viola o princípio da isonomia(artigo 5º caput da Carta Magna), na medida em que a exceção prevista no inciso VII do art. 3º da Lei 8.009/90, introduzida pela Lei nº 8.245/91, feriu de morte do princípio isonômico, tratando desigualmente situação iguais, e, por conseguinte, olvidando o brocardo "ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio", isto é, onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de Direito. Nesse sentido, advoga-se que o direito à moradia, em sendo um direito fundamental de 2ª geração – direito social – deve ser amparado e protegido pela regra geral da impenhorabilidade, pois diz respeito à moradia do homem e sua família, na medida em que a moradia é um direito fundamental de todos, locatários ou fiadores. De sorte que, o manto da impenhorabilidade deve ser estendida a ambos(inquilinos e fiadores) e não apenas sobre o bem de família do locatário, ficando ao desamparo o bem de família do fiador, passível de penhora;

            3ª) Porque a exceção capitulada no inciso VII do artigo 3º da Lei 8.009/90 destoa das demais exceções ali previstas(incisos I a VI) – haja vista que estas tutelam valores a serem preservados que estariam em um patamar superior ou igual à proteção do bem de família, como é o caso da proteção do crédito trabalhista e do crédito de natureza alimentar(incisos I e III), a obrigação derivada da aquisição do próprio imóvel(inciso II), a obrigação tributária(inciso IV), a obrigação como garantia real(inciso V) e aquela decorrente de ato ilícito(inciso VII), restando mais do que patente, segundo essa corrente, que a inserção da obrigação decorrente de fiança deveu-se a reclamos do mercado de locação;

            4ª) Porque ofende o princípio da isonomia exarado no artigo 5º caput da Constituição Federal, vez que, em sendo a fiança um contrato acessório e subsidiário –por depender da existência do contrato principal e ter sua execução subordinada ao não-cumprimento deste, pelo devedor principal – não é justo e lícito que o fiador assuma obrigações mais onerosas do que o afiançado(o devedor principal), ainda que ele(fiador) renuncie ao benefício de ordem(art. 827 c/c art. 828 inciso I), pois mesmo assim o fiador estará pagando uma dívida que não lhe pertence e que de fato interessa exclusivamente ao devedor principal, o locatário(art. 285);

            5ª) Porque fere o princípio da boa-fé objetiva, previsto no artigo 422 Código Civil e art. 51 inciso IV do Código de Defesa do Consumidor, haja vista que os contratos de locação, no mundo hodierno, são constituídos não sob a forma paritária, mas majoritariamente sob a forma adesiva, ou seja, efetivados sob a forma de contratos de adesão, o que importa em dizer, como cediço, que as cláusulas já se acham impressas, ditadas pelo contratante economicamente mais forte(no caso, o locador), mediante instrumentos escritos que já se acham previamente redigidos e que são colocados à disposição do locatário e do fiador para um único gesto: aceitar em bloco ou recusar em bloco! Por conseguinte, e como é lógico, à luz da lógica do mercado, nesses contratos já há cláusulas impressas segundo as quais o fiador renuncia ao benefício de ordem, tornando-se um devedor solidário, sem que sequer ser advertido sobre as conseqüências da contratação, ou seja, sobre a possibilidade de vir a ser executado seu bem de família para pagar uma dívida dos outros, isto é, do inquilino, não podendo inclusive fazer uma regressiva contra este, uma vez que o imóvel deste acha-se ao abrigo da impenhorabilidade.


10.A recente decisão do Supremo Tribunal Federal

            Recentemente, precisamente em 08 de fevereiro do ano presente(2006), o Supremo Tribunal Federal(STF), em sede de Recurso Extraordinário nº 407688, da Relatoria do Ministro Cezar Peluso, por maioria de votos(7 votos a 3), negou provimento ao Recurso Extraordinário e, por conseguinte, manteve a decisão do Tribunal de Alçada de São Paulo, que determinou a penhora do bem de família do fiador.

            Em síntese, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o único imóvel(bem de família) de uma pessoa que assume a condição de fiador em contrato de locação pode ser penhorado, em caso de inadimplência do inquilino.

            Na casuística, a tese do recorrente(o fiador) era de que a exceção do artigo 3º inciso VII da Lei nº 8.009/90 ofendia o artigo 6º da Carta Magna, alterado pela Emenda Constitucional nº 26/2000, que incluiu a moradia no rol dos direitos sociais constitucionalmente amparados.

            Conforme extrato de notícia produzida pela Seção de Pesquisa de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal(STF) [24], "durante o julgamento pelo plenário do STF, os ministros debateram duas questões: se deve prevalecer a liberdade individual e constitucional de alguém ser ou não fiador, e arcar com essa respectiva responsabilidade, ou se o direito social à moradia, previsto na Constituição, deve ter prevalência.

            Isso implicaria dizer se o artigo 3º, inciso VII da Lei 8.009/90 estaria ou não em confronto com o texto constitucional, ao permitir a penhora do bem de família do fiador, para o pagamento de dívidas decorrentes de aluguel.

            O relator da matéria, ministro Cezar Peluso, entendeu que a Lei 8.009/90 é clara ao tratar como exceção à impenhorabilidade o bem de família de fiador. Segundo o ministro Peluzo, o cidadão tem a liberdade de escolher se deve ou não avalizar um contrato de aluguel e, nessa situação, o de arcar com os riscos que a condição de fiador implica.

            O ministro Peluzo não vê incompatabilidade entre o dispositivo da lei e a Emenda Constitucional 26/2000 que trata do direito social à moradia, ao alterar o artigo 6º da Constituição Federal, sendo acompanhado por seis outros ministros.

            Contrariamente, o ministro Eros Grau divergiu do relator, no sentido de afastar a possibilidade de penhora do bem de família do fiador, citando como precedentes dois Recursos Extradordinários(RE 352940 e 449657), relatados pelo ministro Carlos Velloso(aposentado) e decididos a fim de impedir a penhora do único imóvel do fiador. Nesses dois recursos entendeu-se que o dispositivo da lei ao excluir o fiador da proteção contra a penhora de seu imóvel feriu o princípio constitucional da isonomia.

            O voto divergente do ministro Eros Grau foi acompanhado pelos ministros Carlos Ayres Britto e Celso de Mello, sob o argumento de que a Constituição ampara a família e a sua moradia, nos termos do artigo 6º da Carta Magna, de forma que o direito à moradia seria um direito fundamental de 2ª geração, que tornaria indisponível o bem de família para a penhora.

            Ao fim, prevaleceu o entendimento do Relator, por 7 votos a 3, que negou provimento ao RE, mantendo a decisão do Tribunal de Alçada de São Paulo, que determinou a penhora do bem de família do fiador."


11. O contrato locatício, o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil

            Nesse tópico, inicio com a seguinte indagação: o contrato de locação, como costumeiramente difundido nas médias e pequenas cidades do Brasil, deve ser classificado como um contrato paritário ou como um contrato de adesão? E mais: em sendo um contrato de adesão, deve ser regido pelo Código Civil ou pelo Código de Defesa do Consumidor, ou mesmo por ambos?

            E para responder tais questões, é pertinente expor os significados das respectivas modalidades contratuais.

            Informa a doutrina que contrato paritário, conforme magistério de Carlos Roberto Gonçalves [25], "é aquele do tipo tradicional, em que as partes discutem livremente as condições, porque se encontram em situação de igualdade (par a par). Nessa modalidade há uma fase de negociações preliminares, na qual as partes, encontrando-se em pé de igualdade, discutem as cláusulas e condições do negócio."

            No tocante ao contrato de adesão, assim o define Silvio Rodrigues [26]: "Contrato de adesão, nome que lhe deu SALEILLES, é aquele em que todas as cláusulas são previamente estipuladas por uma das partes, de modo que a outra, no geral mais fraca e na necessidade de contratar, não tem poderes para debater as condições, nem introduzir modificações, no esquema proposto. Este último contraente aceita tudo em bloco ou recusa tudo por inteiro."

            Como visto, a diferenciação primacial entre ambos é que, de referência ao contrato de adesão, há a ausência de uma fase pré-negocial, em face da predisposição unilateral das cláusulas contratuais pelo policitante ostensivo, restando ao outro contratante a faculdade de aderir ou não às cláusulas, em bloco, ou, para usar uma expressão popular: é pegar ou largar!

            No contrato de adesão, pois, conforme ressalta a doutrina, persiste uma mínima liberdade de contratar – sendo, contudo, um poderoso instrumento de contratação na sociedade moderna, cada dia mais massificada, consumista e complexa -- de tal sorte que ao contratante mais fraco resta uma mínima parcela de liberdade, se pretende obter a prestação do serviço ou a aquisição do objeto.

            E nesse diapasão, pois, não é outro raciocínio que se opera em relação ao contrato de locação residencial – qual seja, de que se trata de um contrato de adesão, ficando afastado, obviamente, o tipo contratual da locação não residencial.

            A meu juízo, pois, entendo que a contratação locatícia hodierna, em larguíssima hipótese, é regida sim sob a modalidade adesiva e não paritária, até porque os contratos locativos são celebrados com a interveniência das administradoras de imóveis, ou seja, de empresas imobiliárias, as quais redigem as condições e cláusulas previamente e unilateralmente, impondo ao locatário e fiador – estes na condição de aderentes – todas as estipulações contratuais, restando apenas aos contratantes mais fracos (os oblatos) a liberdade mínima ou nenhuma de liberdade de contratar, haja vista que aos aderentes só lhes sobram uma única alternativa: aderir em bloco ou recusar em bloco, sendo que, na prática, quando assinam o contrato, sequer o lêem ou compreendem o seu conteúdo.

            De tal sorte, quando celebram o instrumento -- contratam e se vinculam nos moldes do pacta sunt servanda -- aderindo às cláusulas no mais das vezes abusivas, obscuras, ambíguas, sem que o contratante mais forte lhes advirta previamente, elucidando, por exemplo, sobre o real significado da renúncia ao benefício de ordem, em sede de fiança, e perante o atual posicionamento jurisprudencial dominante, qual seja: que se o inquilino não adimplir com sua obrigação(pagar os aluguéis), o locador executará o fiador(devedor solidário, em face da renúncia ao benefício de ordem), e o fiador perderá seu único imóvel residencial(bem de família), para quitar uma dívida que não lhe pertence, sendo que o fiador, depois, ao fazer a ação regressiva contra o inquilino, este nada pagará, posto que sua casa de morar acha-se protegida pelo manto da impenhorabiliadade. E é essa advertência, que, sem dúvida, deveria está inscrita com letras garrafais nos contratos de locação – mas que, na prática, nada disso acontece, vez que as cláusulas são redigidas de forma pouco clara, obscura, levando ao fiador a assinar o instrumento por mera amizade ou movido por relação de parentesco com o locatário, até porque a fiança, em regra, é um contrato benéfico.

            Convencido estou, pois, que o contrato de locação residencial é um contrato de adesão por excelência, em sua larguíssima incidência cotidiana, além do que é um contrato de consumo, devendo assim ser regido pelo Código de Defesa do Consumidor.

            De fato, entendo que o locatário e respectivo fiador são eminentemente consumidores, precisamente porque contratam via administradoras de imóveis ou empresas imobiliárias, e se utilizam de um produto (imóvel), por determinado período, como destinatário final, mediante a contrapartida de uma remuneração (aluguel) paga ao fornecedor do produto, o locador (proprietário do produto), ou seja, do imóvel.

            A despeito de uma forte resistência na doutrina e na jurisprudência em admitir a natureza consumerista do contrato de locação residencial, sólida posição doutrinária defende tal postura, como, por exemplo, da lavra da insigne Cláudia Limas Marques [27]: "O contrato mais importante, porém, é o contrato de locação de imóvel. Tratando-se de locação comercial a aplicação do CDC fica afastada, mas tratando-se de locação residencial a aplicação das normas protetivas do CDC será a regra, como concorda a jurisprudência. No caso, trata-se, nas grandes cidades, de contratos de adesão elaborados pelas Imobiliárias; nas pequenas cidades, de contratos de locação ainda paritários e discutidos com cada inquilino. O importante é caracterizar a presença de um consumidor e de um fornecedor em cada pólo da relação contratual."

            À vista disso, pois, entendo que o contrato de locação residencial além de ser um contrato de adesão é também um contrato de consumo, pelo que deve ser aplicado ao mesmo o Código de Defesa do Consumidor, em consonância dialógica com o Código Civil e, como lógico, com a principiologia constitucional.

            Assim, em corolário, em sendo o Código de Defesa do Consumidor uma lei principilógica, um microssitema jurídico, toda a sua principilogia de ordem pública e cogente, materializada pelos princípios da boa-fé objetiva (art. 4º inciso III); da transparência (arts. 4º caput e 46); da confiança (arts. 12, 17 e 18); do equilibro contratual (art. 4º inciso III); da proteção contra cláusulas abusivas (art. 6º inciso IV); da revisão de cláusula ou do contrato do consumo (art. 5º inciso V), dentre outros, devem sim ser aplicados em sede de contratos de locação residencial, em total sintonia com a moderna principiologia contratual civilística – naquilo que a doutrina denomina de "diálogo das fontes" -- muito bem estampada pelo Novo Código Civil, a saber: o princípio da função social do contrato(art. 421); o princípio da boa-fé objetiva(art. 422, 187 e 113) e o princípio do equilíbrio material do contrato, que busca amparar o contratante mais vulnerável, o aderente(arts. 423 e 424), afora, é lógico, a principiologia constitucional que ilumina o direito civil moderno.


12. Meu posicionamento jurídico: o direito civil constitucional e uma proposta para a abrandar a voracidade do mercado locatício

            À vista de tudo nesse estudo exposto, passo a emitir meu entendimento jurídico, data vênia.

            Re vera, ouso em discordar da decisão do Supremo Tribunal Federal já referida. A meu juízo, entendo que decisão da Corte Constitucional emprestou uma ênfase exagerada ao princípio da irretratabilidade das convenções ou do pacta sunt servanda – segundo o qual o contrato deve ser fielmente cumprido, o contrato é lei entre as partes -- em detrimento de outros princípios contratuais de maior valoração axiológica, ou de conteúdo social mais acentuado, como, por exemplo, os princípios que informam o Código de Defesa do Consumidor e os modernos princípios contratuais do Código Civil de 2002, afora, e isso é fundamental – os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da isonomia.

            Concessa vênia, entendo que há um equívoco na decisão do STF – haja vista que fez prevalecer, por maioria de votos, a tese do positivismo extremado, do legalismo pelo legalismo, vitoriando enfim o entendimento de que o cidadão tem a liberdade de escolher se deve ou não avalizar um contrato de aluguel e, de conseguinte, arcar com os riscos de sua condição de fiador, pressupondo uma contratação locatícia paritária e não adesiva, como assim se opera e se realiza no mundo dos fatos.

            Ora, incontestavelmente, a decisão majoritária não enfrentou outros quadrantes do tema, todos eles iluminados pelo Direito Civil Constitucional, o qual, segundo a dicção de Francisco Amaral [28], significa "materialmente o direito civil contido na Constituição" ou, no magistério de Paulo Luiz Neto Lobo [29], a percepção de que "....deve o jurista interpretar o Código Civil segundo a Constituição e não a Constituição segundo o Código Civil, como ocorria com freqüência(e ainda ocorre)."

            O direito civil constitucional, segundo abalizada doutrina, é o direito civil interpretado e aplicado à luz da Constituição Federal e não o inverso, levando-se em conta, primordialmente, que a Carta Magna é o centro do ordenamento jurídico, e que o Código Civil é o seu planeta principal e que os demais microssistemas jurídicos são os satélites desse sistema normativo, aqui exemplificado como se sistema solar fosse, à luz da simbologia usada por Ricardo Lorenzetti, apud Flávio Tarturce [30].

            Ademais, o direito civil constitucional acha-se amparado em três princípios fundamentais, todos de matriz constitucional, ou seja: o princípio da dignidade da pessoa humana(artigo 1º inciso III da CF); o princípio da solidariedade social(artigo 3º inciso I da CF) e, por fim, o princípio da igualdade ou isonomia(artigo 5º caput da CF), princípios esses que se irradiam por todo o sistema jurídico, dando concretude à normativa constitucional, para fins de incentivar uma mentalidade constitucional que tanto se almeja.

            Malgrado isso, volto a dizer, data vênia, entendo que a posição do Supremo afastou-se deveras de tal perspectiva civil-constitucional, centrada numa tese de um mero positivismo romântico, de um liberalismo econômico incipiente, historicamente distante do Brasil de hoje, do século XXI – uma das dez maiores economias do mundo – como se os contratantes de uma locação residencial sentassem num banco de uma bucólica praça pública ou mesmo em calçadas interioranas tranqüilas e nesses locais discutissem, frente à frente, passo a passo, detalhe por detalhe, a locação a ser consumada!...

            Lêdo engano, errônea constatação do Supremo, a meu juízo; pessoalmente, quisera até que assim fosse a contratação, conforme assim estudei e aprendi nos bancos da minha querida Universidade Federal de Sergipe, cujas lições eram inspiradas no modelo liberal de contratação do Código de Bevilácqua.

            Contudo, o fato concreto, real, inabalável, inconcusso, induvidoso e inafastável – e a realização prática é a essência do Direito(Rudolf Von Ihering) – é que, em verdade, de há muito vivemos numa sociedade injusta, complexa, violenta, consumista, massificada, plural, veloz, imediatista e nada solidária, razão pela qual os proprietários, já rescaldados e um tanto desconfiados com o mercado, entregam seus imóveis às imobiliárias – ou porque os locadores não têm tempo para conseguir inquilinos, ou mesmo por receio de manter contato com estranhos e supostos inquilinos – e então as administradores de imóveis, objetivando lucro(a taxa de administração, por exemplo), redigem os contratos de locação residencial, de adesão e de consumo, e lançam os imóveis no mercado mediante oferta pública permeada de voraz publicidade, à caça de inquilino e que este, por seu turno, em seguida consegue um fiador, o qual, em última instância – não obstante devedor de uma obrigação acessória, terminará por assumir, pagar e por fim perder sua casa de morar para quitar a dívida do inquilino seu amigo, e no mais das vezes seu parente, que jamais lhe ressarcirá, em regressiva, até porque o imóvel do seu amigo ou parente inquilino é impenhorável, diferentemente do imóvel do infeliz fiador.

            Em suma, essa é a taciturna história do fiador, mas que, segundo o Supremo, é uma história lícita e constitucional. No meu entendimento, contudo, filio-me à corrente que defende a tese da impenhorabilidade do bem de família do fiador, pelas razões que insisto em enfatizar, ou seja:

            1ª) Porque viola o princípio da isonomia, tratando desigualmente os iguais, uma vez que declara impenhorável a casa de morar do inquilino, diferentemente da casa de morar do fiador, que declara penhorável, não obstante o direito à moradia seja um direito fundamental de 2ª geração, um direito social, previsto no artigo 6º da Carta Magna, atinente e pertinente a ambos os personagens(inquilino e fiador);

            2ª) Porque a Emenda Constitucional nº 26/2000, que introduziu o direito à moradia, não recepcionou o artigo 3º inciso VII da Lei 8.009/90, sendo essa norma constitucional auto-aplicável, de eficácia plena, imediata e direta;

            3ª) Porque a exceção do inciso VII do artigo 3º da Lei 8.009/90 foi ditada por motivos meramente mercadológicos, a fim de fortalecer o mercado imobiliário, diferentemente das demais exceções previstas no referido artigo, que tutelam bens ou interesses jurídicos de patamar superior ou igual à proteção do bem de família;

            4ª) Porque ofende o princípio da isonomia exarado no artigo 5º caput da Constituição Federal, vez que, em sendo a fiança um contrato acessório e subsidiário –por depender da existência do contrato principal e ter sua execução subordinada ao não-cumprimento deste, pelo devedor principal – não é justo e lícito que o fiador assuma obrigações mais onerosas do que o afiançado(o devedor principal), ainda que ele(fiador) renuncie ao benefício de ordem(art. 827 c/c art. 828 inciso I), pois mesmo assim o fiador estará pagando uma dívida que não lhe pertence e que de fato interessa exclusivamente ao devedor principal, o locatário(art. 285);

            5ª) Porque o contrato de locação residencial, onde naturalmente habita a fiança locatícia, é um contrato de adesão e de consumo e que, como tal, deve ser regido pelo Código de Defesa do Consumidor – lei principiológica e de interesse social relevantíssimo -- em consonância com o Novo Código Civil, pois, segundo a dicção do emérito Nelson Nery Junior [31], "ambas as leis(CC e CDC) têm, hoje, a natureza de serem corpos normativos constituídos de socialidade, em que avulta o interesse social, coletivo, em detrimento do meramente individual."

            Ad summan, entendo que há uma incompatibilidade flagrante entre o artigo 3º inciso VII da Lei 8.009/90 e a Emenda Constitucional nº 26/2000, que alterou o artigo 6º da Constituição Federal, introduzindo o direito à moradia, razão pela qual defendo que o bem de família do fiador de locação residencial não pode ser penhorado.

            De lege ferenda, em termos de proposta para acalmar a voracidade do mercado imobiliário – para fins de excluir, oxalá, a penhora sobre o bem de família do fiador – entendo que o Governo deve intervir no mercado, via executivo e via legislativo, no sentido de reestruturar a garantia locatícia denominada seguro de fiança locatícia, prevista no artigo 37 inciso III da Lei 8.245/91, hoje praticamente sem uso devido a uma regulamentação legal débil, lacunosa, que praticamente não funciona em razão da usura do sistema bancário ou securitário, e que impõe condições abusivas em detrimento dos interesses do locador, além de afrontar à própria Lei do Inquilinato, repleta de regras cogentes e imperativas.

            Nesse diapasão, pois, advogo que a revitalização do seguro fiança locatícia fomentaria o mercado imobiliário, atendendo aos anseios de todos, locadores e locatários, tornando-se doravante uma garantia eficiente, usual, prática, justa e fundamentalmente impessoal, na medida em que diminuiria em muito a procura pela fiança locatícia pessoal -- pois esta somente seria usada para os fiadores com mais de um imóvel, permitindo-se apenas a penhora àquele bem que não fosse o bem de família.

            Contudo, do contrário, a persistir o quadro atual sufragado pela posição do Supremo, apenas o inquilino estará se beneficiando da locação, uma vez que morará no imóvel e não pagará os aluguéis, pois quem pagará será o fiador, com o seu bem de família, ou seja, em suma o inquilino estará fazendo "cortesia com o chapéu alheio", apenas para usar um adágio popular já conhecido do STF e recentemente vocalizado pelo insigne Ministro sergipano, Carlos Britto, quando do julgamento da questão do nepotismo no judiciário.

            Enfim, é o que penso, concessa vênia – sempre na certeza de que a Justiça Contratual é um ideal a perseguir, na esteira e no lastro de um caminho permeado pela tábua axiológica da Constituição, como de há muito preleciona o mestre Gustavo Tepedino, o precursor e o maior nome do Direito Civil Constitucional no país, e de cujas lições sou seu eterno discípulo.


13. Conclusão

            A grande conclusão que se extrai é que o bem de família tem uma importância social fabulosa, pois protege a família -- precisamante o imóvel residencial -- excluindo da penhora por quaisquer execuções, salvo raras exceções.

            Historicamente, serviu nos Estados Unidos da América – berço do instituto – não só para fomentar o povoamento do vasto território americano, mas desde então para proteger a moradia das famílias em face das vicissitudes da vida e diante da ação quase sempre abusiva dos credores.

            Introduzido no Brasil pelo Código Civil de 1916, sob a modalidade voluntária, de fato não teve aceitação popular, quer seja pelo costumeiro desconhecimento das leis pela população, mas também, e principalmente, pela dificuldade na sua implementação, à vista da exigência de escritura pública ou testamento, bem como os custos desses atos decorrentes.

            Malgrado, com o advento da Lei 8.009/90, o instituto tomou novo influxo, vindo a ser recorrentemente aplicado nas lides judiciais, posto que por força dessa lei fora adotado a modalidade legal ou involuntária, ditada pela vontade mesma do Estado, a fim de proteger a família e sua residência, constituindo-se assim num importantíssimo microssistema jurídico, o qual, seguramente, já livrou da penhora milhares de casas de moradia dos brasileiros, ricos ou pobres.

            E nesse cotejo, com a edição da Lei 8.009/90, o fiador da locação também estava amparado pela regra geral da impenhorabilidade, não obstante os reclamos do mercado imobiliário, que entendia nefasta a não penhora do bem de família do fiador, ao ponto de, portanto, o mercado pressionar e, por fim, através do artigo 82 da Lei nº 8.245/91 acrescentar uma outra exceção ao artigo 3º da Lei 8.009/90, tornando penhorável a casa de morar do fiador da locação.

            Doravante, a situação do fiador fragilizou-se, abrindo-se uma dissensão doutrinária e jurisprudencial, que atingiu seu ápice com a promulgação da Emenda Constitucional nº 26/2000, segundo a qual introduziu o direito à moradia no rol dos direitos sociais do artigo 6º da Constituição Federal, ocasionando a polarização da questão em duas correntes bastantes díspares, ou seja: aqueles que defendiam a recepção e a compatibilidade entre a Lei 8.009/90 e a Emenda referida, e aqueles que sustentavam a não recepção e a incompatibilidade entre tais normas.

            Recentemente, o Supremo Tribunal Federal, por maioria, fez a opção pela corrente da recepção e da compatibilidade, concluindo ser possível a penhora do bem de família do fiador de locação – defendendo que o cidadão é livre para contratar, para avalizar, e que, portanto, deve assumir os riscos dessa contratação.

            Não obstante a decisão do STF, comungo da tese vencida, dos votos minoritários, e com base em sólida doutrina entendo que o contrato de locação residencial, assim como costumeiramente difundido nas médias e grandes cidades brasileiras, é contratado sob a forma adesiva, isto é, é contrato de adesão e também de consumo, vez que intermediados pelas empresas imobiliárias – que auferem lucros, via taxa de administração – e que por sua vez ditam as regras do contrato, sem qualquer discussão prévia com o inquilino e seu fiador, sendo que este, de regra, renuncia ao benefício de ordem sem a mais mínima advertência prática sobre o que isso significa, ou seja: a possibilidade de vir a perder a casa de moradia(o bem de família) para pagar uma dívida do inquilino, e sem qualquer possibilidade de ressarcimento por parte deste, via ação regressiva, uma vez que o casa de morar do inquilino acha-se amparada pela regra da impenhorabilidade.

            E seguindo essa corrente – que advoga a tese impenhorabilidade do bem de família do fiador locatício, pela não recepção da Lei 8.009/90 frente à Emenda Constitucional nº 26/2000 – é que convencido estou que ao contrato de locação residencial deve ser aplicada toda a principiologia consumerista e civilística, em simbiose, além dos princípios que regem o direito civil constitucional.

            Por fim, concluo que uma das formas de abrandar a voracidade do mercado imobiliário, afastando suas garras do bem de família do fiador da locação, é o Governo, via Dirigismo Estatal nas esferas executiva e legislativa, promover uma forte reestruturação do seguro fiança locatícia, minorando a abusividade dos sistemas bancário e securitário, que de há muito ditam as regras dessa garantia locatícia, impossibilitando a sua contratação por parte dos protagonistas da locação, locador e locatário.

            Alfim, entendo que, com a revitalização do seguro fiança, essa será, seguramente, a melhor e mais eficiente garantia locatícia, contratada de forma impessoal e sem a inconveniência de penhorar a casa de morar de um fiador, de um pai de família, implicando na ruína de mais um brasileiro – pelo fato de, singelamente, e com estribo no vetusto princípio do pacta sunt servanda -- ter assumido e pago uma dívida dos outros!


14. Bibliografia

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            VASCONCELOS, Rita de Cássia Corrêa de. A impenhorabilidade do bem de família e as novas entidades familiares. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, v. 51

            TARTUCE, Flávio. Direito civil. Direito das obrigações e responsabilidade civil. São Paulo: editora Método, 2005, v. 2.


Notas

            01 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Bem de Família Com comentários à Lei 8.009/90. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 28

            02 Op. cit., p. 33

            03 BEVILáQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Edição histórica. 7ª Tiragem. Rio de Janeiro: Rio, 1975, v. 1, p. 310

            04 SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de Direito Civil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1988, v. I, p. 352/353

            05 CARVALHO SANTOS, J. M. de. Código Civil Brasileiro Interpretado. 12ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1985, v. II, p. 191

            06 AMARAL, Francisco. Direito Civil. Introdução. 3ª ed. Rio de Janeiro-São Paulo: Renovar, 2000, p. 327

            07 Op. cit. p. 93

            08 BEVILáQUA, Clóvis. Op. cit., p. 310

            09 RIBEIRO SANTIAGO, Mariana. Da instituição de bem de família no caso de união estável. Revista de Direito Privado nº 18. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.176

            10 Op. cit., p. 165

            11 GONÇALVES, Denise Willhelm. Bem de família e o novo código civil brasileiro. Revista de Direito Privado nº 17. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, 120

            12 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2005, v. VI., p. 527

            13 MONTEIRO, Washington Barros de. Curso de Direito Civil. Direito das obrigações. 2ª parte. 34ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 5. p. 375

            14 GOMES, Orlando. Contratos. 16ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 435

            15 Op. cit., p. 166

            16 VASCONCELOS, Rita de Cássia Corrêa de. A impenhorabilidade do bem de família e as novas entidades familiares. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, v. 51, p. 46

            17 ALBERTON, Genacéia da Silva. Impenhorabilidade de bem imóvel residencial do fiador. A Penhora e o bem de família do fiador de locação. José Rogério Cruz e Tucci(coordenação), São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 119

            18 DINIZ, Maria Helena. Lei de locações de imóveis urbanos comentada. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 329

            19 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 82-83

            20 SICA, Heitor Vitor Mendonça. Questões polêmicas e atuais acerca da fiança locatícia. A Penhora e o bem de família do fiador de locação. José Rogério Cruz e Tucci(coordenação), São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 52

            21 TUCCI, José Rogério Cruz. Penhora sobre bem do fiador de locação. A Penhora e o bem de família do fiador de locação. José Rogério Cruz e Tucci(coordenação), São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 17-18

            22 Op. cit., p. 47

            23 JÚNIOR, Clito Fornaciari. O bem de família na execução da fiança. A Penhora e o bem de família do fiador de locação. José Rogério Cruz e Tucci(coordenação), São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 103

            24NOTÍCIAS,[email protected].Disponível em: http://wm186.ig.com.br/inmail/inamil.pl?acao=ler&msgnum=5&UIDL=1591913200061.Acesso em: 27/3/2006

            25 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2005, v.III, p. 75

            26 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Dos contratos e das declarações unilaterais da vontade. 28ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, v. 3, p. 44

            27 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. 3ª ed., 2ª tiragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, V. 1, p. 166-167

            28 Op. cit., p. 151

            29 LÕBO, Paulo Luiz Neto. Constitucionalização do direito civil. Revista de informação legislativa. Brasília: Senado Federal, 1999, v. 141, p. 100.

            30 TARTUCE, Flávio. Direito civil. Direito das obrigações e responsabilidade civil. São Paulo: editora Método, 2005, v. 2, p. 254

            31 JUNIOR, Nelson Nery. A defesa do consumidor no Brasil. Revista de Direito Privado. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2004, v. 18, abril-junho, p. 223.


Autor

  • João Hora Neto

    João Hora Neto

    juiz de Direito no Estado de Sergipe, professor de Direito Civil da Universidade Federal de Sergipe (UFS), mestre em Direito Público pela Universidade Federal do Ceará (UFC), especialista em Novo Direito Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL)

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HORA NETO, João. O bem de família, a fiança locatícia e o direito à moradia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1476, 17 jul. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10149. Acesso em: 26 abr. 2024.