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O controle de constitucionalidade nas Constituições de 1891, 1934 e 1946

breve anotação acerca da evolução do processo constitucional brasileiro

O controle de constitucionalidade nas Constituições de 1891, 1934 e 1946: breve anotação acerca da evolução do processo constitucional brasileiro

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"Para descobrir as melhores regras de sociedade que convêm às nações, seria necessária uma inteligência superior, que, descobrindo todas as paixões humanas, não experimentasse nenhuma, que não tivesse relação com a natureza, e que a conhecesse a fundo, cuja felicidade fosse independente de nós, e que, por conseguinte, pudesse ocupar-se da nossa, e finalmente, que no transcurso dos tempos, contentando-se com uma glória longínqua, pudesse trabalhar num século para gozar sua obra no outro. Seriam precisos deuses para legislar aos homens."
(Jean-Jacques Rousseau)


1. INTRODUÇÃO

1.1. Apresentação do tema

Nossas considerações girarão em redor de um tema específico: o modelo de controle de constitucionalidade dos atos estatais (provimentos legislativos e executivos) encerrado nas constituições democráticas da história jurídico-política do Brasil (1891, 1934 e 1946; excetua-se a de 1988, como objeto dessas considerações)

Neste ano (especificamente em 05 de outubro) a atual Constituição do Brasil completa 10 anos de vigência. Ela que veio para pôr cobro na turbulenta e instável história das constituições deste País, com graves prejuízos - na maioria dos casos - para os cidadãos e para as instituições, pois faltava-lhes os parâmetros normativos de justiça e de segurança jurídica que são ofertados pelas constituições, especialmente as democráticas.

1.2. Justificativa da monografia

A monografia descansa a sua justificativa no fato de que o controle de constitucionalidade dos poderes públicos é tema de interesse permanente, sobretudo quando se destaca a necessidade em conciliar a liberdade e a autoridade. (1) No aspecto histórico fez-se esse recorte metodológico na certeza de que só se pode falar em controle nos regimes democráticos, positivados em constituições democráticas - aqui compreendidas como legítimas. Isto porque, segundo José Alfredo de Oliveira Baracho (2), "as autocracias são refratárias a qualquer forma de controle, pois são constantes em suprimir os obstáculos que intervenham em seu poder discricionário. Já os regimes democráticos, - continua esse autor - assentados na lei, aceitam as formas de controle como instrumento para a manutenção da paz, da justiça e dos valores que informam o regime democrático".

1.3. Objetivos perseguidos

Específicos e modestos são os objetivos perseguidos nesta monografia: demonstrar os modelos de controle de constitucionalidade dos atos estatais (provimentos legislativos e executivos) contidos nas constituições democráticas do Brasil. Outrossim, demonstrar as transformações havidas naqueles modelos de uma constituição para outra, até chegar no atual modelo de controle de constitucionalidade.

1.4. Metodologia adotada

Na confecção deste trabalho utilizou-se de uma metodologia histórico-descritiva dos fenômenos normativos. Com efeito, as investigações adscreveram-se ao exame dos documentos constitucionais, de decisões judiciais (mormente as do Supremo Tribunal Federal) e dos textos doutrinários. Convém dizer que, em vista dos textos doutrinários, para cada época constitucional procurou-se colher as opiniões dos melhores e mais autorizados doutrinadores coevos.

Outrossim, no plano valorativo das constituições - tidas como autocráticas ou democráticas -, a monografia optou qualificar segundo a origem daqueles documentos, ou seja, se originários de um poder constituinte participativo (para os padrões da época) a constituição é considerada como democrática, se não será tida como autocrática.

É dizer que o presente trabalho desenvolve-se numa perspectiva descritiva dos modelos de controle de constitucionalidade relativos à cada texto constitucional. Os juízos de valor foram deixados a cargo daqueles observadores privilegiados.

Ademais, deve-se mencionar que as citações feitas - longas e muitas - no curso do texto, foram todas necessárias, em decorrência de uma opção metodológica por nós já agasalhada em outros trabalhos; não por uma veleidade de erudição, mas, ao contrário, por respeito à honestidade intelectual, visto que a quantidade excessiva de discursos indiretos pode prejudicar o verdadeiro pensamento do autor original. Daí porque abriram-se muitas janelas (às vezes imensas varandas) para que aqueles que se detiveram com superior acuidade e inteligência sobre os temas aqui versados pudessem derramar suas luzes na obscuridade de nossa ignorância acerca desta matéria, iluminando os sendeiros palmilhados.


2. AS CONSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS E AUTOCRÁTICAS DO BRASIL

2.1. O conceito de constituição

O termo "constituição" é polissêmico, sendo também objeto de diversas ciências e podendo ser visualizado através de vários prismas (3). Daí porque para o fiel entendimento do problema do controle de constitucionalidade imperioso se faz precisar o adequado sentido que aquele termo denota para a Ciência do Direito. Neste aspecto, denominado de jurídico-normativo, tomar-se-ão as precisas lições de Hans Kelsen (4).

Kelsen, em capítulo relativo à hierarquia das normas, tece as seguintes considerações:

"A análise do Direito, que revela o caráter dinâmico desse sistema normativo e a função da norma fundamental, também expõe uma peculiaridade adicional do Direito: o Direito regula a sua própria criação, na medida em que uma norma jurídica determina o modo em que outra norma é criada e também, até certo ponto, o conteúdo dessa norma. Como uma norma jurídica é válida por ser criada de um modo determinado por outra norma jurídica, esta é o fundamento de validade daquela. A relação entre a norma que regula a criação de outra norma e essa outra norma pode ser apresentada como uma relação de supra e infra-ordenação, que é uma figura espacial de linguagem. A norma que determina a criação de outra norma é a norma superior, e a norma criada segundo essa regulamentação é a inferior. A ordem jurídica, especialmente a ordem jurídica cuja personificação é o Estado, é, portanto, não um sistema de normas coordenadas entre si, que se acham, por assim dizer, lado a lado, no mesmo nível, mas uma hierarquia de diferentes níveis de normas. A unidade dessas normas é constituída pelo fato de que a criação de uma norma - a inferior - é determinada por outra - a superior - cuja criação é determinada por outra norma ainda mais superior, e de que esse regressus é finalizado por uma norma fundamental, a mais superior, que, sendo o fundamento supremo de validade da ordem jurídica inteira, constitui a sua unidade".

(5)

Continua Kelsen, referindo-se à constituição:

"A estrutura hierárquica da ordem jurídica de um Estado é, grosso modo, a seguinte: pressupondo-se a norma fundamental, a constituição é o nível mais alto dentro do Direito nacional. A constituição compreendida não num sentido formal, mas material. A constituição no sentido formal é certo documento solene, um conjunto de normas jurídicas que pode ser modificado apenas com a observância de prescrições especiais cujo propósito é tornar mais difícil a modificação dessas normas. A constituição no sentido material consiste nas regras que regulam a criação das normas jurídicas gerais, em particular a criação de estatutos. A constituição, o documento solene chamado a "constituição", geralmente contém também outras normas, normas que não são parte da constituição material. Mas é a fim de salvaguardar as normas que determinam os órgãos e os procedimentos de legislação que se projeta um documento solene especial e se torna especialmente difícil a modificação das suas regras. Por causa da constituição material existe uma forma especial para as leis constitucionais ou uma forma constitucional. Se existe uma forma constitucional, então as leis constitucionais devem ser distinguidas das leis ordinárias. A diferença consiste em que a criação, isto é, decretação, emenda, revogação, de leis constitucionais, é mais difícil que a de leis ordinárias. Existe um processo especial, uma forma especial para a criação de leis constitucionais, diferente do processo de criação de leis ordinárias. Tal forma especial para leis constitucionais, uma forma constitucional, ou constituição no sentido formal do termo, não é indispensável, ao passo que a constituição material, ou seja, as normas que regulam a criação de normas gerais e - no Direito moderno - normas que determinam os órgãos e o processo de legislação, é um elemento essencial de todas as ordens jurídicas.’

‘Uma constituição no sentido formal, em especial os dispositivos pelos quais a modificação da constituição é tornada mais difícil que a modificação de leis ordinárias, só é possível se houver uma constituição escrita, se a constituição tiver o caráter de Direito estatutário. Existem Estados, como a Grã-Bretanha, por exemplo, que não possuem qualquer constituição ‘escrita’ e, portanto, qualquer constituição formal, qualquer documento solene chamado ‘A Constituição’. Nesse caso, a constituição (material) tem o caráter de Direito consuetudinário e, portanto, não existe nenhuma diferença entre leis constitucionais e ordinárias. A constituição no sentido material do termo pode ser uma lei escrita ou não-escrita, pode ter o caráter de Direito estatutário ou consuetudinário. Contudo, se existe uma forma específica para a lei constitucional, qualquer conteúdo que seja pode surgir sob essa forma. Na verdade, matérias que, por um motivo ou outro, são consideradas especialmente importantes, são muitas vezes reguladas por leis constitucionais em vez de leis ordinárias. Um exemplo é a Décima Oitava Emenda da Constituição dos Estados Unidos, a emenda da lei seca, agora revogada.’

‘A constituição material determina não apenas os órgãos e o processo de legislação, mas também, em certo grau, o conteúdo de leis futuras. A constituição pode determinar negativamente que as leis não devem ter certo conteúdo, por exemplo, que o parlamento não pode aprovar qualquer estatuto que restrinja a liberdade religiosa. Desse modo negativo, não apenas o conteúdo de estatutos, mas o de todas as outras normas da ordem jurídica, bem como de decisões judiciais e administrativas, pode ser determinado pela constituição. A constituição, porém, também tem a atribuição de prescrever positivamente certo conteúdo dos futuros estatutos; ela pode estipular, como o faz, por exemplo, a Constituição dos Estados Unidos da América, que ‘em todos os processos criminais, o acusado gozará o direito a um julgamento rápido e público, por um júri imparcial do Estado e do distrito onde o crime tenha sido cometido, distrito que terá sido previamente determinado por lei, etc...’ Este dispositivo da constituição determina o conteúdo de leis futuras concernentes ao processo criminal".

(6)

Nesse sentido - o jurídico -, seguindo a traça de Hans Kelsen, entende-se que a constituição é um documento solene, produzido por um poder constituinte (assembléia, convenção, congresso ou mesmo um órgão unipessoal), que encerra um conjunto de normas jurídicas fundamentais e supremas de um Estado e que necessitam de um procedimento especial para serem modificadas, assim como servem de parâmetro (fundamento) de validade para as demais normas do ordenamento jurídico, seja no modo como devem ser feitas (aspecto formal) seja em seus conteúdos (aspecto material).

2.2. A classificação das constituições

Vária é a quantidade de critérios classificatórios das constituições (7), sendo que muitos desses critérios perderam qualquer significado para o adequado entendimento do fenômeno constitucional. Aqui serão usados apenas dois critérios classificatórios: quanto à origem e quanto à "ontologia". Faz-se o uso apenas desses dois em vista da própria substância da idéia do que seja constituição: um instrumento jurídico de controle do poder. Para a melhor compreensão dessa idéia, tomam-se as argutas lições de Karl Loewenstein (8):

"La clasificación de un sistema político como democrático constitucional depende de la existencia o carencia de instituciones efectivas por medio de las cuales el ejercicio del poder político esté distribuido entre los detentadores del poder, y por medio de las cuales los detentadores del poder estén sometidos al control de los destinatarios del poder, constituidos en detentadores supremos del poder. Siendo la naturaleza humana como es, no cabe esperar que el detentador o los detentadores del poder sean capaces, por autolimitación voluntaria, de liberar a los destinatarios del poder y a sí mismos del trágico abuso del poder. Instituciones para controlar el poder no nacen ni operan por sí solas, sino que deberían ser creadas ordenadamente e incorporadas conscientemente en el proceso del poder. Han pasado muchos siglos hasta que el hombre político ha aprendido que la sociedad justa, que le otorga y garantiza sus derechos individuales, depende de la existencia de límites impuestos a los detentadores del poder en el ejercicio de su poder, independientemente de si la legitimación de su dominio tiene fundamentos fácticos, religiosos o jurídicos. Con el tiempo se ha ido reconociendo que la mejor manera de alcanzar este objetivo será haciendo constar los frenos que la sociedad desea imponer a los detentadores del poder en forma de un sistema de reglas fijas - ‘la constitución’ - destinadas a limitar el ejercicio del poder político. La constitución se convirtió así en el dispositivo fundamental para control del proceso del poder.’’

Acerca do telos da constituição, continua Loewenstein:

"Cada sociedad estatal, cualquiera que sea su estructura social, posee ciertas convicciones comúnmente compartidas y ciertas formas de conductas reconocidas, en el sentido aristotélico de politeia, su ‘constitución’.

‘Consciente o inconscientemente, estas convicciones y formas de conducta representan los principios sobre los que se basa la relación entre los detentadores y destinatarios del poder. En las fases primitivas de la civilización política se equiparó el gobierno secular con los valores y las instituciones religiosas de la comunidad. El poder polítiico fue ejercido por los dominadores actuando como representantes o encarnaciones del mundo sobrenatural, a los que libre y consuetudinariamente se sometían los destinatarios del poder. Pero con el fin de la era mitológica, el hombre se descubrió a sí mismo como un indivíduo libre, y empezó a dudar de la legitimación mística del poder de sus dominadores políticos, exigiendo un fundamento racional de la obediencia debida a la autoridad política. Mientras que los hebreos creyeron todavía que los límites del poder político se encontraban en la ley del Señor, sometiendo por igual a gobernantes y gobernados, es el mérito inmortal de los griegos haber procedido a la secularización y racionalización del proceso del poder. De esta manera fue descubierto la forma de gobierno constitucional.

‘La historia del constitucionalismo no es sino la búsqueda por el hombre político de las limitaciones al poder absoluto ejercido por los detentadores del poder, así como el esfuerzo de establecer una justificación espiritual, moral o ética de la autoridad, en lugar del sometimiento ciego a la facilidad de la autoridad existente. Estas aspiraciones quedaron concretadas en la necessaria aprobación por parte de los destinatarios del poder de los controles sociales ejercidos por los dominadores y, consecuentemente, en la paticipación activa de los dominados en el proceso político. Las limitaciones impuestas al nudo poder estarían aseguradas por el acuerdo de la sociedad estatal sobre ciertas reglas fijas, reguladoras del proceso político. Se creyó que este objetivo sería alcanzado de la mejor manera cuando el ejercicio del poder político estuviese distribuido entre diversos detentadores del poder, que estarían así obligados a una respectiva cooperación, en lugar de monopolizar el ejercicio del dominio un detentador único. Allí donde el poder está distribuido, el dominio está limitado y esta limitación trae consigo restricción y control. La totalidad de estos principios y normas fundamentales constituye la constitución ontológica de la sociedad estatal, que podrá estar o bien enraizada en las convicciones del pueblo, sin formalización expresa - constitución en sentido espiritual, material - o bien podrá estar contenida en un documento escrito - constittución en sentido formal -. Por ello, la Constitución de Haile Selassie, en Etiopía (1931), que en su artículo 5 establece: ‘En el Imperio etíope el poder supremo yace en el imperador’, no podrá ser considerada una auténtica Constitución, ya que prescinde de institucionalizar la distribución y la limitación del ejercicio del poder.

‘En un sentido ontológico, se deberá considerar como el telos de toda constitución la creación de instituciones para limitar y controlar el poder político. En este sentido, cada constitución presenta una doble significación ideológica: liberar a los destinatarios del poder del control social absoluto de sus dominadores, y asignarles una legitima participación en el proceso del poder. Para alcanzar este propósito se tuvo que someter el ejercicio del poder político a determinadas reglas y procedimientos que debían ser respetados por los detentadores del poder. Desde un punto de vista histórico, por tanto, el constitucionalismo, y en general el constitucionalismo moderno, es un producto de la ideologia liberal".

(9)

Com base nas lições acima tomadas, pode-se classificar as constituições, no critério relativo à origem do seguinte modo, conforme ensino de José Afonso da Silva (10):

"São populares (ou democráticas) as constituições que se originam de um órgão constituinte composto de representantes do povo, eleitos para o fim de as elaborar e estabelecer, como são exemplos as Constituições brasileiras de 1891, 1934, 1946 e 1988. Outorgadas são as elaboradas e estabelecidas sem a participação do povo, aquelas que o governante - Rei, Imperador, Presidente, Junta Governativa, Ditador - por si ou por interposta pessoa ou instituição, outorga, impõe, concede ao povo, como foram as Constituições brasileiras de 1824, 1937, 1967 e 1969. Poder-se-ia acrescentar aqui outro tipo de constituição, que não é propriamente outorgada, mas tampouco é democrática, ainda que criada com participação popular. Podemos chamá-la constituição cesarista, porque formada por plebiscito popular sobre um projeto elaborado por um Imperador (plebiscitos napoleônicos) ou de um Ditador (plebiscito de Pinochet, no Chile). A participação popular, nesses casos, não é democrática, pois visa apenas ratificar a vontade do detentor do poder".

Em relação ao critério "ontológico", retornemos às lições de Karl Loewenstein, uma vez que fora ele quem criara essa classificação "ontológica", ou seja, relativa a sua realidade normativa. Neste critério, as constituições podem ser diferençadas segundo seu caráter normativo, nominal e semântico. (11)

Seguem-se outros entretrechos de Loewenstein (12):

"En lugar de analizar la esencia y el contenido de las constituciones, el criterio ontológico radica en la concordancia de las normas constitucionales con la realidad del proceso del poder. Su punto de partida es la tesis de que una constitución escrita no funciona por sí misma una vez que haya sido adoptada por el pueblo, sino que una constitución es lo detentadores y destinatarios del poder hacen de ella en la práctica. (...) Para ser real y efectiva, la constitución tendrá que ser observada lealmente por todos los interesados y tendrá que estar integrada en la sociedad estatal, y ésta en ella. La constitución y la comunidad habrán tenido que pasar por una simbiosis. Solamente en este caso cabe hablar de una constitución normativa: sus normas dominam el proceso político o, a la inversa, el proceso del poder se adapta a las normas de la constitución y se somete a ellas. Para usar una expresión de la vida diaria: la constitución es como un traje que sienta bien y que se lleva realmente.

‘El carácter normativo de una constitución no debe ser tomado como un hecho dado y sobrentendido, sino que cada caso deberá ser confirmado por la práctica. Una constitución podrá ser jurídicamente válida, pero si la dinámica del proceso político no se adapta a sus normas, la constitución carece de realidad existencial. En este caso, cabe calificar a dicha constitución de nominal. (...) Lo que la constitución nominal implica es que los presupuestos sociales y económicos existentes - por ejemplo, la ausencia de educación en general y, en particular, de educación política, la inexistencia de una clase media independiente y otros factores - en el momento actual operan contra una concordancia absoluta entre las normas constitucionales y las exigencias del proceso del poder. (...) La función primaria de la constitución nominal es educativa; su objetivo es, en un futuro más o menos lejano, convertirse en una constitución normativa y determinar realmente la dinámica del proceso del poder en lugar de estar sometido a ella. Y para continuar con nuestro símil: el traje cuelga durante cierto tiempo en el armario y será puesto cuando el cuerpo nacional haya crecido.

‘Finalmente hay casos - que desgraciadamente están incrementando, tanto en número como por la importancia de los Estados afectados -, en los cuales, si bien la constitución será plenamente aplicada, su realidad ontológica no es sino la formalización de la existente situación de poder político en benefício exclusivo de los detentadores del poder fácticos, que disponen del aparato coactivo del Estado. Mientras la tarea original de la constitución escrita fue limitar la concentración del poder, dando posibilidad a un libre juego de las fuerzas sociales de la comunidad dentro del cuadro constitucional, la dinámica social, bajo el tipo constitucional aquí analizado, tendrá restringida su libertad de acción y será encauzada en la forma deseada por los detentadores del poder. La conformación del poder está congelada en beneficio de los detentadores fácticos del poder, independientemente de que éstos sean una persona individual (dictador), una junta, un comité, una asamblea o un partido. Este tipo se puede designar como constitución semántica. Si no hubiese en absoluto ninguna constitución formal, el desarollo fáctico del proceso del poder no sería notablemente diferente. En lugar de servir a la limitación del poder, la constitución es aqui el instrumento para estabilizar y eternizar la intervención de los dominadores fácticos de la localización del poder político. Y para continuar con el símil anterior: el traje no es en absoluto un traje, sino un disfraz."

Desse modo, entende-se que as constituições que conseguem vincular as condutas dos detentores e destinatários do poder, criando eficazes mecanismos de participação e controle do poder são denominadas de normativas, ou seja são dever-ser (norma). As que ainda não tem força vinculante bastante, conquanto de origem democrática, e desempenham um papel "pedagógico" são tipificadas como nominais. E, por fim, aquelas que servem apenas para constitucionalizar os atos autocráticos dos detentores do poder, posto que originárias de um procedimento autocrático e sendo outorgada, sem que existem mecanismos eficazes de participação e controle do poder por parte dos destinatários, numa camuflagem de legitimidade são denominadas de semânticas.

2.3. As constituições democráticas e as autocráticas do Brasil

No concernente às origens, conforme lição de José Afonso da Silva (13), acima enunciada, ao longo da história constitucional brasileira tiveram-se constituições democráticas (populares) e autocráticas (outorgadas).

Três foram os critérios diferençadores usados para qualificar de democrática uma Constituição, segundo o nosso entendimento: 1º) originária de uma assembléia (órgão coletivo) composta de legítimos representantes do povo e por ele eleitos para o mister de fazer uma Constituição; 2º) que no Texto Constitucional estivesse assegurada o cânon da supremacia e rigidez constitucional, de sorte que quaisquer alterações de suas normas só pudessem ser feitas mediante os procedimentos previamente estabelecidos por ela e cuja competência coubesse ao poder legislativo reformador; 3º) que estivesse reservada ao Poder Judiciário a competência para julgar toda e qualquer demanda que pusesse em dúvida o real sentido das disposições constitucionais, cabendo a esse Poder fiscalizar da legitimidade constitucional dos provimentos legislativos e dos provimentos executivos, ficando o órgão de cúpula do próprio Judiciário responsável pela guarda da Constituição e de sua supremacia normativa, dando a última "palavra" sobre as controvérsias constitucionais suscitadas, guarnecido por garantias institucionais de independência e autonomia desse poder.

As autocráticas, relembre-se, foram as 1824 (outorgada pelo Imperador-Ditador Pedro I e que perdurou durante o Império, não passando de um instrumento de imposição da vontade do Imperador), a de 1937 (outorgada pelo Presidente-Ditador Getúlio Vargas, acentuadamente semântica, só sendo invocada nos dispositivos que interessavam ao detentor do poder), a de 1967 (conquanto tenha sido aprovada, extraordinariamente, pelo Congresso, o ambiente político do País não era de livre manifestação de opiniões e pensamentos, estando o Congresso sob o guante do grupo detentor do poderio militar) e a Emenda Constitucional nº 1, que resultou praticamente em uma nova Carta, a de 1969 (esta acintosamente imposta pela Junta Militar-Ditadora que usurpara o poder, camuflando de legitimidade os seus atos).

No outro pólo, como democráticas, o País teve as seguintes constituições: a de 1891 (aprovada por uma Assembléia Constituinte, pouco tempo após a queda da monarquia e instauração da república), a de 1934 (oriunda de uma Assembléia Constituinte que visava legitimar a vitória do movimento de 30, que implodiu com o modelo de Estado liberal e desgastado da Constituição de 1891), a de 1946 (igualmente oriunda de uma Assembléia Constituinte, resultante da queda do regime varguista - o Estado Novo) e a atual de 1988 (aprovada pela mais democrática das Assembléias Constituintes da história brasileira, pondo cobro na ordem jurídica autocrática oriunda do regime militar que (des)governou o país por mais de 20 anos).


3. A JURISDIÇÃO E O PROCESSO CONSTITUCIONAL

O adequado entendimento do fenômeno do controle de constitucionalidade requer algumas pré-compreensões subjacentes, dentre essas destacam-se: a idéia de constituição como norma; os cânones da rigidez e supremacia constitucional; a noção de inconstitucionalidade e a compreensão do significado da jurisdição e do processo constitucional.

3.1. A Constituição como norma

Noutra passagem desta monografia já se referiu acerca do significado normativo da constituição como basilar para os objetivos por nós perseguidos. (14) Neste tópico, será enfatizada a idéia de constituição como norma (como dever-ser). Para robustecer esta idéia, veja-se a lição de José Joaquim Gomes Canotilho (15):

"A constituição é um conjunto de normas jurídicas (regras e princípios) codificadas num texto (documento) ou cristalizadas em costumes e que são consideradas proeminentes (paramount law) relativamente às outras normas jurídicas; a constituição é um conjunto de normas jurídicas de valor proeminente porque estas são portadoras de determinados conteúdos aos quais é atribuído numa comunidade um valor específico superior."

O jaez de normatividade jurídica da constituição deriva do objeto por ela disciplinado e, de outro giro, de sua própria origem. O objeto de uma constituição são as condutas humanas possíveis e que tenham algum interesse para os outros homens, tornando-as protegidas por uma instituição criada pelo próprio homem - o Estado. Assim, o objeto da constituição se confunde com o objeto do Direito, daí porque as normas constitucionais são normas de direito ou jurídicas, em vista da presença do Estado. O direito é todo dever-ser (norma) produzido, autorizado ou reconhecido pelo Estado. O poder constituinte - aquele que produz a constituição - é o órgão inicial de um Estado, conquanto seja dele criador, porém é criatura do amadurecimento da sociedade política. A juridicidade da constituição, reitere-se, deriva da participação da sociedade política e do Estado: criador, criatura e objeto de disciplina.

3.2. A supremacia e a rigidez da constituição

Não obstante se tenha dito que o objeto de uma constituição são as condutas humanas possíveis e que repercutam na vida e nas condutas de outros homens, deve-se precisar que no corpo de um texto constitucional estão contidas as normas relativas às condutas que o poder constituinte de uma sociedade política erigiu à categoria de fundamentais para si. Contidas em uma constituição estão as normas que o poder constituinte recolheu da vida social e as timbrou como as mais importantes, as supremas. Por esta razão, alguns aspectos importantes derivam do conceito normativo de constituição: o caráter fundacional e a primazia normativa. (16) Para uma melhor compreensão desses aspectos seguem-se alguns entretrechos extraídos de Gomes Canotilho:

"A constituição é uma lei dotada de características especiais. Tem um brilho autônomo expresso através da forma, do procedimento de criação e da posição hierárquica das suas normas. Estes elementos permitem distingui-la de outros atos com valor legislativo presentes na ordem jurídica. Em primeiro lugar, caracteriza-se pela sua posição hierárquico-normativa superior relativamente às outras normas do ordenamento jurídico. (...) a superioridade hierárquico-normativa apresenta três expressões: (1) as normas constitucionais constituem uma lex superior que recolhe o fundamento de validade em si própria (autoprimazia normativa); (2) as normas da constituição são normas de normas (normae normarum) afirmando-se como fonte de produção jurídica de outras normas (leis, regulamentos, estatutos); (3) a superioridade normativa das normas constitucionais implica o princípio da conformidade de todos os atos dos poderes públicos com a Constituição".

(17)

Dessa sorte, é dizer que em um ordenamento jurídico as normas constitucionais são as supremas porque não encontram outras que lhes sejam superiores, salvo se elas mesmas assim o disserem (caso de Estados que adotam o princípio da superioridade do direito internacional sobre o nacional). Nessa linha, a constituição é o parâmetro de validade das demais normas jurídicas, na medida em que para terem validade, estas normas devem conformar-se aos ditames das normas constitucionais. Ou seja, todas as normas (dever-ser) produzidas (provimentos legislativos, provimentos administrativos e provimentos judiciais), autorizadas (atos privados de particulares ou de grupos, etc.) ou reconhecidas (costumes, direito canônico, outros ‘sistemas jurídicos’, etc.) pelo Estado devem se adequar às normas da Constituição, ao dever-ser constitucional. Eis o cânon vital da supremacia da Constituição e, por conseguinte, do próprio sistema jurídico.

Por seu turno, a rigidez constitucional existe em face da supremacia axiológica das normas constitucionais em relação às demais normas jurídicas. No plano estritamente jurídico, só se pode falar em supremacia constitucional em vista da rigidez de suas normas. Isto é uma conseqüência da distinção entre o poder constituinte originário dos poderes constituídos ou instituídos. Por rigidez constitucional entenda-se a maior dificuldade para a modificação das normas da Constituição do que para a produção ou alteração das demais normas jurídicas do ordenamento estatal. Em rigor, no mundo dos valores, a Constituição é suprema por conter as normas fundamentais de uma determinada comunidade política; no plano jurídico, a Constituição é suprema porque suas normas são rígidas, requerem um procedimento especial e qualificado para sofrer qualquer modificação.

3.3. A noção de inconstitucionalidade

Pioneiras foram as lições de Ruy Barbosa, em nosso meio, sobre o significado de inconstitucionalidade em face dos sistemas constitucionais vigentes à sua época e que ainda hoje calham aos nossos interesses. Citando A. V. Dicey, leciona o supremo constitucionalista brasileiro:

"A expressão ‘inconstitucional’, applicada a uma lei, tem, pelo menos, tres accepções differentes, variando segundo a natureza da Constituição, a que alludir:

‘(I) Empregada em relação a um acto do parlamento inglez, significa simplesmente que esse acto é, na opinião do individuo que o aprecia, opposto ao espirito da Constituição ingleza; mas não póde significar que esse acto seja infracção da legalidade e, como tal, nullo.

‘(II) Applicada a uma lei das Camaras francezas, exprimiria que essa lei, ampliando, supponhamos, a extensão do periodo presidencial, é contraria ao disposto na Constituição. Mas não se segue necessariamente dahi que a lei se tenha por vã; pois não é certo que os Tribunaes francezes se reputem desobrigados a desobedecer ás leis inconstitucionaes. Empregada por francezes, a expressão de ordinario se deve tomar como simples termo de censura.

‘(III) - Dirigido a um acto do Congresso, o vocabulo "inconstitucional" quer dizer que esse acto excede os poderes do Congresso e é, por consequencia, nullo. Neste caso a palavra não importa necessariamente reprovação. O americano poderia, sem incongruencia alguma, dizer que um acto do Congresso é uma boa lei, beneficia o paiz, mas, infelizmente, pecca por inconstitucional, isto é, ultra vires, isto é, nullo" (sic).

(18)

Colhendo na semiótica subsídios para a compreensão do fenômeno da inconstitucionalidade das leis, Marcelo Neves afirma:

"A estrutura hierárquica do ordenamento jurídico, da qual é corolário a supremacia da Constituição, conduz ao problema da lei inconstitucional. Define-se inconstitucional uma lei cujo conteúdo ou cuja forma contrapõe-se, expressa ou implicitamente, ao conteúdo de dispositivos da Constituição. E, no sentido rigoroso aqui considerado, é a lei (em sentido formal ou material) em relação imediata de incompatibilidade vertical com normas constitucionais. (...) Daí porque a definição de lei inconstitucional deve denotar não só a incompatibilidade resultante de contradição ou contrariedade entre conteúdos normativos (legal e constitucional), mas também a proveniente da desconformidade entre procedimento de produção normativa (legislativa) e conteúdo normativo (constitucional)".

(19)

Com efeito, sustentado nas lições expostas acima, tem-se que a inconstitucionalidade, no sentido aqui perquirido, é a situação de desconformidade da norma legal em face da norma constitucional, ou seja, a rebeldia da norma inferior (lei) ante a obrigatoriedade máxima da norma superior (Constituição), seja em conflito material (o conteúdo da lei vai de encontro ao conteúdo da Constituição), seja em conflito formal (os pressupostos ou os requisitos ou as condições constitucionais de elaboração do provimento legislativo não foram cumpridos).

3.4. Noção e objetivos da jurisdição e do processo constitucional

A proteção da constituição - contra as inconstitucionalidades - assegurada por órgãos do Estado induziu ao surgimento da jurisdição constitucional, quando esta proteção estivesse centrada na atuação de órgãos jurisdicionais. "A jurisdição é a função de declarar o direito aplicável aos fatos, bem como é a causa final e específica da atividade do judiciário", na lição de José Alfredo Baracho (20). Esse autor ensina:

"A Jurisdição Constitucional é tomada, assim, no sentido de atividade jurisdicional que tem como objetivo verificar a concordância das normas de hierarquia inferior, leis e atos administrativos, com a Constituição, desde que violaram as formas impostas pelo texto constitucional ou estão em contradição com o preceito da Constituição, pelo que os órgãos competentes devem declarar sua inconstitucionalidade e conseqüente inaplicabilidade."

(21)

No mesmo sentido é o entendimentos de Themístocles Brandão Cavalcanti:

"O certo, porém, é que faculdade de considerar uma lei inconstitucional, quer deixando de aplicá-la porque em conflito com a Constituição, quer declarando inconstitucional uma Constituição estadual, porque em conflito com a Constituição Federal, são atos tecnicamente jurisdicionais, porque envolvem o julgamento da legalidade, mas que representam participação na área normativa (constitucional ou legislativa)."

(22)

No concernente ao processo constitucional, cujo tratamento pioneiro em nosso País cabe a José Alfredo de Oliveira Baracho (23), esse autor não vislumbra como dissociá-lo da jurisdição constitucional, na medida em que "processo significa o conjunto de atos, fatos ou operações que se agrupam de acordo com certa ordem, para atingir um fim, cujo objetivo fundamental é a decisão de um conflito de interesses jurídicos" (24). Nesse sentido, é dizer que "a jurisdição constitucional atua por meio do processo constitucional, através do qual aplicamos todas as normas de encaminhamento de matéria fundamental à estrutura política do Estado, vinculando-a às limitações provenientes da defesa jurídica da liberdade". (25)

Segundo Mauro Cappelletti, o controle jurisdicional da constitucionalidade das leis não pode identificar-se com a jurisdição constitucional, posto que ele representa senão um dos vários possíveis aspectos da assim chamada "justiça constitucional", e não obstante, um dos aspectos certamente mais importantes. (26) A jurisdição ou justiça constitucional, em nosso País, reveste-se, atualmente, de múltiplas formas de manifestação ou de provocação, compreendendo, por sua vez, o controle judiciário da constitucionalidade das leis e dos atos normativos, bem como a jurisdição constitucional das liberdades e dos direitos fundamentais, com o uso dos remédios constitucionais: habeas corpus, habeas data, mandado de segurança, mandado de injunção, ação popular e ação civil pública. (27)

3.5. O controle de constitucionalidade

3.5.1. Noção e Finalidade

Acatando-se o axioma de que uma Constituição tem como finalidade limitar e racionalizar o poder estatal, distribuindo-lho por diversos órgãos independentes e sujeitos a controles, e que é dotada de rigidez e supremacia normativa, desemboca-se no fenômeno do controle de constitucionalidade. Repise-se que só se pode falar em controle do poder nos Estados democráticos, posto que nos "Estados autocráticos, o poder político concentra-se, de maneira monolítica, em detentores que procuram exercê-lo sem fiscalização e limites". (28)

Daí porque deduzimos que o controle de constitucionalidade é o mecanismo disposto na Constituição que tem por objeto defender a supremacia das normas constitucionais. Tem como finalidade específica combater a existência de normas inconstitucionais, no resguardo daquela supremacia normativa.

3.5.2. Cânones na atuação do controle de constitucionalidade

(29)

A) Cânones da unidade e sistematicidade da Constituição: significa que a Constituição deve ser interpretada de forma a evitar contradições entre suas normas; daí que o intérprete deve sempre considerar as normas constitucionais não como normas isoladas e dispersas, mas sim como preceitos integrados num sistema interno unitário de regras e princípios. Ou seja, a leitura dos dispositivos (enunciados) constitucionais deve ser feita de modo harmônico.

B) Cânon da máxima efetividade: a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. Este princípio é corolário do principio da supremacia normativa da Constituição, ou seja, normas ou omissões infraconstitucionais não podem obstaculizar a realização da Constituição, salvo quando ela mesma dispõe.

C) Cânones da interpretação das leis em conformidade com a Constituição e da presunção de constitucionalidade dos atos estatais (leis, atos administrativos e decisões judiciais): no caso de normas pluri-significativas deve dar-se preferência à interpretação que lhe dê um sentido em conformidade com a Constituição e só se deve declarar inconstitucional um ato estatal quando este manifestamente contrariar a Constituição. A interpretação há de ser no sentido de visualizar a legitimidade constitucional dos atos estatais.

3.5.3. Modelos de controle de constitucionalidade (30)

A) Quanto ao órgão ou sujeito controlador.

a.1) Político: é o controle feito por um órgão de natureza política (sujeito apenas aos critérios de conveniência e oportunidade), não jurisdicional.

a.2) Jurisdicional: é o controle feito pelos juízes ou tribunais (sujeitos aos critérios de juridicidade ou antijuridicidade).

a.2.1) Difuso: diz-se que o controle é difuso quando a competência para fiscalizar a constitucionalidade das leis é reconhecida a qualquer juiz ou tribunal chamado a fazer a aplicação de uma determinada lei a um caso concreto submetido a apreciação judicial.

a.2.2.) Concentrado: a competência para julgar definitivamente acerca da constitucionalidade das leis é reservada a um único órgão, com exclusão de quaisquer outros.

a.2.3.) Misto (difuso e concentrado): O controle pode ser exercido difusamente por qualquer juiz ou tribunal (nos casos concretos) ou concentrado (controle abstrato) no órgão previamente estabelecido pela constituição.

a.3) Misto (político e jurisdicional): é o controle que para algumas matérias a competência é jurisdicional e enquanto que para outras a competência é de um órgão político.

B) Quanto ao momento do controle:

b.1) Preventivo: é feito quando a norma é ainda um "ato imperfeito", carecido de eficácia jurídica.

b.2) Repressivo ou sucessivo: é feito quando a norma a ser impugnada já é um ato perfeito, pleno de eficácia jurídica.

C) Quanto ao modo de impugnação:

c.1) Via Direta ou principal ou controle abstrato: neste controle, as questões de inconstitucionalidade podem ser levantadas, a título principal, mediante processo constitucional autônomo. Neste tipo é consentido a certos cidadãos ou a certas e determinadas entidades a impugnação de uma norma inconstitucional, independentemente de qualquer controvérsia.

c.2) Via Indireta ou incidental ou controle concreto: a inconstitucionalidade da norma só pode ser invocada no decurso de uma ação submetida à apreciação dos juízes ou tribunais. A questão da inconstitucionalidade é levantada, por via de incidente, por ocasião e no decurso de um processo comum (civil, penal, administrativo, etc.), e é discutida na medida em que seja relevante para a solução do caso concreto.

D) Quanto à natureza da decisão:

d.1) Declarativa: fala-se em controle declarativo quando a entidade controlante se limita a declarar a nulidade preexistente da norma. A norma é absolutamente nula e, por isso, o juiz ou qualquer outro órgão de controle limitam-se a reconhecer declarativamente a sua nulidade.

d.2) Constitutiva: dá-se quando a decisão anula a norma combatida, cassa a sua validade. Só a partir da decisão do órgão controlador é que a norma será tida como inconstitucional ou não, porque é o órgão controlador que constitui a norma como inconstitucional.

E) Quanto aos efeitos da decisão:

e.1) Gerais ou Particulares: têm-se por gerais (erga omnes) os efeitos da decisão que elimina do ordenamento jurídico a norma inconstitucional, repercutindo para todos, em sua generalidade; são particulares (inter partes) os efeitos que só atingem aos interessados no processo, para os demais não há repercussão dos efeitos da decisão que decide pela inconstitucionalidade de uma norma.

e.2) Retroativos ou Prospectivos: são retroativos (ex tunc) os efeitos da decisão que fulmina de inválida a norma desde o seu nascimento e, por conseguinte, não pôde produzir efeitos. A decisão atinge os atos passados; diz-se que são efeitos prospectivos (ex nunc) quando a decisão só passa a invalidar a norma a partir da decisão, ou seja, a norma só passa a ser inconstitucional a partir da decisão que a condena de inconstitucional. Os atos praticados no passado sob sua égide são válidos. A decisão só vale para o futuro.

F) Quanto ao conteúdo do controle:

f.1) Controle formal: segundo Paulo Bonavides (31), "o controle formal é, por excelência, um controle estritamente jurídico. Confere ao órgão que o exerce a competência de examinar se as leis foram elaboradas de conformidade com a Constituição, se houve correta observância das formas estatuídas, se a regra normativa não fere uma competência deferida constitucionalmente a um dos poderes, enfim, se a obra do legislador ordinário não contravem preceitos constitucionais pertinentes à organização técnica dos poderes ou às relações horizontais e verticais desses poderes, bem como dos ordenamentos estatais respectivos, como sói acontecer nos sistemas de organização federativa do Estado".

f.2) Controle material: "O controle material de constitucionalidade é delicadíssimo - ainda com Paulo Bonavides - em razão do elevado teor de politicidade de que se reveste, pois incide sobre o conteúdo da norma. Desce ao fundo da lei, outorga a quem o exerce competência com que decidir sobre o teor e a matéria da regra jurídica, busca acomodá-la aos cânones da Constituição, ao seu espírito, à sua filosofia, aos seus princípios políticos fundamentais". (32)


4. O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NA CONSTITUIÇÃO DE 1891

4.1. Critérios que a encartam como democrática

A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, promulgada em 24 de fevereiro de 1891, coroava juridicamente a implosão da forma monárquica de governo e a instauração da forma republicana. O golpe que destronou a monarquia não foi legitimado por uma intensa participação da sociedade civil, posto que urdido nos quartéis militares, conquanto crescente fosse a insatisfação de alguns setores com o governo monárquico, sobretudo o rural, uma vez que a plena e irrestrita libertação dos escravos - pondo cobro a odiosa situação de milhões de negros no Brasil - lhes trouxe substanciais prejuízos, sem que o governo procurasse minorar os problemas econômicos de modo imediato, só interferindo serodiamente e sem alcançar os resultados perseguidos.

Quedada a monarquia em 15 de novembro de 1889, o cetro do poder deveria pertencer ao povo que o delegaria aos seus legítimos e eleitos representantes, como sói acontecer nas repúblicas democráticas. Convocou-se um Congresso Constituinte para ofertar ao País uma nova Constituição que consagrasse os valores informadores do levante que expungiu a monarquia do Brasil: o republicanismo e o federalismo. Estes dois valores foram positivados na Constituição de 1891, tornados que foram os princípios supremos do sistema.

A Constituição de 1891 pode ser encartada como democrática pelas seguintes razões: 1ª) originou-se de uma Assembléia Constituinte eleita para o fim de promulgá-la, não obstante houvesse um projeto ofertado pelo Governo Provisório; 2ª) o sistema eleitoral usado para a escolha dos constituintes não agasalhou o modelo censitário da monarquia, de modo que maior foi o número de homens na categoria de cidadãos; 3ª) salvo os cânones republicano e federalista, os constituintes tinham liberdade para dar a forma e o conteúdo que quisessem para a Constituição; 4ª) o texto adotou os cânones da tripartição dos poderes, da supremacia e rigidez da Constituição; 5ª) influenciados pelo modelo americano de separação dos poderes, os constituintes dotaram o Poder Judiciário da faculdade de fiscalizar a legitimidade constitucional dos atos do Executivo e do Legislativo, ficando reservada ao órgão de cúpula do Judiciário a competência para proferir a última "palavra" nas controvérsias constitucionais.

4.2. O modelo de controle de constitucionalidade

O regime constitucional do Império (1824 a 1889) não conheceu do mecanismo de controle jurisdicional de constitucionalidade das leis, visto que, naquele regime, ao poder judiciário competia aplicar a lei nas demandas suscitadas, sem sindicar-lhes a legitimidade constitucional. Seguindo o modelo francês de separação dos poderes, a Carta Imperial reservou ao Poder Legislativo (designado como Assembléia Geral) a competência para interpretar as leis e velar pela guarda da própria Constituição. (33) Outrossim, a Carta Imperial agasalhou o modelo de separação de poderes defendido pelo jurista franco Benjamim Constant (34), que em vez de tripartição dos poderes, propôs uma quatripartição, com a introdução do poder moderador ou neutro. Esta quatripartição foi adotada pela Carta de 1824. (35) Com o poder moderador, o equilíbrio dos poderes ficava nas mãos do Imperador, uma vez que detinha os poderes executivo e o moderador. Ou seja, qualquer controvérsia entre os poderes deveria ser dirimida pelo Imperador, no uso das atribuições constitucionais cabidas ao poder moderador. (36) Não havia espaço para um controle jurisdicional de constitucionalidade das leis e dos atos executivos no regime constitucional do Império. (37)

Se no regime imperial não cabia - como não coube - um sistema jurisdicional de constitucionalidade, no novel regime implantado - o republicano - foi incorporada mais uma contribuição norte-americana, além do federalismo, ao sistema jurídico-político brasileiro: o controle jurisdicional de constitucionalidade das leis (judicial review). Na república norte-americana, a fiscalização da legitimidade constitucional das leis surgiu do processo de "construção" jurisprudencial da Suprema Corte dessa República. Foi o labor interpretativo dos juízes (justices) norte-americanos que fixou a competência do Poder Judiciário para declarar de inconstitucional ou não uma lei. O caso célebre foi a demanda "Marbuy vs. Madison" (1803), no qual se firmou a competência do judiciário para defender a Constituição de normas inconstitucionais. (38)

No Brasil republicano dispôs a Constituição de 1891:

"Art. 59. Ao Supremo Tribunal Federal compete:

(...)

‘2. Julgar, em grau de recurso, as questões resolvidas pelos juízes e Tribunais Federais, assim como as de que tratam o presente artigo, § 1º, e o art. 60.

(...)

‘§ 1º Das sentenças das justiças dos Estados em última instância haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal:

‘a) quando se questionar sobre a validade ou a aplicação de tratados e leis federais, e a decisão do tribunal do Estado for contra ela;

‘b) quando se contestar a validade de leis ou de atos dos governos dos Estados em face da Constituição, ou das leis federais, e a decisão do tribunal do Estado considerar válidos esses atos, ou essas leis impugnadas.

(...)

‘Art. 60. Compete aos juízes e Tribunais Federais processar e julgar:

‘a) as causas em que alguma das partes fundar a ação, ou a defesa, em disposição da Constituição Federal;

‘b) todas as causas propostas contra o Governo da União ou Fazenda Nacional, fundadas em disposições da Constituição, leis e regulamentos do Poder Executivo, ou em contratos celebrados com o mesmo Governo;

‘Art. 72, § 22. Dar-se-á habeas-corpus sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência, ou coação, por ilegalidade, ou abuso de poder."

No sentido de fortalecer a competência do poder judiciário em conhecer da legitimidade constitucional das leis, tinha-se a Lei nº 221, de 20 de novembro de 1894, versando acerca da organização da justiça federal da República, que dispunha em seu art. 13, § 10, o seguinte: "Os juízes e tribunais apreciarão a validade das leis e regulamentos e deixarão de aplicar aos casos ocorrentes as leis manifestamente inconstitucionais e os regulamentos manifestamente incompatíveis com as leis ou com a Constituição".

Registre-se a opinião autorizada de Ruy Barbosa acerca desses dispositivos constitucionais (mormente o art. 59, § 1, a):

"Esta disposição constitucional é o abrigo da Constituição, das leis federaes e dos tratados interncionaes, celebrados pelo Brasil, contra as leis dos Estados, os actos dos seus Governos e as sentenças dos seus tribunaes.

‘É a declaração da supremacia da Constituição Federal a respeito de todos os actos estadoaes (legislativos, administrativos, ou judiciarios), e da superioridade geral das leis e tratados da União ás leis, actos executivos e sentenças dos tribunaes dos Estados.

‘Quer o tribunal de um Estado sentenceie contra a validade ou applicação de tratados ou leis federaes; quer julgue válidas as leis (no que se incluem as constituições), ou os actos dos Governos de Estados, quando arguidos, em juizo, de contrarios á Constituição da Republica, ou ás suas leis, - intervem, mediante recurso de julgados estadoaes em ultimo gráu, a suprema justiça da União, para manter a legalidade nacional, na sua lei suprema, nas suas leis ordinarias, ou nas suas convenções internacionaes contra os erros ou abusos dos Estados, na sua legislatura, na sua administração e na sua justiça.

‘Dest’arte o Supremo Tribunal Federal encarna em si, nessa funcção incomparavel, a Constituição da Republica, exercendo juridicamente a força de manutenção do equilibrio entre a soberania da Nação e a autonomia dos Estados.

(...)

‘A redacção é clarissima. Nella se reconhece, não só a competência das justiças da União, como a das justiças dos Estados, para conhecer da legitimidade das leis perante a Constituição. Sómente se estabelece, a favor das leis federaes, a garantia de que, sendo contraria á subsistencia dellas a decisão do tribunal do Estado, o feito póde passar por via de recurso, para o Supremo Tribunal Federal. Este ou revogará a sentença, por não se procederem as razões de nullidade, ou a confirmará pelo motivo opposto. Mas, numa ou noutra hypothese, o principio fundamental é a autoridade, reconhecida expressamente no texto constitucional, a todos os tribunaes, federaes, ou locaes, de discutir a constitucionalidade das leis da União, e applical-as, ou desapplical-as, segundo esse criterio." (sic).

(39)

Estava, assim, timbrada a competência do Poder Judiciário para dispor acerca da legitimidade constitucional das leis, desde que fundadas em uma demanda concreta. Ao Supremo Tribunal Federal, órgão de cúpula do Poder Judiciário, cabia a última decisão acerca das controvérsias constitucionais, que poderiam ser suscitadas originariamente ou em grau de recurso, segundo as partes envolvidas na demanda.

4.3. Os "casos principais" (leading cases)

Neste tópico, tratar-se-ão, sucintamente, de algumas questões que foram levadas ao conhecimento do Poder Judiciário. Segundo a boa cepa da doutrina brasileira, seriam nossos casos principais e paradigmáticos (leading cases), vez que trouxeram ao debate judicial problemas até então insindicáveis pelos juízes, em vista do "antigo" regime quedado. São os seguintes: 1º) o Habeas Corpus nº 300, de abril de 1892, impetrado em favor de cidadãos que tiveram tolhidas as suas liberdades de locomoção (enquadrados na categoria de presos políticos), por força do estado de sítio decretado pelo Vice-Presidente Floriano Peixoto; e 2º) o Habeas Corpus nº 1073, de abril de 1898, por motivos similares ao HC nº 300, sendo importante em virtude da modificação de jurisprudência do Supremo Tribunal acerca da matéria.

Com a república, os juízes que serviram no regime imperial se defrontaram com uma nova e para muitos desconhecida realidade: a possibilidade de declarar nulos os atos do Legislativo e do Executivo. O órgão de cúpula do novo Poder Judiciário era - e ainda é - o Supremo Tribunal Federal (STF), em cuja primeira composição estavam presentes magistrados que compuseram o Supremo Tribunal de Justiça, que durante o império era o órgão de cúpula do judiciário reinol, mas sem a competência e elastério de seu sucessor. Mudou-se um sistema constitucional, e permaneceram velhas mentalidades. Significativa e precisa é a lição de Aliomar Baleeiro, em opúsculo publicado em 1968:

"A primeira década republicana foi o período tormentoso e difícil de tomada de consciência da missão constitucional pelo próprio Supremo.

‘Visto ao longo de 76 anos de distância pela geração de hoje, o problema poderá parecer de somenos e causar espanto. Mas há a considerar que os juristas da época se formaram sob outras instituições, em contraste com as quais era novidade um Tribunal competente para recusar execução a uma lei, porque em contradição com os mandamentos constitucionais. Leve-se em conta a predominância dos velhos juízes da mais alta Côrte do Império, o caráter áulico desta, que ainda conservava os estilos coloniais, a ponto de os recursos terem tido como vocativos ‘Senhor’ ou ‘Majestade’, no pressuposto de que cada Tribunal fazia justiça em nome d’el-rei. O Govêrno Provisório expediu o decreto nº 25, de 30-11-89, duas semanas após a proclamação da República, para abolir os tratamentos de ‘Majestade’ e ‘Senhor’, impostos pelo Alvará Régio de 20 de maio de 1769, e proibir a menção de títulos, honrarias e condecorações dos juízes e serventuários nos atos do ofício, como incompatíveis com a modéstia republicana.

‘Medite-se, mais uma vez, que os ‘bacharéis formados’, sequando a tradição coimbrà, transplantada para a Faculdade de Olinda, depois Recife, e de São Paulo, eram fortes na legislação portuguêsa ainda vigente no Brasil até 1917 e faziam algumas incursões na literatura jurídica francesa, um pouco de alemã em Pernambuco, mas não tinham familiaridade com a americana, conhecida apenas de Rui, Amaro Cavalcânti e poucos iniciados.

‘É certo que vários estadistas do Império imitavam estilos constitucionais e parlamentares britânicos, lendo discursos e obras de homens d’Estado do Reino Unido. Mas isso nada tinha de comum com as peculiaridades da Côrte Suprema dos Estados Unidos, cuja divulgação no Brasil parece ter tido como veículo a tradução da obra de Cooley.

‘Daí a vacilação dos primeiros juízes do Supremo quando, após o golpe d’Estado de Deodoro e a semiditadura de Floriano, em à guerra civil e à reação sangrenta do Govêrno, foram chamados ao papel fundamental de guardas juramentados dos direitos e garantias individuais dos cidadãos.

‘Menos do que a idade, o traumatismo político deve ter sido a causa das sucessivas aposentadorias, que renovaram rapidamente a composição humana do primeiro Supremo Tribunal Federal. Os anciãos respeitáveis não resistiram à prova de fogo a que foram submetidos e para a qual não estavam mentalmente aptos.

(...)

‘Vacilou. Errou. Tergiversou. Mas, dentro de pouco tempo, o Supremo Tribunal imbuiu-se de sua missão e aos poucos, tenazmente, constituiu-se realmente o guardião do templo das liberdades ameaçadas".

(40)

Para endossar a tese de que boa parte dos magistrados (mormente os do STF) e dos juristas brasileiros (ou mesmo da sociedade civil) não estava preparada para os novos desafios que se avizinhavam para a Justiça; e devido ao superior magistério do infatigável Rui Barbosa, aos poucos foi se sedimentando, no espaço jurídico-político brasileiro, a relevância do novo papel do Poder Judiciário nos destinos nacionais, Aliomar Baleeiro transcreve o seguinte depoimento de Castro Nunes:

"Nos primeiros tempos da República, o Tribunal não tinha consciência de seu papel no regime. Este representava, para muitos dos juízes que o compunham e que traziam do Império uma bagagem intelectual copiosa e até brilhante, mas inadequada à compreensão das novas instituições, um sistema pouco conhecido e que teria de receber na órbita judiciária uma aplicação perturbada pelos preconceitos da educação judiciária haurida nas fontes romanas, reinícolas, nas tradições do antigo regime e nos expositores do direito público francês.

‘Coube a Rui um grande papel na evolução do pensamento jurisprudencial da nossa Suprema Corte. Quando um dia se escrever a história do Supremo Tribunal Federal desde os seus primórdios indecisos e vacilantes em face da declaração de inconstitucionalidade de uma lei do Congresso, será preciso reservar à obra de doutrinação do insigne constitucionalista um lugar de honra.

‘Seria ele, com idêntica atuação e cultura incomparavelmente maior, o Marshall brasileiro".

(41)

O 1º Caso Principal (Leading Case)

Segundo o Ministro Edgar Costa, "na ordem cronológica dos grandes julgamentos já proferidos pelo Supremo Tribunal, - ou seja na sua fase republicana, - ocupa o primeiro lugar, incontestavelmente, o proferido em 23 de abril de 1892 no pedido de habeas corpus nº 300, de que foi impetrante Rui Barbosa, em favor de presos políticos, alguns deles desterrados por ordem do marechal Vice-Presidente da República, para Cucuí e Tabatinga". (42)

Antes, contudo, de adentrarmos o espaço relativo a esse julgamento, convém situarmos histórica e socialmente os fatos acontecidos.

O Marechal-Presidente Deodoro da Fonseca não conseguindo dobrar o Congresso Nacional na aceitação de algumas proposições, resolve dissolvê-lo e convocar eleição para a escolha de novos representantes. Esse ato dissolutório foi veiculado pelo Decreto nº 641, de 03 de novembro de 1891. O expediente da dissolução do Legislativo não se coaduna com as repúblicas presidencialistas. Dessa sorte, levantaram-se vozes e armas contra o ato praticado por aquele Presidente, visto que feria de morte o cânon da separação dos poderes, denunciando o "golpe de estado". No mesmo mês, não suportando as pressões, o Presidente Deodoro renuncia ao cargo. Assumi-o o Vice-Presidente Marechal Floriano Peixoto. Já no dia 23 daquele mês de novembro, o Vice-Presidente edita os Decretos nº 685 e nº 686, os quais convocam o Congresso dissolvido e anulam aquele decreto dissolutório.

O Vice-Presidente Floriano Peixoto passa a perseguir aqueles que apoiaram a tentativa frustrada de "golpe de estado", principalmente os Governadores aliados ao Marechal Deodoro. Em recesso estava o Congresso. Livre, portanto, a atuação do Chefe do Executivo. Este, não encontrando barreiras, foi cometendo abusos de poder contra os seus desafetos, provocando reações contrárias aos seus atos, inclusive dentro das forças armadas. Em 06 de abril de 1892, é publicado o "Manifesto dos 13 Generais" condenando as atitudes daquele Vice-Presidente. Logo no dia imediato àquela publicação (07 de abril), os signatários foram reformados pelo Marechal Vice-Presidente. No dia 10 daquele mês houve manifestações populares dissolvidas pelo Exército e foram presos alguns mais exaltados. Além dessas manifestações, descobriram-se algumas armas, considerando-se, por conseguinte, como tentativa de sedição e de incitamento à revolta das forças armadas. Com esses elementos, o Chefe do Executivo resolve decretar, por 72 horas, o estado de sítio, com a suspensão de garantias constitucionais. Antes do decreto e ainda depois dele, o Marechal mandou efetuar inúmeras prisões e desterrou vários presos para Rio Branco, Cucuí e Tabatinga, no Amazonas. Entre os presos encontravam-se altas patentes das armas, parlamentares e jornalistas. (43)

"Estes atos - segundo Lêda Boechat Rodrigues - iam dar ensejo a um julgamento de estrondo pelo S.T.F.. Espontaneamente, sem procuração dos presos e desterrados, vítimas dos decretos de 10 e 12 de abril, Rui Barbosa impetrou, a 18 de abril, com espetacular desassombro e admirável capacidade profissional, o famoso habeas-corpus a favor de Eduardo Wandenkolk e outros. Fê-lo, como contou mais tarde, apesar de instado ‘pela família de uma das vítimas a não no requerer, porque um dos ministros do marechal dera boas esperanças de que a coação não duraria’; recusou, porém, ‘entrar na transação, declarando que, advogado de um princípio sacrificado, advogado do interesse público, não podia pactuar com a pusilanimidade das conveniências particulares’. E contra, ainda, à pressão declarada da imprensa governista, que afirmava ser inoportuna a medida impetrada. Rui Barbosa, pelo O País, respondeu que a medida interessava, mais que aos pacientes atuais, ao país inteiro; ao suscitá-la, obedecera ao ‘dever de cidadão, de advogado, de republicano, de co-autor da Constituição, revogada pelos sofismas políticos, em que se pretende estribar a defesa desse estado de sítio’. (44) Replicou o Diário do Comércio condenando novamente o pedido de habeas-corpus, que viria ‘necessariamente instituir um exame prévio sobre os atos enérgicos de repressão a que em bem da ordem social e da segurança pública foi levado o Governo". (45)

"A intimidação - continua Lêda Boechat Rodrigues - não se restringiu, aliás, aos comentários da imprensa. Corria como verdadeira uma frase atribuída a Floriano: ‘Se os juízes do Tribunal concederem habeas-corpus aos políticos, eu não sei quem amanhã lhes dará o habeas-corpus de que, por sua vez, necessitarão’.

‘Foi num clima de geral ansiedade que se reuniram, a 23 de abril, os juízes do S.T.F., para julgar o habeas-corpus nº 300. Nessa mesma manhã O País publicara, na íntegra, a monumental petição do patrono dos pacientes, que um ano depois seria traduzida na Law Gazette, de Londres".

(46)

Extraídos da obra de Edgar Costa, traz-se à colação alguns dos argumentos desfilados por Rui Barbosa. Pela importância histórica, transcreveremos os principais entretrechos daquela petição manuscrita de mais de cinqüenta folhas:

"Srs. Juízes do Supremo Tribunal Federal.

‘A decisão que este requerimento vem suscitar de vós é a de maior gravidade cívica, a de mais vasto alcance moral, que jamais pendeu a Justiça brasileira. Prouvera a Deus que a questão se levantasse envolvida na grandeza de uma dessas reputações que iluminam o fôro e cativam a admiração e as simpatias da toga. Mas, ainda bem que a evidência da causa, a simplicidade, a força, a dignidade da sua Justiça compensam vantajosamente a inferioridade do patrono.

‘Ele obedece apenas, sem o menor interesse (em sua alma e consciência o declara), aos mais nobres deveres dessa profissão, que, entrelaçada pelas relações mais íntimas ao sacerdócio da Justiça, impõe ao advogado a missão da luta pelo direito contra o poder, em amparo dos indefesos, dos proscritos, das vítimas da opressão, tanto mais recomendável à proteção da lei, quanto mais formidável for o arbítrio que as esmague, quanto mais formidável for o vazio que a ignorância, a covardia de uns, o desalento de outros, a letargia geral abrirem de redor dos perseguidos. Nunca se justificou melhor aquela previdência dos cânones do processo judicial, que, para reivindicação da liberdade extorquida, reconhecem a todo indivíduo consciente e capaz o caráter de procurador nato dos opressos, compreendendo que, em tais casos, o mandato decorre do interesse social, e que um povo de condição livre deve conter em seu seio homens dispostos a pugnar desinteressadamente pela restituição do direito de seus semelhantes, expondo-se por eles às paixões dos poderosos.

‘No seio das nações que individualizam, para a civilização contemporânea, o tipo de liberdade, política ou civil - a Inglaterra e os Estados Unidos, - a palavra forense foi sempre um dos órgãos mais eminentes do desenvolvimento da consciência popular. Nenhum povo carece mais profundamente que este, de senso jurídico, essa qualidade suprema das raças livres, cuja expansão constitui o segredo das maravilhas da democracia americana, cuja fraqueza, entre nós, explica a ruína das instituições da Monarquia representativa, e cuja decadência crescente nos vai fazendo voltar, sob uma admirável constituição republicana, aos terrores que precipitaram o primeiro reinado para o seu ocaso tenebroso. E, ao passo que os mais altos espíritos vêem na educação legalista, no entranhado constitucionalismo dos americanos, o princípio da virilidade incomparável daquele povo, nós, que fomos buscar no seu exemplo as formas da nossa reconstituição liberal, iniciamos o novo regime por um eclipse total da consciência jurídica, de que não nos salvaremos, se a Justiça da República nos não oferecer, na organização e no papel deste tribunal, o órgão de reparação, que sob a Monarquia nos faltava.

‘É a primeira vez, senhores juízes, que esse órgão tem de funcionar solenemente, na mais delicada e na mais séria das suas relações com a vida moral do País, entre os direitos inermes do indivíduo e os golpes violentos do poder. Relevai, pois, ao impetrante a animação da linguagem, escutai-o com benevolência, através do extenso desenvolvimento a que o assunto o obriga. Sob a impressão de imediata responsabilidade, que o liga a essa Constituição, em cuja obra lhe coube uma das partes mais preponderantes e amplas, ele sente intensamente o alcance da sentença que ides proferir, na delineação da fisionomia deste Tribunal, no seu destino histórico para a consolidação da República Federativa, que, nos Estados Unidos, é, sobretudo, uma vitória do Supremo Tribunal Federal; é sentindo-o, o impetrante não pode encarar sem emoção a sorte deste requerimento.

(...)

‘Srs. Juízes do Supremo Tribunal Federal. - Onze membros do Congresso Nacional, arrebatados inconstitucionalmente às cadeiras que o povo e os Estados lhes confiaram nas câmaras legislativas, praticamente esbulhados do mandato popular, representam a abolição virtual da Constituição republicana pelo Poder Executivo. A concessão do habeas-corpus a que eles, como os seus companheiros de infortúnio, têm direito, será a reanimação da sociedade brasileira, esmorecida e desacorçoada.

‘Substituí, senhores juízes, o regime da violência pelo regime da lei, e tereis indicado ao País o caminho salvador, que é o da legalidade constitucional, servida pelos tribunais. Eis o que, com o habeas-corpus pedido, vos requer o impetrante, afirmando em sua honra a veracidade do que alega".

(47)

Três foram as teses sustentadas por Rui para a impetração daquela ação constitucional: 1ª) a inconstitucionalidade do estado de sítio, pelo que eram juridicamente inválidas as medidas de repressão adotadas na sua vigência; 2ª) dessa inconstitucionalidade era o Supremo Tribunal Federal o competente para conhecer; 3ª) findo o estado de sítio, começa para os detidos políticos o direito ao julgamento segundo as formas usuais do processo. (48)

O acórdão foi publicado com a data de 27 de abri. Ei-lo na íntegra (excetuando-se os nomes de todos os pacientes daquela ação constitucional):

"Vistos, expostos e discutidos os presentes autos de habeas-corpus requerido pelo Dr. Rui Barbosa em favor dos senadores Almirante Eduardo Wandenkolk e outros, uns detidos e outros desterrados por ordem do Marechal Vice-Presidente da República em razão dos acontecimentos que se deram nesta Capital e determinaram a suspensão das garantias constitucionais, como foi declarado pelos decretos de 10 e 12 do corrente mês, constantes dos documentos de fls. 138 e 139; e considerando que pelo art. 30 § 1º da Constituição Federal compete ao Presidente, no recesso do Congresso Nacional, a atribuição de declarar em estado de sítio qualquer parte do território da União, quando a segurança da República o exigir, em caso de agressão estrangeira ou de comoção intestina que coloque a Pátria em iminente perigo, supendendo-se por tempo determinado as garantias constitucionais;

‘Considerando que o durante o estado de sítio é autorizado ao Presidente da República a impor, como medidas de repressão, a detenção em lugar não destinado aos réus de crimes comuns e o desterro para outros sítios do território nacional;

‘Considerando que estas medidas não revestem o caráter de pena, que o Presidente da República em caso algum poderá impor, visto não lhe ter sido conferida a atribuição de julgar, mas são medidas de segurança, de natureza transitória enquanto os acusados não são submetidos aos seus juízes naturais, nos termos do art. 72 § 15 da Constituição;

‘Considerando, porém, que o exercício desta extraordinária faculdade a Constituição confiou ao critério e prudente discrição do Presidente da República, responsável por ela, pelas medidas de exceção que tomar, e pelos abusos que à sombra delas possa cometer;

‘Considerando que, pelo art. 80 § 3º, combinado com o art. 34, nº 21 da Constituição, ao Congresso compete privativamente aprovar ou reprovar o estado de sítio declarado pelo Presidente da República, bem assim o exame das medidas excepcionais, que ele houver tomado, as quais para esse fim lhe serão relatadas com especificação dos motivos em que se fundam;

‘Considerando, portanto, que, antes do juízo político do Congresso não pode o Poder Judicial apreciar o uso que fez o Presidente da República daquela atribuição constitucional, e que, também, não é da índole do Supremo Tribunal Federal envolver-se nas funções políticas do Poder Executivo ou Legislativo;

‘Considerando que, ainda quando na situação criada pelo estado de sítio, estejam ou possam estar envolvidos alguns direitos individuais, esta circunstância não habilita o Poder Judicial a intervir para nulificar as medidas de segurança decretadas pelo Presidente da República, visto ser impossível isolar esses direitos da questão política, que os envolve e compreende, salvo se unicamente tratar-se de punir os abusos dos agentes subalternos na execução das mesmas medidas, porque a esses agentes não se estende a necessidade do voto político do Congresso;

‘Considerando, por outro lado, que não está provada a hora em que as prisões foram efetuadas, nem o momento em que entrou em execução o decreto que suspendeu as garantias constitucionais, o qual pela sua natureza não obedece às normas comuns da publicação, mas encerra implícita a cláusula de imediata execução, pouco importando que as prisões tenham sido realizadas, antes ou depois do estado de sítio, uma vez que foram decretadas dentro dêle, como consta do decreto de 12 do corrente a fls. 139;

‘Considerando, finalmente, que a cessação do estado de sítio não importa, ipso facto, na cessação das medidas tomadas dentro dele, as quais continuam a subsistir, enquanto os acusados não forem submetidos, como devem, aos tribunais competentes, pois do contrário poderiam ficar inutilizadas todas as providências aconselhadas em tal emergência, por graves razões de ordem pública;

‘Negam, por estes fundamentos, a pedida ordem de habeas-corpus".

(49)

Só houve um voto a favor da concessão do habeas-corpus, proferido pelo juiz Pisa e Almeida. Eis o que disse Rui Barbosa acerca dessa importante dissidência:

"Havia, no Tribunal, ao cair dos votos, que denegavam o habeas-corpus, a impressão trágica de um naufrágio, contemplado a algumas braças da praia, sem esperança de salvamento, de uma grande calamidade pública, que se consumasse, sem remédio, aos nossos olhos, de uma sentença de morte sem apelo, que ouvíssemos pronunciar contra a pátria, do bater fúnebre do martelo, pregando entre as quatro tábuas de um esquife a esperança republicana... Quando, subitamente, fragorosas salvas de palmas, seguidas ainda por outra, após a admoestação do presidente, nos deu o sentimento de uma invasão violenta de alegria de viver. Era o voto do Sr. Pisa, concedendo o que todos os seus colegas tinham recusado.

‘Para medir o valor desses aplausos, sua eloqüência, creio que possa dizer sua autoridade, convém recordar, como a imprensa o atestou no dia imediato, que o auditório do Tribunal, naquela data, não se compunha de curiosos, do profanum vulgus, ordinariamente agitado por impressões irrefletidas. Antes, notório é que ali se representava a flor da competência forense: advogados, juízes, desembargadores, tudo o que mais podia estremecer pelas delicadezas de uma questão jurídica, - auditório essencialmente profissional, qual nunca se reunira em solenidades da Justiça entre nós.

(...)

‘Sob a influência de uma emoção religiosa, que me recorda vivamente a da minha adolescência, aproximando-se, alvoroçada e trêmula, do altar, para receber, na primeira comunhão, o Deus de meus pais, eu me cheguei, depois da sessão, quase sem voz, ao Sr. Pisa e Almeida pedindo-lhe que me permitisse ‘o consolo de beijar a mão de um justo’.".

(50)

Dispensam-se os comentários.

2º Caso Principal

O outro caso que merece ser trazido à colação tem uma coloração idêntica àquele primeiro. Tratava-se, também, de uma questão relativa aos efeitos produzidos pela decretação do estado de sítio. Mais uma vez, fulgura a inteligência das idéias de Rui Barbosa.

Os fatos: No dia 05 de novembro de 1897, voltavam as tropas militares da campanha de Canudos, na qual milhares de vidas foram ceifadas, com imensas perdas para as forças do governo e um verdadeiro genocídio contra os habitantes do povoado sitiado e combatido. Para receber as tropas que retornavam, foram o Presidente da República Prudente de Moraes e alguns de seus auxiliares, dentre esses o Ministro da Guerra Machado Bittencourt. O militar Marcelino Bispo disparou, à queima-roupa, um tiro contra o presidente. Erra. Couriscamente, os auxiliares do presidente atiraram-se contra aquele militar. Na luta corporal travada, sai ferido a faca o Ministro da Guerra, que logo depois viria a falecer. Generalizada foi a emoção social. Grupos exaltados passaram a perseguir jornais opositores ao Governo, depredando-lhes as instalações e atentando contra a vida de alguns jornalistas. O medo tomou conta da sociedade. Com esse clima tenso, o Presidente pede autorização ao Congresso para decretar o estado de sítio por 30 dias no Distrito Federal e em Niterói. No dia 12 daquele mês o Congresso autoriza o sítio, inclusive com o voto do Senador Rui Barbosa. (51)

Com o sítio decretado, o Executivo passa a investigar as causas e os envolvidos no atentado. Após várias prorrogações na duração do sítio, são apontados, segundo um inquérito policial, os responsáveis pelo atentado contra a vida do Presidente. Os envolvidos, dentre eles vários parlamentares, são presos e desterrados para Fernando de Noronha, por decreto de 21 de janeiro de 1898. Em 03 de março daquele ano, Rui Barbosa impetra, junto ao Supremo Tribunal Federal, um habeas-corpus em favor daqueles desterrados, vez que cessado o sítio e restabelecidas as garantias constitucionais, não era legal a restrição da liberdade que lhes era imposta. Em sua petição, Rui Barbosa sustentava a tese, já outrora esposada, de que nenhum dos efeitos do sítio pode exceder à sua duração. Em longa peça, de 84 laudas, concluía aquele indomável advogado:

"Decrete, prorrogue, reitere o governo o estado de sítio, quantas vezes o bem público lho aconselhar. Mas fique assinalado pela vossa jurisprudência que, uma vez levantado, por ato do próprio governo, esse embargo às garantias da liberdade, a reintegração delas é absoluta: o poder executivo recolhe-se aos seus limites constitucionais, o poder judiciário recobra a sua extensão ordinária, e o direito dos indivíduos constrangidos enquanto durava o arbítrio do primeiro, volta na sua inteireza, logo que ele cessa, à tutela absoluta do segundo".

O julgamento ocorreu no dia 26 de março, sendo negada a ordem de soltura, por 5 votos a 4, estando ausentes outros 4 juízes. (52)

Eis o acórdão (excetuando-se os nomes de todos os pacientes):

"Vistos, expostos e discutidos os presentes autos de habeas-corpus, em que é impetrante o advogado Senador Rui Barbosa, em que são pacientes os desterrados políticos Senador João Cordeiro e outros.

‘Alega o impetrante: que os pacientes foram presos e desterrados durante o estado de sítio ultimamente estabelecido; que essa medida de exceção, por decreto do Governo, terminou em 23 de fevereiro próximo passado: que, sem embargo, continuaram os pacientes a permanecer no lugar destinado para o seu desterro; mas, que os efeitos do estado de sítio podem se estender além da sua cessação, e que, portanto, os pacientes estão sofrendo constrangimento ilegal em sua liberdade; que a jurisprudência adotada pelo Supremo Tribunal, quanto às conseqüências dos atos praticados em estado de sítio, não pode continuar a vigorar; que o acórdão de 27 de abril de 1892, que a consagrou, toldando a transparência do direito, foi um erro judiciário, e que, assim, deverá ser concedida aos pacientes a soltura impetrada.

‘Mas, atendendo a que todas as constituições dos povos livres, ao mesmo tempo que proclamam regras garantidoras das liberdades individuais, autorizam também o estabelecimento de certas exceções pela indeclinável necessidade da salvação da ordem social, não se pode deixar de reconhecer que perfeitamente jurídica é a doutrina firmada por este Tribunal de que só ao Congresso compete o exame das providências tomadas pelo chefe do Poder Executivo, durante o estado de sítio (acórdãos de 27 de abril de 1892 e de 01 de setembro de 1894).

‘E esta proposição evidentemente ressalta das disposições dos artigos 34, nº 21 e 80 § 3º do novo Estatuto Político, que assim se exprime: ‘Compete privativamente ao Congresso aprovar ou suspender o sítio que houver sido declarado pelo Executivo ou seus agentes responsáveis. Logo que se reunir o Congresso, o Presidente da República lhe relatará, motivando-as, as medidas de exceção que houverem sido tomadas’.

‘Por conseguinte, se ao Congresso é que privativamente assiste a atribuição para conhecer de tais medidas, ‘na detenção em lugar não destinado aos réus de crimes comuns’ e no desterro para outros sítios do território nacional, claro está que não cabe ao Poder Judiciário, sem violência do sentido natural dessas palavras, apreciar semelhantes atos, até que o Congresso tenha sobre eles manifestado o seu juízo político.

‘E nem a circunstância de acharem-se vinculados direitos individuais às medidas que empregou o chefe do Poder Executivo para salvar o prestígio da lei e garantir a ordem pública, habilita o Poder Judiciário a intervir, por ser impossível separa esses direitos da questão política.

‘Esta é a única interpretação que se adapta ao nosso Direito Constitucional, que não permite ao Poder Judiciário dilatar a esfera da sua jurisdição para se imiscuir nas funções políticas do Presidente da República.

‘Assim, firmado este princípio, segue-se seu consectário de que os efeitos do estado de sítio não se extinguem, com relação às pessoas que por ele foram atingidas, senão depois que o Congresso conhecer dos atos praticados pelo chefe do Poder Executivo.

‘E esta doutrina, de que os efeitos do estado de sítio não desaparecem com a sua terminação, encontra-se também escrita na legislação de muitos países, e entre eles a França republicana, que incorporou na Lei de 3 de abril de 1878 o mesmo princípio da Lei de 9 de agosto de 1849, que preceitua:

‘Levantado o estado de sítio, os tribunais militares continuarão a conhecer dos crimes e delitos, cujos processos lhes tenham sido conferidos’.

‘A Constituição do Equador, em seu art. 60, § 21, igualmente prescreve que os presos sejam submetidos aos tribunais militares, ainda que tenha cessado o estado de sítio.

‘Nos Estados Unidos da América do Norte a Lei de 5 de fevereiro de 1867 proíbe ao Poder Judiciário conceder habeas-corpus aos cidadãos que se tenham envolvido em rebelião.

‘E depois, seria contrário à índole do estado de sítio, medida mais de caráter preventivo do que repressivo, que fosse lícito por meio do habeas-corpus anular os atos que praticou o Presidente da República, em bem do interesse e defesa social.

‘Neste caso, observa então o impetrante, - prorrogue-se o estado de sítio e não se suspenda a Constituição para uma ou mais pessoas.

‘Ora, não precisa grande esforço de raciocínio para desde logo se condenar um sistema que exige das liberdades públicas tão grande sacrifício, e que impõe às instituições democráticas o seu descrédito com a permanência do estado de sítio.

‘E não se objete que também a doutrina deste Tribunal deixa ao desamparo as liberdades individuais.

‘Em face do nosso atual regime, é indiscutível a competência do Poder Judiciário para manter a inviolabilidade da Constituição, que não pode ficar à mercê dos dois órgãos da soberania nacional.

‘Assim, pois, se as medidas discricionárias do Presidente da República, durante o estado de sítio, têm os seus limites no pacto fundamental que da mesma sorte indica, nesta grave emergência da vida social, qual o procedimento que compete ao Congresso, é manifesto que a inobservância de tais preceitos abrirá espaço à intervenção do Poder Judiciário.

‘Acordam, por estes fundamentos, negar a impetrada ordem de soltura. Paguem-se as custas".

(53)

No dia seguinte ao julgamento, segundo Leda Boêchat Rodrigues, o órgão governista O Debate escrevia, em tom exultante, que estava definitivamente firmada a jurisprudência nacional sobre a figura jurídica do art. 80 da Carta republicana. Enganava-se o articulista daquele órgão, pois já no mês seguinte o S.T.F. reformaria o seu entendimento acerca dessa matéria, acatando quase que totalmente as teses esposadas por Rui Barbosa.

Em 16 de abril daquele longínquo ano de 1898, o Supremo Tribunal Federal acolhe o habeas-corpus impetrado pelos advogados Joaquim da Costa Barradas e outros, em favor dos mesmos pacientes defendidos por Rui Barbosa. Vencido que fora o relator, foi designado para o acórdão o Ministro Lúcio de Mendonça (ausente no recentíssimo julgamento do HC impetrado por Rui), que o lavrou com os seguinte fundamentos:

"Considerando que um dos pacientes é senador e dois são deputados, e que os deputados e senadores, desde que tiverem recebido diploma até à nova eleição, não poderão ser presos, senão no caso de flagrância em crime inafiançável (Const., art. 20);

‘Considerando que a prisão de nenhum desses três pacientes se realizou em tais condições;

‘Considerando que a imunidade, inerente à função de legislar, importa essencialmente a autonomia e independência do Poder Legislativo, de sorte que não pode estar incluída entre as garantias constitucionais que o estado de sítio suspende, nos termos do art. 80 da Constituição, pois de outro modo, se ao Poder Executivo fosse lícito arredar de suas cadeiras deputados e senadores, ficaria à mercê de seu arbítrio, e, por isso mesmo, anulada a independência desse outro poder político, órgão, como ele, da soberania nacional (Constituição, art. 15), e o estado de sítio, cujo fim é defender a autoridade e livre funcionamento dos poderes constituídos, converter-se-ia em meio de opressão, senão de destruição de um deles (sentença, de 15 de setembro de 1893, da Suprema Corte Argentina, no recurso de habeas-corpus do Senador Além);

‘Considerando mais que os pacientes foram presos e desterrados durante o estado de sítio declarado pelo Decreto Legislativo nº 456, de 12 de novembro de 1897, e prorrogado pelos Decretos do Poder Executivo nº 2737, de 11 de dezembro de mesmo ano, e nº 2810, de 31 de janeiro deste ano, ocorrendo até que os pacientes Deputados Alcindo Guanabara e Barbosa Lima foram presos antes de publicado o decreto legislativo que o declarou o sítio;

‘Considerando que com a cessação do estado de sítio cessam todas as medidas de repressão durante ele tomadas pelo Poder Executivo, porquanto:

‘1º) essa extrema medida, medida de alta política repressiva, só pode ser decretada por tempo determinado (Constituição, art. 80), e fora dar-lhe duração indeterminada o prorrogar-lhe os efeitos além do prazo prefixado no decreto que restabelece;

‘2º) absurdo seria subsistirem as medidas repressivas, somente autorizadas pelas exigências da segurança da República, que determinam a declaração de sítio, quando tais exigências têm cessado pelo dasaparecimento da agressão estrangeira, ou da comoção intestina, que as produziram, pois seria a sobrevivência de um efeito já sem causa, e certo é, na hipótese ocorrente, que a comoção interna, motivo do decreto legislativo de 12 de novembro do ano passado e dos decretos do Poder Executivo que o prorrogue, desde muito terminou, pois desde 23 de fevereiro cessou o estado des sítio que a atestava, e pois, com ele, não podiam deixar de cessar as medidas de exceção que só ela legitimava;

‘3º) outro e não menor absurdo seria que pudessem durar indefinidamente medidas transitórias da repressão deixadas ao arbítrio do Poder Executivo, quando nas próprias penas, impostas pelo Judiciário, com todas as formas tutelares do processo, é requisito substancial a determinação do tempo que hão de durar (Rui Barbosa, O Estado de Sítio, pág. 178);

‘4º) já a Constituição do Império, no art. 179, § 35, dispunha que nos casos de rebelião ou invasão de inimigo, pedindo a segurança do Estado que se dispensassem por tempo determinado algumas das formalidades que garantiam a liberdade individual, poder-se-ia fazer por ato especial do Poder Legislativo; não se achando a esse tempo reunida a Assembléia, e correndo a Pátria perigo iminente, poderia o Governo exercer esta mesma providência, como medida provisória e indispensável, suspendendo-a imediatamente que cessasse a necessidade urgente que a motivara. E leis posteriores - a de 22 de setembro de 1835, que suspendeu no Pará por espaço de seis meses, a contar da data de sua publicação naquela província, os §§ 6º e 10 do art. 179 da Constituição, para que pudesse o Governo autorizar o Presidente da referida província ‘para mandar prender sem culpa formada e poder conservar em prisão, sem sujeitar a processo durante o dito espaço de seis meses, os indiciados em qualquer dos crimes de resistência, conspiração, sedição, rebelião e homicídio’; a de 11 de outubro de 1836, prorrogada pela de 12 de outubro de 1837, e o decreto do Poder Executivo de 29 de março de 1841, prorrogado pelo de 14 de maio de 1842, suspendendo as garantias no Rio Grande do Sul, e o de 17 de maio de 1842, suspendendo-as em São Paulo e Minas Gerais - todas declaram terminantemente que a faculdade que tem o Governo para mandar prender e conservar em prisão um cidadão sem ser sujeito a processo, é somente durante o tempo de suspensão de garantias, que deverá necessariamente ser fixo e determinado (voto vencido do Sr. Pisa e Almeida no acórdão deste Tribunal de 27 de abril de 1892);

‘5º) o próprio Regimento Interno do Tribunal, no art. 65, § 3º, consagra esta doutrina, quando dispõe que o Tribunal se declarará incompetente para conceder a ordem de habeas-corpus se se tratar de medida de repressão autorizada pelo art. 80 da Constituição, enquanto perdurar o estado de sítio;

‘Considerando mais que a esta interpretação do ponto constitucional não obsta a atribuição privativamente conferida ao Congresso Nacional, no art. 34, nº 21, da Constituição, para aprovar ou suspender o sítio que houver sido declarado pelo Poder Executivo, na ausência dele, e, no art. 80 § 3º, para conhecer das medidas de exceção que houverem sido tomadas e que o Presidente da República lhe relatará, pois tal atribuição, para o único efeito de decretar-se, ou não, a responsabilidade dos agentes do Poder Executivo (lei de 8 de janeiro de 1892, art. 33), não exclui a competência do Judiciário senão para esse julgamento político, que não para o diverso efeito de amparar e restabelecer os direitos individuais que tais medidas hajam violado, quando delas venha regularmente a conhecer por via do pedido de habeas-corpus;

‘Considerando que a ação judiciária, suspensa durante o estado de sítio para o habeas-corpus em relação aos atingidos pelos efeitos do mesmo sítio, como suspensas estão ou podem estar todas as garantias individuais, com elas se restabelece e revigora pela cessação daquele estado excepcional e transitório;

‘Considerando que, se a garantia do habeas-corpus houvesse de ficar suspensa enquanto o estado de sítio não passasse pelo julgamento político do Congresso, e de tal julgamento ficasse dependendo o restabelecimento do direito individual ofendido pelas medidas de repressão empregadas pelo Governo no decurso daquele período de suspensão de garantias, indefesa ficaria por indeterminado tempo a própria liberdade individual e mutilada a mais nobre função tutelar do Poder Judiciário, além de que se abriria abundante fonte de conflitos, entre ele e o Congresso Nacional, vindo a ser este, em última análise, quem julgaria os indivíduos atingidos pela repressão política do sítio, e os julgaria sem forma de processo em foro privilegiado não conhecido pela Constituição e pelas leis;

‘Considerando, finalmente, que os pacientes se acham desterrados para a ilha de Fernando de Noronha, hoje presídio do Estado de Pernambuco, criado pelo decreto de 6 de agosto de 1897, e, assim, para o sítio do território nacional destinado a réus comuns, o que é contrário à Constituição, art. 80, § 2º, cumprindo que ao nº 2, desse parágrafo se estenda a cláusula benigna expressa no nº 1, por identidade de razão, que é evitar-se a promiscuidade dos réus de crimes políticos com os réus de crimes comuns;

‘Acordam conceder a impetrada ordem de habeas-corpus para que cesse o constrangimento ilegal em que se acham os pacientes. Custas pela União".

(54)

Era uma decisão histórica e fundamental essa do Supremo, posto que fincavam os alicerces da separação e independência dos poderes e do controle judicial da legitimidade constitucional dos atos do Congresso e do Executivo. Sob o título "A lição dos dois acórdão", relativo às decisões de 26 de março e a de 16 de abril, assim se manifestou Rui Barbosa acerca desse último acórdão:

"Proferido contra os interesses do poder, na mais completa plenitude do tribunal e após a ventilação mais ampla da matéria, o acórdão de 16 de abril, fruto de seis anos de campanha liberal, tem o brilho, a solidez e a força dos grandes arestos, que valem mais para a liberdade dos povos do que as constituições escritas".

(55)

Sob a égide da Constituição de 1891, a magistratura nativa, especialmente o S.T.F., teve papel fundamental na consolidação do corolário mais importante do princípio da separação dos poderes: o controle judicial dos atos estatais. Tormentosas foram as trilhas palmilhadas, haja vista as tentativas de se imputar aos juízes o crime de responsabilidade por negar aplicabilidade às leis, inquinando-as de inconstitucionais. De modo sobranceiro, foram, essas tentativas, repelidas pelo STF. Durante a Constituição de 1891, sobre rocha, alicerçava-se um dos mais importantes e democráticos instrumento de controle do poder: a fiscalização judicial de legitimidade constitucional das leis e dos atos do executivo. Entretanto, a indiferença às crescentes demandas sociais por parte dos poderes públicos e um processo político viciado desde às suas origens, vez que o sistema eleitoral favorecia sempre ao grupo que melhor soubesse fraudar às eleições, coonestada pela ausência de uma efetiva participação da Justiça na fiscalização das eleições, levaram à derrocada da legalidade do regime da Constituição de 1891, com a "Revolução de 30". Durante o período revolucionário, como sói acontecer, garroteadas foram as liberdades individuais e diminuídas as garantias e atribuições do Judiciário, mormente as que dissessem respeito ao controle dos atos praticados pelo "Governo Revolucionário". (56) A desconfiança ante o Supremo Tribunal por parte do Governo Provisório teve como conseqüência a destituição de seis ministros de suas funções. Ato correto, pois uma "revolução" não pode conviver com os "guardiães" da legalidade do regime abatido. Em verdade, todos os membros do STF deveriam ter sido afastados de suas funções, pois ao permanecerem nos cargos coonestavam com a quebra de constitucionalidade imposta pela força bruta. Quedava a 1ª república e com ela o controle judicial da legitimidade dos atos do poder público, enquanto durou o Governo Provisório. Contudo, já estava inscrito na consciência nacional o cânon do controle judicial de constitucionalidade dos atos do poder, de modo que, todas às vezes em que se recobraram as liberdades e houve um sopro de democracia animando o regime político do País, garantia-se ao cidadão recorrer ao Judiciário contra as ilegalidades e abusos de poder cometidas pelas autoridades governamentais. Como demonstra a nossa história.


5. O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NA CONSTITUIÇÃO DE 1934

5.1. Critérios que a encartam como democrática

A derrocada do regime constitucional implantado em 1891 derivou da falência do modelo jurídico-político vigente na sociedade brasileira. As estruturas jurídico-políticas da 1ª república foram incapazes na satisfação das exigências sociais que se agigantavam. O modelo de um Estado alheio aos reclamos de parcela substancial da sociedade, no qual as "questões sociais seriam questões de polícia" e a corrupção desabrida infectando os poderes públicos, sobretudo em épocas eleitorais, foram o fermento suficiente para que setores contrários ao Governo vigente o derrubassem, quebrando a legalidade por força de um movimento "revolucionário". Em 24 de outubro de 1930 era deposto o Presidente Washington Luís e abatida a Constituição de 1891.

Em 09 de julho de 1932 explode em São Paulo uma insurreição contra o Governo Provisório, chefiado pelo Sr. Getúlio Vargas, sendo em pouco mais de três meses debelada, devido à superioridade das forças do governo provisório e à não adesão de outras forças que se mostravam refratárias ao Governo, mas que não apoiaram a "Revolução Constitucionalista", como ficou conhecida. Entretanto, um dos objetivos principais do movimento insurrecional foi conseguido: a convocação de uma assembléia nacional constituinte. Em 15 de novembro de 1933 era instalada a 3ª Assembléia Nacional Constituinte, a segunda da República. Os constituintes foram eleitos segundo as novas regras eleitorais implantadas pelo Governo Provisório e, além dos tradicionais representantes políticos do povo, surgia uma nova categoria de representantes - os profissionais -, escolhida entre empregados e empregadores de alguns setores da atividade econômica da sociedade.

Em 16 de julho de 1934 era promulgada a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, a segunda da república. Para Raul Machado Horta, essa Constituição é um verdadeiro marco no território constitucional brasileiro, pois, não obstante a manutenção do regime republicano e federativo, continha mudança e desvio da rota constitucional, uma vez que buscara inspiração no novo constitucionalismo do pós-guerra de 1914/1918 e nas constituições representativas do constitucionaismo social: mexicana de 1917; alemã de 1919 (Weimar); e espanhola de 1931. "O constitucionalismo liberal - continua esse autor -, que ainda permanece, recebeu o acréscimo do constitucionalismo social, lançando novos fundamentos e novas concepções, em latente conflito com o constitucionalismo liberal e individualista". (57)

Na introdução de sua obra acerca da Constituição de 1934, precisas - e atuais - foram as lições de Araújo Castro:

"Em seus princípios fundamentais a atual Constituição quase que se não afastou da Constituição de 1891. Manteve o regime federativo, ampliando porém, bastante a competência privativa da União, o que em certos casos se tornava indispensável para melhor fortalecer a unidade nacional. Manteve igualmente o regime presidencial, mas introduziu diversas práticas do regime parlamentar. Não vemos nisto, alíás, o menor inconveniente, sendo apenas de lamentar que não houvesse também adotado a que ao Brasil seria a mais conveniente de todas - a eleição do presidente da República pelo corpo legislativo.

‘Não nos parece que haja sido feliz o legislador constituinte na organização dada ao Senado Federal, porque, no nosso regime, não se concebe que a um órgão se confira a faculdade de coordenador os poderes políticos, mormente declarando-se, como se declara expressamente, que esses poderes são independentes e coordenados entre si. Além disso, entre as atribuições que lhe foram outorgadas, algumas há que poderão dar lugar a freqüentes conflitos com o Poder Executivo, em detrimento da ordem pública e dos altos interesses do País.

‘No tocante aos direitos e garantias individuais, foi reproduzido quase que integralmente o que já havia sido condensado na Constituição de 1891. A instituição do mandado de segurança veio corresponder a uma indeclinável necessidade para a rápida defesa de direitos certos e incontestáveis.

‘No título - Da ordem econômica e social - destacam-se pela sua relevância as medidas que visam a proteção do operário. Urge que tais medidas tenham perfeita execução, principalmente a que diz respeito à fixação do salário mínimo, a fim de evitar que, em muitos casos, continue o contraste desolador entre a opulência do patrão e a miséria do operário.

‘A Constituição de 1934 caracteriza-se sobretudo pela extensão considerável do seu texto, encerrado não poucos dispositivos que melhor se enquadrariam na legislação ordinária. Tem, entretanto, o incontestável mérito de haver dirimido várias controvérsias, que nunca encontraram conveniente solução durante a vigência da Constituição de 1891, e procurado, de um lado, extirpar abusos inveterados no nossos costumes políticos e, de outro lado, atender a algumas das nossas mais prementes necessidades.

‘De uma maneira geral, pode-se dizer que ela não constitui obstáculo à resolução dos nossos principais problemas. O que se torna mister é que, quanto possível, sejam restringidas as despesas com a manutenção do aparelho governamental e administrativo para que tenhamos recursos que permitam maior desenvolvimento dos serviços que mais diretamente interessam à coletividade: a saúde pública, a assistência social e a educação pública".

(58)

A Constituição de 1934 merece a qualificação de democrática, segundo os critérios estabelecidos nesta monografia, porque se originou de uma assembléia constituinte composta de representantes do povo e por ele eleita (não obstante os representantes profissionais), erigiu os cânones da supremacia e rigidez da Constituição e dotou o Judiciário da faculdade de fiscalizar a legitimidade constitucional dos atos públicos, conquanto excluísse as questões políticas.

5.2. O modelo de controle de constitucionalidade

O modelo adotado na Constituição de 1934, inobstante permanecer com alguns elementos contidos no modelo anterior, trouxe importantes inovações para a dinâmica do controle de constitucionalidade. Dentre elas, têm-se a necessidade de maioria absoluta dos membros dos tribunais para a decretação de inconstitucionalidade, a competência do Senado Federal para suspender a vigência de lei declarada inconstitucional, atribuindo-lhe efeitos erga omnes, a competência do Procurador da República para ingressar com uma ação junto à Corte Suprema (denominação substitutiva de Supremo Tribunal Federal) para apreciar a constitucionalidade de lei interventiva e a criação do mandado de segurança como instrumento de provocação da jurisdição constitucional difusa.

Em sede de controle de constitucionalidade, segundo nossos interesses mais imediatos, dispôs a Constituição de 1934:

"Art. 68. É vedado ao Poder Judiciário conhecer de questões exclusivamente políticas".

(...)

"Art. 76. À Corte Suprema compete:

(...)

2) julgar:

(...)

III, em recurso extraordinário, as causas decididas pelas justiças locais em única ou última instância:

(...)

b) quando se questionar sobre a vigência ou a validade de lei federal em face da Constituição, e a decisão do tribunal local negar aplicabilidade à lei impugnada;

c) quando se contestar a validade de lei ou ato dos governos locais em face da Constituição, ou de lei federal, e a decisão do tribunal local julgar válido o ato ou a lei impugnado;"

(...)

"Art. 91. Compete ao Senado Federal:

(...)

IV, suspender a execução, no todo ou em parte, de qualquer lei ou ato, deliberação ou regulamento, quando hajam sido declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciário;"

(...)

"Art. 12. A União não intervirá em negócios peculiares aos Estados, salvo:

(...)

§ 2º Ocorrendo o primeiro caso do n. V, a intervenção só se efetuará depois que a Corte Suprema, mediante provocação do Procurador Geral da República, tomar conhecimento da lei que a tenha decretado e lhe declarar a constitucionalidade".

(...)

"Art. 113. (...)

(...)

23) Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer, ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade, por ilegalidade ou abuso de poder. Nas transgressões disciplinares não cabe o habeas corpus.

(...)

33) Dar-se-á mandado de segurança para a defesa de direito, certo e incontestável, ameaçado ou violado por ato manifestamente inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade. O processo será o mesmo do habeas corpus, devendo ser sempre ouvida a pessoa de direito público interessada. O mandado de segurança não prejudica as ações petitórias competentes".

Antes de adentrarmos o leading case escolhido, convém que sejam tecidos ligeiros comentários acerca da vedação de questões exclusivamente políticas ao exame judicial, pois são estas difíceis de serem ignoradas e desjurisdicizadas, sobretudo quando firam direitos constitucionalmente protegidos. Para o entendimento daquele dispositivo constitucional, tome-se, mais uma vez, de empréstimo a lição de Araújo Castro:

"É doutrina corrente que as questões de natureza política escapam à jurisdição do Poder Judiciário; mas, para que tal aconteça, torna-se mister que tais questões sejam exclusivamente políticas.

‘Uma questão, observa Ruy Barbosa, pode ser distintamente política, altamente política, segundo alguns, até puramente política, fora dos limites da justiça, e, contudo em revestindo a forma de um pleito, estar na competência dos tribunais, desde que o ato, executivo ou legislativo, contra o qual se demande, fira a Constituição, lesando ou negando um direito nela consagrado.

‘Como questões exclusivamente políticas devem entender-se somente aquelas que se referem ao exercício de poderes discricionários, isto é, ao exercício dos poderes que a Constituição confia à inteira discrição do Legislativo e do Executivo. Assim, em se tratando de decretação de estado de sítio e de intervenção nos Estados ou de celebração e rescisão de tratados internacionais, o Judiciário não pode entrar na apreciação dos motivos que determinaram o ato legislativo ou executivo. Mas, se, em virtude desse ato, for violado um direito privado, assegurado pela Constituição, então, para a proteção de tal direito, será legítima a ação do Judiciário.

‘A jurisprudência da Corte Suprema tem reconhecido sempre a incompetência do para conhecer de assuntos políticos, desde que em causa não esteja um direito privado, que constitua objeto principal da demanda.

‘A constituição de 1891 não fazia referência a questões políticas, mas a atual Constituição declara expressamente no art. 68: ‘É vedado ao Poder Judiciário conhecer de questões exclusivamente políticas’.

‘É bem de ver que nessas questões não se incluem as de reconhecimento de poderes, cuja competência é atribuída à Justiça Eleitoral (Const., art. 83, letra g)".

(59)

É dizer: se o ato adentrou o mundo jurídico, provocou efeitos jurídicos e dentre esses efeitos alguém foi em seu direito prejudicado, ao judiciário não é permitido eximir-se de sindicar o "ato político".

5.3. O Caso Principal

O caso que se traz à colação é um mandado de segurança impetrado pela Aliança Libertador Nacional - ALN, contra ato (Decreto nº 229, 11/VII/35) que lhe decretava a suspensão temporária (seis meses) das suas atividades. O objeto central é a questão da liberdade de associação e a lei de segurança nacional. Outrossim, fez-se uso do mandado de segurança, instrumento criado pela Constituição de 1934 para substituir o habeas corpus, que no regime constitucional anterior (até a reforma de 1926) era o instrumento usado na defesa de direitos feridos contra ilegalidades e abusos de poder.

Invocando o preceito n. 12 do art. 113 da Constituição, garantidor da liberdade de associação e que a lei colacionada para decretar a suspensão das atividades, Lei nº 38, de 04 de abril de 1935, estatuía que somente em dois casos o fechamento poderia realizar-se: a) falsa declaração dos fins da associação para obter ou adquirir personalidade jurídica, e b) o exercício, depois de registrada, de atividade subversiva da ordem política e social. O pedido tomou o nº 111 e, tendo como relator o ministro Artur Ribeiro, foi, afinal, julgado em sessão de 21 de agosto de 1935. (60)

O Ministro da Justiça prestou as seguintes informações:

"que a chamada Aliança Nacional Libertadora não passava de um disfarce do Partido Comunista, imaginando para atrair maior número de adeptos e para, por esta forma, poder desenvolver, impunemente, sua atividade subversiva da ordem política e social. Cedo, porém, suas verdadeiras finalidades subversivas se desvendaram e tornaram-se públicas, através do manifesto de Luiz Carlos Prestes, de cujo caráter extremista nenhuma dúvida pode existir". O fechamento da Aliança Nacional fora sugerido em ofício do Chefe de Polícia, "visto ser essa sociedade civil uma organização criada por determinação da Terceira Internacional e que visava a alteração da ordem, a tomada violenta do poder, o assalto à propriedade, a subversão da organização social e a mudança do regime".

(61)

Edgar Costa transcreve o voto do relator, ei-la:

"(...) De meritis - Segundo mandamento constitucional, para a concessão do mandado de segurança duas eram as condições exigidas: 1) que o impetrante tivesse um direito certo e incontestável; 2) que este direito tivesse sido violado ou se encontrasse ameaçado de sê-lo por ato manifestamente inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade. Em apoio do seu direito invocava a impetrante não só a sua qualidade de pessoa jurídica, adquirida nos termos da lei, como o art. 113, n. 12, da Constituição da República, que garantia a liberdade de associação para fins lícitos. Entendia ela, por isso, que tinha o direito certo e incontestável de funcionar, livremente, sem que pudesse ser embaraça, nesse exercício, por qualquer ato administrativo ou governamental.

‘A Lei n. 38, porém, de 4 de abril de 1935, no seu art. 20 dispusera que, em dois casos, podia ser decretado o fechamento imediato e em caráter provisório de qualquer sociedade civil: 1) quando o registro tivesse sido feito, ocultando-se a verdadeira finalidade da pessoa jurídica; 2) quando, depois de registrada, a sociedade passasse a exercer atividade subversiva de ordem política ou social.

‘Informava o Ministro da Justiça que se verificara essa segunda hipótese, tendo a impetrante, depois do seu registro, passado a exercer uma grande atividade para implantar em nosso país o regime comunista, por meios violentos. Tratava-se, portanto, de uma atividade subversiva não só da ordem política, que ficaria, seriamente, comprometida com a simples tentativa violenta da implantação daquele regime, como da própria ordem social, que era visada direta e principalmente, em seus mais profundos fundamentos.

(...)

‘Alegava-se, porém que o preceito formulado no art. 29 da Lei n. 38, infringia a Constituição da República, e que o Decreto n. 299, ordenando aquele fechamento, a violava, especialmente, em seu art. 2º. A alegação, porém, era de inteira improcedência. O mandamento constitucional só garante a liberdade de associação com a declaração expressa de ser ela exercida para fins lícitos, de sorte que uma lei ordinária podia vedá-la, verificado ser ilícito o objetivo a que a associação se propunha. Era o que se dera no caso em apreciação. Portanto, o fechamento da impetrante, por seis meses, para ser, logo em seguida, promovida, judicialmente, sua dissolução, fora um ato que nenhuma eiva tinha de inconstitucionalidade ou de ilegalidade.

(...)

‘Se era, porém, a Lei n. 38 uma lei severa, o seu art. 29 não encerrava um preceito inconstitucional. Muito menos se podia dizer inconstitucional o art. 2º do citado Decreto n. 229, dispositivo que no conceito do requerente era triplamente inconstitucional: 1) porque as associações somente podiam ser dissolvidas por via judicial, não podendo ser fechadas por ato discricionário da polícia; 2) porque a dissolução e o cancelamento somente podiam ser determinados por lei e não por instruções do Governo; 3) porque qualquer associação somente podia ser dissolvida por ato ou fato previsto em lei anterior e pela forma por ela prescrita, e não de acordo com instruções posteriores, que não podiam retroagir, em detrimento de direitos existentes.

(...)

‘- Como se via, a dissolução definitiva da impetrante ficava sempre dependendo de sentença do Poder Judiciário. Se dentro de seis meses a dissolução definitiva não fosse decretada, a impetrante voltaria ao status quo ante, com direito, sem dúvida, à reparação do dano, se o Judiciário negasse à autora o reconhecimento da pretensão ajuizada. - Caíam, assim, por terra os dois primeiros motivos alegados. O terceiro e último concernia à retroação das instruções que o Governo iria expedir para ser promovida a dissolução da impetrante, por sua incompatibilidade com a ordem pública. Se se tratasse de fato que a lei anterior considerasse lícito, e por esse fato a Aliança devesse ser dissolvida, ex-vi de lei posterior, a alegação poderia proceder e ser alegada, com proveito, no curso do processo judiciário. O fato porém, com seu caráter marcadamente ilícito, era anterior e previsto, de maneira expressa, pela Lei n. 38. As instruções a ser expedidas iriam regular, simplesmente, o processo, na parte em que fosse omissa a legislação vigente, e era cânon tranqüilo, na doutrina, que as leis de forma eram, em regra, retroativas. Essa questão, porém era par ser examinada na ação de dissolução, e inteiramente estranha ao mandado de segurança.

‘Pelo exposto, indeferia ao pedido do mesmo mandado". (62)

O ministro Costa Manso, em seu voto lecionou:

"(...) Alega-se, ainda, que o dispositivo invocado é contrário à Constituição. Sufrago, a esse respeito, princípio diferentemente formulado pelo eminente chefe do Ministério Público Federal. Penso que a questão da inconstitucionalidade da lei pode ser apreciada neste julgamento. O que a Corte não pode é decretar, em tese, a inconstitucionalidade. Trata-se, porém, de apreciar a legalidade de um ato administrativo, fundado numa lei ordinária. Se a lei for inconstitucional, também o ato administrativo o será. Em conseqüência, cumpriria ao Juiz anulá-lo".

(63)

Os demais julgadores acompanharam o voto do relator. O mandado de segurança foi indeferido unanimemente.

Breve foi a sua vigência: três anos, três meses e vinte e seis dias. Efêmera (como as rosas de Malherbe, nos ensina Machado Horta) foi sua passagem pelo mundo no tempo constitucional brasileiro, pois "conflitos ideológicos, rivalidades regionais, as resistências à sucessão presidencial, o temor do assalto ao poder e outros fatores estranhos aos mecanismos constitucionais acabaram conduzindo, por maquiavélica manipulação, à destruição da Constituição de 1934, que sucumbiu diante do Golpe de Estado desfechado nas instituições democráticas, em 10 de novembro de 1937". (64)


6. O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NA CONSTITUIÇÃO DE 1946

6.1. Critérios que a encartam como democrática

Em 10 de novembro de 1937, o Presidente Getúlio Vargas outorga a 4ª Carta Política do Brasil. Ontologicamente semântica, na traça de Karl Loewenstein (65), a Carta só vigeu nos dispositivos que interessavam ao detentor do poder. Viabilizar o controle do exercício do poder não era, sem dúvida, o telos daquele documento político. O Presidente-Ditador enfeixava em suas mãos os poderes executivo e legislativo, como também poderia reformar as decisões judiciais que lhes não agradasse. O dever-ser (norma) vinculante das condutas humanas no Brasil dependia da vontade do Presidente-Ditador e ao sabor de suas conveniências poderia variar. Estava-se em um regime similar ao absolutismo da modernidade. Em verdade, além do Brasil, outros povos também viviam sob o guante autocrático de um déspota, dentre esses, têm-se os germânicos com Hitler e o nazismo e os itálicos com Mussoline e o fascismo. Esses dois foram responsáveis pelo maior conflito bélico que se tem notícia na história. As conseqüências foram desastrosas para a espécie humana.

Na Segunda Guerra mundial, as forças brasileiras cerraram fileiras contra os regimes totalitários do nazi-fascimo. Em favor da democracia e da liberdade lutaram as forças nativas. Com o fim da 2ª grande guerra e a derrota do nazi-fascismo, criou-se um paradoxo em solo brasileiro: o País combateu o totalitarismo, lutou pela liberdade, mas era escravo de um regime que lhe tolhia a liberdade. Em pouco tempo, as pressões internas forçaram a uma mudança de regime, e o Ditador-Presidente foi deposto, sem traumas institucionais, pelos seus próprios sequazes. Um zéfiro de democracia e de liberdade voltava a soprar e a animar as relações do poder com os indivíduos e com as instituições.

A Constituição dos Estados Unidos do Brasil, promulgada em 18 de setembro de 1946, era a nossa quinta constituição, a quarta da república.

Essa Constituição encarta-se adequadamente na classificação de democrática que encetamos neste trabalho: originária de uma assembléia constituinte composta de representantes do povo e por ele eleita, sem a figura dos representantes profissionais; gizou o princípio da separação dos poderes independentes e harmônicos; timbrou a rigidez e a supremacia da Constituição e dos direitos constitucionais, garantindo-se o controle judicial de legitimidade constitucional dos atos do poder público, sem fazer as exceções das questões políticas. Ao judiciário cabia a última palavar acerca de qual era o direito, sem a intromissão de outro poder, como foi no regime da Carta de 1937.

Sobre aquela constituinte, concluiu Marcelo Caetano:

"Na verdade, a Assembléia de 1946 não buscou fazer grandes inovações, não quis erguer um edifício constitucional mais grandioso e mais belo que os anteriores. Modestamente, com um grande sentido das realidades, quis apenas restaurar o sistema democrático de 1891 e 1934, foi conservadora no sentido de pretender aproveitar das constituições anteriores tudo quanto a prática tinha revelado útil, eliminando o que se mostraria de execução complicada e difícil ou mesmo prejudicial".

(66)

6.2. O modelo de controle de constitucionalidade

Em relação aos modelos adotados nas outras duas constituições democráticas da República, o modelo da Constituição de 1946 não trouxe muitas novidades, a não ser uma melhor disciplina dos recursos extraordinários e da representação interventiva proposta pelo Procurador Geral da República, como mecanismo de argüição direta de constitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal. Mantiveram-se o habeas corpus e o mandado de segurança como instrumentos de provocação da jurisdição constitucional da liberdade.

Dispôs a Constituição de 1946:

"Art. 101. Ao Supremo Tribunal Federal compete:

(...)

III -julgar em recurso extraordinário as causas decididas em única ou última instância por outros tribunais ou juízes:

a) quando a decisão for contrária a dispositivo desta Constituição ou a letra de tratado ou lei federal;

b) quando se questionar sobre a validade de lei federal em face desta Constituição, e a decisão recorrida negar aplicação à lei impugnada;

c) quando se contestar a validade de lei ou ato de governo local em face desta Constituição ou de lei federal, e a decisão recorrida julgar válida a lei ou o ato;"

(...)

"Art. 200. Só pelos voto da maioria absoluta dos seus membros poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou de ato do poder público".

(...)

"Art. 64. Incumbe ao Senado Federal suspender a execução de, no todo ou em parte, de lei ou decreto declarados inconstitucionais por decisão definitiva do Supremo Tibunal Federal".

(...)

"Art. 8º. A intervenção será decretada por lei federal nos casos dos nos VI e VII do artigo anterior.

Parágrafo únido. No caso do do nº VII, o ato argüido de inconstitucionalidade será submetido pelo Procurador-Geral da República ao exame do Supremo Tribunal Federal, e, se este a declarar, será decretada a intervenção".

O modelo da Constituição de 1946 não inova a experiência constitucional brasileiro, contudo, reforça a função do Supremo Tribunal Federal como "árbitro final do contencioso da inconstitucionalidade". (67)

6.3. O caso principal

O caso trazido à colação é a primeira representação de inconstitucionalidade provocada durante o regime da Constituição de 1946. Nesta ação, discute-se os limites de atuação do poder constituinte do Estado-membro em sede organização dos poderes.

Transcreve-se algumas partes extraídas da coletânea de Edgar Costa:

"Em 7 de julho de 1947, o Procurador-Geral da República, Dr. Thesmístocles Brandão Cavalcanti, apresentou ao Supremo Tribunal Federal uma representação sobre grava conflito de poderes originado da aprovação pela Assembléia do Ceará de dispositivos da Constituição do Estado, promulgada em 23 de junho, cuja vigência, em face da Constituição Federal, mereceu por parte do Poder Executivo decidida impugnação através de um pedido de mandado de segurança, entendendo serem inconstitucionais: 1) o que atribuía à Assembléia a eleição do primeiro vice-governador do Estado; 2) o que sujeitava à aprovação da Assembléia Legislativa a nomeação do Secretariado do Governo; 3) o que subordinava também à mesma aprovação a nomeação dos prefeitos, cujos cargos fossem provimentos do Poder Executivo. O relator do pedido mandou sustar o ato da nomeação do vice-governador, o que foi desatendido pel Assembléia sob o fundamento de ter havido invasão dos poderes, pela intervenção do Judiciário na esfera legislativa naquilo que dizia com sua competência privativa. Solicitou, entretanto, a mesma Assembléia a manifestação do Supremo Tribunal sobre o conflito de poderes e o exame dos dispositivos constitucionais invocados em face da Constituição Federal. Esses dispositivos estavam assim redigidos:

- ‘Art. 17. Compete privativamente à Assembléia Legislativa: ... XXII - aprovar ou rejeitar, por maioria absoluta de seus membros, a nomeação feita pelo Governador dos Secretários de Estado, bem como dos Prefeitos de sua escolha, do Procurador-Geral do Estado, dos Sub-procuradores, dos Ministros do Tribunal de Contas e dos membros dos Conselhos Técnicos.

- ‘Art. 84. Compete ao Governador do Estado: ... - nomear, com aprovação da Assembléia, os secretários de Estado, os prefeitos de sua escolha, etc.

- ‘Ato das Disposições Constitucionais Transitórias:

Art. 1º - A Assembléia Legislativa elegerá, no dia imediato ao da promulgação deste Ato, o Vice-Governador do Estado para o primeiro período constitucional.

- § 1º. Essa eleição far-se-á por escrutínio secreto em primeiro turno, por maioria de votos, ou em segundo, por maioria relativa.

‘Art. 38. A Assembléia Legislativa, por deliberação da maior absoluta dos seus membros e mediante proposição de qualquer deles, ratificará ou desaprovará, dentro do prazo de trinta dias,as nomeações dos atuais Secretários de Estado e dos Prefeitos municipais.

‘Art. 59. Publicado este ato e até que se verifique a posse dos prefeitos eleitos, os prefeitos municipais serão nomeados pelo Governador do Estado, mediante prévia aprovação da Assembléia Legislativa, por maioria absoluta dos seus membros’".

A representação recebeu o nº 93, tendo sido julgada em 16 de julho de 1947. O relator foi o Ministro Aníbal Freire. O Tribunal julgou-a procedente em parte, para declarar, por maioria de votos, constitucional o art. 1º das Disposições Transitórias, e inconstitucionais, unanimemente, o art. 17, inciso XXII, e, por maioria de votos, o art. 59 das Disposições Transitórias. (68)

Seguem-se alguns trechos do voto do relator, extraídos da coletânea de Edgar Costa.

O voto do relator Ministro Aníbal Freire:

"Defronta o Tribunal, neste passo da vida constitucional do país, grave questão, que envolve a inteireza das instituições e o exercício regular e harmônico dos poderes público.

‘Já se acentuou que a Constituição de 1946 é profundamente judiciária. Se a observação desvela o critério do legislador, faz avultar as responsabilidades deste Tribunal. Na realidade, em vários de seus lanços, o novo estatuto fundamental reforça a autoridade do Poder Judiciário e lhe exalça a magnitude da missão. Retoma assim o Judiciário a função precípua, que lhe é marcada na fonte, donde se originou o nosso direito institucional, de guarda supremo da Constituição, reavivando-se, ao influxo de novos alentos, a sua posição de grande roda da máquina republicana, na frase inconfundível de Bryce. Produz-se no momento uma espécie de pêndulo da história, de que fala Guy-Grand.

‘Cumpre examinar a questão aventada nesta representação à luz da razão jurídica e do dever patriótico inerente aos órgãos do Estado.

‘Parece incontroversa a adoção pela Constituição do regime presidencial, a exemplo do que preceituavam as constituições anteriores. É a tradição do Brasil republicano, reafirmada de maneira sólida e irrefragável, depois de embates memoráveis em que se ostentou nítido o pensamento do legislador constituinte. Não tem assim foros de verdade indestrutível a alegação de que não há na Constituição referência expressa ao regime presidencial. (...).

(...)

‘Redargúi-se que o regime presidencial não está enumerado entre os princípios consagrados no art. 7º, n. VII, e cuja observância permite a intervenção no Estado, declarada que seja a inconstitucionalidade do ato pelo Supremo Tribunal Federal. (...)

‘O art. 18 da Constituição prescreve que cada Estado se regerá pela Constituição e pelas leis que adotar, respeitados os princípios estabelecidos na Constituição. Na organização dos poderes políticos, cabe primazia ao princípio da independência e harmonia. Não pode ser de independência o critério que permita a um poder extravasar dos seus limites, invadindo esfera própria de outro, e em ponto imanente na autoridade deste, que na hippótese não pode sofrer contraste. (...).

(...)

‘Estabelecido como ponto incontroverso que a Constituição Federal adotou o regime presidencial, tem ele de ser mantido nas lindes fixadas pelo estatuto padrão. Não é lícito às Constituições estaduais alterar-lhes a substância. Um dos característicos fundamentais do regime brasileiro - e só à Constituição temos de pedir o roteiro para nossas decisões - é o da livre escolha pelo chefe do Poder Executivo dos ministros de Estado. (...).

(...)

‘O ponto relativo à aprovação pela Assembléia Legislativa da nomeação dos prefeitos de escolha do Governador mereceu cerrada impugnação do douto Sr. Dr. Procurador-Geral da República. A Constituição Federal assegurou a autonomia dos Municípios, que, na frase de Rui Barbosa, é a necessidade capital na educação democrática do país. Entre os característicos dessa autonomia, figura em primeiro lugar a eleição do prefeito e vereadores. Mas o estatuto magno abriu exceção ao princípio, dispondo nos §§ 1º e 2º do art. 28: ‘Poderão ser nomeados pelos Govenadores dos Estados ou dos Territórios os prefeitos das capitais, bem como os dos municípios onde houver estâncias hidrominerais naturais, quando beneficiados pelo Estado ou pela União’. - ‘Serão nomeados pelos Governadores dos Estados ou dos Territórios os prefeitos que dos municípios que a lei federal, mediante parecer do Conselho de Segurança Nacional, declarar bases ou portos militares de excepcional importância para a defesa externa do país’. O § 1º faculta às Constituições estaduais determinarem, do modo que lhes pareça mais conveniente, o modo de investidura dos prefeitos nele mencionados. O § 2º expressamente confere ao chefe do Executivo a nomeação dos prefeitos nele indicados. A razão do dispositivo que representa uma inovação, encontra-se nas lições de guerra, que se desencadeou sobre o mundo, e corresponde às necessidades supremas da segurança nacional.

‘A competência acha-se estabelecida sem qualquer restrição e se a Constituição local optar pela nomeação dos prefeitos, a que se refere o § 1º do art. 28 da Constituição Federal, não pode impor limitações, que a fonte originária da matéria não contém. No caso, então, do § 2º, a restrição ainda é mais desautorizada. (...).

(...)

‘Resta examinar o ponto referente à eleição do Vice-Governador para o primeiro período recém-inaugurado. Precreve o art. 1º do Ato das Disposições Transitórias Constitucionais do Estado: ‘A Assembléia Legislativa elegerá, no dia imediato à promulgação deste Ato, o Vice-Governador do Estado para o primeiro período constitucional’. - Incrimina-se o dispositivo de contrário ao preceito da Constituição Federal, que declara competir à União legislar sobre o direito eleitoral (art. 5º, n. XV, alínea a), bem assim ao art. 134, que prescreve ser o sufrágio universal e direto.

‘Entendo que é improcedente a argüição. A Constituição regula em caráter permanente o processo da eleição do Governador e Vice-Governador para os períodos iniciarem e para os casos de vaga (arts. 25 e 27, § 2º). O art. 27, § 2º, é reprodução literal do art. 79, § 2º, da Constituição Federal. Não me afigura assim que o conteúdo do dispositivo incriminado, que não traduz norma jurídica permanente, contravenha a competência da União para legislar sobre o direito eleitoral. (...).

(...)

‘No jogo das instituições, há de se acentuar a importância da declaração de inconstitucionalidade das leis, que somente circunstâncias extremas autorizam e justificam. Jacques Lambert observou com agudeza que ‘la construction des lois devait être pour le gouvernement des juges un instrument plus souple et plus le gouvernement des juges un instrument plus souple et plus efficace encore que la déclaration de inconstitucionnalité (Histoire constitutionelle de l’Union Americaine, vol. 2º, pág. 163). Conjunturas, porém, sobrevêm que impõem ao julgador o dever irrestrito de pronunciar veredicto tão grave. Inspira-o então a lição de Marshall, ao declarar: ‘Se na verdade assim for a Constituição, cumprirá ao Tribunal curvar-se com respeitosa submissão aos seus preceitos. Mas se de fato assim não for a Constituição, cumprirá ao Tribunal curvar-se com respeitosa submissão aos seus preceitos. Mas se de fato assim não for a Constituição, cumpriria igualmente a este Tribunal pronunciá-lo e desempenhar-se da tarefa que o povo americano assinou ao departamento judiciário’.

‘Em conclusão, de acordo com o parecer do Sr. Dr. Procurador-Geral da República, meu voto é o seguinte:

‘a) julgo inconstitucional o n. XXII do art. 17 da da Constituição do Estado do Ceará, no ponto relativo à aprovação ou rejeição pela Assembléia Legislativa das nomeações dos Secretários de Estado e dos prefeitos da escolha do Governador, bem assim dos dispositivos que com o mesmo ponto se relacionarem;

‘b) julgo constitucional o art. 1º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da mesma Constituição".

(69)

Além desses julgamentos relativos à competência constitucional dos Estados, posto que várias foram as representações feitas junto ao Supremo Tribunal Federal, outra matéria que provocou grande atenção na sociedade brasileira foram os julgamentos relativos à cassação do registro do Partido Comunista e dos mandatos parlamentares de seus membros, dentre eles o seu líder máximo: Luiz Carlos Prestes.

A quarta Constituição da República vigeu de 18 de setembro de 1946 até 31 de março de 1964. Com o golpe de estado que depôs o legítimo Presidente da República - Sr. João Goulart -, as forças conservadoras (incapazes de lutar com os legítimos instrumentos jurídico-políticos para a conquista do poder) mutilaram o sistema constitucional pátrio. Garrotearam a liberdade. Calaram vozes. Ceifaram vidas. Só não conseguiram destruir a esperança. A força teve de ceder à autoridade. Desde de 05 de outubro de 1988, com todos os percalços já superados e os que ainda hão de se superar, a sociedade brasileira tem procurado viver em regime constitucional e democrático, no qual seja ela a senhora de seu destino. E só ela.

"Eu instituo este Tribunal venerando, severo, incorruptível, guarda vigilante desta terra através do sono de todos, e o anuncio aos cidadãos, para que assim seja de hoje pelo futuro adiante" (Ésquilo: As Eumênides). Espera-se, por seu turno, que o Judiciário, mormente o Supremo Tribunal Federal, não cooneste, como outrora, com as violações constitucionais comumente ocorridas em nosso País. Que sejam realmente os guardiães da Constituição, mesmo que lhes custe a vida e a liberdade. Lembrem-se do labor de Rui e de tantos outros, não pode ter sido em vão. Restar-lhes-á a dignidade. É suficiente. A pátria dos bons brasileiros lhes agradeceria. Já os canalhas...


NOTAS


  1. Cf. BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo Constitucional. Rio de Janeiro, Forense, 1984, p. 01.
  2. Idem, pp. 01 e s.
  3. Alguns doutrinadores analisam a Constituição através do prisma sociológico. Neste enfoque, a Constituição é a resultante dos "fatores reais de poder", ou seja, os detentores dos poderes econômico, político e social dão o verdadeiro sentido da Constituição, denominada de real, enquanto que o Texto Constitucional não passa de uma simples "folha de papel", sem força alguma perante a constituição real. (Por todos: LASSALLE, Ferdinand. A Essência da Constituição. Rio de Janeiro, Ed. Liber Juris, 1985). Outra vertente da doutrina analisa a Constituição em seu sentido político. Para esta doutrina, a Constituição é a "decisão política fundamental" acerca do modo e forma da unidade política de um Estado. O conteúdo desta "decisão política fundamental" diz respeito, basicamente, as normas referentes à estrutura e organização do Estado e do poder estatal e dos direitos e garantias individuais. Nesse sentido, distingue-se a Constituição da Lei Constitucional. Aquela é o conjunto de normas que disciplina a estrutura e organização do Estado e do poder estatal e dos direitos e garantias individuais. Na Lei Constitucional estão disciplinadas as demais matérias que não dizem respeito àquela "decisão política fundamental". Assim, segundo esta doutrina, o Texto Constitucional é dividido em constituição propriamente dita e lei constitucional. Vê-se aqui o gérmen da distinção entre constituição material e constituição formal. (Por todos: SCHMITT, Carl. Teoría de la Constitución. México, Ed. Nacional, 1970).
  4. Teoria Geral do Direito e do Estado. Tradução de Luís Carlos Borges. 2ª edição. São Paulo, Martins Fontes, 1992, pp. 129 e ss.
  5. Ob. citada.
  6. Idem.
  7. Cf. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 9ª edição. São Paulo, Malheiros, 1993, pp. 42 e ss. O autor dá a seguinte classificação das constituições: 1º quanto ao conteúdo: a) materiais e b) formais; 2º quanto à forma: a) escritas e b) não escritas; 3º quanto ao modo de elaboração: a) dogmáticas e b) históricas; 4º quanto à origem: a) populares (democráticas) e b) outorgadas; 5º quanto à estabilidade: a) rígidas, b) flexíveis e c) semi-rígidas.
  8. Teoría de la Constitución. Traducción y estudio sobre la obra por Alfredo Gallego Anabitarte. 2ª edición. Barcelona, Editorial Ariel, 1976, pp. 149 e ss.
  9. Idem.
  10. Ob. citada, p. 43.
  11. Ob. cit., p. 216.
  12. Idem, pp. 217 e ss.
  13. Ver p. 09.
  14. Ver pp. 03 e ss.
  15. Cf. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Almedina, Coimbra, 1998, pp. 1004 e ss.
  16. Cf. GOMES CANOTILHO, J. J., ob. cit., pp. 1021 e ss.
  17. Idem.
  18. Cf. BARBOSA, Ruy. Commentarios á Constituição Federal Brasileira. Colligidos e ordenados por Homero Pires. I volume - das disposições preliminares. São Paulo, Saraiva, 1932, pp. 7 e 8. A obra de Dicey de onde Ruy extrai a citação é: Lectures Introductory to the Study of the Law of the Constitution (Lond., 1885), pag. 165-6.
  19. Cf. Teoria da Inconstitucionalidade das Leis. São Paulo, Saraiva, 1988, p. 73.
  20. Ob. citada, p. 75.
  21. Idem, p. 98.
  22. Cf. Do Controle da Constitucionalidade. Rio de Janeiro, Forense, 1966, p. 32.
  23. Cf. Processo Constitucional, obra já citada.
  24. Idem, p. 117.
  25. Ibidem, p. 110.
  26. Cf. O Controle Judicial de Constitucionalidade das Leis no Direito Comparado, 2ª edição. Tradução de Aroldo Plínio Gonçalves. Porto Alegre, Fabris, 1992, p. 23.
  27. Cf. BARACHO, José Alfredo de Oliveira, ob. citada, p. 126.
  28. Idem, p. 147.
  29. Cf. GOMES CANOTILHO, J. J., ob. cit. , p. 1074. (Há algumas alterações por nós encetadas).
  30. Idem, pp. 790 e ss. (Há algumas alterações por nós encetadas).
  31. Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo, Malheiros, 4ª edição, São Paulo, 1993, pp. 228 e ss.
  32. Idem.
  33. Art. 15. É da atribuição da Assembléia Geral
    (...)
    VIII. Fazer Leis, interpretá-las, suspendê-las, e revogá-las.
    IX. Velar na guarda da Constituição, e promover o bem geral da Nação.
  34. Cf. Curso de Politica Constitucional. Tradução de F. L. de Yturbe, Madri, Taurus, 1968.
  35. Art. 10. Os Poderes Políticos reconhecidos pela Constituição do Império do Brasil são quatro: o Poder Legislativo, o Poder Moderador, o Poder Executivo, e o Poder Judicial.
  36. Art. 98. O Poder Moderador é a chave de toda a organização Política, e é delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação, e seu Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independência, equilíbrio, e harmonia dos mais Poderes Políticos.
  37. Cf. MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade - aspectos jurídicos e políticos. São Paulo, Saraiva, 1990, pp. 169 e ss.; Cf. CLÈVE, Clèmerson Merlin. A Fiscalização Abstrata de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995, pp. 63 e ss.; Cf. LÚCIO BITTENCOURT, Carlos Alberto. O Controle Jurisdicional da Constitucionalidade das Leis. Atualizado por José Aguiar Dias. 2ª edição. Brasília, Ministério da Justiça, 1997, pp. 27 e ss.; Cf. POLETTI, Ronaldo Rebello de Brito. Controle da Constitucionalidade das Leis. Rio de Janeiro, Forense, 1985, pp. 84 e ss.
  38. Cf. BARBOSA, Ruy, ob. citada, pp. 127 e ss.
  39. Ob. citada, pp. 99-100 e 133.
  40. Cf. O Supremo Tribunal Federal, Êsse Outro Desconhecido. Rio de Janeiro, Forense, 1968, pp. 23 e ss.
  41. Cf. Poder Judiciário, Rio, 1943, pp. 168 e s. apud O Supremo Tribunal Federal, Esse Outro Desconhecido, ob. citada, p. 59.
  42. Cf. Os Grandes Julgamentos do Supremo Tribunal Federal, Primeiro Volume (1892-1925). Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 1964, p. 17.
  43. Cf. RODRIGUES, Lêda Boechat. História do Supremo Tribunal Federal. Volume I - Defesa das Liberdades Civis (1891-1898), Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 1965, pp. 17 e s.
  44. Acerca desse comportamento intimorato e combativo de Rui Barbosa há vários outros exemplos. Dentre esses, por ser bastante ilustrativo e em circunstâncias similares ao 1º HC em defesa de presos políticos, um outro episódio acontecido envolvendo também estado de sítio, presos políticos (Almirante Wandenkolk e outros) e mais um HC junto ao STF, no famoso caso do "Vapor Júpiter", em 1893. Transcrevem-se as palavras de Lêda Boechat Rodrigues (obra já citada): "Ainda a 12 de agosto, Rui Barbosa impetrara uma ordem de habeas-corpus (nº 412) a favor do Almirante Wandenkolk e outros. Fê-lo apesar de haver recebido, conforme revelou mais tarde, ‘os avisos salutares da prudência, cuja sabedoria ousei transgredir’. O Procurador Geral da República solicitara a uma pessoa de sua maior intimidade que lhe transmitisse estas palavras: ‘Diga ao Sr. Rui Barbosa que se contente com os triunfos já obtidos (ele qualificava assim benevolamente o fruto da minha luta nos tribunais); não vá adiante; não persista em suscitar o habeas-corpus a favor dos oficiais presos; porque isso não lhe será perdoado pela ditadura militar iminente. A minha posição junto ao governo habilita-me a saber que ela está feita e o país perdido’. ‘A notícia’, prossegue Rui, ‘não podia ser mais fidedigna, a confidência mais generosa, o conselho mais solene. ERA TEMPO DE RECUAR, SE EU SOUBESSE RECUAR NO CAMINHO DO DEVER."(grifo nosso).
  45. Cf. Ob. citada, pp. 18 e s.
  46. Idem.
  47. Cf. Ob. citada, pp. 19 e ss.
  48. Idem.
  49. Apud Edgar Costa, ob. cit., pp. 26 e ss.
  50. Apud Edgar Costa, ob. citada, pp. 33 e s.
  51. Cf. Lêda Boechat Rodrigues, ob. citada, pp. 99 e ss.; Cf. Edgar Costa, ob. citada, pp. 36 e ss.
  52. Idem.
  53. Apud Edgar Costa, ob. cit., pp. 41 e ss.
  54. Apud Edgar Costa, ob. cit., pp. 51 e ss.
  55. Apud Edgar Costa, ob. cit., p. 67.
  56. Decreto nº 19.398 - de 11 de novembro de 1930: Institui o Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, e dá outras providências.
  57. HORTA, Raul Machado. Estudos de Direito Constitucional. Belo Horizonte, Del Rey, 1995, p. 58.
  58. CASTRO, Araújo. A Nova Constituição Brasileira. 2ª edição, revista e argumentada. Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 1936, pp. V-VII.
  59. Cf. Ob. citada, pp. 251 e s.
  60. Cf. Edgar Costa, ob. citada, p. 48.
  61. Idem, p. 49.
  62. Idem, pp. 54 e ss.
  63. Ibidem, p. 61.
  64. Cf. Raul Machado Horta, ob. citada, p. 59.
  65. Ver pp. 10 e 11 desta monografia.
  66. Cf. Direito Constitucional, volume I. Rio de Janeiro, Forense, 1977, p.580.
  67. Cf. Gilmar Ferreira Mendes, ob. cit., p. 186.
  68. Cf. Edgar Costa, ob. citada, vol. 2, pp. 91 e ss.
  69. Apud Edgar Costa, ob. cit., p. 92 e ss.


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Autor

  • Luís Carlos Martins Alves Jr.

    Luís Carlos Martins Alves Jr.

    Piauiense de Campo Maior; bacharel em Direito, Universidade Federal do Piauí - UFPI; doutor em Direito Constitucional, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG; professor de Direito Constitucional, Centro Universitário do Distrito Federal - UDF; procurador da Fazenda Nacional; e procurador-geral da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico - ANA. Exerceu as seguintes funções públicas: assessor-técnico da procuradora-geral do Estado de Minas Gerais; advogado-geral da União adjunto; assessor especial da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República; chefe-de-gabinete do ministro de Estado dos Direitos Humanos; secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente; e subchefe-adjunto de Assuntos Parlamentares da Presidência da República. Na iniciativa privada foi advogado-chefe do escritório de Brasília da firma Gaia, Silva, Rolim & Associados – Advocacia e Consultoria Jurídica e consultor jurídico da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB. No plano acadêmico, foi professor de direito constitucional do curso de Administração Pública da Escola de Governo do Estado de Minas Gerais na Fundação João Pinheiro e dos cursos de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG, da Universidade Católica de Brasília - UCB do Instituto de Ensino Superior de Brasília - IESB, do Centro Universitário de Anápolis - UNIEVANGÉLICA e do Centro Universitário de Brasília - CEUB. É autor dos livros "O Supremo Tribunal Federal nas Constituições Brasileiras", "Memória Jurisprudencial - Ministro Evandro Lins", "Direitos Constitucionais Fundamentais", "Direito Constitucional Fazendário", "Constituição, Política & Retórica"; "Tributo, Direito & Retórica"; "Lições de Direito Constitucional - Lição 1 A Constituição da República Federativa do Brasil" e "Lições de Direito Constitucional - Lição 2 os princípios fundamentais e os direitos fundamentais" .

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Informações sobre o texto

Monografia referente à conclusão da disciplina Processo Constitucional, ministrada pelo Professor Doutor José Alfredo de Oliveira Baracho, nos cursos de Pós-Graduação (Mestrado/Doutorado) da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, no primeiro semestre de 1998

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES JR., Luís Carlos Martins. O controle de constitucionalidade nas Constituições de 1891, 1934 e 1946: breve anotação acerca da evolução do processo constitucional brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 27, 23 dez. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/102. Acesso em: 26 abr. 2024.