Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/1018
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

O crime organizado e propostas para atuação do Ministério Público

O crime organizado e propostas para atuação do Ministério Público

Publicado em . Elaborado em .

SUMÁRIO: I - Crime Organizado. 1. Conceito. 2. O parquet e a atividade investigatória. II - A quebra do sigilo constitucional. 1. Introdução. 2. O direito positivo e a quebra do sigilo. 2.1. A Lei nº 9.034/95. 2.1.1. A experiência italiana. 2.1.2. O procedimento. a) Introdução. b) As formalidades e os seus conflitos. 2.2. A Lei nº 9.296/96. 2.2.1. Introdução. 2.2.2. A abrangência da lei. a) Os Pressupostos. b) O Procedimento. III - Propostas de atuação ministerial . IV - Conclusão.


I - Crime organizado

a) Conceito

O legislador não definiu o significado da expressão "crime organizado" deixando esta tarefa aos juristas e à jurisprudência. A complexidade do assunto talvez tenha levado o legislador a agir assim.

O artigo 1º da Lei nº 9.034/95 leva a crer que o conceito de crime organizado estaria relacionado com crime de quadrilha ou bando. O enunciado da lei fez referência tão- somente às ações praticadas por organizações criminosas.

Alguns doutrinadores afirmam que as expressões(1) são sinônimas. Os que entendem que os conceitos são diferentes sustentam que, em razão disso, a lei teria aplicação limitada ao combate da criminalidade sofisticada, a transnacional (2) e não a criminalidade massificada (crime de quadrilha ou bando). (3)

A discussão é estéril, pois a "criminalidade organizada não é apenas uma organização bem feita, não é somente uma organização internacional, mas é, em última análise, a corrupção da Legislatura, da Magistratura, do Ministério Público, da Polícia, ou seja, a paralisação estatal no combate à criminalidade...é uma criminalidade difusa que se caracteriza pela ausência de vítimas individuais" (4).

O aumento de crimes de roubo e furto de veículos, nos últimos três anos (5), e de cargas aliado à constatação de que os automóveis são trocados por drogas mostram que a prática de tais crimes fazem parte de um esquema organizado de ações criminosas. Os meios tradicionais de investigação e repressão estão se mostrando insuficientes. O roubo de cargas atingiu índices alarmantes em determinadas regiões (6), devendo atribuir-se tais ações às organizações criminosas locais. Entendemos que a restrição imposta pela doutrina ao conceito de crime organizado em nada contribui para prevenir e combater as ações de organizações criminosas. Pelo contrário, o conceito de crime organizado deve ser o mais abrangente possível, para que a legislação existente, sobretudo a que disciplina os meios de obtenção de prova e procedimentos investigatórios (Lei nº 9.034/95), possa ser aplicada também no combate contra pequenas quadrilhas ou bandos que tendem, naturalmente, a evoluir para prática de crimes mais complexos.

          b) O Parquet e a atividade investigatória.

O Parquet é o titular exclusivo da ação penal pública (art. 129 da CF/88). No entanto, para o exercício de suas funções, necessita de suporte probatório mínimo para o ajuizamento da ação penal e, algumas vezes, da obtenção de providências cautelares (ex.:prisão preventiva, prisão temporária, interceptação de comunicações telefônicas etc).

O Poder Judiciário já se manifestava rigoroso na preservação dos direitos constitucionais, antes mesmo da entrada em vigor da Lei nº 9.296/96, que regulamentou a interceptação telefônica. Não bastava a existência de ordem judicial para que a diligência fosse levada a efeito, o STF exigia que lei estabelecesse quais crimes poderiam ser objeto (hipóteses) de interceptação telefônica, o que levou o legislador a reservar a aplicabilidade da lei a crimes de maior gravidade e ainda previu a maneira (forma) como ela deverá ser feita e os seus requisitos. (7).

O modelo brasileiro adota o inquérito policial como instrumento destinado a obter elementos probatórios do fato e da autoria através de um órgão chamado polícia judiciária (8). O professor Tourinho ensina que, uma vez realizada a investigação pela polícia judiciária, as informações que a compõem são levadas (nem sempre) ao Ministério Público, a fim de que este, se for o caso, promova a competente ação penal.

Nota-se que o sistema pátrio atribuiu a investigação preliminar do crime (9), primeira fase da persecutio criminis, à polícia judiciária. A segunda fase atribui-se ao parquet que pode também realizar investigação, existindo ou não inquérito policial, pois o Promotor de Justiça, ao presidir uma investigação, não está usurpando as funções de Delegado de Polícia, pelo contrário, ele está exercendo plenamente suas prerrogativas. O Ministério Público não produz inquérito policial, mas sim peças de informação de caráter administrativo que poderão servir de base para o início da ação penal (10) .

Na realidade o que se observa é que o atual sistema está falido. A polícia judiciária, por uma série de razões, não consegue apurar infrações ou somente apura aquilo que lhe interessa, gerando, assim, sérios prejuízos para a persecutio criminis.

O Ministério Público, neste contexto, acaba por funcionar como um mero receptáculo de inquérito, um destinatário passivo e acomodado por força do costume e da ferrugem de uma legislação arcaica que ainda é invocada por muitos para impedir o exercício pelo parquet de uma de suas prerrogativas mais típicas : realização de investigações próprias. É raciocínio lógico e mediano de que quem pode o mais (ajuizar ação penal) pode o menos (colher provas). A atividade investigatória decorre, portanto, do natural exercício da ação penal, que é princípio constitucional.

O direito francês dispõe no art. 14, al. 1, CPP, que a polícia judiciária (11) é encarregada de apurar infrações à lei penal, de obter provas e de identificar os autores. Sua missão consiste ainda de esclarecer o Ministério Público acerca dos fatos, lembrando que o exercício de suas atribuições é exercida sob direção do Procurador da República ou, ainda, de ofício durante o inquérito preliminar (art. 75, CPP) (12).

O Código de Processo Penal italiano dispõe que o Il pubblico ministero dirige le indagini e dispone direttamente della polizia giudiziaria (109 Cost). Vemos que o inquérito preliminar é conduzido pelo Ministério Público, demostrando-se, assim, que, no direito comparado, é plenamente possível e aceitável o exercício da atividade investigatória com as outras atribuições do parquet.

O sistema italiano reflete, também, uma forma de controle externo da atividade policial, pois determina o CPP italiano que a polícia judiciária deverá sinalizar, sem demora e por escrito, ao Ministério Público a ocorrência de infração que ela tenha tido conhecimento indicando as fontes de prova e as diligências já adotadas (13) ("...A cet effet, obligation est faite à la police judiciaire de signaler sans délai et par écrit au ministère public l’existence de l ‘infraction dont elle a eu connaissance, en indiquant les sources de preuve et les activités déjà accomplies.").

Observa-se que uma das atribuições do Ministério Público alemão é de "...dirige l’enquête de police, ordonne dans l’urgence certaines mesures coercitives...". Verifica-se que o parquet alemão exerce atividade investigatória preliminar, visando identificar o acusado na fase de investigação preliminar e obter os elementos necessários à propositura da ação ("Ainsi le principale mission est de rechecher, au cours de la phase préparatoire, les élements de preuve à charge et à decharge contre l’accusé" § 160, II, StPO).

A Constituição Federal(14) atribui ao Ministério Público poderes investigatórios ao assegurar, no art. 129, incisos VI e VIII, a prerrogativa de utilizar requisição ministerial para obtenção de documentos e realização de diligências, depreendendo-se que, se o parquet pode o mais, vale dizer, requisitar que outros realizem diligências consideradas necessárias para o esclarecimentos de fatos, ele pode, com muito mais razão, fazer o menos, ou seja, realizar e conduzir suas próprias investigações (15).

A Lei orgânica nacional do Ministério Público - Lei n. 8.625/93 - regulamentou o disposto na CF/88 assegurando definitivamente a figura da requisição ministerial, que já existia no sistema anterior, mas sem a força e referência de um texto constitucional.

A lei que trata do crime organizado dispõe que, em qualquer fase de persecução criminal, poder-se-á fazer uso dos meios operacionais previstos na inovadora lei (art. 2º, caput, Lei nº 9.034/95). Portanto, o parquet pode utilizar-se dos procedimentos especiais da lei para obtenção de provas, quando da realização de investigação própria.


II - A quebra do sigilo constitucional

a) Introdução

O tema é tratado a partir do art. 5º, inciso X, da Constituição Federal que dispõe : são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Celso Bastos ensina que "intimidade consiste na faculdade que tem cada indivíduo de obstar a intromissão de estranhos na sua vida privada e familiar, assim como de impedir-lhes o acesso a informações sobre a privacidade de cada um, e também impedir que sejam divulgadas informações sobre esta área da manifestação existencial do ser humano" (16).

A doutrina francesa apresenta definição semelhante ao afirmar que Le domaine de la vie privée correspond à la sphère secrète oú l’individu aura le droit d’être laissé tranquille(17). O domicílio e o sigilo da correspondência estão também ao abrigo de intrusões não consentidas.

Em suma, intimidade abrange, em sentido restrito, a inviolabilidade do domicílio, o sigilo da correspondência, e o segredo profissional (18).

Aparentemente, tem-se a impressão de que o direito à intimidade é um direito absoluto(19) e, em razão disso, impedido estaria o Estado de quebrar o sigilo do indivíduo.

Os direitos fundamentais gozam de certa relatividade, em face da necessidade de se proteger outros direitos também fundamentais, conforme relata o acórdão baixo :

PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS – QUEBRA DE SIGILOS BANCÁRIO, FISCAL E DE COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS (ART. 5º, X E XII, DA CF) – I. Os direitos e garantias fundamentais do indivíduo não são absolutos, cedendo em face de determinadas circunstâncias, como, na espécie, em que há fortes indícios de crime em tese, bem como de sua autoria. II. Existência de interesse público e de justa causa, a lhe dar suficiente sustentáculo. III. Observância do devido processo legal, havendo inquérito policial regularmente instaurado, intervenção do órgão do parquet federal e prévio controle judicial, através da apreciação e deferimento da medida. (TRF 2ª R – HC 95.02.22528-7 – RJ – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Valmir Peçanha – DJU 13.02.96).

A relatividade dos direitos fundamentais passa a ser possível com a aplicação do princípio da proporcionalidade, que é uma maneira de se corrigir o alcance de certos direitos fundamentais. Um exemplo da aplicação do princípio da proporcionalidade é a admissibilidade e utilização de prova ilícita, na hipótese de a mesma ter sido obtida para o resguardo de outro bem protegido pela Constituição, de maior valor do que aquele a ser resguardado (20). É uma tentativa de atenuar-se a "Teoria dos frutos da árvore envenenada" (fruits of poisons tree), com origem na Suprema Corte dos EUA. O exercício dos direitos fundamentais deve ser conciliado com a necessidade de proteger-se o Estado Democrático de Direito.

Por fim, a quebra do sigilo exige prévia autorização judicial, porque atinge direito fundamental da pessoa, necessitando, portanto, da proteção do juiz e, também, da previsão legislativa (21).

          b) O direito positivo e a quebra do sigilo

          1) A Lei nº 9.034/95

          1.1. A experiência italiana

O combate ao crime organizado demanda especificidade de atuação (22) e instrumentos alternativos de investigação, a fim de que haja eficiência nas investigações e sucesso na repressão criminal.

A experiência italiana mostrou que a realização de investigações patrimoniais sobre pessoas que haviam cometido algum ato de corrupção foi muito importante para a identificação de rastros de operações criminosas.

As aberturas de contas, a escuta telefônica, a análise de contas telefônicas, a movimentação bancária dos investigados mostraram-se eficazes para o sucesso da "Operação Mãos Limpas" (23), pois serviram de rastros para os investigadores.

A Itália utilizou a delação premiada, escutas telefônicas, a penalização dos caixa-dois, punição à corrupção, dentre outros instrumentos para combater o crime organizado, mas nada se comparou com a manifestação popular exigindo um basta à corrupção através do apoio às atividades investigatórias realizadas pelo parquet, mediante envio de telegramas e cartas aos parlamentares.

A lei brasileira surge como forma de dotar os órgãos encarregados da persecução criminal de meios operacionais e jurídicos para atuarem no combate ao crime organizado. O legislador, no afã de mostrar à opinião pública sua indignação com o avanço da criminalidade, elaborou uma lei permeada de defeitos técnicos, razão pela qual a doutrina e jurisprudência começam a apontar inconstitucionalidades e restrições ao alcance da mesma.

Veremos, em seguida, o procedimento estatuído pela lei para a quebra do sigilo do investigado.

          1.2. Procedimento

          a) Introdução

O direito à intimidade, à imagem, às comunicações telefônicas, enfim, à vida privada, pode ser assegurado por previsão constitucional ou lei. Além da garantia material, assegura-se o sigilo do indivíduo através da existência de procedimento legal, norteador, da violação do direito à intimidade e suas diversas formas, o qual, como dissemos há pouco, é um direito relativo.

A exigência de prévio procedimento legal e a sua observância são manifestações do princípio do devido processo legal. É com este que se evita a arbitrariedade, o abuso ou a ilegalidade da medida excepcional.

          b) As formalidades e os seus conflitos

O art. 3º, caput da Lei nº 9.034/95, dispõe que :

          Nas hipóteses do inciso III do art. 2º desta Lei, ocorrendo possibilidade de violação de sigilo preservado pela Constituição ou por lei, a diligência será realizada pessoalmente pelo juiz, adotado o mais rigoroso segredo de justiça.

Observa-se que o legislador atribuiu ao juiz a condução do procedimento de violação do sigilo individual, na hipótese de acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e eleitorais.

Na verdade, a legislação atribuiu ao juiz a função de investigador, de inquisidor. A solução encontrada tem sua origem na era do Império Romano e seu auge na Idade Média, durante a Santa Inquisição.

No sistema constitucional anterior era admitido que o magistrado praticasse atos típicos da parte tendo em vista previsão legal e a inexistência de regra constitucional sobre o tema (24).

A nova ordem constitucional atribuiu a exclusividade da ação penal pública ao Ministério Público (art. 129 da CF/88), vedando-se, assim, a prática de atos típicos de parte pela autoridade judicial (25). O art. 26 do CPP, em razão disso, encontra-se revogado conforme entendimento da jurisprudência.

A inovação legislativa fere o princípio do ne procedat iudex ex officio , pois atenta contra o devido processo legal que, em última análise, assegura a imparcialidade do julgador. A atribuição conferida ao juiz compromete o psíquico do magistrado, pois ele atuará no processo como investigador e julgador. A ocorrência de impedimento (art. 252, II, CPP) se manifesta, gerando nulidade processual (26).

A lei introduziu a função de juiz inquisidor em um sistema acusatório (27). Não me parece absurdo atribuir-se ao magistrado funções investigatórias, desde que o sistema processual admita a inovação.

Existe no direito francês a figura do juiz de instrução, o qual não se assemelha à figura criada pelo legislador pátrio, pois não adotamos o sistema acusatório formal (28) que prevê três etapas : a) investigação preliminar; b) a instrução judiciária (instruction preparatoire) e c) a fase de julgamento.

Neste sistema, a fase de instruction préparatoire (29) é conduzida pelo juiz de instrução (Le juge d’instruction) , o qual tem a função de procurar provas, verificando se existem indícios suficientes contra uma pessoa para que esta seja julgada. Importante acrescentar que, no sistema francês, existe a possibilidade da realização de instrução judicial por órgão de 2º grau, através da Chambre d’accusation (30) (art.191 à 230, CPP, francês). Em suma, por essas razões entendemos que a inovação foi infeliz em virtude de incompatibilidade existente entre o Código de Processo Penal com a lei e, secundariamente, com a Constituição, pois se o sistema adotado fosse o francês, os questionamentos constitucionais não existiriam (31). Tivesse o legislador fortalecido o verdadeiro destinatário de qualquer investigação criminal (O Ministério Público), nós teríamos iniciado definitivamente o combate à criminalidade organizada, seja de massa ou não, com o auxílio e colaboração da Polícia.

O artigo 3º exige que a diligência seja conduzida pessoalmente pelo magistrado, mas não exige que ele a faça com suas próprias mãos, pois o § 1º prevê que o magistrado poderá requisitar auxílio de pessoas que tenham ou possam facilitar o acesso aos objetos de sigilo.

A materialização do procedimento de quebra de sigilo deverá ser documentado, por ordem do próprio juiz, descrevendo-se os detalhes de relevância para a investigação.

Interpretar-se literalmente a legislação é exigir que o magistrado faça trabalho braçal de investigação. O legislador quis assegurar, ao máximo, que a violação da intimidade dos investigados ocorresse de forma menos traumática possível. Portanto, entendo que o artigo 3º e parágrafos traduzem a idéia de supervisão das diligências visando a quebra do sigilo constitucional.

O parágrafo 2º prevê (32) que serão anexadas cópias autênticas dos documentos de relevância probatória aos autos de diligência. Indaga-se de imediato : Como o magistrado saberá se o documento é relevante ou não, se não é ele quem conduz as investigações?

A reflexão acima demonstra a inadequação do procedimento escolhido pelo legislador, pois ao mesmo que a Lei impõe ao magistrado a condução pessoal das diligências de quebra do sigilo individual, a Constituição, além de impedir que o magistrado aja de ofício, atribui a outros órgãos, Polícia e Ministério Público, a prerrogativa de realizarem investigações.

          2. A Lei 9.296/96

          2.1. Introdução

A Constituição Federal de 1988 foi a primeira a prever o sigilo das comunicações telefônicas (33). O texto remeteu a legislação à previsão das hipóteses e forma da quebra do sigilo (art. 5º, XII), o que provocou acirrada discussão acerca da aplicabilidade da norma constitucional (34).

No sistema constitucional anterior o tema só foi objeto de manifestação pelo Supremo Tribunal Federal, em 1977 (35).

A lei não só ratificou o princípio da intangibilidade do direito à intimidade como regra constitucional, como estabeleceu de forma clara os estreitos limites da interceptação das comunicações telefônicas (36). O legislador criou a referida lei com o propósito de dotar o ordenamento jurídico de meios eficazes e adequados no combate ao crime organizado (37).

No direito comparado observa-se que países como a Inglaterra (38), Alemanha (39) e recentemente a França (40) foram condenados pela Cour européenne des droits de l’homme por violarem o art. 8 da Convenção dos Droits de l ‘homme, em razão da inexistência de lei específica sobre escuta telefônica, providência exigível em uma sociedade democrática (41).

A interceptação telefônica é meio de apreensão imprópria de prova, uma vez que configura operação técnica através da qual se permite a apreensão, não de um documento, mas sim dos elementos fonéticos que constituem a conversa telefônica(42).

          2.2. A abrangência da lei

Pode ser utilizada em investigação criminal (43) e em instrução processual penal (art. 1º), podendo ser empregada em qualquer espécie de comunicação telefônica (44), incluindo-se aí aquelas em sistema de informática e telemática (45) (§ único, art. 1º).

          a) Os pressupostos

A medida poderá ser determinada, de ofício, pelo juiz ou a pedido da Polícia ou do Ministério Público (46).

O pedido deverá conter, claramente, a descrição do objeto da investigação, o qual deverá ser crime punido com pena de reclusão; os indícios de autoria ou participação na infração penal, inclusive com qualificação dos investigados, se conhecida; e, por fim, a demonstração da impossibilidade ou a dificuldade de obtenção de provas por outros meios.

          b) O procedimento

A lei permite, excepcionalmente, que o pedido seja deduzido oralmente, devendo-se, no entanto, ser reduzido a termo, junto com a decisão, que deverá ser fundamentada.

A execução da medida ficará a cargo da autoridade policial (47) (art. 6º), devendo a autoridade policial dar ciência ao parquet do início da medida, a fim de que o mesmo acompanhe a sua realização, se quiser.

Existindo possibilidade de gravação da comunicação interceptada, esta será transcrita e, ao fim da diligência, será encaminhada ao juiz que, uma vez recebida as transcrições, determinará o apensamento da prova obtida em autos apartados (art. 8º), dando-se ciência ao Ministério Público.

A gravação que não interessar à investigação ou ao processo será destruída por decisão judicial na presença do parquet (art. 9º), instaurando-se procedimento incidental aos autos principais.

Por fim, vale notar que o sucesso da medida pressupõe que o investigado não tenha prévia ciência da diligência deferida, o que não fere o princípio do contraditório, pois o investigado ou réu terá ciência do inteiro teor das gravações ou transcrições obtidas, oportunamente, instaurando-se, então, o chamado contraditório diferido que assegurará o direito ao réu de impugnar a prova obtida (48).


III - Propostas de atuação ministerial

O Ministério Público precisa de uma nova doutrina de atuação na área criminal. Atualmente o Parquet está distanciado da realidade criminal, concentrando todo o seu esforço na tentativa de obter a condenação de réus formalmente denunciados(49), ou ainda, atuando na área civil como parecerista (50).

Dados mostram que o Ministério Público tem sua atuação limitada a grande parte do trabalho da polícia judiciária (leia-se Polícia Civil), a qual é deficiente, traduzindo-se na apuração de apenas 10% a 20% das ocorrências criminais (51). Observa-se que é raro encontrar inquéritos que tenham por objeto a apuração de crimes que levam à profissionalização do delinqüente e à formação de quadrilhas (tráfico de drogas, receptação, crimes do colarinho branco, corrupção ou prevaricação, jogo do bicho, roubo organizado de carros e de carga (52), seqüestro, etc).

O Ministério Público não pode ficar à margem disso, apesar de não dispor, ao contrário de seus colegas franceses, italianos e alemães, de meios para interferir na produção de provas. Na verdade o parquet funciona como um reprodutor daquilo que foi apurado no inquérito policial como já dissemos neste trabalho.

A atual realidade começa a ser mudada. São exemplos : a iniciativa do parquet paulista em criar o Grupo de Centro de Análise e Integração no combate ao Crime Organizado (53) ou ainda, o bem sucedido exemplo do Ministério Público fluminense(54), que criou uma Central de Inquéritos, a qual possui uma estrutura própria de policiais e funcionários encarregados em dar suporte às investigações mais complexas e sensíveis; a reformulação da estrutura da segurança pública realizada no estado do Ceará, extinguindo-se as corregedorias das polícias (55), substituindo-as por um único órgão de controle, o qual será autônomo e supervisionado diretamente pelo Ministério Público (56); e, por fim, o exemplo mineiro, que propõe a criação de uma promotoria de justiça de combate ao crime organizado, que ainda se encontra em fase de discussão legislativa(57).

O legislador federal também vem contribuindo através de iniciativas como a do Projeto de Lei do Senado nº 031/95, cujo autor é o Senador Pedro Simon, que propõe diversas alterações no CPP (58), apresentando forte justificativa (59) .

Os exemplos mostram a veracidade da assertiva de que os promotores e procuradores devem sair detrás das pilhas de processo e partirem para campo, não se contentando em receber aquilo que lhes é encaminhado (60). No direito estrangeiro temos diversos exemplos, como dissemos alhures (61), de que a polícia judiciária é subordinada ao Ministério Público ou, ainda, que é comum policiais serem cedidos pela Polícia para trabalharem junto aos promotores, apesar de as instituições serem independentes (62). O Ministério Público do 3º milênio deve assumir um novo papel diante do aumento da criminalidade e da complexidade das ações criminosas (63).

Visando cooperar com a elaboração e aperfeiçoamento de doutrina institucional sugiro as seguintes propostas operacionais e institucionais de atuação ministerial face dos crimes praticados por organizações criminosas ou não :

  • O Parquet deve participar e acompanhar, segundo o seu juízo, da apuração de infrações penais que representem maior ameaça ao meio social, ao lado da autoridade policial, acompanhando-as, sugerindo medidas, orientando-as e colaborando com a investigação;
  • O Ministério Público tem legitimidade para conduzir e realizar investigações próprias, mediante procedimento investigatório (64), podendo e devendo para tanto, requisitar dos órgãos públicos os meios e serviços necessários, bem como assessoramento técnico das entidades de estudo e pesquisa;
  • O Ministério Público pode se utilizar dos meios legais existentes, durante suas investigações, visando obter peças de informação, podendo buscar, quando necessário, apoio operacional junto aos comandos das polícias local e da Procuradoria Geral de Justiça.
  • A investigação ministerial pressupõe a existência de policiais exclusivamente voltados para o trabalho de investigação, o que demanda a criação de uma seção de investigação ministerial (65), responsável pela apuração da criminalidade organizada (entendendo-se crimes de corrupção, roubo de cargas, etc), a qual deve ser subordinada hierárquica e administrativamente ao Ministério Público, nos moldes dos modelos italiano e francês, o quais não impedem a investigação e repressão pela via tradicional.
  • A Administração Superior do Ministério Público deve traçar política de aproximação com os comandos das Polícias e Superintendências das Receitas Federal e Estadual, observando-se as seguintes sugestões : a) estreitar laços funcionais, através da realização de operações de investigação e repressão ao crime; b) realizar convênios de cessão de viaturas e policiais para realização de investigações sensíveis (66) a cargo do parquet, objetivando suprir os órgãos ministeriais dos meios materiais; c) criar banco de dados relacionados com crimes de repercussão, realizando troca de informações com outras centrais de inteligência e órgãos fiscais; d) efetuar convênios nacionais e internacionais de cooperação técnica com academias de polícia, buscando ensinar técnicas de investigação aos membros do parquet; e) ministrar estudos e trocar experiências sobre o tema "O parquet e a investigação", propondo-se a médio prazo, a mudança na estrutura investigatória, sugerindo-se a subordinação da polícia judiciária ao titular da ação penal, nos moldes de diversos países europeus.

IV - Conclusão

  1. O conceito de crime organizado deve ser entendido em sentido amplo, proporcionando, assim, a aplicação da Lei nº 9.034/95 na repressão a crimes, como por exemplo, roubo organizado de cargas, tráfico de drogas interno, furto de veículos organizado, receptação organizada, corrupção etc;
  2. O parquet pode instaurar e realizar investigações, mediante procedimento administrativo, com o objetivo de formar e obter peças de informação, fundado no natural exercício da ação penal;
  3. O direito à intimidade não é um direito absoluto, razão pela qual se admite sua restrição, a qual se justifica pela necessidade de se proteger outros direitos fundamentais;
  4. O princípio da proporcionalidade deve ser utilizado como forma de atenuar a rigidez dos direitos fundamentais visando impedir que a criminalidade encontre refúgio na própria lei, ofendendo, assim, o Estado Democrático;
  5. A experiência italiana mostra que o apoio popular ao Ministério Público foi crucial para o sucesso da operação "mãos limpas", razão pela qual necessário se faz campanha nacional de debate e combate à corrupção em todos os setores do Estado, buscando-se assim, apoio popular;
  6. A colheita de provas realizada pelo juiz (art. 3º da Lei 9.034/95) é inovação infeliz do legislador, pois a lei introduziu a função de juiz inquisidor em um sistema acusatório que pressupõe atribuição a pessoas distintas para o exercício das funções de acusar, defender e julgar, violando-se, portanto, o princípio ne procedat iudex ex officio, representado pelo devido processo legal.
  7. O procedimento (art. 3º , § 2º da Lei 9.034/95) mostra-se inadequado ao dispor que o magistrado conduzirá pessoalmente diligências de quebra de sigilo, pois a Constituição ao mesmo tempo que impede que o juiz aja de ofício, atribui à Polícia e ao Ministério Público a prerrogativa de realizarem investigações.
  8. A previsão legal de que o magistrado anexará aos autos da diligência de quebra de sigilo documentos que tiverem relevância probatória mostra-se também inadequada, pois "como o juiz saberá se o documento é relevante ou não, se não é ele quem conduz as investigações ? "
  9. O Ministério Público não pode ficar à mercê dos trabalhos da polícia judiciária ou militar, transformado-se em um mero receptáculo das investigações, ou ainda como um mero parecerista inerte e estático, encarregado em dar continuidade a persecutio criminis, contente e acomodado com a atual estrutura. Deve buscar, ao contrário, diretamente, in loco, as provas necessárias para a consecução de seu mister, utilizando-se de uma estrutura administrativa mínima.

NOTAS

  1. Crime organizado ou organização criminosa e crime de quadrilha ou bando. Gomes, Luiz Flávio. Crime Organizado, p. 89-102, RT, São Paulo, 2ª ed.
  2. Alberto Silva Franco, Boletim IBCCrim, n. 21, Extra, p. 5, citado por Luiz Flávio, p. 75, Crime Organizado, RT.
  3. V. Luciana F. L. Pinto e Tatiana BICUDO, in Boletim IBCCrim, n. 12, p.1 citado por Luiz Flávio Gomes, p. 75.
  4. Hassemer, Três temas d Direito Penal, cit, p.85, citado por citado por Luiz Flávio Gomes, p. 75.
  5. Dados da Coordenadoria e Planejamento da SSP/SP. Furtos e roubos de veículos registrados na grande São Paulo. Período-1995 : 7.517,9; 96: 9.220,5; 97: 8.843,3; Jan. 98: 9.268).
  6. Por exemplo, no sul do estado de Minas Gerais, já foram roubados e ou furtadas aproximadamente 200.000 sacas de café, em menos de seis meses, o que levou o Conselho de Segurança do Sudeste a propor a criação de delegacia especializada sediada na cidade de Varginha-MG.
  7. Mossim, Heráclito A , Sigilo Bancário e Interceptação telefônica; In Revista Jurídica nº 221, pág. 56, CD ROOM Síntese, Doutrina.
  8. Tourinho Filho, Fernando Costa. Processo penal, vol. 1; p. 69; Ed. Saraiva; 12ª ed.
  9. Nardini, Maurício José. O Promotor de Justiça e a presidência da investigação criminal. In Revista Jus 20/275, publicação da AMMP. "A Constituição Federal não confere exclusividade à Polícia Civil na apuração de ilícitos penais". Nesse mesmo sentido Lazzarini e Chila.
  10. Ibidem, p. 276.
  11. La police judiciaire est placée sous la direction du procureur de la République (art.12 CPP), sous la surveillance du procureur général dans le ressort de chaque cour d’appel et sous le contrôle de la chambre d’accusation (art. 13 et 224 CPP). Em resumo, a policia judiciária é dirigida pelo promotor de justiça sob supervisão do procurador geral e também sob o controle da Chambre d’accusation (vide nota nº 20) . Mireille Delmas - Marty. Procédures pénales d’Europe, Thémis, PUF, 1995, p. 229.
  12. Op. cit., p. 229.
  13. Op. cit., p. 303.
  14. A Constituição italiana prevê no art. 109 que o Ministério Público dispõe diretamente da polícia judiciária, dispositivo regulamentado pelo art. 58 e 327, CPP.
  15. ADIn 1.571-UF, rel. Ministro Néry da Silveira, j. 20-3-97 manifestando-se que o MP pode Dom apoio no art. 129 e seus incisos da Cf/88 proceder, de forma ampla (gn), a pesquisa da verdade, na averiguação de fatos e na promoção imediata da ação penal pública.
  16. Comentários à Constituição do Brasil, Ed.Saraiva, v.2, 1989, p.63.
  17. Morange, Jean. Droits de l’homme et libertés publiques.3ed, PUF, 1982.
  18. Afonso da Silva, José. In Curso de Direito Constitucional, p. 203, 13ª ed, Ed. Malheiros.
  19. De Farias, Edilson Pereira; Colisão de Direitos; p. 74-78; Ed. Fabris, 1996; Porto Alegre. O autor faz profundo estudo sobre normas restritivas de direito fundamental citando doutrina estrangeira e julgados de tribunais constitucionais.
  20. Antônio Scarance Fernandes, Constituição da República, p.72, citado por Luiz Flávio Gomes, in Crime Organizado, p. 121, 2ª Ed, RT.
  21. De Farias, Edilson Pereira. Op. Cit, p. 76. "Comumente faz-se referência às seguintes restrições : a) as estabelecidas diretamente pela constituição; b) as estabelecidas por lei autorizada pela constituição (reserva de lei) e c) as estabelecidas indiretamente pela constituição (implícitas).
  22. Consistente nas seguintes fases : coleta de dados; análise; elaboração de estratégia investigatória; obtenção de provas e finalmente repressão através do processo criminal.
  23. Palestra proferida pelo Sr. Procurador-Geral italiano Paulo Ielo, na Comissão de Constituição e Justiça, presidida pelo Deputado Bernardo Cabral, em setembro de 1997, sobre a experiência italiana no combate ao crime organizado.
  24. Art. 26. A ação penal, nas contravenções, será iniciada com o auto de prisão em flagrante ou por meio de portaria expedida pela autoridade judiciária ou policial (CPP) (gn).
  25. Impossibilidade de iniciar processo contravencional conhecido como judicialiforme mediante portaria.
  26. TARS. "Auto de prisão em flagrante e atos de investigação presididos por Juiz, em razão de greve dos Delegados de Polícia. Impedimento para exercer a jurisdição no processo. Nulidade absoluta ".STF:RTJ 47-543.TJSP RT 550-303. JTACRESP 46-225.
  27. É aquele que assegura todas as garantias do devido processo legal como por exemplo o princípio da igualdade, do contraditório. Pressupõe ainda a existência de outras garantias (publicidade, atribuições a pessoas distintas para o exercício das funções de acusar, defender e julgar).
  28. O Brasil adota o sistema acusatório, pois não temos a figura do juiz instrutor. Tourinho Filho, Fernando da Costa. Processo Penal. Vol. 1. pág. 85, 12ª ed. Ed. Saraiva.
  29. Chamada também de l’information judiciaire ou l’information. Soeyer, Jean-Claude. Manuel Droit Pénal et Procédure Pénale, pag.9, 2ª parte, ano 1993. 10º Ed. LGDJ.
  30. La Chambre d’accusation est une juridiction d’instruction du second degré. Elle est composée de trois membres, un président et deux conseillers et est une section de la Cour d’appel. Idem, pág.288.
  31. Sustentam alguns que o caput do art. 3º afronta o princípio do ne procedat iudex ex officio, comprometendo, em razão disso, o psíquico do magistrado, a sua imparcialidade, requisito indispensável para qualquer julgamento.
  32. O juiz, pessoalmente, fará lavrar auto circunstanciado da diligência, relatando as informações colhidas oralmente e anexando cópias autênticas dos documentos que tiverem relevância probatória, podendo, para esse efeito, designar uma das pessoas referidas no parágrafo anterior como escrivão ad hoc (gn).
  33. Ribeiro, Fábio Tavares. Escutas telefônicas por determinação judicial. Estudo sobre legalidade. Tese aprovada no III Congresso Estadual em Minas Gerais, Revista Jus 20/55, publicação da Associação Mineira do Ministério Público.
  34. Avolio, Luiz Torquato, in Provas Ilícitas, RT, p. 155 e 156, citado por Fábio Tavares Ribeiro, entende pela inaplicabilidade da norma face da ausência, à época, de lei específica. Ribeiro, Fábio Tavares; Op. cit., p. 57, apoiado em doutrina, entende pela possibilidade, face da recepção da Lei nº 4.117/62 (Código Brasileiro de Telecomunicações), pela nova ordem constitucional.
  35. A prova gravada de uma ligação telefônica era colocada como ponto principal da discussão. O STF inquinou de ilegal e imoral a prova obtida de que se utilizou o cônjuge, em ação de divórcio, cassando a decisão do TJRJ. Ibidem, p. 56. A questão começa a ser revista por alguns tribunais, p.ex, Ementa: Processo Civil. Prova. Gravação de conversa telefônica feita pela autora da ação de investigação de paternidade com testemunha do processo. Admissibilidade. RE n.9.012/RJ-Registro 91045039. RDR(rev.renovar) nº 8/Maio/Agos. 1997.
  36. Comentários à Lei nº 9296/96. Professor Alexandre de Moraes, realizados durante as aulas proferidas no curso Prof. Damásio de Jesus.
  37. A Lei nº 9.034 de 3.5.95 dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas.
  38. Condenada em 1984; in Morange, Jean; Droits de l’homme et libertés publiques. p. 179, 3ª ed. PUF.
  39. Condenada em 1978. Ibidem, p. 179.
  40. Condenada em 1990. Ibidem, p. 179.
  41. A Cour européenne utilizou os seguintes argumentos " en resumé, le droit français, écrit et non ecrit, n’indique pas avec assez de clarté l’étendue et les modalités d’exercice du pouvoir d’apreciation des autorités dans le domaine consideré . Il en allait encore davantage aussi à l’époque des faits de la cause, de sorte que M. Kruslin n’a pas joui du dégre minimal de protection voulu para la préeminence du droit dans une societé democrátique", Ibidem, p. 179, CEDH 24 abril 1990, Affaire Kruslin c/ France.
  42. Grinover, Ada Pellegrini. Liberdades Públicas, p. 201-5, citada por Ribeiro, Fábio Taveres, Op. cit., p. 59.
  43. Nelson Nery Júnior admite prova emprestada (Princípios do Processo Civil na CF/88, RT, 96, p 159-160) da ação penal para processo civil, desde que as partes sejam as mesmas. Posicionam contra Antonio Scarance(Justiça Penal-Críticas e Sugestões, RT, 97, p. 54) e Vicente Grecco (Interceptação Telefônica, 1996, São Paulo, Saraiva, p. 24).
  44. Luiz Flávio Gomes na 1ª edição do livro Crime Organizado entendia pela invunerabilidade total do dados no instante da sua "comunicação , transmissão" , mas na 2ª edição, p. 124, item 3.9 e 3.10, evolui em seu entendimento acenando pela possibilidade de interceptação de dados, quando essa comunicação é feita via telefônica. A transmissão de dados, via telefone, não deixa de ser uma comunicação telefônica, pouco importando o conteúdo da comunicação telefônica (conversa, som, imagens, símbolos etc), podendo, assim receber o mesmo tratamento do art. 1º da lei.
  45. Vale exemplificar Internet, telex, etc. Não nos parece inconstitucional o dispositivo em razão das considerações feitas no item 43.
  46. Art. 3º. A interceptação das comunicações telefônicas poderá ser determinada pelo juiz, de ofício ou a requerimento:
    I - da autoridade policial, na investigação criminal;
    II - do representante do Ministério Público, na investigação criminal e na instrução processual penal.
  47. Não é mais a Companhia Telefônica a responsável em conduzir a diligência. É a autoridade policial, civil ou militar, quem realiza a diligência, podendo para tanto, requisitar serviços técnicos especializados às concessionárias de serviço público (art. 7º).
  48. Entendemos que a prova obtida poderá ser usada contra terceiros ou para demonstração de outros fatos criminosos diferentes daquele que justificou a medida, desde que haja um nexo com o objeto da investigação. Portanto, o conhecimento fortuito de outro crime, durante a interceptação telefônica, impede a utilização da prova, mas não afasta a efetivação de prisão em flagrante.
  49. Ferraz, Antônio Augusto Mello de Camargo e Guimarães Júnior, João Lopes. In A necessária elaboração de uma nova doutrina de Ministério Público, compatível com seu atual perfil constitucional, p. 190, Revista Jus, publicação da AMMP.
  50. Freyesleben, Márcio Luís Chila. In O Ministério Público e a Polícia Judiciária. Ed. Del Rey. O autor critica a estrutura do parquet, pois atribui aos procuradores e promotores de justiça a função quase que exclusiva de pareceristas. Assim, a instituição inclina-se a uma postura de inércia em relação aos acontecimentos sobretudo na área criminal.
  51. Ibidem, p. 190-191. Os autores dizem ainda "as restantes não são investigadas , sem que haja o menor controle quanto as razões. É bem verdade que existem algumas medidas visando impedir tal prática. A CE/MG dispõe no art. 125, II, letra "f", que o parquet receberá cópia de ocorrência lavrada pela polícia Civil ou pela Polícia militar. Há notícias de que em São Paulo, existe um controle interno das ocorrências registradas e dos flagrantes lavrados.
  52. Ibidem, p. 191.
  53. Proposta aprovada pelo órgão especial do Colégio de Procuradores de Justiça, por unanimidade, regulamentada pelo Ato (I) nº 76/95-PGJ de 21-12-95, alterado pelo Ato(N) nº 163/96-PGJ de 29-10-96. O grupo destina-se a realizar diligência ou pesquisa destinada à obtenção de elementos de prova relacionados ao crime organizado e também crimes que se tornem conhecidos durante as investigações (art.2º, §1º e art.3º,§2º).
  54. Deve-se lembrar que o parquet carioca iniciou ofensiva contra o "jogo do bicho" finalizando com o desmantelamento e prisão de toda a cúpula de bicheiros e para tanto valeu-se da estrutura do Serviço de Inteligência da Polícia Militar (P2) e de policiais dessa unidade cedidos e subordinados diretamente ao Ministério Público. Vale citar, também que o então Procurador- Geral do Rio de Janeiro Dr. Biscaia, tentou (por duas vezes) investigar e prender os "bicheiros", pela via tradicional de investigação, não obtendo qualquer êxito face do regular vazamento de informações.
  55. Proposta semelhante está sendo estudada no estado de Minas Gerais dentre outras.
  56. O Estado de São Paulo, Cidades, caderno "Cidades" , p. C 8, abril de 1997.
  57. A Procuradoria Geral de Justiça mineira optou em criar uma promotoria de justiça, ou seja um cargo, e não um grupo ou seção, razão pela qual, demandou-se envio de projeto de lei ao Poder Legislativo.
  58. Dentre todas as inovações cito a remessa do Inquérito Policial pela autoridade policial, diretamente, ao Ministério Público (alterando o art. 10, § 1º) e o acréscimo do parágrafo 1º no artigo 257 que dispõe: No desempenho de suas atribuições de promover a execução da lei penal, o Ministério Público, a seu juízo exclusivo, e quando o interesse social o exigir, conduzirá, por si só, o trabalho investigatório, devendo as entidades de estudo e pesquisa universitárias, seu próprio corpo de assessoramento técnico-científico e demais entidades e serviços da administração pública prestar-lhe pronto atendimento nas diligências que requisitar, sob pena de responsabilidade criminal (gn).
  59. Por clara coerência, se (o MP) é titular exclusivo da ação penal pública, óbvio que a lei processual há de ensejar ao Ministério Público a atribuição de, quando situações de relevo surgirem, chamar a si a condução, também exclusiva, do trabalho investigatório, com o concurso de entidades qualificadas; específicos serviços públicos, e a criação de quadro próprio de pessoal habilitado aos diversos níveis em que hoje opera a criminalidade sofisticada, para melhor combatê-la.
  60. Gomes, Luiz Flávio, Op. cit, p. 158, citando Ministério Público paulista, jul-ago/95, p.18-20.
  61. O parquet e a atividade investigatória (item B deste trabalho).
  62. Simon, John Anthony. In O Ministério Público nos Estados Unidos da América. P. 153. Revista Jus nº 10, AMMP.
  63. Dovat, Eduardo F. Fernández (membro do Ministério Público argentino). In La Investigatión preliminar a cargo del Ministerio Público. p. 231, Revista Jus nº 12." Las nuevas atribuiciones del Ministerio Público exigen la reestructuración del mismo y la incorporación a él com facultades de investigación autónomas de funciones investigativas, especialmente pertenecientes a la Policia Administrativa, sometidos a la estrutura de aquel y a su disciplina jeráquica.
  64. RT 651/313.
  65. A seção teria não só a função de investigar, mas sobretudo de analisar as informações obtidas, estabelecer prioridades investigatórias, elaborar plano de ação e refletir sobre medidas processuais adequadas e necessárias para bem fundamentar ajuizamento de ação penal. Enfim, tratar-se-ia de uma seção de inteligência voltada para o combate a criminalidade organizada.
  66. São aquelas que dizem respeito à corrupção no meio policial, ao abuso de autoridade praticado por altas autoridades locais, crimes do "colarinho branco", crimes que indicam envolvimento de políticos. Crimes dessa natureza tendem a não ser apurados em face da estrutura investigatória estar vinculada ao Poder Executivo, a qual facilita pressões sobre a apuração, compromentendo-se com isso a persecutio criminis.

BIBLIOGRAFIA

Livros :

Afonso da Silva, José. In Curso de Direito Constitucional, p. 203, 13ª ed, Ed. Malheiros.

De Farias, Edilson Pereira; Colisão de Direitos - A Honra, A Intimidade, A Vida Privada e A Imagem versus A Liberdade de Expressão e Informação; Porto Alegre; Ed. Fabris;; 1996.

Alberto Silva Franco, Boletim IBCCrim, n. 21, Extra, p. 5, citado por Luiz Flávio, p. 75, Crime Organizado, RT.

Avolio, Luiz Torquato, in Provas Ilícitas, RT, p. 155 e 156, citado por Fábio Tavares Ribeiro.

Comentários à Constituição do Brasil, Ed. Saraiva, v.2, 1989, p.63.

Dovat, Eduardo F. Fernández (membro do Ministério Público argentino). In La Investigatión preliminar a cargo del Ministério Público. p. 231, Revista Jus nº 12.

Ferraz, Antônio Augusto Mello de Camargo e Guimarães Júnior, João Lopes. In A necessária elaboração de uma nova doutrina de Ministério Público, compatível com seu atual perfil constitucional, p. 190, Revista Jus, publicação da AMMP.

Ferraz, Antônio Augusto Mello de Camargo e outros; Ministério Público - Instituição e Processo; Ed. Atlas; São Paulo; 1997.

Freyesleben, Márcio Luís Chila. O Ministério Público e a Polícia Judiciária. Ed. Del Rey, Belo Horizonte.

Gomes, Luiz Flávio; Crime Organizado; ed. RT; 2ª ed; 1997, São Paulo.

Grinover, Ada Pellegrini. Liberdades Públicas, p. 201-5, citada por Ribeiro, Fábio Tavares.

Hassemer, Três temas d Direito Penal, cit, p.85, citado por citado por Luiz Flávio Gomes,p.75.

Laure-Rassat; Michèle; Procédure pénale; Ed. PUF, Paris, 1990.

Laure-Rassat; Michèle; Le Ministère Public - Entre SON PASSÉ ET SON AVENIR; Ed. Bibliothéque de Sciences Criminelles; Paris.

Mireille Delmas - Marty. Procédures pénales d’Europe, Thémis, PUF, 1995, p. 229.

Moraes, Alexandre de; Direito Constitucional; Ed. Atlas, São Paulo; 1997.

Morange, Jean. Droits de l’homme et libertés publiques.3ed, PUF, 1982.

Mossim, Heráclito A , Sigilo Bancário e Interceptação telefônica; In Revista Jurídica nº 221, pág. 56, CD ROOM Síntese, Doutrina.

Nardini, Maurício José. O Promotor de Justiça e a presidência da investigação criminal. In

Ribeiro, Flávio Tavares. Escutas telefônicas por determinação judicial. Estudo sobre legalidade. Tese aprovada no III Congresso Estadual em Minas Gerais, Revista Jus 20/55, publicação da Associação Mineira do Ministério Público.

Sarabando, José Fernando Marreiros; Controle Externo da Atividade Policial pelo Ministério Público; Revista Jurídica, Centro de Estudos e Aperfeiçoamento, Belo Horizonte, 1997.

Simon, John Anthony. In O Ministério Público nos Estados Unidos da América. P. 153. Revista Jus nº 10, AMMP.

Soeyer, Jean-Claude. Manuel Droit Pénal et Procédure Pénale, pag.9, 2ª parte, ano 1993. 10º Ed. LGDJ.

Tourinho Filho, Fernando da Costa. Processo Penal. Vol. 1. pág. 85, 12ª ed. Ed. Saraiva.

V. Luciana F. L. Pinto e Tatiana BICUDO, in Boletim IBCCrim, n. 12, p.1 citado por Luiz Flávio Gomes, p.75.

          Artigos e estatísticas criminais :

O Estado de São Paulo, Cidades, caderno "Cidades" , p. C 8, abril de 1997.

Palestra proferida pelo Sr. Procurador Geral italiano Paulo Lelo, na Comissão de Constituição e Justiça, presidida pelo Deputado Bernardo Cabral, em setembro de 1997, sobre a experiência italiana no combate ao crime organizado.

Resolução do Colégio de Procuradores de Justiça de São Paulo pelo Ato (I) nº 76/95-PGJ de 21-12-95, alterado pelo Ato(N) nº 163/96-PGJ de 29-10-96.

Vital de Castro, Geraldine Pinto. Prova Ilícita e a proporcionalidade, in Revista Literária de Direito- Setembro/Outubro de 1997.

Secretaria de Segurança Pública de São Paulo; Coordenadoria de Análise e Planejamento.


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CONCEIÇÃO, Mário Antônio. O crime organizado e propostas para atuação do Ministério Público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 32, 1 jun. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1018. Acesso em: 18 maio 2024.