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Ensino jurídico brasileiro e o direito crítico e reflexivo

Ensino jurídico brasileiro e o direito crítico e reflexivo

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INTRODUÇÃO

O trabalho consiste na análise da trajetória da consolidação do ensino jurídico no Brasil e das conseqüências, para a cultura jurídica, da adoção de um ensino mais preocupado em atender aos interesses políticos de um Estado Imperial, do que, propriamente, em desenvolver a consolidação de uma cultura jurídico-intelectual no Brasil. Analisar-se-á o modelo dogmático de estruturação do direito a partir do corte metodológico do ensino jurídico brasileiro, bem como o modelo de direção e de transformação social, a partir da reformulação das premissas do ensino jurídico implementado no país, à luz de um direito crítico e reflexivo.


1 DOGMATISMO JURÍDICO X VISÃO TRANSFORMADORA DO DIREITO

Verifica-se, na contemporaneidade, uma crise de identidade epistemológica em que se debate a reflexão teórica e analítica sobre as funções do direito. Essa questão vem sendo tratada em torno de duas concepções distintas e excludentes: 1) a que concebe o direito como simples técnica de controle, organização social, certeza, segurança e previsibilidade; 2) e a que o compreende como um instrumento de direção e promoção social, a partir de uma perspectiva histórica e instrumental a fim de propiciar condições de possibilidade à consecução de padrões mínimos de equilíbrio sócio-econômico, com a conseqüente correção de desigualdades sociais. [01]

1. 1 O DIREITO COMO SIMPLES INSTRUMENTO DE CONTROLE SOCIAL

A concepção que visualiza o direito como simples técnica de controle social o compreende a partir de uma concepção estrutural. [02] Trata-se de um sistema normativo formado por uma estrutura hierárquica - construção escalonada do ordenamento jurídico, em que cada norma se fundamenta em outra e a chamada Norma Fundamental, localizada no ápice da pirâmide, é aquela que legitima toda a estrutura normativa. Tal estruturação do direito é denominada de normológica, uma vez que compreende o Direito como um grande esqueleto de normas, comportando qualquer conteúdo fático e axiológico. [03]

Tal sistema normativo, emanado da autoridade legal, disciplina as relações vividas em sociedade por intermédio do uso da força institucionalizada do Estado, que propicia certeza, previsibilidade e segurança aos indivíduos. De acordo com essa concepção, o aplicador do direito deverá utilizar apenas os juízos de constatação ou de realidade, não considerando os juízos de valor e afastando o órgão julgador de um julgamento capaz de analisar a realidade social em seus múltiplos aspectos condicionantes.

E, ao limitar o seu campo de observação e análise aos fatos concretos do caso submetido à apreciação, acaba por reduzir o significado humano, uma vez que não satisfaz as exigências sociais de justiça. Identificando o Direito a um simples sistema normativo, tal concepção valoriza apenas os aspectos técnicos e procedimentais, dentro da lógica de um discurso único, sem ambigüidades internas e a partir de uma racionalidade formal do sistema normativo.

Essa compreensão dogmática do direito atribui à norma jurídica, em sua frieza, distância, impessoalidade e abstratividade, a responsabilidade de conduzir e pautar o convívio dos indivíduos em sociedade, dentro de uma perspectiva individualista e de uma lógica de igualdade essencialmente formal, o que leva a um distanciamento do direito em relação aos vários fatores condicionantes da convivência do homem em sociedade.

Concebe-se, nesse modelo, uma distância descomunal entre o sistema normativo, considerado em sua coerência, unidade, completude, universalidade, generalidade, impessoalidade e abstratividade [04] e a dinâmica da realidade social, que deve ser analisada dentro de um contexto político, econômico, social, cultural, valorativo que, fatalmente, condicionam a sua existência.

Como conseqüência desse modo de compreensão do Direito, visualiza-se uma espécie de conhecimento jurídico meramente informativo, conservador e despolitizado, formulado por intermédio de um sistema normativo fechado, estruturado a partir de uma visão dogmática e de uma aplicação técnico-formal do direito (método de interpretação tradicional lógico dedutivo, de caráter exegético, típico de uma igualdade de cunho formal). Os juízes, nesse contexto, são árbitros das relações sociais, capazes de garantir, tão-só, a certeza, a segurança, a previsibilidade e o controle social.

Esse padrão de compreensão do direito gera realidades antitéticas e inconciliáveis que se materializam nos seguintes questionamentos: como vislumbrar conceitos totalizadores do direito (como, por exemplo, bem comum, isonomia, cidadania) diante de uma realidade tão desigual (abstração do direito x realidade do mundo da vida)? Como conciliar as contradições entre o sistema jurídico-positivo e as contradições reais da sociedade? Como o direito positivo, concebido como um sistema coerente, abstrato, universal e pautado sob a lógica de uma igualdade formal, pode penetrar e se fazer presente na sociedade brasileira marcada por uma realidade de exclusão, antagonismos e contradições sociais?

Em uma realidade tão desigual e complexa como a brasileira não há como conceber um direito totalizador, formal, essencialmente individualista e alheio às implicações políticas, econômicas, sociais e culturais inerentes ao seu real condicionamento. [05] [06] O direito deve, a partir do esvaziamento do paradigma dogmático do direito, assumir a condição de direção e promoção social, deixando de ser mero expectador da realidade, assegurador da ordem e da segurança, para ser um importante instrumento de inclusão, igualdade e transformação social, a partir de um contexto de proximidade do direito à dinâmica da realidade social. [07] [08]

1.2 O DIREITO COMO INSTRUMENTO DE DIREÇÃO E PROMOÇÃO SOCIAL

Em sentido oposto à acepção do direito que o compreende como simples instrumento de pacificação, defende-se a concepção que o visualiza como um instrumento de direção e promoção social. Nesse contexto, tem-se a superação de uma visão estrutural, normativista e hierarquizada do direito [09] e adota-se uma visão mais dinâmica, compatível com um sistema jurídico aberto e com uma sociedade tensa, contraditória, conflitiva e caracterizada por um elevado grau de complexidade.

Assim, a lei, ponto fulcral de referência do modelo normativista, passa a não mais albergar toda a completude do direito. [10] Ela é importante, sem dúvida, mas dentro de um contexto mais amplo que a coloca como um dos aspectos de uma realidade mais abrangente, complexa e significativa. Essa compreensão aproxima o direito à realidade social, econômica, política, cultural e valorativa, promovendo uma justiça substantiva realizadora de uma igualdade material.

Com essas premissas, percebe-se uma ruptura com o paradigma anterior. Verifica-se uma visão não dogmática de compreensão do direito, o que pressupõe um conhecimento jurídico crítico, reflexivo, politizado, problematizante e multidisciplinar, a partir de uma interação e constante atualização do direito à dinâmica da realidade social e seus múltiplos aspectos condicionantes. Nesse sentido, "as normas jurídicas só podem ser aplicadas de modo legítimo e eficaz quando conectadas hermeneuticamente com a realidade social e econômica, integrando-a como parte necessária do sistema legal. " [11]

Segundo José Eduardo Faria, um dos aspectos problamatizantes dessa concepção não dogmática acerca do direito, refere-se ao "papel potencialmente criador e ao grau de discricionariedade da argumentação e da decisão jurídica." Essa compreensão, ao considerar, além dos códigos e das leis, a multiplicidade de fatores condicionantes da vida em sociedade no momento de aplicação do direito, efetua uma "ampla reformulação dos métodos hermenêuticos forjados pelo positivismo normativista."

Isso provoca uma ruptura na estruturação ôntica do ordenamento jurídico, que passa a ser concebido não como uma hermética estrutura hierarquizada, mas como um processo normativo aberto, capaz de adequar a norma ao contexto sócio-econômico, através de uma interpretação sensível aos preceitos de uma justiça social e substantiva. "O ordenamento jurídico aparece, assim, não como uma estrutura logicamente coerente e harmoniosa, mas como um construído histórico refletindo os múltiplos valores e interesses dos diferentes setores, grupos e classes sociais em confronto." [12]

Nesse cenário de transformações paradigmáticas, a norma deixa de ser analisada sob o enfoque essencialmente formalista, [13] como simples instrumento de manutenção da paz, da certeza, da ordem, da liberdade e da propriedade, e passa a ser concebida como um efetivo e importante instrumento de promoção, inclusão e transformação social, capaz de amenizar a distância existente entre a igualdade jurídico-formal e a desigualdade sócio-econômica, num contexto de uma sociedade essencialmente conflitiva e estigmatizada por elevados índices de criminalidade, marginalidade e exclusão social.

De acordo com José Eduardo Faria, alguns textos legais mais recentes, como o Código de Defesa do Consumidor, a Legislação Ambiental, a Lei de Execuções Penais, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei de Ação Civil Pública, não possuem mais o papel essencialmente individualista do Estado Liberal burguês, que exigia aos aplicadores do direito "pautas hermenêuticas bastante restritas para a captação do sentido do conteúdo das normas, por meio de interpretações lógico-sistemáticas baseadas no princípio da legalidade." De acordo com o autor, no atual Estado-Providência, com seus diferentes e complexos papéis assumidos, muitas de suas leis "caracterizam-se por suas funções promocionais – o que exige de seus aplicadores, nos tribunais, um amplo esforço de compreensão valorativa de suas regras, mediante procedimentos mais abertos e flexíveis do que os previstos pela hermenêutica comum ao Estado Liberal." Nesse contexto, aplicar judicialmente essas leis significa "promover a realização política de determinados valores, moldando e afetando a realidade sócio-econômica a partir de um projeto específico expresso pelas normas em vigor." [14] [15]

Note-se que o papel potencialmente criador e de elevado grau de discricionariedade na argumentação e na decisão jurídica não permitem ao juiz proferir decisões permeadas de sentimento subjetivista. O direito não pode legitimar decisões arbitrárias, essencialmente subjetivistas ou contrárias ao ordenamento jurídico.

Segundo Campilongo, "o saber pragmático exigido pela nova racionalidade jurídica pressupõe o conhecimento das situações concretas, para, daí sim, extrair o máximo da regra." [16] Não se pretende abandonar a dogmática jurídica, desprezar a importância das regras e do princípio da legalidade; mas o excessivo dogmatismo, legalismo e formalismo positivista empregados à aplicação do direito, que o petrificam, tornando-o incompatível e desconexo à dinâmica da realidade social. Dessa forma, a norma continua sendo um importante ponto de referência à vida humana em sociedade; mas não mais em um contexto solitário, mas em conjugação aos múltiplos fatos e fatores condicionantes da vida em sociedade. O Poder Judiciário assume, assim, um papel fundamental no resgate da norma jurídica como critério objetivo para uma prática redistributiva de direitos fundamentais e de justiça substantiva e social.

Ressalta-se que se trata de um modelo ideal de compreensão do direito; não o modelo efetivamente exercido e seguido pelos magistrados, como regra, no plano empírico. Mas, conforme análise realizada por José Eduardo Faria, algumas mudanças no funcionamento da justiça, cujo alcance ainda precisa ser melhor analisado e compreendido, já vêm sendo verificadas, na prática, por alguns magistrados, especialmente os de primeira instância. Cita-se: 1) o enfoque processualístico adotado nos tribunais, com base em critérios de racionalidade formal, vem sendo mesclado por abordagens fundadas em critérios de racionalidade material; 2) a abstração normativa, tão valorizada pelos métodos exegéticos, começa a dar lugar à tópica, à teoria da argumentação, à teoria da concreção e a uma hermenêutica crítica [17]; 3) o formalismo tem sido temperado por algumas atitudes pragmáticas, que permite a certos juízes posicionar-se diante das normas promulgadas, porém não regulamentadas; 4) a interpretação técnica vem sendo substituída por uma interpretação emancipada; 5) os juízes passam a agir não apenas retrospectivamente, mas também prospectivamente; entre outras citadas pelo autor. [18]

Para compreender uma das raízes da consolidação e da realização de um modelo dogmático de estruturação do direito, em detrimento de um direito com viés transformador, analisar-se-á a evolução do ensino jurídico no Brasil e as conseqüências, para o país, da consolidação de um ensino mais preocupado em atender a interesses políticos, do que, propriamente, em desenvolver a consolidação de uma cultura jurídico-intelectual no Brasil.

1.3 ENSINO JURÍDICO NO BRASIL E O DIREITO CRÍTICO E REFLEXIVO

A consolidação do ensino jurídico no Brasil, em meados do século XIX, se deu em um contexto histórico de independência do Brasil em relação ao domínio colonial Português. Vivia-se em pleno processo de independência, criação e consolidação do Estado Nacional brasileiro. Vivia-se, como conseqüência, o processo de rompimento do Brasil com as forças físicas e influências acadêmicas de pressão metropolitana sobre os estudos brasileiros.

Nesse contexto, o Estado Imperial [19] brasileiro e suas elites pretendiam construir cursos de Direito que atendessem aos interesses de um Estado ainda em processo de consolidação de suas bases institucionais e estruturais. Pretendiam, por intermédio de cursos de graduação em Direito, formar estadistas para preencher os quadros funcionais necessários à organização e implementação do Estado recém egresso do regime colonial. Pretendiam, ainda, constituir uma elite política coesa, disciplinada e devota às razões do Estado Monarquista, que fosse capaz de evitar qualquer espécie de questionamento e/ou crítica às bases do Estado Imperial brasileiro. Pretendiam, pois, evitar qualquer forma de manifestação republicana que colocasse em risco o status quo de dominação do povo pela elite imperial. [20] [21] [22]

Tal contextualização histórica, aliada aos objetivos da implementação de cursos jurídicos no Brasil, propiciou a criação de cursos de graduação em Direito preocupados em atender às razões e aos interesses do Estado Imperial Independente e não às expectativas e aos anseios da sociedade brasileira.

Esse desvirtuamento das finalidades institucionais da criação de cursos jurídicos no Brasil gerou nefastas conseqüências à formação acadêmica do bacharel em Direito e à formatação da grade curricular dos cursos jurídicos, que, ainda hoje, sofrem os males dessa inconseqüente articulação política.

As nocivas conseqüências desse arranjo político ao atual ensino jurídico brasileiro são as seguintes: a cristalização de um ensino codificado, dogmático e formalizado, ao invés de se ensinar o aluno a formular raciocínios de forma crítica, reflexiva e problematizante – limitação da capacidade de percepção e de transformação das coisas do mundo; o impedimento do florescimento de técnicas e métodos de ensino e aprendizagem; a ausência de preocupação metodológica; o autodidatismo; a ausência de uma disciplina que tivesse como objeto de estudo técnicas de interpretação ou hermenêutica jurídica; a visualização do direito como um sistema estático, ao invés de concebê-lo como um processo de normatização de necessidades em constante mudança social, política e econômica; o distanciamento entre os ensinamentos transmitidos nas salas de aula e a realidade da vida brasileira contraditória e conflitiva por excelência; o isolamento da ciência do direito em relação a outras disciplinas das ciências humanas; a rotineira confusão entre prática profissional e pesquisa acadêmica, entre outras.

Essas conseqüências são verificáveis ainda nos dias atuais na formação dos bacharéis em Direito, que são conduzidos a um conhecimento conservador, formalista, dogmático, alienante, despolitizado e alheio à realidade social, [23] o que reflete na própria formação dos profissionais do direito e, em especial, dos magistrados, [24] que são conduzidos a uma adesão acrítica da ordem vigente; à uma visão de mundo desconexa às intensas transformações vivenciadas pelo direito na sociedade brasileira e à ausência de percepção quanto à importância social de seu papel na materialização dos ideais de justiça social e distributiva.

Em razão dessa somatória de fatores, à aplicação do direito ao caso concreto, utilizam-se os profissionais do direito e, em especial, os juízes (em considerável número de casos), como reflexo de sua formação acadêmica, de uma cultura técnico-profissional defasada, vivida e incorporada nas faculdades de direito e que é incapaz de compreender a dinâmica e a dimensão dos (novos) conflitos sociais – utilização do direito não como instrumento de transformação da realidade social, mas como instrumento de controle e pacificação social.

Em face desse cenário e visando à superação de uma visão fechada e dogmática [25] de compreensão do fenômeno jurídico, José Eduardo Faria sugere uma reformulação do ensino jurídico brasileiro, com a superação da cultura técnico-profissionalizante sustentada em rígidos limites formalistas de uma estrutura curricular excessivamente dogmática e a conseqüente introdução de um conhecimento crítico, reflexivo, multidisciplinar e sensível à função social do direito e à dinâmica da realidade social, [26] o que influenciaria, inexoravelmente, a cultura jurídica brasileira; a forma de compreender e perceber o direito em sua pluralidade de manifestações e complexidade; a sociedade; as diferenças; as igualdades; os conflitos; os abismos sociais e os demais aspectos relacionados à vivência do homem em sociedade.

A alteração dessa estrutura metodológica formal, fechada, definitiva, acrítica, distante da realidade, perpassa, necessariamente, pela reflexão sobre o Direito a partir de uma crítica epistemológica do paradigma positivista-normativista, que ainda hoje domina a cultura jurídica brasileira. Essa reformulação paradigmática que se pretende estabelecer introduz uma ordem normativa mais flexível e reflexiva, capaz de conciliar procedimentos formais com as exigências de racionalidade material, em termos de justiça substantiva. [27] [28]

À luz dessas transformações paradigmáticas no ensino jurídico brasileiro, os juristas, entre eles os juízes, passam a receber uma formação capaz de compreender o papel e a importância da função social do direito, de seu caráter inclusivo e transformador do status quo. Nesse contexto, o Poder Judiciário torna-se mais apto (ou ao menos passa a ter maiores condições) a igualar, a promover, a incluir, a transformar a realidade social à luz das diretrizes constitucionalmente traçadas.


CONCLUSÃO

A contextualização histórica, aliada aos objetivos da implementação de cursos jurídicos no Brasil, propiciou a consolidação de um ensino jurídico mais preocupado em atender às razões e aos interesses do Estado Imperial Independente do que às expectativas e anseios da sociedade brasileira. Esse desvirtuamento das finalidades institucionais da criação de cursos jurídicos no Brasil gerou nefastas conseqüências à formação de uma cultura jurídica brasileira que se desenvolveu em premissas dogmáticas, acríticas, não reflexivas e despolitizadas.

A compreensão do direito, não como simples instrumento de pacificação social, mas como instrumento de direção e de transformação social, perpassa, necessariamente, por uma reformulação metodológica do ensino jurídico brasileiro e por uma reflexão sobre o Direito a partir de uma crítica epistemológica do paradigma positivista-normativista, que ainda hoje domina a cultura jurídica brasileira. Essa reformulação paradigmática que se pretende estabelecer introduz uma ordem normativa mais flexível e reflexiva, capaz de contemplar um direito crítico, reflexivo, inclusivo e transformador do status quo, e não como simples instrumento ideológico e de legitimidade da ordem jurídica posta.


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Notas

01 FARIA, José Eduardo. O Judiciário e o desenvolvimento econômico. In: Direitos humanos, direitos sociais e justiça. José Eduardo Faria (org.), São Paulo: Malheiros, 2002, p. 20.

02 Trata-se da moderna cultura jurídica engendrada por longo processo interativo de fatores: "o modo de produção capitalista, a organização social burguesa, a projeção doutrinária liberal-individualista e a consolidação política da centralização estatal." Tal modelo favorece a emergência de uma estrutura centralizada de poder, constrói uma concepção monista de regulação estatal e uma racionalização normativa técnico-formalista, que tem no Estado "a fonte legitimadora por excelência. Constrói-se, nesse sentido, a teoria e a prática jurídicas assentadas sobre uma concepção individualista, patrimonial e científica, em que o Direito expressa o que está na lei escrita e o Estado, a fonte direta e exclusiva de todas as normas sociais válidas." WOLKMER, Antônio Carlos; LEITE, José Rubens Morato Leite (org.). Os "Novos" Direitos no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2003, pp. 1-2.

03 Hans Kelsen exerceu grande influência, nesse contexto, com a sua "A Teoria Pura do Direito". Com tal teoria, Kelsen elaborou um modelo de ciência jurídica formalista de análise da estrutura formal do direito positivo. Para tanto, promoveu um corte metodológico que libertou a ciência jurídica de todos os elementos que são estranhos ao Direito Positivo. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

04 Esses são os marcos teóricos do direito liberal-burguês: um direito previsível, centralizado na autoridade estatal, na segurança e na certeza jurídica. Trata-se de uma estrutura técnico-formal integrada por um complexo de normas de cunho geral, impessoal, coercível e abstrato que proporciona um significado ideológico capaz de ocultar as reais desigualdades verificadas no plano fático. Institui-se uma igualdade formal (igualdade perante a lei) para camuflar as intensas desigualdades (sociais, econômicas, culturais, educacionais) evidenciadas pela vivência concreta dos homens em sociedade. Equipara-se em um mesmo patamar os iguais e o desiguais; os ricos e os pobres; os intelectuais e os analfabetos; os oprimidos e os opressores, como se todos pudessem ou devessem ser tratados como iguais.

05 FARIA, O Judiciário e o desenvolvimento econômico, op. cit., p. 22.

06 "Até que ponto todos os homens situados numa formação social como a atual, em que a miséria e a extrema pobreza atingem 64% da população brasileira, podem ser tomados como cidadãos efetivamente iguais entre si em seus direitos, seus deveres e em suas capacidades tanto subjetivas quanto objetivas de fazê-los prevalecer?" FARIA, José Eduardo (org.). Direitos humanos, direitos sociais e justiça. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 23.

07 De acordo com Campilongo, "metáforas como a que vincula o Judiciário ao passado (manter a ordem), o Executivo ao presente (administrar a conjuntura) e o Legislativo ao futuro (programar as expectativas) tornam-se inadequadas. O direito ganha uma nova dimensão temporal. Sua interpretação e aplicação não podem ficar alheias a essa realidade." CAMPILONGO, Celso Fernandes. Os desafios do Judiciário: um enquadramento teórico. In: Direitos humanos, direitos sociais e justiça. José Eduardo Faria (org.), São Paulo: Malheiros, 2002, p. 44.

08 Segundo Antônio Carlos Wolkmer, a cultura liberal-burguesa e a expansão material do capitalismo criaram uma específica racionalização do mundo, denominada de "racionalidade instrumental positiva", que se desdobra em dois paradigmas tradicionais: o racionalismo metafísico-natural (o jusnaturalismo) e o racionalismo lógico-instrumental (o positivismo jurídico). Sustenta o autor que essa forma de saber jurídico vigente, caracterizada pelo idealismo individual, pelo racionalismo liberal e pelo formalismo positivista, reprime, aliena e coisifica o homem. Dessa forma, o esgotamento e a crise de tais paradigmas tradicionais promovem a revisão e a mudança dos pressupostos metodológicos destes, a busca por discursos crítico-desmitificadores e, por conseguinte, a construção de um novo conceito de racionalidade que seja crítico, interdisciplinar e emancipatório. Assim, sugere a proposta de um novo conceito de racionalidade a partir de uma teoria crítica que rompa com o que está disciplinado, ordenado e oficialmente consagrado no conhecimento, no discurso e no comportamento, a partir de uma concepção de mundo racionalizada, antidogmática, participativa, não repressiva, emancipadora, transformadora e legitimadora dos múltiplos interesses reprimidos. A teoria crítica do direito atribui a este um sentido sóciopolítico, permitindo o questionamento da realidade vigente, por intermédio de uma aplicação do direito que seja sensível aos múltiplos aspectos concebidos em determinada realidade subjacente, para, assim, promover transformações compatíveis aos interesses e anseios vivenciados no novo contexto sócio-político-econômico-histórico. WOLKMER, Antônio Carlos. Introdução ao Pensamento Jurídico Crítico. São Paulo: Editora Acadêmica, 1995, pp. 1-31.

09 As insuficiências do paradigma de ciência jurídica tradicional abrem o horizonte para as mudanças e construção de novos paradigmas, direcionados a uma perspectiva pluralista, flexível e interdisciplinar. WOLKMER, Introdução ao Pensamento Jurídico Crítico, op. cit., pp. 1-3.

10 Segundo Campilongo, "o novo modelo de sistema organiza-se em forma de rede ou de circulabilidade, e não mais em termos escalonados ou piramidais." Trata-se de um sistema que reconhece a importância do caso particular, da justiça do caso concreto. CAMPILONGO, Os desafios do Judiciário: um enquadramento teórico, op. cit., p. 39.

11 FARIA, O Judiciário e o desenvolvimento econômico, op. cit., p. 24.

12 FARIA, O Judiciário e o desenvolvimento econômico, op. cit., p. 24.

13 A progressiva deteriorização das bases do formalismo interpretativo tem como uma das principais causas o desmoronamento da neutralidade judicial, que conduz o Judiciário a uma interpretação anti-dogmática e sensível aos fatores condicionantes da realidade social.

14 FARIA, José Eduardo. As transformações do Judiciário em face de suas responsabilidades sociais. In: Direitos humanos, direitos sociais e justiça. José Eduardo Faria (org.), São Paulo: Malheiros, 2002, p. 62.

15 Referidas normas jurídicas, segundo José Eduardo Faria, destacam-se por duas características inéditas: por imporem tratamentos diferenciados em favor de determinados segmentos sociais, "o que corrói e subverte o tradicional princípio do ‘universalismo jurídico’ inerente aos sistemas normativos de inspiração liberal"; por exigirem "iniciativas inéditas por parte do Executivo, em termos de formulação, implementação e execução de políticas públicas." FARIA, José Eduardo. As transformações do Judiciário em face de suas responsabilidades sociais. In: Direitos humanos, direitos sociais e justiça. José Eduardo Faria (org.), São Paulo: Malheiros, 2002, p. 63.

16 CAMPILONGO, Os desafios do Judiciário: um enquadramento teórico, op. cit., pp. 35-40.

17 Peter Häberle propõe um novo modelo hermenêutico de atuação do Poder Judiciário em suas decisões judiciais. Trata-se de uma teoria hermenêutica constitucional adequada à sociedade pluralista ou à chamada sociedade aberta. Segundo Peter Häberle, a teoria da interpretação constitucional, concebida em moldes tradicionais, vincula-se a um modelo de interpretação de uma sociedade fechada. Tal teoria caracteriza-se pelo seu restrito âmbito de investigação, na medida em que se concentra, primariamente, na interpretação constitucional dos juízes (órgão estatal) e dos participantes formais e diretos do processo constitucional e nos procedimentos formalizados, em total desprezo aos participantes materiais do processo social. Para o autor, a Constituição deve ser interpretada por uma pluralidade de atores sociais, em virtude do papel fundamental que ela exerce para a sociedade e para o Estado. Assim, segundo a sua teoria, todo aquele que vive a Constituição é seu legítimo intérprete. Como não são apenas os intérpretes formais da Constituição aqueles que vivenciam a norma, não detêm eles o monopólio da interpretação constitucional. Dessa forma, a interpretação constitucional dos juízes, ainda que de fundamental importância, não é a única. Outros atores sociais como: órgãos estatais, cidadãos, sistema público, grupos de interesse, opinião pública, organizações religiosas, partidos políticos, devem participar, igualmente, do processo de interpretação constitucional. Mas, ressalte-se, "subsiste sempre a responsabilidade da jurisdição constitucional, que fornece, em geral, a última palavra sobre interpretação." Esses atores representam, pois, verdadeiras forças produtivas ativas de interpretação constitucional, que atuam, pelo menos, como pré-intérpretes do complexo normativo constitucional, através da integração da realidade no processo de interpretação. A interpretação é um processo aberto: não se trata de um processo de passiva subsunção, nem se confunde com a recepção de uma ordem; ela conhece possibilidades e alternativas diversas. A nova orientação hermenêutica contraria, pois, a ideologia da subsunção. Nesse sentido, a norma constitucional não está, pois, pronta e acabada após o percurso de seus trâmites procedimentais de elaboração. Há fatores que a renovam dia-a-dia; que a fazem ser constantemente criada e recriada. Tal desenvolvimento funcional de renovação da norma se dá a partir de um processo interativo de atores sociais (pluralidade de participantes) que a interpretam, a reelaboram a partir de seus anseios, de seus valores e de suas necessidades vivenciadas em um dado contexto espaço-temporal. Peter Häberle enfatiza que os juízes constitucionais devem ser sensíveis a essa necessidade de comunicação efetiva entre os participantes desse processo interpretativo da norma constitucional – hermenêutica constitucional como um direito de participação democrática de uma sociedade aberta e livre (sociedade aberta e livre a todos aqueles que estão potencialmente aptos a oferecer alternativas para a interpretação constitucional). HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional – A Sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e "procedimental" da Constituição. Tradução: Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 2002.

18 FARIA, José Eduardo. O Judiciário e os Direitos Humanos e Sociais: Notas para uma avaliação da Justiça Brasileira. In: Direitos humanos, direitos sociais e justiça. José Eduardo Faria (org.), São Paulo: Malheiros, 2002, pp. 102-104.

19 Segundo Sérgio Buarque de Hollanda, "em todo continente americano, com exceção do breve e sanguinário parêntesis mexicano, o Brasil foi o único país onde, realizada a independência política, se estabeleceu o regime monárquico, que vigorou de 1822 a 1889." BUARQUE DE HOLLANDA. Sérgio. A contribuição italiana para a formação do Brasil. Florianópolis: NUT/ NEIITA/ UFSC, 2002, p. 53.

20 Sobre o assunto: BASTOS, Aurélio Wander. O Estado e a formação dos currículos jurídicos do Brasil. In: Os cursos jurídicos e as elites brasileiras. Brasília, Câmara dos Deputados, 1978; STEINER, Henry. Tradições e tensões na educação jurídica brasileira: um estudo sobre a mudança sócio-econômica e legal." In: Cadernos da PUC, Rio de Janeiro, n. 03, 1974 e ADORNO, Sérgio. Os aprendizes do poder: o bacharelismo liberal na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

21 Wolkmer faz uma análise da trajetória da historicidade nacional apontando os seus mitos, falácias, contradições e natureza ideológica das instituições jurídicas. Constata uma tradição legal "profundamente comprometida com uma formação social elitista, agrário-mercantil, antidemocrática e formalista." WOLKMER, Antônio Carlos. História do Direito no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 3. ed., 2005, p. 7.

22 Wolkmer examina, comparativamente, a especificidade da mesma matriz jurídica em contexto histórico diverso: "de um lado, a estável e criadora formação histórica da legalidade em espaços institucionais favorecidos por um padrão de desenvolvimento econômico independente e pela difusão da doutrina política do liberalismo, como é o caso da experiência autônoma das metrópoles colonizadoras européias; de outro, a consolidação de uma legalidade imposta, sem autonomia própria, inerente à historicidade da periferia colonizada, orientada para a produção econômica de dependência, convivendo com a territorialidade do absolutismo político e moldando-se à singularidade local de práticas institucionais burocrático-patrimonialistas." Segundo o autor, a "transposição e a adequação do direito escrito europeu para a estrutura colonial brasileira acabou obstruindo o reconhecimento e a incorporação de práticas legais nativas consuetudinárias, resultando na imposição de um certo tipo de cultura jurídica que reproduziria a estranha e contraditória convivência de procedimentos burocrático-patrimonialistas com a retórica do formalismo liberal e individualista. A dinâmica dessa junção eclodiu nos horizontes ideológicos de uma tradição legal marcada pelo que se irá designar como perfil liberal-conservador." WOLKMER, História do Direito no Brasil, op. cit., pp. 7-34.

23 Sobre o assunto, ver: Faria, José Eduardo. Saldo Trágico. In: O Estado de São Paulo, 02/maio, 1997.

24 Dentre outros fatores, Grau tem medo dos juízes porque "eles são escolhidos segundo critérios que procuram apurar a sua habilitação e qualificação não para o exercício da prudência, porém para o exercício de uma técnica, o que decorre da circunstância de o direito ser visualizado exclusivamente como direito posto, e não como uma praxis social – perversão que seria superada ainda pelo conhecimento da força normativa dos princípios." GRAU, Eros Roberto. Quem tem medo dos juízes (na democracia). In: Justiça e Democracia – Revista semestral de informações e debates, n. 01, 1996, p. 109.

25 Uma das influências da Igreja Católica para a constituição do direito ocidental moderno refere-se ao discurso jurídico-dogmático. O Direto Canônico (baseado em cânones, regras jurídico-sagradas ou desígnios de Deus transformados em mandamentos a serem seguidos sem questionamento pelos homens) utilizou a institucionalização da dogmática como elemento de construção, manutenção e manipulação da verdade, do controle, da dominação e da submissão - instrumento de disciplina, alienação e sujeição teórica e social - a partir de uma política autoritária imposta pela Igreja Católica durante o desenrolar da Idade Média. A Igreja, concebida como censora da realidade e como instituição de repressão e de formação (mesmo que artificial) das condutas na sociedade, não admitindo questionamentos aos seus dogmas (mito da verdade e supressão de possíveis realidades distintas a sua), mobilizou toda uma tecnologia repressiva para controlar os possíveis revoltosos. Trata-se do discurso jurídico canônico materializado na Santa Inquisição. Tal imposição dogmática irradia a sua influência até os dias atuais, através do conhecimento e do discurso jurídico-dogmático (construção dogmática do saber) visualizado através de uma violência simbólica – violência da normatização da verdade e das práticas jurídicas que a estruturam para dominar as instâncias sociais. SANTOS, Rogério Dultra dos. A Institucionalização da dogmática jurídico-canônica medieval. In: Fundamentos de História do Direito. Antônio Carlos Wolkmer (org.), Belo Horizonte: Del Rey, 2004, pp. 217-237.

26 FARIA, José Eduardo. O Judiciário e o desenvolvimento econômico. In: Direitos humanos, direitos sociais e justiça. José Eduardo Faria (org.), São Paulo: Malheiros, 2002, p. 26.

27 Nesse sentido, Faria defende que não se pode combater "o idealismo inerente a esse paradigma com o romantismo ingênuo inerente às propostas de substituição total e imediata das grades curriculares vigentes." Segundo ele, "em vez de combater as disciplinas estritamente técnicas, é necessário antes estudá-las" para criticá-las de modo conseqüente. Sugere a valorização do papel formativo das disciplinas de natureza teórica, como a Teoria, a Filosofia e a Sociologia do Direito. FARIA, José Eduardo. Ensino jurídico: o alcance de uma reforma. In: Jornal do Advogado. Agosto, 1988.

28 Marcos Nobre sugere uma ampliação do conceito de dogmática e de seu campo de aplicação "de modo que os pontos de vista da sociologia, da história, da antropologia, da filosofia ou da ciência política não sejam exteriores, tampouco auxiliares, mas se incorporem à investigação dogmática como momentos constitutivos." NOBRE, Marcos. Apontamentos sobre a pesquisa em Direito no Brasil. In: Novos Estudos: São Paulo, Cebrap, n. 66, 2003.


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VERBICARO, Loiane Prado. Ensino jurídico brasileiro e o direito crítico e reflexivo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1501, 11 ago. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10281. Acesso em: 27 abr. 2024.