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Responsabilidade civil na atividade médica contratual

Responsabilidade civil na atividade médica contratual

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A responsabilidade civil na atividade médica contratual é um tema recorrente nos tribunais brasileiros, envolvendo obrigações de resultado e erros médicos.

Resumo: O instituto jurídico da responsabilidade civil se encontra entre os maiores geradores de demandas judiciais e discussões doutrinárias. Entre suas muitas vertentes, a responsabilidade civil na atividade médica contratual é tema cada vez mais recorrente nas lides travadas pelos tribunais pátrios, que envolvem obrigações de resultado, erros médicos e deveres em geral de clínicas, hospitais e operadoras de plano de saúde. A partir da realização de um estudo qualitativo, com foco em pesquisa exploratória e bibliográfica, este trabalho objetiva especificamente apresentar nuances e especificidades da responsabilidade civil decorrente da atividade médica contratual, com esteio no entendimento doutrinário e jurisprudencial brasileiro.

Palavras-chave: Responsabilidade civil. Atividade médica contratual. Obrigações de resultado. Erro médico. Hospitais. Operadoras de plano de saúde.


1. INTRODUÇÃO

A palavra responsabilidade tem sua origem na raiz latina spondeo, pela qual se vinculava o devedor, solenemente, nos contratos verbais do direito romano. Dentre as várias acepções existentes, algumas fundadas na doutrina do livre arbítrio, outras em motivações psicológicas, pode ser destacada a noção de responsabilidade como aspecto da realidade social. Assim, toda atividade que acarreta prejuízo traz em seu bojo, como fato social, o problema da responsabilidade, destinada a restaurar o equilíbrio moral e patrimonial provocado pelo autor do dano.

O instituto da responsabilidade civil é parte integrante do direito obrigacional, pois a principal consequência da prática de um ato ilícito é a obrigação que acarreta, para o seu autor, de reparar o dano. Quem pratica um ato, ou incorre em uma omissão de que resulte dano, deve suportar as consequências do seu procedimento, tratando-se de uma regra elementar de equilíbrio social, na qual se resume, mais uma vez, a questão da responsabilidade.

Um dos campos mais importantes e atuais desta temática reside na aferição da responsabilidade civil referente ao exercício de uma atividade profissional. Nesta seara, pulula especificamente a problemática da responsabilidade civil dos médicos e suas variadas nuances, como as obrigações de resultado, o erro médico, a obrigação de hospitais, clínicas e empresas de plano de saúde, dentre outras, tema cada vez mais recorrente nas lides levadas aos tribunais brasileiros.

É importante ressaltar, de antemão, que o presente estudo tem como cenário a responsabilidade civil médica contratual, ou seja, aquela que envolve uma relação regida por normas contratuais celebradas entre o cliente/paciente e o profissional liberal. Neste tipo, vítima e autor do dano se aproximam anteriormente, vinculando-se para o cumprimento de uma ou mais prestações, sendo a culpa contratual a violação de um dever de adimplir, que constitui justamente o objeto do negócio jurídico. O destaque é pertinente, pois a responsabilidade advinda da prestação pública de serviços médicos é caracterizada como extracontratual ou aquiliana, caindo nos casos gerais de responsabilização objetiva do Estado, de acordo com o artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal, na qual o ente público responde objetivamente, ou seja, independentemente de culpa, tendo direito de regresso contra o profissional quando este agir com culpa ou dolo, âmbito em que prevalece a teoria do risco administrativo.

A tendência de não deixar irressarcida a vítima de atos ilícitos provenientes de atos médicos sobrecarrega os pretórios pátrios de ações de indenizações das mais variadas espécies. Deste modo, o tema é de grande atualidade e de enorme e especial importância para o estudioso e para o profissional do direito, por se dirigir à restauração do status quo ante desfeito e à redistribuição da riqueza em conformidade com os ditames da justiça social, permitindo entender os posicionamentos judiciais dos tribunais brasileiros sobre determinados casos e a jurisprudência consolidada, bem como as normas legais sobre o assunto.

Destarte, livre da pretensão de esgotar o tema, este trabalho tem como objetivo estudar a responsabilidade civil contratual advinda do cometimento de atos ilícitos por parte de médicos, enquanto profissionais liberais, em prejuízo dos clientes/pacientes, sem descartar a responsabilidade civil objetiva dos estabelecimentos médicos.

Os seus objetivos específicos são: analisar o instituto da responsabilidade civil, partindo-se de seus aspectos gerais, como conceito, natureza jurídica, evolução histórica e espécies; averiguar os elementos ensejadores do dever de reparar e suas causas excludentes, permitindo uma visão global do assunto; identificar a responsabilidade civil profissional; e apresentar as nuances e especificidades da responsabilidade civil dos médicos, os modos de verificação e reparação e o entendimento doutrinário e jurisprudencial brasileiro sobre o tema proposto. Para concretização deste trabalho, realizou-se um estudo de natureza qualitativa, por meio da utilização de pesquisa exploratória e bibliográfica. Ao contrário da pesquisa quantitativa, a qualitativa não obriga à formulação de hipóteses, nem exige dados numéricos para enumerar ou mensurar o objeto em análise. Os resultados de estudos dessa natureza podem fundamentar hipóteses de trabalhos futuros. Tais pesquisas partem de questões ou focos de interesse mais amplos, que se definem à medida que o estudo se realiza.

Assim, o primeiro passo da pesquisa exploratória é o exame da literatura. Nesse caso, recorreu-se às seguintes fontes bibliográficas: legislação, doutrina, jurisprudência, princípios e artigos publicados em revistas científicas impressas ou digitais. Com a pesquisa bibliográfica, que abrange a análise da literatura selecionada, pode-se estruturar o presente artigo em sete partes. Além desta introdução, inicialmente aborda-se a noção geral de responsabilidade civil através de breve estudo histórico, conceito, espécies e natureza jurídica. Em seguida, apresenta-se um tópico referente aos elementos da responsabilidade civil (conduta, nexo, dano, dolo ou culpa), análise dedicada à melhor compreensão dos eventos específicos gerados por atos ilícitos advindos de condutas médicas.

A abordagem sobre as causas excludentes do dever de indenizar compõe a quarta parte deste trabalho, servindo como limite para evitar a responsabilização geral e conferir justiça ao instituto, averiguando-se condutas e situações nas quais o profissional médico fica isento da obrigação. A responsabilidade profissional e a sua espécie médica, onde se encontra o cerne deste estudo, consubstanciam a quinta e a sexta parte, respectivamente. Ao final, encontram-se as considerações finais.


2. NOÇÕES GERAIS DE RESPONSABILIDADE CIVIL

Antes de adentrar ao cerne do tema proposto, a responsabilidade civil advinda dos atos médicos, e para melhor compreendê-lo, é necessário entender o que venha a ser o instituto da responsabilidade civil, partindo-se de uma visão geral do assunto para chegar às suas particularidades. Assim, é de bom alvitre investigar o seu conceito, a sua natureza, as suas espécies e o seu passado. Previamente, porém, é preciso ter noções sobre o conceito jurídico de responsabilidade.

Dias (1997, p. 1) observa que “toda manifestação da atividade humana traz em si o problema da responsabilidade”. De fato, toda atuação do homem invade ou, ao menos, tangencia, o campo deste instituto. Originada do vocábulo latim spondeo, responsabilidade significa que alguém deve assumir as consequências jurídicas de suas ações. A acepção que se faz está ligada ao surgimento de uma obrigação derivada, de um dever jurídico sucessivo, em função da ocorrência de um fato jurídico lato sensu. O respaldo de tal obrigação está no princípio fundamental da proibição de ofender. Gonçalves (2010) distingue a responsabilidade jurídica da responsabilidade moral. Segundo o autor, a responsabilidade pode resultar da violação tanto de normas morais como jurídicas, separada ou concomitantemente, dependendo do fato que configura a infração, que pode ser proibido pela lei moral ou pelo direito. A responsabilidade jurídica só existe quando há prejuízo e quando a norma jurídica é violada, sendo o autor do dano obrigado a repará-lo. A responsabilidade moral, por sua vez, reside no campo da consciência individual, não havendo sujeição jurídica do autor do dano a qualquer obrigação.

Outra distinção importante a ser feita ocorre entre obrigação e responsabilidade. Aquela é o vínculo jurídico que confere ao credor o direito de exigir do devedor o cumprimento de determinada prestação, sendo uma relação de natureza pessoal, devendo ser adimplida livre e espontaneamente. Quando isto não acontece, surge a responsabilidade, caracterizada como a consequência jurídica patrimonial do descumprimento da obrigação. Inobstante a correlação, uma pode existir sem a outra, como no caso de dívidas prescritas e de jogo, onde há obrigação sem responsabilidade, pois o devedor não pode ser compelido a cumpri-la, e do fiador, onde há responsabilidade sem obrigação.

Sobre a diferença apontada leciona Cavalieri Filho (2000, p. 20):

Obrigação é sempre um dever jurídico originário; responsabilidade é um dever jurídico sucessivo, consequente à violação do primeiro. Se alguém se compromete a prestar serviços profissionais a outrem, assume uma obrigação, um dever jurídico originário. Se não cumprir a obrigação (deixar de prestar os serviços), violará o dever jurídico originário, surgindo daí a responsabilidade, o dever de compor o prejuízo causado pelo não cumprimento da obrigação. Em síntese, em toda obrigação há um dever jurídico originário, enquanto na responsabilidade há um dever jurídico sucessivo. E, sendo a responsabilidade uma espécie de sombra da obrigação (a imagem é de Larenz), sempre que quisermos saber quem é o responsável, teremos de observar a quem a lei imputou a obrigação ou dever originário.

A partir destas premissas é possível afirmar que a noção jurídica de responsabilidade pressupõe a atividade danosa de alguém que, atuando a priori ilicitamente, viola uma norma jurídica preexistente, legal ou contratual, devendo subordinar-se às consequências de seus atos. Trazendo, portanto, este conceito para o âmbito do Direito Privado, pode-se dizer que a responsabilidade civil deriva da agressão a um interesse eminentemente particular, sujeitando o infrator ao pagamento de uma compensação pecuniária à vítima, caso não possa repor o status quo ante, ou seja, a uma sanção.

Segundo Gonçalves (2010), cabe indagar se esta sanção que o ordenamento jurídico aplica como resposta destina-se a castigar o autor do evento danoso ou ressarcir a vítima do injusto. O autor afirma que durante séculos entendeu-se que não podia haver responsabilidade sem um ato voluntário e culpável ou seja, não podia haver responsabilização sem culpa, porém esse enfoque encontra-se hoje superado, em face das necessidades decorrentes dos novos tempos, que exigem respostas mais eficientes e condizentes com o senso de justiça e com a segurança das pessoas. Assim, em regra, todo dano deve ser indenizado, buscando-se o fundamento da responsabilidade civil também no fato da coisa e no exercício de atividades perigosas. Passou-se da preocupação em julgar a conduta do agente e sua culpa, à preocupação em julgar o dano em si mesmo.

Em relação a esta noção de culpa, ainda de acordo com o autor citado, o Código Civil francês, em que se inspirou o legislador pátrio na elaboração dos artigos 159 e 1518 do diploma civil de 1916, correspondentes, respectivamente, aos artigos 186 e 942 do novo digesto, alude à faute (falta ou erro) como fundamento do dever de reparar o dano. Este termo gerou muita discussão entre os franceses sobre a dificuldade em definir a culpa. O legislador brasileiro, contornando a polêmica, valeu-se da noção de ato ilícito como causa da responsabilização civil: ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência.

Sobre o assunto ensina Dias (1997, p. 375):

Parece-nos sem sentido, em nosso direito, qualquer discussão semelhante à que lavrou ardente na França, sobre se o texto indicado exigia ou não a culpa para o estabelecimento da responsabilidade. E isto se deve a que o nosso legislador, em lugar de usar de palavra vaga, como é, em francês, a expressão faute, foi suficientemente preciso ao subordinar o dever de reparar a ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência. [...] Outra controvérsia evitada pelo Código, já o dissemos, é a que se trava em outros países a respeito da clássica distinção entre delitos e quase delitos, cuja utilidade, tanto como a da gradação da culpa (lata, leve e levíssima), é sumamente discutível. O Código engloba o objeto dessas classificações obsoletas na denominação genérica dos atos ilícitos porque, à lei civil, não interessa de maneira nenhuma essa casuística.

Visto que a responsabilidade civil decorre, em regra, da prática de um ato ilícito, gerando desequilíbrio social, tem-se que a consequência lógico-normativa de qualquer ato desse tipo é uma sanção, podendo esta ser definida como o efeito jurídico produzido pelo descumprimento de um dever. Sendo assim, segundo Gagliano e Pamplona Filho (2008), a natureza jurídica da responsabilidade somente pode ser sancionadora, independentemente de se materializar como pena, indenização ou compensação pecuniária.

Neste sentido, Bittar (1993, p. 16):

Havendo dano, produzido injustamente na esfera alheia, surge a necessidade de reparação, como imposição natural da vida em sociedade e, exatamente, para a sua própria existência e o desenvolvimento normal das potencialidades de cada ente personalizado. É que investidas ilícitas ou antijurídicas no circuito de bens ou de valores alheios perturbam o fluxo tranquilo das relações sociais, exigindo, em contraponto, as reações que o Direito engendra e formula para a restauração do equilíbrio rompido. [...] Na satisfação dos interesses lesados é que, em última análise, reside a linha diretiva da teoria em questão, impulsionada, ab origine, por forte colaboração humanista, tendente a propiciar ao lesado a restauração do patrimônio ou a compensação pelos sofrimentos experimentados, ou ambos, conforme a hipótese, cumprindo-se assim os objetivos próprios.

Na vereda de tais idéias, é possível visualizar que, ao gerar o dano, o ofensor receberá a sanção correspondente consistente na repreensão social, tantas vezes quantas forem suas ações ilícitas, até conscientizar-se da obrigação em respeitar os direitos das pessoas. Por seu turno, a repreensão contida na norma legal tem como pressuposto conduzir pessoas a uma compreensão dos fundamentos que regem o equilíbrio social. Por isso, a lei possui um sentido tríplice: reparar (compensação do dano à vítima), punir e educar (desmotivação social da conduta lesiva). Na primeira função, encontra-se o objetivo básico e finalidade da reparação civil: retornar as coisas ao status quo ante, ou, não sendo possível, estabelecer um quantum indenizatório. Na segunda, observa-se que a prestação imposta ao ofensor gera um efeito punitivo pela ausência de cautela na prática de seus atos, persuadindo-o a não mais lesionar. E essa persuasão não se limita à figura do ofensor, acabando por incidir na terceira função, de cunho socioeducativo, tornando público que condutas semelhantes não serão toleradas.

2.1. Momentos Históricos

Não se pode prescindir, no presente trabalho, de uma análise histórica, embora breve, sobre a responsabilidade civil, de forma a permitir o conhecimento de suas raízes e o seu desenvolvimento ao longo dos tempos. A importância desta abordagem reside em desvendar o berço em que nasceu instituto estudado e a sua estruturação, tendo em vista que as suas características atuais são resultado do somatório das experiências passadas.

Nas primeiras formas organizadas de sociedade, a origem da responsabilidade civil está relacionada à concepção de vingança privada. Desta visão parte o Direito Romano para, regulando-a, intervir na sociedade de modo a permiti-la ou excluí-la quando injustificada. Trata-se da Pena de Talião, da qual se encontram traços na Lei das XII Tábuas. Contudo, mesmo nesta lei, é possível visualizar perspectivas da evolução do instituto, ao conceber a possibilidade de composição entre a vítima e o ofensor, evitando a aplicação do “olho por olho, dente por dente”, fixando-se, em seu lugar, uma importância em dinheiro ou bens. Segundo Lima (1999), este período sucede o da composição tarifada, imposto pela Lei das XII Tábuas, que fixava, em casos concretos, o valor da pena a ser paga pelo ofensor, como uma reação à vingança privada.

Um marco na evolução histórica do instituto se dá com a edição da Lex Aquilia. Este diploma regulava o damnum injuri datum, consistente na destruição ou deterioração da coisa alheia por fato ativo que tivesse atingido coisa corpórea ou incorpórea, sem justificativa legal. Embora sua finalidade original fosse limitada ao proprietário de coisa lesada, a influência da jurisprudência e as extensões concedidas pelo pretor fizeram com que se construísse uma efetiva doutrina romana da responsabilidade extracontratual.

Lima (1999, p. 26-27) sintetiza essa visão da responsabilidade civil no Direito da Antiguidade:

Partimos, como diz Ihering, do período em que o sentimento de paixão predomina no direito; a reação violenta perde de vista a culpabilidade, para alcançar tão-somente a satisfação do dano e infligir um castigo ao autor do ato lesivo. Pena e reparação se confundem; responsabilidade penal e civil não se distinguem. A evolução operou-se, consequentemente, no sentido de se introduzir o elemento subjetivo da culpa e diferençar a responsabilidade civil da penal. E muito embora não tivesse conseguido o direito romano libertar-se inteiramente da ideia da pena, no fixar a responsabilidade aquiliana, a verdade é que a ideia de delito privado, engendrando uma ação penal, viu o domínio da sua aplicação diminuir, à vista da admissão, cada vez mais crescente, de obrigações delituais, criando uma ação mista ou simplesmente reipersecutória.

Esta inserção da culpa como elemento básico da responsabilidade civil aquiliana foi incorporada, ainda, no Código Civil de Napoleão. Porém, tal teoria não foi suficiente para satisfazer todas as necessidades da vida em comum, na imensa gama de casos concretos existentes e, muitas vezes, pela impossibilidade de comprovação do elemento anímico. Assim, começou-se a vislumbrar novas soluções, com a ampliação do conceito de culpa e até mesmo com a responsabilização prescindindo de sua existência.

Gonçalves (2010) observa que, no direito francês, estabeleceu-se um princípio geral da responsabilidade civil, por abandono da enumeração casuística do direito romano. Generalizava-se, portanto, o princípio aquiliano, consignando que a culpa, ainda que levíssima, obriga a indenizar. No direito português, as Ordenações do Reino, que vigoraram no Brasil colonial, confundiam reparação, pena e multa. Somente com o Código Civil de 1966 fez-se a adaptação aos modernos rumos da responsabilidade civil.

Ainda segundo o autor, no Brasil imperial a reparação era condicionada à condenação criminal. Posteriormente, foi adotado o princípio da independência da jurisdição civil e da criminal. O Código Civil de 1916 filiou-se à teoria subjetiva, que exige prova de culpa ou de dolo causador do dano, presumindo a culpa do lesante em pouquíssimos casos. Nos últimos tempos ganhou terreno a teoria do risco, que, sem substituir a teoria da culpa, solucionou diversos casos impossíveis de comprovação do elemento subjetivo, encarando-se a responsabilidade sob o seu aspecto objetivo. Nesta teoria, o exercício de atividade perigosa é fundamento para a responsabilidade civil. Assim é que o Código Civil Brasileiro de 2002 mantém o princípio da responsabilidade com base na culpa, mas estabelece a possibilidade de imputação independentemente desta nos casos especificados em lei ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos das outras pessoas.

2.2. Espécies de Responsabilidade Civil

Para melhor compreensão do instituto abordado, é de bom alvitre conhecer as diversas faces que ele assume, ou seja, as suas peculiaridades dogmáticas, os modos como se apresenta, mediante a análise de suas espécies. Antes, porém, de classificar os tipos de responsabilidade civil, é importante distinguir entre esta e a responsabilidade penal. Discorrendo sobre esta diferenciação, ensina Dias (1997, p. 8):

Para efeito de punição ou da reparação, isto é, para aplicar uma ou outra forma de restauração da ordem social é que se distingue: a sociedade toma à sua conta aquilo que a atinge diretamente, deixando ao particular a ação para restabelecer-se, à custa do ofensor, no statu quo anterior à ofensa. Deixa, não porque se não impressione com ele, mas porque o Estado ainda mantém um regime político que explica a sua não intervenção. Restabelecida a vítima na situação anterior, está desfeito o desequilíbrio experimentado. [...] Assim, certos fatos põem em ação somente o mecanismo recuperatório da responsabilidade civil; outros movimentam tão somente o sistema repressivo ou preventivo da responsabilidade penal; outros, enfim, acarretam, a um tempo, a responsabilidade civil e a penal, pelo fato de apresentarem, em relação a ambos os campos, incidência equivalente, conforme os diferentes critérios sob que entram em função os órgãos encarregados de fazer valer a norma respectiva.

A partir destas premissas é possível afirmar que, no caso da responsabilidade penal, o agente infringe uma norma de direito público, sendo da sociedade o interesse lesado. Na civil, o interesse diretamente lesado é o privado, podendo o prejudicado pleitear ou não a reparação. Ainda, enquanto a penal é pessoal, intransferível, respondendo o agente com a privação de sua liberdade, a civil é patrimonial, respondendo pela reparação os bens do autor do dano.

Passando-se, agora, às espécies da responsabilidade civil, primeira importante diferenciação ocorre entre a responsabilidade contratual e a extracontratual. Aquela é derivada, por óbvio, de um contrato, de uma relação jurídica negocial. Quando não oriunda de um vínculo prévio, a responsabilidade é extracontratual ou aquiliana, obrigando a indenizar todo aquele que causa dano a outrem.

Na responsabilidade aquiliana, o agente infringe um dever legal, não havendo nenhum vínculo jurídico preexistente entre este e a vítima, enquanto que, na contratual, descumpre o avençado, tornando-se inadimplente. Assim, o Código Civil Brasileiro de 2002 distinguiu as duas espécies, disciplinando genericamente a primeira nos artigos 186 a 188 e 927 a 954, e a segunda nos artigos 389 e seguintes e 395 e seguintes.

Além das hipóteses previstas no diploma mencionado sobre a responsabilidade pelas perdas e danos por inadimplemento e pelos prejuízos que eventual mora der causa, a contratual abrange também o inadimplemento ou mora relativos a qualquer obrigação, ainda que proveniente de um negócio unilateral (testamento, mandato, promessa de recompensa) ou da lei (obrigação de prestar alimentos). E a aquiliana compreende, por sua vez, a violação dos deveres gerais de abstenção ou omissão.

Críticas a esta diferenciação existem e sobre elas ensina Gonçalves (2010, p. 45):

Há quem critique essa dualidade de tratamento. São os adeptos da tese unitária ou monista, que entendem pouco importar os aspectos sob os quais se apresente a responsabilidade civil no cenário jurídico, pois uniformes são sés efeitos. De fato, basicamente as soluções são idênticas para os dois aspectos. Tanto em um como em outro caso, o que se requer, em essência, para a configuração da responsabilidade são estas três condições: o dano, o ato ilícito e a causalidade, isto é, o nexo de causa e efeito entre os primeiros elementos. Esta convicção é, hoje, dominante na doutrina. Nos códigos de diversos países, inclusive no Brasil, tem sido, contudo, acolhida a tese dualista ou clássica, embora largamente combatida.

Apesar das objeções, o autor mencionado ressalta que há aspectos privativos de ambos os tipos que exigem regulamentação própria. É o caso típico da exceção de contrato não cumprido, da condição resolutiva tácita, as omissões e os casos de responsabilidade pelo fato de outrem. Dessa maneira, aponta Gonçalves (2010) as diferenciações mais comumente apontadas entre ambas as espécies.

A primeira diz respeito ao ônus da prova. Se a responsabilidade é contratual, o credor somente está obrigado a comprovar que a prestação foi descumprida e o devedor apenas não será condenado se provar a ocorrência de alguma excludente. No entanto, se a responsabilidade é extracontratual, o lesado tem a obrigação de demonstrar que o evento ocorreu por culpa do agente, prova que encontra maior dificuldade de produção que aquela da responsabilidade contratual.

Outro elemento de distinção se relaciona com a capacidade do agente causador do dano. No campo contratual, a convenção exige que as partes sejam plenamente capazes ao tempo de sua celebração, sob pena de nulidade e não produzir efeitos indenizatórios, o que limita a responsabilidade. Já no campo aquiliano, o ato do incapaz pode gerar o dever de reparação de seus responsáveis, como no caso da obrigação derivada de um delito, sendo mais abrangente a possibilidade de responsabilização.

As demais espécies de responsabilidade civil se contrapõem em subjetiva e objetiva. Aquela é decorrente de dano causado em função de ato doloso ou culposo, caracterizado por negligência ou imprudência. Por se caracterizar em fato constitutivo do direito à pretensão reparatória, caberá ao autor, sempre, o ônus da prova de tal culpa do réu. Todavia, há situações em que o ordenamento jurídico atribui a responsabilidade a alguém por dano que não foi diretamente causado por ele, mas sim por um terceiro com quem mantém algum tipo de relação jurídica, caracterizando-se como uma responsabilidade civil indireta, em que o elemento culpa não é desprezado, mas sim presumido, em função do dever de vigilância a que está obrigado o agente.

Entretanto, conforme ensinam Gagliano e Pamplona Filho (2008), há hipóteses em que sequer é necessária a configuração da culpa, sendo esta desprezada, tratando-se, assim, da responsabilidade civil objetiva. Nesta, o dolo ou a culpa são irrelevantes juridicamente, somente sendo preciso a existência do elo de causalidade entre o dano e a conduta do agente para que surja o dever de indenizar, fundado imediatamente no risco da atividade exercida.


3. ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Interessa, ainda, para a exata compreensão do instituto, analisar a forma de configuração da responsabilidade civil, ou seja, a maneira pela qual é constatada ou aferida, visualizando os seus elementos ou pressupostos necessários. Inobstante haja divergência doutrinária quanto à definição de quais são estes elementos, é possível afirmar que há três requisitos invariáveis: a) existência de uma conduta; b) ocorrência de um dano; e c) nexo de causalidade entre conduta e dano.

Por conduta pode-se entender o ato humano, comissivo ou omissivo, lícito ou ilícito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro, capaz de gerar dano a outrem e o consequente dever de satisfazer os direitos do lesado. A comissão vem a ser a prática de um ato que não deve ser efetivado, enquanto a omissão é a não observância de um dever de agir ou a não efetivação de um ato que deve ser praticado. Diz-se que a conduta é voluntária, pois deve ser controlável pela vontade do agente, excluindo da imputação atos cometidos sob coação absoluta, em estado de inconsciência ou por provocação de fatos invencíveis, como força maior e caso fortuito.

Diniz (2012) não traz a culpa como requisito necessário da responsabilidade civil, tendo em vista que esta pode advir tanto de atos ilícitos, oriundos de uma ação culposa contratual ou extracontratual, como de atos lícitos, nos casos em que a lei prevê a responsabilidade fundada na teoria do risco, caso que prescinde da configuração da culpa. Apesar disso, a culpa está presente em determinados casos de responsabilidade, sendo importante a sua abordagem.

A culpa em sentido amplo, como violação de um dever jurídico, imputável a alguém, em decorrência de fato intencional ou de omissão e diligência ou cautela, compreende, segundo Diniz (2012, p. 58), “o dolo, que é a violação intencional do dever jurídico, e a culpa em sentido estrito, caracterizada pela imperícia, imprudência ou negligência”.

O dolo é a vontade consciente de violar o direito, dirigida à consecução do fim ilícito. A negligência é a inobservância de normas que ordenam as pessoas a agir com atenção, capacidade, solicitude e discernimento; a imprudência é a precipitação ou o ato de proceder sem cautela; e a imperícia abrange a falta de habilidade ou inaptidão para praticar certo ato, ou seja, a falha técnica de quem, em tese, possui a habilidade necessária. Segundo Fiuza (2011, p. 788), imperícia é o “médico que aplica a técnica errada. É o motorista que, ao arrancar com o carro em aclive, deixa-o descer. Acrescente-se que só o técnico comete imperícia”.

Tendo em vista a intensidade da culpa, pode ser apreciada em três graus: grave, leve e levíssima. Haverá culpa grave quando o grau exigido de atenção ou de habilidade for mínimo. Será leve sendo médio o grau demandado de atenção ou de habilidade. Se o grau for muito elevado, a culpa será levíssima. Para o Direito Civil, porém, em regra, não importa o grau de culpa, salvo casos específicos como a culpa concorrente e o ilícito contratual, em que a culpa levíssima pode não suscitar reparação.

Fiuza (2011) classifica a culpa, dependendo das circunstâncias em que ocorra, em: in committendo, in omittendo, in vigilando, in custodiendo, in eligendo e in operando. Por culpa in committendo entende-se aquela que decorre de uma ação, atuação positiva. Se a conduta for negativa, oriunda de uma omissão, tem-se a culpa in omittendo. Será in vigilando a culpa advinda de falha no dever de vigiar ou de guarda em relação a pessoas, como a responsabilização dos pais pelos atos dos filhos em seu poder. Se o dever de vigilância ou de proteção referir-se a coisas, configura-se a culpa in custodiendo, como a responsabilidade do detentor do animal pelos danos que este venha a provocar.

A culpa in eligendo é aquela que resulta da má escolha, recaindo sobre quem escolheu a responsabilidade pelos atos danosos da pessoa escolhida, como o caso do empregador que responde pelas condutas do empregado. Já a culpa in operando é a culpa no controle, quando provada a imperícia no manuseio de coisas perigosas, como tratores, trens, aviões, navios, entre outros. Fiuza (2011, p. 789) explica:

Há quem diga haver nessas hipóteses responsabilidade por fato de coisa. Porém, na verdade, o dano não foi provocado pela coisa, e sim pelo homem que não soube manejá-la. Haveria responsabilidade por fato de coisa se ela própria causasse o dano, sem interferência direta do homem. São os casos de animais que atacam pessoas, ou de veículos estacionados que, em virtude de fatores não humanos, deslizam rua abaixo, vindo a causar danos. Normalmente, a incumbência de provar a culpa cabe à vítima do delito. Há hipóteses, entretanto, em que se faz inversão do ônus da prova, havendo culpa presumida. Nessas hipóteses, a vítima não terá que provar a culpa do autor do ilícito. Este é que deverá provar sua inocência. Os casos são raros, mas importantíssimos. Como exemplo, pode-se citar a responsabilidade do dono do animal pelos danos que este provocar. Sua culpa in custodiendo é presumida. Na maior parte das vezes, apenas o autor do delito age com culpa, mas pode dar-se caso em que também a conduta da vítima seja culposa. Teremos, então, culpa recíproca ou concorrente. Se avanço o sinal de pedestres, sendo atropelado por carro, que trafegava em velocidade acima da permitida, haverá culpa recíproca. A conduta de ambos é culpável. Aqui interessa, sem sombra de dúvida, a intensidade ou grau de culpa. Os danos serão distribuídos proporcionalmente ao grau da conduta culpável.

Tendo em vista que a culpa não é elemento essencial para configuração da responsabilidade civil, importa ressaltar que há casos de imputação do dever de indenizar que dela prescindem. Como em certas situações a teoria da culpa não oferece solução satisfatória aos progressos técnicos, a corrente objetivista desvinculou o dever de reparação do dano da ideia de culpa, baseando-o na atividade lícita ou no risco, considerando a dificuldade do lesado em provar a culpa.

Assim, o agente deverá ressarcir os prejuízos causados mesmo isento de culpa, pois este dever é imposto por lei, que determina a autoria de um fato lesivo sem a necessidade de indagar se contrariou ou não norma predeterminada. Esta responsabilidade tem como fundamento a atividade exercida pelo agente, pelo perigo que possa causar a pessoa ou coisa, entendendo-se por atividade perigosa aquela que contém notável potencialidade danosa, em relação ao critério da normalidade média, revelada por meio de estatísticas e elementos técnicos e da experiência comum.

Como segundo pressuposto da responsabilidade civil apresenta-se o dano, definido como a diminuição ou subtração de um bem jurídico, lesão à vontade ou ao interesse do prejudicado. Diniz (2012) ensina que não há responsabilidade civil sem dano, tendo em vista que resulta da obrigação de ressarcir, que, logicamente, não poderá concretizar-se onde nada há que reparar. Deveras, para que haja pagamento de uma indenização pleiteada é necessário comprovar a ocorrência de um dano patrimonial ou moral, fundados não na índole dos direitos subjetivos afetados, mas nos efeitos da lesão jurídica.

Convém lembrar o Enunciado 455 do Conselho da Justiça Federal, aprovado na V Jornada de Direito Civil, elastece o conceito de dano ao afirmar que: “A expressão ‘dano’ no art. 944 abrange não só os danos individuais, materiais ou imateriais, mas também os danos sociais, difusos, coletivos e individuais homogêneos, a serem reclamados pelos legitimados para propor ações coletivas”1. Corroborando o Enunciado transcrito, Diniz (2012) ensina:

Ao lado do dano individual, que constitui lesão a patrimônio (dano patrimonial) ou a direito da personalidade (dano moral) da pessoa, temos, ainda, o dano social (seja ele patrimonial ou moral), que, por atingir o valor social do trabalho, o meio ambiente, a infância, a educação, a habitação, a alimentação, a saúde, a assistência aos necessitados, o lazer etc., alcança toda a sociedade, podendo provocar insegurança, intranquilidade ou redução da qualidade de vida da população. É uma lesão à sociedade no seu nível de vida, tanto por rebaixamento de sua segurança quanto por diminuição de sua qualidade de vida. Constitui, na lição de Antonio Junqueira de Azevedo, causa de: a) indenização punitiva por dolo ou culpa grave do agente, cujo ato reduziu as condições coletivas de segurança, tendo por escopo a restauração do nível social de tranquilidade diminuído por aquela infração culposa ou dolosa; e b) indenização dissuatória, se ato em geral praticado por pessoa jurídica trouxer diminuição do índice de qualidade de vida da população, para que não haja repetição, pelo agente ou por outros, daquele ato.

Bittar (1993), por sua vez, define o dano individual como o prejuízo ressarcível experimentado pelo lesado, traduzindo-se, se patrimonial, pela diminuição patrimonial sofrida por alguém em razão de ação deflagrada pelo agente, podendo atingir elementos de cunho pecuniário e moral. Podem ser apontados alguns requisitos para a caracterização do dano indenizável: a) diminuição ou destruição de um bem jurídico, patrimonial, pertencente a uma pessoa; b) efetividade ou certeza do dano; c) causalidade; d) subsistência do dano; e) legitimidade; e f) ausência de causas excludentes de responsabilidade.

O dano pode ser classificado como positivo ou negativo. Quando a subtração é caracterizada objetivamente, de forma materializada, será o dano positivo. Quando a diminuição ou lesão patrimonial for futura, tem-se o dano negativo, também chamado de lucros cessantes. Fiuza (2011, p. 790) pontua tratar-se de dano negativo a denominada perda de uma chance:

É dano negativo a denominada perda de uma chance. Importada do Direito Francês, a perte d’une chance se configura sempre que alguém for privado da chance ponderável de obter um benefício. Por exemplo, o vôo se atrasa, e o passageiro perde a chance de passar na última fase de um concurso em que havia menos candidatos do que vagas. Neste caso, caberia falar em indenização pela perda de uma chance. Logicamente, a chance deve ser, com dito, ponderável, não uma mera suposição. Se, no caso dado, o passageiro tivesse perdido a primeira fase do concurso, em que estivesse disputando com outros milhares de candidatos, a perda de uma chance seria bastante questionável, embora devida a indenização pelo atraso, pelo desgaste emocional, e, porque, não, pela perda da oportunidade de fazer o concurso, o que não se equipara à perda da chance de efetivamente ser aprovado e gozar dos benefícios da carreira almejada.

Ainda, o dano pode ser material ou patrimonial e pessoal, este físico ou moral. Patrimonial é o dano de que resultem prejuízos materiais, de fácil avaliação em dinheiro. O dano pessoal moral, por sua vez, consiste em constrangimento que alguém experimenta em consequência de lesão a direito personalíssimo, como honra, boa fama, imagem, entre outros.

Em outra classificação, o dano será direto quando resultar do fato como sua consequência imediata, e indireto quando decorrer de circunstâncias ulteriores que agravam o prejuízo diretamente suportado. Fala-se em indenização por dano em ricochete, em que, afetando diretamente uma determinada pessoa ou coisa, atinge outra por reflexo. Pode-se visualizar também o dano eficiente e o ineficiente. Aquele acontece quando for mais compensador para o agente pagar eventuais indenizações do que prevenir o dano. O ineficiente, por seu turno, é o dano eficiente tornado ineficiente pela ação dos órgãos administrativos do Estado ou do Judiciário.

Por fim, o terceiro elemento indispensável para a responsabilidade civil é o nexo causal. Fiuza (2011) apresenta este pressuposto como a relação de causa e efeito entre a conduta culpável do agente e o dano por ela provocado, este fruto daquela. Para Diniz (2012), não será necessário que o dano resulte apenas imediatamente do fato que o produziu, bastando que se verifique que o dano não ocorreria se o fato não tivesse acontecido. Este poderá não ser a causa imediata, mas, se for condição para a produção do dano, o agente responderá pela consequência. Corrobora a mencionada autora (p. 129):

O dano poderá ter efeito indireto, mas isso não impede que seja, concomitantemente, um efeito necessário da ação que o provocou. P. ex.: se um desordeiro quebrar vitrina de uma loja, deverá indenizar o dono não só do custo do vidro e sua colocação, mas também do valor dos artigos furtados da ação do lesante. Se alguém é atropelado e vem a falecer em consequência de uma anestesia, o agente responderá pela morte, como autor da lesão, que possibilitava esse evento lesivo. Adriano de Cupis, ao estudar a influência desse quid ulterior da determinação da responsabilidade civil, conclui que tal fato superveniente desempenhará relevante papel, se o dano indireto resultar desse fato, pois o preexistente era potencialmente idôneo para produzir-lo, isto é, trazia em si o gérmen desse resultado. Bastaria um nexo de simples causalidade para que o dano indireto fosse tido como derivação causal do fato antecedente. As demais circunstâncias concorrentes na produção do prejuízo não excluem o nexo causal do fato primitivo.

Sendo o nexo de causalidade um dos componentes da responsabilidade civil, deverá ser provado, cabendo este ônus ao autor da demanda judicial. Em regra, a obrigação de indenizar não ultrapassa os limites traçados pela conexão causal, mas o ressarcimento do dano não requer que o ato do responsável seja a única causa do prejuízo. Se uma conduta, embora única, for determinante para a ocorrência do dano, mesmo sendo este resultante do encadeamento de duas ou mais causas, o agente deve reparar o prejuízo.

Donizetti e Quintella (2012) destacam duas teorias que envolvem o nexo de causalidade: a equivalência dos antecedentes e a causalidade adequada, concebidas para determinar a relação entre conduta e dano. Pela teoria da equivalência dos antecedentes, também conhecida como conditio sine qua non, para se determinar qual causa gerou um determinado resultado, deve-se eliminar mentalmente uma por uma e verificar se o resultado, ainda na falta dela, teria ocorrido. Toda causa que não puder ser eliminada, nesse processo mental, terá concorrido para a produção do resultado e, por isso, tem a mesma relevância. Há, portanto, equivalência entre todos os antecedentes do resultado. Donizetti e Quintella (2012, p. 402) tecem críticas a esta teoria utilizando um exemplo e afirmando que a sua adoção implicaria em uma consequência nefasta, regredindo-se infinitamente na perquirição dos antecedentes de um resultado:

Tomemos a construção de uma casa em uma encosta. O terreno foi bem preparado e a fundação bem executada. Em um nível superior do morro, a administração municipal abriu uma rua, tomando todos os cuidados necessários na execução da obra. Um bom tempo depois, durante uma forte chuva, um trecho de terra entre a casa e a rua se encharcou, em razão de a cobertura vegetal do morre ter sido reduzida. Desprendeu-se, e soterrou a casa. Qual teria sido a causa do dano consubstanciado na perda da casa? A construção da casa na encosta? A obra no nível superior, que reduziu a cobertura vegetal do terreno? A chuva forte? Segundo a teoria da equivalência dos antecedentes, todas essas condições foram imprescindíveis para o resultado, havendo equivalência entre elas. Afinal, se a chuva não tivesse castigado com sua intensidade, se o morro não tivesse sido descoberto, e se a casa não houvesse sido construída na encosta, a casa não teria sido soterrada. Todavia, pode-se regredir ainda mais nos antecedentes, até o absurdo de se concluir que se a pessoa que mandou construir a casa e o secretário de obras do Município que ordenaram as obras não tivessem nascido, aquele resultado específico também não teria ocorrido. E, por que não, se os pais dessas pessoas não as tivessem gerado...E os pais dos pais...Ad infinitum.

Em contraposição, a doutrina contemporânea tem adotado a teoria da causalidade adequada. Diante de vários fatores que giram em torno de um acontecimento, somente se considera causa aquele que for o mais adequado à produção do efeito obtido. A causa deve ser idônea e adequada para a ocorrência do resultado danoso. Donizetti e Quintella (2012, p. 402) aplicam esta teoria ao exemplo acima mencionado:

Segundo a teoria da causalidade adequada, a causa do dano foi a chuva, pois se trata do fato mais adequado a produzir o deslizamento de terra. Tanto que, se não fosse a chuva, com tal intensidade, o barraco não teria se desprendido simplesmente porque a casa foi construída abaixo dele, ou porque foi aberta uma rua acima dele. No entanto, se a casa não tivesse sido construída na encosta, não teria sofrido aquele dano específico, e, se a rua não tivesse sido aberta, o solo estaria mais firme. Logo, os fatos construção da casa e abertura da rua também foram causas do dano sofrido, mas a chuva, entre todas as causas, foi a mais adequada a produzir o deslizamento. [...] Destarte, a teoria que deve ser adotada para fins de verificação do nexo de causalidade entre o ato e o dano, no campo da responsabilidade civil, é a teoria da causalidade adequada.

Outro ponto importante a ser ressaltado neste momento reside na questão da concorrência de causas. É possível que, ao se examinar os elementos ensejadores da responsabilidade civil, chegue-se à conclusão de que foram várias as causas mais adequadas a produzir o resultado, e que uma delas foi gerada pelo agente, a outra pela própria vítima ou, ainda, por terceiro. Havendo concorrência de causas entre agente e vítima, a responsabilidade civil do agente se configurará, mas a reparação do dano deverá ser feita na proporção em que ele concorreu para o prejuízo, sendo apurado no exame do montante da indenização. A culpa atribuída à vítima será deduzida da obrigação do agente. Por outro lado, havendo concausas geradas pelo agente e por terceiros, surgirá a responsabilidade civil de todos, devendo ser averiguada a proporção da concorrência de cada um na produção do dano a fim de saber o quantum respectivamente devido. Agente e terceiro arcarão com as despesas na medida de suas participações no evento.

3.1. Efeitos da Responsabilidade Civil

O efeito precípuo da responsabilidade civil, imposto ao agente pelo ordenamento jurídico, é a obrigação de reparar o dano causado, o que revela a função reparadora ou indenizatória do instituto, devendo ressarcir todo o prejuízo experimentado pelo lesado. Por outro lado, assume, acessoriamente, caráter punitivo. Esta reparação pode ocorrer de diversos modos, de acordo com a natureza do dano. Se este é patrimonial, a reparação pode ser específica, também chamada de in natura, ou equivalente. A primeira é sanção direta, consistindo em fazer com que as coisas voltem ao statu quo ante, ou seja, ao estado em que se encontrariam caso não houvesse ocorrido o evento danoso. Todavia, nem sempre é possível essa reconstituição, sendo, às vezes, inconveniente ao lesado.

Diniz (2012) explica que se o dano material for direto, este tipo de reparação é possível, pois se pode repor no patrimônio da vítima o bem lesado in natura. Já se o dano material for indireto, onde a lesão a interesse não econômico produz um prejuízo patrimonial, a reposição específica será dificultosa no que concerne ao bem jurídico pessoal afetado. Quando muito se procurará atingir uma situação material correspondente ou indenizar as consequências patrimoniais.

A reparação por equivalente é sanção indireta, indenização, entendida como remédio sub-rogatório de caráter pecuniário, pagando-se em dinheiro o equivalente. Não ocorre a reposição específica, mas se compensa a diminuição patrimonial suportada, restabelecendo o equilíbrio. Segundo a autora, o magistrado deverá estabelecer o conteúdo do dano e estimar a medida do prejuízo no momento em que faz a liquidação, buscando o preço atual do bem destruído.

Se o dano for de natureza moral, é possível, a título de reparação específica, atingir uma situação material correspondente, como um desagravo público em casos de agressões contra a honra. Porém, em regra, busca-se a reparação equivalente, operando-se pelo pagamento de uma indenização em pecúnia.

No momento da consumação do ato lesivo surge ao lesado a pretensão ressarcitória, mas seu direito de crédito apenas se concretizará através de decisão judicial. Assim, a exigibilidade da reparação pertence a todos aqueles que experimentaram o prejuízo, ou seja, aos lesados diretos e indiretos. Quanto às pessoas jurídicas, em regra, não têm direito à reparação do dano moral subjetivo, que fere interesses espirituais, por não possuírem capacidade afetiva ou receptividade sensorial. No entanto, podem sofrer dano moral objetivo, por terem atributos reconhecidos jurídica e publicamente, como o prestígio, o bom nome, a confiança do público, a probidade comercial, a imagem, entre outros.

No que tange aos lesados indiretos, tratando-se de agressão a interesses econômicos, este pode exigir ressarcimento quando sofre prejuízo em interesse material próprio, resultante de dano causado a bem jurídico alheio. Tratando-se de dano moral, que se referem à personalidade da vítima, em regra somente esta pode exigir a reparação. Contudo, há uma forte tendência doutrinária e jurisprudencial no sentido de admitir que pessoas indiretamente atingidas pelo dano possam reclamar a sua compensação.

Assim, os lesados indiretos seriam aqueles que possuem um interesse moral relacionado com um valor de afeição que lhes representa o bem jurídico da vítima do evento danoso. Segundo o Enunciado 275 do Conselho da Justiça Federal, aprovado na IV Jornada de Direito Civil, haverá sempre uma presunção juris tantum de dano moral reflexo em favor dos ascendentes, descendentes e cônjuges e companheiros2.

A sentença judicial deverá condenar o lesante ao pagamento de indenização cabal, que abranja não só as custas processuais, honorários advocatícios e os juros, como também tudo aquilo que o credor faz jus, com correção monetária. Sendo patrimonial o dano, este será apurado no curso do processo, não podendo a indenização ultrapassar o seu valor, salvo o acréscimo dos ônus sucumbenciais, juros e atualização monetária. Sendo, porém, moral, o juiz fixará o montante, considerando o grau de culpa do lesante, a situação econômica da vítima e do agente, a influência de acontecimentos exteriores ao fato prejudicial e o lucro obtido pela vítima com a reparação do dano, acrescido das despesas de sucumbência, juros e correção monetária a partir da publicação da sentença.


4. CIRCUNSTÂNCIAS EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE

O estudo do instituto da responsabilidade civil, em sua generalidade, não poderia ser completo ou satisfatório sem a abordagem de suas causas excludentes. Se importa conhecer os elementos necessários para a configuração do dever de reparação e as situações de surgimento desta obrigação, também é importante ter em mente aqueles casos em que, mesmo havendo conduta e o dano, a responsabilidade civil não se configura em razão da quebra do nexo de causalidade, a fim de delinear os limites de aplicação do instituto da responsabilidade civil. Assim, podem ser apontadas como circunstâncias excludentes o fato exclusivo da vítima, o fato de terceiro, o caso fortuito e a força maior, o estado de necessidade, a legítima defesa, o exercício regular de direito e o estrito cumprimento de dever legal.

O fato exclusivo da vítima é aquele em que a própria vítima deu causa à produção do resultado, sendo a sua causa apontada como a mais relevante, baseando-se na teoria da causalidade adequada. Desse modo, embora haja um agente “causador” do dano, a conduta deste é apenas um instrumento da conduta da vítima, tendo agido esta intencionalmente ou não, motivo pela qual o nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano não se formará. Exemplificam Donizetti e Quintella (2012, p. 405):

O exemplo mais tradicionalmente repetido é o da pessoa que, de repente, lança-se à rua, na direção de um carro. Conquanto haja um ato do motorista, de dirigir, e um dano sofrido pelo pedestre, não há relação causal entre ambos, porquanto a causa mais adequada à produção do dano não foi o ato de transitar pela rua conduzindo um veículo, mas sim o ato da vítima de subitamente se lançar à rua. Não importa se o ato do motorista foi conforme ou contrário a direito. Estivesse ele dirigindo na mão correta, com toda diligência, ou dirigindo sem atenção, na contramão, seu ato não terá sido a causa mais adequada à produção do atropelamento. Tanto em um quanto em outro caso não haverá que se falar em responsabilidade civil, nem por culpa nem independente de culpa, porquanto não há nexo causal – à luz da teoria da causalidade adequada.

Se o fato exclusivo da vítima tiver criado uma situação que levou outrem a praticar um ato, que acabou lhe causando um dano, conquanto haja nexo de causalidade entre o ato e o dano – segundo a teoria da causalidade adequada -, o Direito não reputa justa a responsabilização do agente, porquanto o fato da vítima, mesmo não sendo a causa mais adequada à produção do dano, foi a mais juridicamente relevante e a mais repudiável. Novamente visualizam Donizetti e Quintella (2012, p. 405):

Imaginemos que um motorista, Augusto, em um cruzamento, mesmo vendo um carro que vinha em sua direção, na via que pretendia cruzar, ainda assim inicia o cruzamento. O motorista do outro carro, Manuel, na tentativa de frear para evitar a colisão, acaba perdendo o controle do carro e, depois de capotar, acerta o carro de Augusto. Diante do ato de frear bruscamente de Manuel e do dano sofrido por Augusto, analisamos o nexo de causalidade e somos levados a concluir que a causa mais adequada à produção do dano sofrido por Augusto foi a freada brusca de Manoel, que o levou a perder o controle do carro. E, presentes todos os requisitos que configuram a responsabilidade civil de Manuel, somos levados a reconhecê-la. Ocorre que o ato de Augusto, de avançar sobre o cruzamento, ainda que não tenha sido a causa mais adequada à produção do dano do seu próprio veículo, foi a causa da situação imprevisível que levou Manuel a praticar um ato que, em outras circunstâncias, não teria praticado. Logo, frente à relevância e a reprovabilidade do ato de Augusto, o Direito exclui a responsabilidade civil de Manuel.

Outro fator que pode configurar ou a ausência de causalidade ou a exclusão da responsabilidade é o fato de terceiro. Este ocorre quando uma pessoa diversa das pessoas do agente e da vítima cometer um ato, ainda que não o mais adequado, porém o mais relevante e o mais reprovável para o resultado danoso. Como exemplo pode ser citado o assalto em interior de ônibus coletivo, excluindo-se a responsabilidade da empresa fornecedora do serviço, por tratar-se de fato de terceiro inteiramente estranho à atividade de transporte, bem como a pessoa que arremessa um projétil em ônibus e fere passageiro. Corroboram Donizetti e Quintella (2012, p. 407):

Utilizando novamente o exemplo do atropelamento, imaginemos que, em vez de a vítima se lançar de súbito na rua, ela é empurrada violentamente por um terceiro e acaba se chocando com o carro. Mais uma vez, o ato do motorista – conforme ou contrário a direito, não importa – não foi o mais adequado a dar causa ao atropelamento, o qual foi o ato praticado pelo terceiro, de empurrar a vítima na direção da rua. Logo, entre a conduta do motorista e o dano sofrido pelo atropelado não há relação de causalidade – pela causalidade adequada –, pela que não se configura a responsabilidade civil, nem por culpa nem independente de culpa. E, valendo-nos novamente do exemplo do cruzamento, suponhamos que Manuel, ao frear bruscamente, perder o controle do carro e capotar, chocou-se não com o carro de Augusto, mas com o de Clóvis. Embora configurada a responsabilidade civil de Manuel pelo dano sofrido por Clóvis, o Direito a exclui de Manuel e a desloca para Augusto, por dar maior relevância ao fato de Augusto, mais reprovável.

Os conceitos de força maior e de caso fortuito se ligam a fatos imprevisíveis, à ideia de acidentes. Naquela conhece-se o motivo ou a causa que dá origem ao acontecimento, pois se trata de um fato da natureza, como raio, enchente, terremoto, entre outros. Já no caso fortuito, o acidente que acarreta o dano advém de causa desconhecida, como o cabo elétrico que se rompe e cai sobre fios telefônicos causando incêndio e danos a pessoas ou a bens. A característica básica da força maior é a sua inevitabilidade, mesmo sendo a sua causa conhecida, como uma situação da natureza; enquanto que o caso fortuito tem como caractere fundamental a imprevisibilidade, segundo os parâmetros do homem médio. Neste, a ocorrência repentina e até então desconhecida do evento atinge a parte incauta.

O estado de necessidade, por sua vez, tem base legal no artigo 188 do Código Civil, consistindo na deterioração ou destruição de coisa alheia, ou lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente. Agride-se um direito alheio, de valor jurídico igual ou inferior àquele que se pretende salvar, para remover perigo iminente, sempre que a situação fática não permitir outra atuação. Há um colisão de interesses jurídicos tutelados. A reação, porém, ao perigo iminente deve ser proporcional, ou seja, apenas o suficiente para afastá-lo, respondendo o agente por qualquer excesso que venha a cometer. A curiosa e, de certa forma, incongruente situação presente no Código Civil, presente em seus artigos 929 e 930, reside no fato de que, se o terceiro atingido pelo ato praticado em estado de necessidade não for causador do perigo, poderá este exigir indenização do agente, cabendo a este ação regressiva contra quem proporcionou a situação de risco. Ou seja, ao mesmo tempo em que isenta o agente da responsabilidade, afirmando que não há ato ilícito em estado de necessidade, o diploma civil impõe-lhe a obrigação de reparar o dano no referido caso.

Por legítima defesa entende-se o ato do indivíduo cometido para afastar injusta e iminente agressão a sua pessoa ou a terceiro. Também exige que a reação seja proporcional, utilizada com moderação e de modo suficiente para afastar o evento danoso, através dos meios de defesa postos à disposição do agente. O excesso de reação é juridicamente proibido, devendo ser responsabilizado pela desproporção. Da mesma forma, responderá o agente se, na reação, atingir terceiro inocente, cabendo-lhe ação regressiva contra o verdadeiro agressor. No caso de legítima defesa putativa, aquela em que o indivíduo, por uma falsa percepção da realidade, entende estar sofrendo uma injusta e iminente agressão, quando na realidade não está, não há isenção da responsabilidade, não se excluindo o caráter ilícito da conduta. Assim, o agente será obrigado a reparar o dano causado, sendo a legítima defesa putativa relevante apenas para a culpabilidade penal.

Não poderá haver responsabilidade civil, ainda, se o agente atua no exercício regular de um direito reconhecido. Tal ocorre, por exemplo, quando se recebe autorização do Poder Público para desmatamento de uma área, ou quando se empreende atividades desportivas, como futebol ou boxe, onde é possível o surgimento de lesões, desde que não haja excesso. Por outro lado, se o sujeito extrapola os limites racionais do exercício justo do seu direito, fala-se em abuso de direito. Não é imprescindível para a caracterização da abusividade que o agente tenha a intenção de causar dano a outrem, bastando que exceda manifestamente os limites impostos pela finalidade econômica ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Estreitamente ligado a esta excludente está o estrito cumprimento do dever legal. Assim, não há que se falar em responsabilidade civil do policial que destrói a porta de uma residência para o cumprimento de uma ordem judicial. Porém, o excesso também é punível, caso o agente ultrapasse a esfera de sua atribuição ou do estabelecido pela ordem a ser cumprida.


5. RESPONSABILIDADE CIVIL PROFISSIONAL

Visto o instituto da responsabilidade civil como um todo, buscando-se entender seu conceito, espécies, evolução histórica, os pressupostos necessários para sua configuração e as suas excludentes, delimitando a sua incidência, passa-se agora à particularidade da responsabilidade civil médica. Antes, porém, importa visualizar, ainda que brevemente, a responsabilidade profissional em sua generalidade, da qual aquela é integrante. Interessa esta análise por ser a responsabilidade civil profissional um dos campos de contornos mais dramáticos para a aferição da obrigação de indenizar.

Inicialmente é importante destacar o que venha a ser atividade profissional, caracterizada como a soma das ações, atribuições, encargos ou serviços praticados por uma pessoa em razão do seu ofício. Assim, responsabilidade civil profissional é aquela que surge em razão de condutas que geram um evento danoso oriundas do trabalho, em sentido amplo, de alguém.

Quanto a sua natureza jurídica, Gagliano e Pamplona Filho (2010) afirmam que, partindo do pressuposto de que o sujeito realiza a atividade em decorrência de sua atuação profissional, este tipo de responsabilidade se caracteriza como contratual, tendo em vista que pressupõe uma pactuação em que o profissional se obriga a prestar determinado serviço. Os autores distinguem, para melhor compreensão, as obrigações de meio das obrigações de resultado. Aquelas são as que o devedor se compromete a empreender a sua atividade com prudência e diligências normais, segundo as melhores técnicas, objetivando conseguir determinado resultado, mas sem ofertar garantias de que será atingido. E aqui se encaixa, em regra, a responsabilidade do médico, salvo em se tratando de cirurgia plástica estética, em que a obrigação é de resultado. No caso de cirurgia plástica reparadora, ou seja, aquela decorrente de queimaduras ou acidentes, a obrigação é de meio.

As obrigações de resultado, por sua vez, são aquelas em que o devedor se compromete a produzir o resultado esperado pelo credor, como nos contratos de transporte, no qual o destino da viagem deve ser alcançado, sem o qual o prestador de serviço é considerado inadimplente, não importando se utilizou as melhores técnicas e atuou com a diligência normal esperada.

Em ambas as situações, ter-se-á uma responsabilidade subjetiva, na qual a culpa do profissional deve ser demonstrada. Nas obrigações de meio, o prestador do serviço será compelido a reparar o dano se atuou de forma imprudente, desleal, pouco diligente ou sem as melhores técnicas, caso em que é possível que suporte o ônus de provar a sua atuação correta para excluir-se do ressarcimento. Nas obrigações de resultado, porém, cabe ao lesado a prova, tendo em vista ser esta bem mais fácil de ser demonstrada, pois basta ficar evidente o resultado.

Incumbe ressaltar que esta responsabilidade civil subjetiva é aplicada aos casos em que o profissional presta os seus serviços de forma direta. Se o profissional é contratado de uma pessoa jurídica, o lesado gozará do instituto da responsabilidade objetiva, pela qual a culpa não precisa sequer ser demonstrada. Assim, a responsabilidade do médico é subjetiva, sendo objetiva a responsabilidade do hospital que o contrata, podendo este acioná-lo regressivamente.

Diniz (2012) afirma ser bastante controvertida a questão da natureza jurídica da responsabilidade profissional, pois há autores que a incluem na seara contratual, outros, na extracontratual. A autora entende, porém, que aos profissionais liberais se aplicam as noções de obrigação de meio e de resultado, que partem de um contrato. Logo, não poderá de ser contratual a responsabilidade decorrente de infração dessas obrigações. Há casos, porém, em que, dos atos oriundos da responsabilidade profissional, pode advir responsabilidade também objetiva. Diniz (2012, p. 315) explica:

Não se pode olvidar que há, sem dúvida, certas profissões dotadas de função social, daí serem obrigações legais, de modo que o profissional responderá por elas tanto quanto pelas obrigações assumidas contratualmente. São hipótese em que coincidem as duas responsabilidades – a contratual e a extracontratual –, e o profissional deverá observar as normas reguladoras de seu ofício, umas vezes por força de contrato e outras, em virtude de lei. Mas, como a responsabilidade extracontratual só surge da ausência de um vínculo negocial, decorre daí que, se há vínculo contratual, o inadimplemento da obrigação contratual e legal cairá, conforme o caso, na órbita da responsabilidade contratual e não da delitual, ante a preponderância do elemento contratual. Todavia, em algumas hipóteses poder-se-á ter duas zonas independentes: a da responsabilidade contratual e a da responsabilidade delitual. P. ex.: se, em relação ao serviço médico, se cogitar da extensão do tratamento e de sua remuneração, do descumprimento desses deveres resultará uma responsabilidade contratual. Se um médico fez uma operação altamente perigosa e não consentida, sem observar as normas regulamentares de sua profissão, o caso será de responsabilidade extracontratual, visto que não houve inadimplemento contratual, mas violação a um dever lega, sancionado pela lei.

Gagliano e Pamplona Filho (2010, p. 249) destacam, segundo eles, “um interessante problema que está vindo à tona, com o advento do Novo Código Civil brasileiro”, referente à atuação de profissionais liberais que empreendem atividade de risco, como médicos e advogados. Os autores demonstram que há setores doutrinários que entendem pela aplicação da responsabilidade objetiva aos profissionais liberais, aplicando-se o Código Civil em lugar do Código de Defesa do Consumidor. Por sua vez, defendem que a disciplina geral da responsabilidade civil dos profissionais liberais permanece, a despeito de opiniões contrárias, de natureza subjetiva, pois o Código Civil, embora seja lei mais nova, prevalece sobre o diploma consumerista em razão de sua especialidade. Acreditam que este entendimento preserva a autonomia e a dignidade da atividade profissional.


6. A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS MÉDICOS

Adentrando, agora, ao cerne do presente estudo, passa-se à análise particular da responsabilidade civil dos médicos, caracterizada, conforme visto como um tipo de responsabilidade profissional. É evidente a formação de um autêntico contrato entre o cliente e o médico, quando este o atende, e, portanto, a aplicação da responsabilidade civil subjetiva aos danos oriundos de condutas médicas.

Diniz (2012) reafirma o caráter contratual do exercício da medicina, ressaltando que apenas excepcionalmente terá natureza delitual, quando o médico cometer um ilícito penal ou violar normas regulamentares da profissão. Traz a autora alguns casos de responsabilidade extracontratual aplicável aos médicos (2012, p. 334):

O médico, p. ex., responderá extracontratualmente quando: a) fornecer atestado falso (art. 80 do Código de Ética Médica); b) consentir, podendo impedir, que pessoa não habilitada exerça a medicina (CEM, art. 2º); c) permitir a circulação de obra por ele escrita com erros de revisão relativos à dosagem de medicamentos, o que vem a ocasionar acidente ou mortes, pois deve zelar, se autor da publicação científica, pela veracidade, clareza e imparcialidade das informações nela apresentadas (CEM, art. 109); d) não ordenar a imediata remoção do ferido para um hospital, sabendo que não será possível sua melhora nas condições em que o cliente está sendo tratado; e) operar sem estar habilitado para tal; f) lançar mão de tratamento cientificamente condenado, causando deformação no paciente (RT, 180:178).

A responsabilidade civil médica é prevista no artigo 951 do Código Civil, a seguir transcrito:

O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão ou inabilitá-lo para o trabalho.3

Segundo Dias (1997, p. 296), “o fato de se considerar como contratual a responsabilidade médica não tem, ao contrário do que possa parecer, o resultado de presumir a culpa”. Isto porque o dispositivo transcrito afirma a necessidade de comprovação deste elemento subjetivo através da verificação da negligência, imprudência ou imperícia. Portanto, para o cliente é limitada a vantagem da concepção contratual da responsabilidade médica, pois o fato de não obter a cura do paciente não significa que o profissional foi inadimplente, tendo em vista que assumem obrigações de meio, conforme visto.

Aduz Diniz (2012) que se o paciente vier a falecer, sem que tenha havido negligência, imprudência ou imperícia na atividade do profissional da saúde, não haverá inadimplemento contratual, pois o médico não assumiu o dever de curá-lo, mas de tratá-lo adequadamente. Segundo a autora, não haverá presunção de culpa para haver condenação do médico, cabendo a este provar que não houve inexecução culposa de sua obrigação profissional. O médico responde não só por fato próprio, mas também por fato danoso praticado por terceiros sob suas ordens. Neste caso, a sua culpa é presumida quando manda, por exemplo, enfermeira aplicar determinada injeção que causou paralisia no braço do cliente.

Gonçalves (2011) explica que, embora o contrato médico integre o gênero “contrato de prestação de serviços”, o seu conteúdo atende à especialidade própria a esse campo da atividade humana. Por isso, concorrem elementos e fatores que distinguem a culpa dos médicos da exigida para responsabilizar integrantes de outras profissões. A obrigação principal consiste no atendimento adequado do paciente e na observação de inúmeros deveres específicos. O dever geral de cautela e o saber profissional próprios do médico caracterizam o dever geral de bom atendimento, exigindo-se um empenho superior ao de outros profissionais.

Diniz (2012) faz alusão a três deveres específicos contidos nos contratos médicos. O primeiro deles consiste no dever de informação, devendo estar atento aos avanços científicos e sobre as propriedades das técnicas que emprega e das drogas que administra. Também deve informar ao paciente sobre os efeitos favoráveis e adversos do tratamento utilizado e orientá-lo a respeito de eventuais riscos existentes. Assim, o médico será responsabilizado por violação do dever de aconselhar se não instruir seu cliente no que concerne ao diagnóstico, ao prognóstico, aos riscos e objetivos do tratamento, às pesquisas e às precauções exigidas pelo seu estado.

O segundo dever consiste em médicos a tratar o cliente com zelo, utilizando-se dos recursos adequados, prestando cuidados atenciosos, conscienciosos, de acordo com as aquisições da ciência e empregando a melhor técnica disponível. Neste sentido, a prova da negligência médica constitui, na prática, tormento para as vítimas, que não dispõem de conhecimentos técnicos, razão pela qual o artigo 6º, inciso VIII, do Código Civil permite a inversão do ônus da prova4, cabendo ao profissional demonstrar que sua conduta foi totalmente zelosa. De acordo com este dever, o médico responderá se não der assistência ao seu cliente ou se negligenciar as visitas, abandonando-o. Lembra a autora que o exercício da medicina é livre, podendo o médico negar-se a atender chamado de um doente, salvo se for seu cliente. Apesar desta liberdade, não poderá deixar de atender paciente que procure os seus cuidados profissionais em caso de urgência ou emergência, quando não houver outro médico em condições de fazê-lo. Ainda, é vedado ao médico afastar-se de sua atividade profissional, mesmo temporariamente, sem deixar outro médico encarregado do atendimento de seus pacientes internados ou em estado grave. Haverá, também, abandono se na substituição o médico assistente procede negligentemente, enviando o doente que requer cuidado especial a médico de pouca prática ou menos hábil. Neste caso, o profissional substituído responderá por culpa in eligendo.

Como terceiro dever aponta-se a abstenção de abuso ou desvio de poder, pois o médico não terá o direito de tentar pesquisas e experiências médicas sobre o corpo humano, salvo se imprescindíveis para enfrentar o problema, sempre respeitando normas éticas e protegendo a vulnerabilidade do paciente. Apesar disso, tal dever não pode ser considerado com rigor absoluto, sob pena de entravar a liberdade do profissional e o avanço da ciência. Segundo Gonçalves (2011), o retardamento de cuidados médicos, desde que provoque dano ao paciente, pode importar em responsabilidade pela perda de uma chance. Consiste esta na interrupção, por um determinado fato antijurídico, de um processo que propiciaria a uma pessoa a possibilidade de vir a obter, no futuro, algo benéfico, e que, por isso, a oportunidade ficou irremediavelmente destruída. A perda de uma chance, em si mesma, caracteriza um dano. Sobre a perda de uma chance, manifestam-se os Tribunais Pátrios5:

Responsabilidade civil. Erro médico Hospital e plano de saúde que respondem uma vez evidenciada a culpa dos médicos que atenderam o apelado Cerceamento de defesa afastado Existência de sólida prova documental suficiente para o julgamento da lide Prescrição afastada Demonstrada a inadequação do tratamento ao qual foi submetido o apelado, uma vez que os médicos negligenciaram diagnóstico anterior indicando problemas no quadril. Perda de tempo considerável em ministrar o tratamento adequado que agravou o estado clínico do apelado, com mascaramento do quadro. Existência, ainda, de condenação de um dos médicos pelo Conselho Regional de Medicina Pequena possibilidade de que o tratamento precoce não fosse eficaz não afasta a responsabilidade do médico. Perda de uma chance. Danos morais. Ocorrência. Decisão mantida. Recursos improvidos.

(APL 01169640420088260000 SP, Rel. Eduardo Sá Pinto Sandeville, 18.02.2013).

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. DIAGNÓSTICO EQUIVOCADO. AUSÊNCIA DE MEDIDAS PRECONIZADAS PARA AVALIAÇÃO E IDENTIFICAÇÃO DA CAUSA DOS SINTOMAS DO PACIENTE. PERDA DE UMA CHANCE. CONFIGURAÇÃO DO DEVER DE INDENIZAR. Na hipótese dos autos, restou provado que os profissionais de medicina da Clínica ré foram negligentes na investigação clínica do quadro que apresentava o paciente, ignorando a evolução da sintomatologia e do quadro clínico que apresentava o paciente. Ainda, restou desconsiderado no segundo atendimento os sintomas apresentados pelo paciente, que recomendavam o aprofundamento diagnóstico, com realização de exames, para tentar identificar a origem das persistentes dores lombares do paciente (apesar da inicial ter referido que a queixa era de dores abdominais, todo o prontuário médico refere persistentemente que a queixa era de dores nas costas - na altura dos arcos costais). Conduta imprudente, negligente e imperita da equipe médica da Clínica ré, que ignorou a sintomatologia apresentada pelo paciente, que demandava uma investigação diagnóstica mais acurada e tratamento mais agressivo para o quadro apresentado. Erro de diagnóstico configurado. Aplicação da teoria da chance perdida, porquanto o erro de diagnóstico tolheu eventuais chances de cura ou melhora do estado de saúde do paciente, contribuindo para a evolução do quadro, que culminou no seu óbito por infecção generalizada. O tumor de que padecia a vítima era raro e agressivo e mesmo que o diagnóstico fosse antecipado isso provavelmente não teria alterado o infeliz desdobramento do episódio, fato é que se tratava de pessoa jovem e portadora, quanto ao mais, de boa saúde. Tais pessoas reagem melhor a tratamentos. Além disso, é sabido que cada organismo é único e apresenta reações diferenciadas tanto às patologias que o acometem quanto ao tratamento adotado para combatê-las. Considerando a carência de elementos concretos nos autos, a partir do senso comum envolvendo casos de tumores, estima-se em 10% a chance perdida pelo filho e irmão das autoras de ter tido uma evolução positiva de sua doença, que era grave, insidiosa e agressiva. Configurada a responsabilidade da Clínica ré devido à evidente falha no atendimento médico-hospitalar ao de cujus, bem como o nexo de causalidade entre o ato e o evento danoso, deve ser reconhecido o dever de indenizar.

DANO MORAL IN RE IPSA. VALOR DA INDENIZAÇÃO. CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO. Inegável a ocorrência do dano moral, que é in re ipsa, porquanto decorrente do próprio fato, em virtude da falha no serviço prestado pela Clínica ré que culminou no óbito do filho e irmão das litigantes. Valor da condenação mitigado em razão da aplicação da teoria da chance perdida.

DANO MATERIAL. PENSIONAMENTO. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA. Em relação ao pensionamento, não houve impugnação específica dos termos da sentença por parte da Clínica ré, razão pela qual não restou atendido o pressuposto legal previsto no art. 514, inciso II, do CPC, impondo-se a confirmação da sentença, no particular, por ausência de impugnação específica da decisão hostilizada.

POR MAIORIA, DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO.

(Apelação Cível Nº 70055821367, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tasso Caubi Soares Delabary, Julgado em 25/09/2013).

Direito Civil e Direito Administrativo. Responsabilidade Civil do Estado. Atendimento em hospital público. UTI. Prescrição médica. Omissão. Ordem judicial. Negligência no cumprimento. Teoria da Perda de uma Chance. Dano moral configurado. Pensionamento indevido.

I. As pessoas jurídicas de direito público respondem objetivamente pelos danos causados por ação ou omissão de seus agentes, nos termos do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal.

II. A responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito público funda-se no risco administrativo e não no risco integral, motivo por que dispensa apenas a prova da culpa do agente público, porém não elide a necessidade de demonstração de todos os demais pressupostos da responsabilidade civil: ação ou omissão, dano e relação de causalidade.

III. A omissão cuja ocorrência deflagra a responsabilidade objetiva do ente estatal é aquela que a doutrina denomina de omissão específica ou omissão concreta, isto é, caracterizada pelo descumprimento de um dever previamente estabelecido, na medida em que a omissão genérica traz embutida o vazio obrigacional.

IV. Evidenciado pelo conjunto probatório que a falta de internação do paciente em leito de UTI, conforme prescrito pelo medico que o atendeu, suprimiu a possibilidade de que, uma vez assistido adequadamente, tivesse a chance de superar ou abrandar o problema de saúde, não há como ocultar a responsabilidade do ente estatal responsável pela prestação do serviço público omitido.

V. Aplica-se a teoria da Perda de uma Chance, surgida no direito francês justamente no contexto da prestação de serviços médicos, quando as provas dos autos denotam que a prestação do serviço médico-hospitalar adequado oportunizaria a convalescença, a melhoria ou a estabilização do estado de saúde do paciente.

VI. Caracteriza dano moral a aflição, a angústia e a indignação, com indiscutível sobrecarga emocional, resultante do quadro traumático da falta de atendimento médico ao ente querido gravemente enfermo que terminou por frustrar qualquer possibilidade da continuidade da vida e do convívio familiar.

VII. Não havendo como estabelecer o nexo de causalidade direto entre a omissão estatal e a morte do paciente, ao Distrito Federal não pode ser imputado o dever de indenizar prescrito no artigo 940 do Código Civil que tem como fundamento exatamente a responsabilidade pela supressão ilícita da vida.

VIII. Apelações conhecidas e desprovidas.

(TJ-DF - APC: 20090111819504 DF 0168401-75.2009.8.07.0001, Relator: JAMES EDUARDO OLIVEIRA, Data de Julgamento: 19/03/2014, 4ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 26/03/2014 . Pág.: 225).

Outro ponto importante do tema reside no direito da personalidade previsto no artigo 15 do Código Civil, in verbis: “Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”. Tal regra obriga os médicos, nos casos mais graves, a não atuarem sem prévia autorização do paciente, que tem a prerrogativa de se recusar ao tratamento, a fim de proteger a inviolabilidade do corpo humano. Na impossibilidade de o doente manifestar a sua vontade, deve o profissional obter autorização escrita de qualquer parente maior, da linha reta ou colateral até o segundo grau, ou do cônjuge. Não havendo tempo hábil para tais providências, por tratar-se de emergência que exige pronta intervenção, terá o profissional a obrigação de realizar o procedimento médico, eximindo-se de qualquer responsabilidade por não tê-la obtido. Neste sentido, Gonçalves (2011, p. 261) relata um curioso caso:

O Tribunal de Justiça de São Paulo teve a oportunidade de apreciar o caso de uma jovem que dera entrada no hospital inconsciente e necessitando de aparelhos para respirar, encontrando-se sob iminente risco de morte, em estado comatoso, quando lhe foram aplicadas as transfusões de sangue. Por questões religiosas, afirmou ela em juízo, na ação de reparação por danos morais movida contra o hospital e o médico que a salvou, que preferia a morte a receber a transfusão de sangue que poderia evitar a eliminação física. Outra pessoa havia apresentado ao médico, no momento da internação, um documento que vedava a terapia da transfusão, previamente assinado pela referida jovem e que permanecia com o portador, para eventual emergência. Entendeu o Tribunal, ao confirmar a sentença de improcedência da ação, que à apelante, embora o direito de culto que lhe é assegurado pela Lei Maior, não era dado dispor da própria vida, de preferir a morte a receber a transfusão de sangue, “a risco de que se ponha em xeque direito dessa ordem, que é intangível e interessa também ao Estado, e sem o qual os demais, como é intuitivo, não têm como subsistir”.

Revela-se, assim, que, em regra, o médico está obrigado a obter prévia autorização do paciente ou, na impossibilidade deste, de familiares para a realização de tratamento de risco, em razão da inviolabilidade do corpo humano. Porém, quando este direito personalíssimo é cotejado com o direito à vida, este deve prevalecer, estando o médico autorizado a realizar o procedimento independentemente de autorização, pois não é dado ao paciente dispor de sua própria vida por motivos religiosos ou por quaisquer outras razões.

6.1. As Obrigações de Resultado na Atividade Médica

Conforme visto, a atividade médica é, em regra, uma obrigação de meio. Porém, há situações que são tidas como obrigações de resultado, como é o caso de cirurgiões-plásticos e dermatologistas que cuidam da estética, cuja atuação não se limita ao acompanhamento do paciente e do emprego de todas as técnicas e diligências necessárias, obrigando-se, também, à obtenção de um resultado previamente determinado.

A cirurgia-plástica, bem como os tratamentos estéticos realizados por médicos especialistas, em regra, visa à correção de defeitos ou melhoramentos estéticos. O cliente não se encontra doente. Se este, ao final do procedimento, fica com aspecto pior do que o original, não se alcançando o resultado, cabe-lhe o direito à pretensão ressarcitória. Da cirurgia mal-sucedida surge a obrigação de reparar o dano, abrangendo todas as despesas efetuadas, os prejuízos morais e a verba que será despendida para a realização de novos tratamentos e novas cirurgias.

Há opiniões doutrinárias no sentido de que o cirurgião-plástico assume obrigação de meio, tendo em vista que a álea está presente em toda intervenção cirúrgica, sendo imprevisíveis as reações de cada organismo. Apesar disso, o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que, em regra, trata-se a questão de obrigação de resultado, conforme julgado a seguir transcrito:

AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ERRO MÉDICO. CIRURGIA PLÁSTICA. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. JULGAMENTO EM SINTONIA COM OS PRECEDENTES DESTA CORTE. CULPA DO PROFISSIONAL. FUNDAMENTO INATACADO. DANOS MORAIS. QUANTUM INDENIZATÓRIO. R$ 20.000,00 (VINTE MIL REAIS). RAZOABILIDADE. I - A jurisprudência desta Corte orienta que a obrigação é de resultado em procedimentos cirúrgicos para fins estéticos. II - Esta Corte só conhece de valores fixados a título de danos morais que destoam razoabilidade, o que não ocorreu no presente caso. III - O agravo não trouxe nenhum argumento novo capaz de modificar a conclusão alvitrada, a qual se mantém por seus próprios fundamentos. Agravo improvido. Agravo Regimental improvido

(AgRg no Ag 1132743 RS, Min. Sidnei Beneti, 25.06.2009).6

O profissional deve ter em mente, ainda, a necessidade do procedimento buscado pelo cliente, pois, não havendo esta necessidade e sendo aquele realizado pelo cirurgião, causando danos estéticos ou não obtendo o resultado esperado, o profissional será responsabilizado, independentemente se informou o cliente sobre os risco e se este consentiu. Neste sentido, explica Dias (1997, p. 324-325):

Embora reconhecida a necessidade da operação, deve o médico recusar-se a ela, se o perigo da intervenção é maior que a vantagem que poderia trazer ao paciente. Sempre e em todos os casos, compete ao médico a prova de que existia esse estado de necessidade e de que a operação, normalmente encarada, não oferecia riscos desproporcionados ao fim colimado. Não vale, para nenhum efeito, neste particular, a prova do consentimento do cliente. Na matéria, em que predomina o princípio da integridade do corpo humano, norma de ordem pública, não vale a máxima volenti non fit injuria. Mas, ainda que não corresponda ao sucesso esperado, a operação estética pode bem deixar de acarretar a responsabilidade do profissional, desde que: a) seja razoavelmente necessária; b) o risco a correr seja menor que a vantagem procurada; c) seja praticada de acordo com as normas da profissão.

É de se ressaltar que, em caso de cirurgia-plástica reparadora, em que o paciente sofreu danos estéticos decorrentes de queimadura ou acidente, por exemplo, a obrigação é de meio. Neste sentido, a jurisprudência nacional7:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E ESTÉTICOS. CIRURGIA DE RECONSTRUÇÃO DE MAMA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. AGRAVO RETIDO. PERÍCIA TÉCNICA. É possível a inversão do ônus da prova em situações como a dos autos. Precedentes do STJ e deste Tribunal. A responsabilidade de médico contratado para cirurgia estética reparadora é indubitavelmente subjetiva, a teor do disposto no art. 951 do Código Civil e do art. 14, § 4º, do CDC. Independentemente da divergência sobre ser de meios ou de resultado a cirurgia plástica puramente estética ou embelezadora - e ainda que amplamente predominante a segunda posição - fato é que é induvidoso que as cirurgias estéticas reparadoras ou restauradoras engendram obrigações de meios. No caso em tela, a perícia técnica comprovou que o réu utilizou técnica adequada para o caso, não tendo, em momento algum, cometido qualquer falha que pudesse ensejar a sua condenação. O resultado final só não foi melhor porque a própria autora recusou-se a colocar prótese, vindo a abandonar o tratamento após a cirurgia. Ausentes os pressupostos da responsabilização civil, a improcedência do pedido é medida que se impõe. Sentença reformada. APELO PROVIDO.

(Apelação Cível Nº 70058158718, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eugênio Facchini Neto, Julgado em 26/03/2014).

Gagliano e Pamplona Filho (2010) entendem que também é caracterizada como obrigação de resultado a atividade dos anestesistas, tendo em vista que sua finalidade é possibilitar a atividade cirúrgica. Sebastião (2000) entende a referida atividade como uma obrigação de meio.

Gonçalves (2011) destaca, no que tange à atividade do anestesista, que existe a responsabilidade autônoma deste profissional no pré e pós-operatório, ainda havendo divergência quanto à responsabilidade durante o procedimento cirúrgico, podendo ser dividida entre o este e o cirurgião. Em casos em que este escolhe o anestesista, incorrerá em culpa in eligendo, sendo solidária entre ambos a obrigação de reparar o dano. Sustenta, ainda, que o anestesista assume obrigação de resultado, desde que tenha tido a oportunidade de avaliar o paciente antes da intervenção e concluir pela existência de condições para a anestesia, assumindo o dever de sedá-lo e recuperá-lo.

Sobre a atividade do anestesista, Diniz (2012) afirma que este profissional deverá observar as seguintes normas: a) o risco da anestesia nunca deverá ser maior que o da intervenção cirúrgica, isto é, em operações de menor importância não se deve aplicar anestesia geral; b) não deve anestesiar sem a anuência do paciente ou de seus familiares; c) aplicar a anestesia na presença de testemunhas; d) examinar previamente as condições fisiopsíquicas do enfermo; e) não deve proporcionar anestesia a operação ilícita ou fraudulenta, como aborto criminoso, por exemplo; f) não usar entorpecentes senão nas condições necessárias para aliviar a dor. A violação destas normas indica imperícia, negligência, imprudência ou torpeza.

Importa ressaltar que, excepcionalmente, atividades que denotam uma obrigação de meio podem se converter em uma obrigação de resultado, a depender da forma como se deu a pactuação com o consumidor dos serviços médicos. Gagliano e Pamplona Filho (2010) trazem um interessante caso neste sentido, em que dois médicos paulistas tiveram de pagar indenização a uma paciente por terem dado a ela falsas esperanças de cura, realizando uma cirurgia inócua, motivo pelo qual a vítima perdeu a visão. A paciente chegou a vender imóveis e veículos para custear as despesas do tratamento.

6.2. O Erro Médico

O erro médico é a falha profissional imputada ao exercente da medicina. Na sua caracterização atua o elemento anímico da culpa, especialmente sob as facetas da imperícia e da negligência. De acordo com Dias (1997), o erro de técnica é apreciado com prudente reserva pelos Tribunais. Com efeito, o julgador não deve nem pode entrar em apreciações de ordem técnica quanto aos métodos científicos que, por sua natureza, sejam passíveis de dúvidas e discussões. Assim, não se tem considerado como culpável o erro profissional advindo da incerteza da arte médica, sendo ainda objeto de controvérsias científicas, pois a imperfeição da ciência é uma realidade.

Segundo Gonçalves (2011), também não acarreta a responsabilidade civil do médico a chamada iatrogenia, expressão utilizada para indicar o dano causado pelo médico em pessoas sadias ou doentes, cujos transtornos são imprevisíveis ou inesperados. Resulta da imperfeição dos conhecimentos científicos, escusável o erro em razão da falibilidade médica. Neste sentido, exemplos da jurisprudência nacional:

Indenização - Danos Morais - Erro Médico - Iatrogenia - Erro Escusável - Responsabilidade do Médico e do Hospital Afastada - Prequestionamento - Cumprimento da Exigência. Sentença reformada.

1) Por ser a medicina uma ciência de meios e não de resultados, não há que se falar em erro médico quando há simplesmente escolha inadequada entre os tratamentos possíveis ao caso, caracterizando hipótese de iatrogenia.

2) Se a responsabilidade do médico é afastada, deve ser afastada também a responsabilidade do hospital, já que os serviços da casa de saúde foram executados em conformidade com o resultado e os riscos que razoavelmente se esperam da atividade médica.

3) O prequestionamento que se exige, possibilitador do oferecimento de recursos extraordinário e especial, é ter sido a matéria que permitiria a apresentação dos recursos lembrada, ventilada pelas partes, ou por uma delas, não sendo exigência, para que ela se faça presente, manifestação explícita do órgão julgador sobre o tema. 4) - Recursos conhecidos e providos.

(AP 200410920068070001, TJDF, Rel. Luciano Moreira Vasconcelos, 01.06.2012).

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INFECÇÃO HOSPITALAR DECORRENTE DE SURTO EPIDÊMICO. INOCORRÊNCIA DE ERRO OU NEGLIGÊNCIA NO TRATAMENTO MÉDICO PRESTADO. DANO IATROGÊNICO. INEXISTÊNCIA DO DEVER DE INDENIZAR. Caso em que a autora, após ser submetida a uma cirurgia de colecistectomia por videoparoscopia no Hospital Geral de Bonsucesso, contraiu infecção hospitalar e foi submetida a intenso e longo tratamento (inclusive com outras cirurgias) para a recuperação de sua saúde. Demonstrado nos autos que o quadro infeccioso não decorreu de erro, assepsia ou negligência no serviço médico prestado, mas sim de surto imprevisível (segundo as atuais técnicas da medicina) de diferente microbactéria, não pode ser imputada responsabilidade à União Federal. Não seria razoável que o atendimento gratuito, realizado segundo a boa técnica, possa gerar para a coletividade o ônus de pagar pelos problemas que são riscos próprios do procedimento, realizado sem intuito de lucro. Portanto, ainda que se queira trabalhar com a responsabilidade objetiva, configura-se fortuito que exclui a responsabilidade. Raciocínio outro afirmaria o Poder Público segurador geral de males oriundos de causas as mais diversas, que não gerou, e quando os recursos devem ser destinados à melhoria do sistema. Remessa e apelo da União providos. Sentença modificada

(REEX 200851010124235, TRF 2 Des. Rel. Guilherme Couto, 28.02.2011).

Da mesma forma, tem-se consignado que o erro de diagnóstico, aquele que consiste na determinação da doença do paciente e de suas causas, não gera responsabilidade quando escusável em face do estado atual da ciência médica e não lhe tenha acarretado danos. Diferente, porém, a situação quando o profissional se mostra imperito e desconhecedor da arte médica, ou demonstra falta de diligência ou de prudência em relação ao que se podia esperar de um bom profissional. Neste caso, exsurge a responsabilidade civil decorrente da violação consciente de um dever ou de uma falta objetiva do dever de cuidado, impondo ao médico a obrigação de reparar o dano.

6.3. A Responsabilidade Civil dos Hospitais e das Empresas de Plano de Saúde

É importante ressaltar, através do presente subtópico, que, embora a responsabilidade civil do profissional médico permaneça subjetiva, a responsabilidade do hospital em que presta serviços se caracteriza como objetiva. De acordo com o artigo 932, inciso III, do Código Civil, o empregador é responsável pelos atos de seus empregados; portanto, os hospitais ou clínicas são responsáveis pelos danos gerados por seus profissionais.

Se o médico integra o quadro pessoal permanente do hospital, a responsabilidade desta última é manifesta. A dúvida existe quando o médico utiliza apenas eventualmente a estrutura física do hospital para realizar seus procedimentos. Para Gagliano e Pamplona Filho (2010), ainda neste caso subsiste a responsabilidade objetiva do hospital, pois há um liame jurídico entre este e o médico, sem prejuízo do exercício do direito de regresso. Ademais, seria extremamente dificultoso para a vítima delimitar e diferenciar, no caso concreto, a participação do médico desidioso ou a falta de estrutura ou de higiene do hospital para a ocorrência do dano.

Gonçalves (2011) diverge deste entendimento, afirmando que se o profissional apenas utiliza o hospital para internar os seus pacientes particulares, responde com exclusividade pelos seus erros, afastada a responsabilidade do estabelecimento. Afirma o autor que também estão sujeitos à responsabilidade objetiva, a partir de uma obrigação de resultado, os laboratórios de análises clínicas, bancos de sangue e centros de exames radiológicos, como prestadores de serviços. Cumpre observar que o hospital responde pelos danos produzidos pelas coisas, instrumentos e aparelhos utilizados na prestação dos seus serviços. Além disso, responde pelos atos do seu quadro de pessoal.

No que tange às empresas mantenedoras de planos e seguros privados de assistência à saúde, tem-se que a sua responsabilidade tem sido reconhecida pela jurisprudência nacional. Isto porque os contratos celebrados com tais instituições são tipicamente de adesão e suas cláusulas, muitas vezes, conflitam com o princípio da boa-fé e com as regras consumeristas protetivas, como, por exemplo, a limitação do período de internação de seus segurados. Esta cláusula, inclusive, já foi declarada como abusiva pelo Superior Tribunal de Justiça, através da Súmula 302.

Assim, enquanto titulares de uma relação jurídica, decorrente da exploração de uma atividade econômica disciplinada como relação de consumo, devem tais empresas responder solidariamente pelos danos causados por seus profissionais e estabelecimentos hospitalares credenciados. Vários são os exemplos dessa responsabilização advindos da jurisprudência nacional:

Contrato de plano de saúde. Nulidade da sentença. Ausência de violação ao direito à prova. Sentença extra petita. Não caracterização do vício. Juntada de documentos tardivamente. Possibilidade, desde que assegurado o contraditório e ausente a má-fé da parte que os produziu. Responsabilidade da empresa de plano de saúde pelo custeio das despesas com o tratamento médico do consumidor. Dano moral não caracterizado. Apelação provida em parte.

(AC 66525224 PR, Albino Jacomel Gueiros, 30.09.2010).

Civil e processual civil - Agravo legal. Responsabilidade civil. Empresa de plano de saúde. Aplicação do CDC. Contratos de autogestão. Possibilidade. Exclusão de cobertura. Recusa indevida da cobertura. Dano moral configurado. Indenização devida. Decisão agravada mantida à unanimidade.

1. É plenamente aplicável o CDC nos contratos de autogestão, possuindo os segurados a condição de consumidores, e devendo ser ressarcidos integralmente dos custos inerentes ao procedimento médico necessário.

2. É cabível indenização por dano moral diante da negativa de cobertura de tratamento médico. Afinal, os abalos à honra sofridos diante de uma negativa de tratamento de tal porte superam, em muito, os efeitos nocivos de um mero aborrecimento cotidiano.

3. Os juros de mora devidos nos casos de responsabilidade extracontratual correm a partir da data do evento danoso, conforme comando da súmula 54 do STJ. (...)

6. Dano moral arbitrado em R$ 10.000,00.

7. Recurso de agravo a que se nega provimento à unanimidade, para manter a decisão agravada

(AGV 1860586 PE, Francisco Gonçalves Setorio Canto, 03.02.2011).

Agravo interno - Agravo de instrumento – Recurso especial - Responsabilidade civil - Erro médico - Empresa prestadora do plano de assistência à saúde legitimidade passiva.

A empresa prestadora do plano de assistência à saúde é parte legitimada passivamente para ação indenizatória proposta por associado em decorrência de erro médico por profissional por ela credenciado. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no Ag 682875 RJ, STJ, Paulo Furtado, 15.10.2009).

Apelação cível. Responsabilidade civil. Plano de saúde. Ausência de repasse do contrato firmado com a autora pela corretora preposta da empresa ré. Negativa de atendimento. Dano moral configurado. Sentença que condenou a ré a efetuar a migração do plano da autora para o plano Assim Saúde Básico efetivamente contratado no ato da proposta. Apelo da ré pugnando pela extinção do feito ante a ilegitimidade passiva e no mérito, alega impossibilidade de cumprir a obrigação de fazer imposta, por não ser mais o plano básico, comercializado.

1 - A empresa ré é responsável pelos atos de seus prepostos, ainda que terceirizados, devendo responder perante o consumidor por eventual lesão que causar.

2 - A apelante não trouxe aos autos qualquer prova de que lhe fosse impossível cumprir a obrigação de fazer. Limita-se a alegar não mais comercializar o plano básico anteriormente contratado.

3 - Plano básico que permanece ativo para os comercializados anteriormente. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO, ART. 557, CAPUT, DO CPC

(AC03958863320098190001 RJ, Antonio Carlos dos Santos Bitencourt, 31.03.2014).

Observa-se, assim, que as empresas mantenedoras dos serviços de plano de saúde, na condição de maiores beneficiados financeiramente com as atividades desenvolvidas, devem também responder pelos eventuais danos que seus associados venham a sofrer. A partir do momento que credenciam sujeitos para a prestação de serviços que lhe incumbe, o plano assume a responsabilidade pelos atos destes, pelas regras de responsabilidade por ato de terceiro, incorrendo em culpa in eligendo e in vigilando.


7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ficou consignado, no presente trabalho, que a responsabilidade, em sua noção geral, faz referência a uma resposta social contra um evento danoso, destinada a restaurar o equilíbrio quebrado. Assim, sempre que alguém pratica um ato ilícito, deve reparar os prejuízos causados à vítima, patrimoniais ou morais, presentes, como os danos emergentes, ou futuros, como os lucros cessantes, daí extraindo-se o sentido de responsabilidade civil, devendo o autor do dano suportar uma sanção, que possui função ressarcitória, educativa e punitiva.

Além disso, restou salientado que a responsabilidade civil pode ser dividida em contratual e extracontratual ou aquiliana. Aquela nasce do vínculo negocial entre as partes, existe um encontro prévio de vontades entre elas. Assim, quando o equilíbrio contratual é violado, através da quebra de uma cláusula ou do inadimplemento da obrigação, proporcionando danos a um dos contraentes, o lesante deve ressarcir ou reparar o prejuízo. Já na responsabilidade extracontratual, o dever de reparação não nasce de contrato, ou seja, não há uma aproximação prévia entre as partes, sendo o dano advindo de uma conduta violadora de um dever legal e geral de cuidado.

A responsabilidade civil é dividida, ainda, em subjetiva e objetiva. Nesta, basta a ocorrência do dano ligado a uma conduta, sendo prescindível a comprovação da culpa, em sentido lato, para o surgimento da obrigação de reparar. Naquela, entretanto, a culpa deve ser provada, seja através da demonstração do dolo, seja pela comprovação da culpa em sentido estrito, em suas facetas da negligência, imprudência ou imperícia.

Para que surja a responsabilidade civil, devem concorrer três elementos imprescindíveis: a conduta, o dano e o nexo de causalidade. Há autores que inserem a culpa como pressuposto ensejador. Porém, constatando-se que há casos de responsabilidade por fato de terceiros, como no caso do empregador que responde pelos atos de seus funcionários, e casos em que existe responsabilidade sem culpa, baseada na teoria do risco, não é de bom alvitre incluir o elemento subjetivo como requisito necessário, embora seja, na maioria dos casos, fundamental para gerar o dever de reparação.

Para completar o estudo do instituto de forma geral, foi feita uma abordagem sobre as suas excludentes, ou seja, os casos em que, mesmo havendo conduta e dano, não há responsabilidade em razão da quebra do nexo causal, importante para delimitar o campo de incidência da responsabilidade civil. Desse modo, excluem a responsabilidade civil a culpa exclusiva da vítima, a culpa de terceiro, o caso fortuito e a força maior, a legítima defesa, o estado de necessidade, o exercício regular de um direito e o exercício de um dever legal.

Tendo em vista as características gerais do instituto, consignou-se que a responsabilidade civil também se aplica aos profissionais, configurando a responsabilidade civil profissional, que ocorre sempre que a conduta geradora do dano seja oriunda do trabalho, em sentido amplo, de alguém. Assim, quando se presta um serviço, o profissional pode se obrigar a atingir um resultado ou apenas a utilizar todos os recursos disponíveis e toda a dedicação necessária para a consecução deste resultado, sem, entretanto, garanti-lo. Em ambas as situações, haverá uma responsabilidade subjetiva, devendo ser provada a culpa do profissional.

Sendo a atividade médica uma atividade profissional e liberal, tais noções a ela se aplicam. Assim, tem-se que a responsabilidade dos médicos é contratual, tendo em vista a formação de um negócio jurídico entre cliente e profissional, apesar da existência de casos em que a responsabilidade aquiliana poderá ser configurada. Dessa forma, o contrato entre paciente e médico revela, em regra, uma obrigação de meio. Ou seja: o profissional se obriga a empregar todas as técnicas disponíveis e todos os recursos presentes na medicina para garantir o melhor resultado possível.

Possui, portanto, o dever de informação quanto aos riscos e efeitos de procedimentos cirúrgicos, tratamentos ou medicamentos, devendo tratar sempre o cliente com zelo e atenção, não podendo, portanto, ausentar-se ou abandonar o paciente sem providenciar substituto à altura, tampouco abusar ou desviar de suas funções, realizando tratamentos, ministrando medicamentos ou procedendo com experiências no corpo do paciente, salvo se estritamente necessário ou não havendo outros métodos disponíveis. O profissional médico responde, ainda, pela perda de uma chance, ou seja, pela perda da oportunidade de curar o paciente, como a demora no atendimento ou o atraso do procedimento cirúrgico, do tratamento ou do medicamento.

Embora seja, em regra, de meio a obrigação médica, há casos em que será configurada como obrigação de resultado. Assim é a atividade do cirurgião-plástico, que garante um resultado estético agradável ou a correção de um defeito. Caso não seja este resultado atingido, responderá pelos danos causados. Diferente, porém, é o caso da cirurgia-plástica restauradora ou reparadora, realizada em pacientes que sofreram traumas estéticos oriundos de queimaduras ou acidentes, quando em que a obrigação será de meio. Também de resultado é a obrigação do anestesista, que deve garantir as perfeitas condições para a realização da cirurgia e a reanimação do paciente quando do seu encerramento.

Havendo demonstração de culpa, o erro médico será indenizável, seja delicado ou grosseiro. Exclui-se, porém, a responsabilidade quando o erro advier do estado da técnica, ou seja, das imperfeições e das incertezas da arte médica, o que se aplica também aos casos de erro de diagnóstico e nos de iatrogenia.

Por fim, buscou-se entender o funcionamento da responsabilidade de hospitais e empresas administradoras de planos de saúde. Ficou consignado, portanto, que a responsabilidade do hospital para qual o profissional labora é objetiva, tendo aquele direito de regresso contra este, devendo responder pelos atos de seus médicos. Discutível, ainda, em sede doutrinária, a questão da responsabilidade do hospital quando o médico apenas utiliza a estrutura deste para abrigar seus pacientes particulares, havendo teses favoráveis tanto à subjetividade quanto à objetividade da responsabilidade. No que toca às empresas administradoras de planos de saúde, sendo estas titulares de uma atividade econômica que visa ao lucro, têm responsabilidade solidária em casos de danos gerados seus hospitais e médicos credenciados, considerando a culpa in eligendo e in vigilando.

Em que pese a excessiva casuística da responsabilidade civil dos médicos, havendo toda sorte de opiniões doutrinárias e jurisprudenciais a respeito, buscou o presente trabalho analisar as principais situações que a envolve, considerando a problemática e a tortuosidade do tema. Objetiva-se, portanto, fazer deste estudo um instrumento de orientação a profissionais médicos e operadores do direito no que toca à difícil averiguação da incidência da obrigação de reparar os danos oriundos de condutas geradas na atividade em questão.


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Notas

  1. In: https://www.altosestudos.com.br/?p=49033

  2. In: https://www.altosestudos.com.br/?p=49033

  3. In: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm

  4. idem

  5. In: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia︎

  6. idem

  7. ibidem


CIVIL LIABILITY IN CONTRACTUAL MEDICAL ACTIVITY

Abstract: The legal institute of civil liability is among the largest generators of lawsuits and doctrinal discussions. Among its many aspects, civil liability in contractual medical activity is an increasingly recurrent theme in the disputes waged by the national courts, which involves obligations of result, medical errors and general duties of clinics, hospitals and health plan operators. Based on a qualitative study, focusing on exploratory and bibliographical research, this objective work specifically presents nuances and specificities of civil liability arising from contractual medical activity, based on the Brazilian doctrinal and jurisprudential understanding.

Keywords: Civil liability. Contract medical activity. Result obligations. Medical error. Hospitals. Health plan providers.


Autor

  • Thiago Meneses Rios

    Advogado. Pós-graduado em Direito Constitucional pelo Centro de Ensino Unificado de Teresina. Graduado em Direito pelo Centro de Ensino Unificado de Teresina. Experiência anterior como Assessor de Juiz em Vara Criminal. Experiência como estagiário da Defensoria Pública Estadual do Piauí.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIOS, Thiago Meneses. Responsabilidade civil na atividade médica contratual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7346, 12 ago. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/104919. Acesso em: 9 maio 2024.