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Zoneamento: alternativa ao estudo de impacto ambiental e estímulo ao desenvolvimento

Zoneamento: alternativa ao estudo de impacto ambiental e estímulo ao desenvolvimento

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Os benefícios do Estudo de Impacto Ambiental para o meio ambiente são grandiosos, mas os custos de sua elaboração são elevados. Existe possibilidade de conviverem medidas mitigadoras de proteção ambiental, como o Estudo de Impacto Ambiental ou o Zoneamento, e desenvolvimento econômico regional?

INTRODUÇÃO

Jared Diamond, em sua obra Colapso – como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso, relata a história de sua visita a duas fazendas de laticínios: uma localizada na região norte dos Estados Unidos da América e a outra na região sudoeste da Groenlândia. Sobre essas propriedades, o autor apontou algumas semelhanças, como exemplo, o fato de ambas serem produtivas e as mais prósperas de sua região, bem como de apresentarem dificuldade de escoamento da produção.

Tomando por base esse obstáculo ao progresso das duas propriedades e os recursos disponíveis para transcendê-lo, Diamond analisa a atitude de seus donos, alcançando a seguinte conclusão: o proprietário da fazenda localizada nos Estados Unidos investiu em tecnologia e, atualmente, é capaz de fornecer sua produção aos consumidores de toda a faixa norte do país. A fazenda localizada no sudoeste da Groenlândia, por sua vez, tinha grandes chances de se desenvolver e se tornar uma potência na produção de laticínio em sua época; porém, foi abandonada pelo seu proprietário, há mais de 500 anos, por algum motivo ainda desconhecido.

Jared conta que houve um tempo em que a sociedade da Groenlândia, formada basicamente por nórdicos, detinha um elevado grau de desenvolvimento. No entanto, toda a população daquele país ruiu: ou porque morreram de fome, em razão das guerras civis, ou emigraram até não sobrar ninguém.

Isso levou o autor a concluir que até mesmo as sociedades mais ricas e tecnológicas enfrentam problemas ambientais e econômicos crescentes que não podem ser subestimados. Atualmente, a tecnologia e os avanços científicos têm aumentado a busca de matérias-primas, cujas conseqüências têm sido o desmatamento das florestas, o aquecimento global e o não tratamento dos resíduos e efluentes que atingem os solos, rios e lençóis freáticos.

É nessa esteira que seguirá esta pesquisa, cujo ponto fulcral será demonstrar que o homem mais sábio pode cometer erros insanáveis e ocasionar sua própria destruição. Os benefícios do Estudo de Impacto Ambiental para o meio ambiente é, sem dúvida, grandioso; entretanto, os custos de sua elaboração são extremamente elevados, o que poderá causar entraves ao desenvolvimento regional.

Outro instrumento eficaz de controle da degradação ambiental é o Zoneamento. Por meio dele, é possível ao município e sua região, ao Estado ou ao país, inclusive, reorganizarem sua infra-estrutura, de modo a gerar uma quantidade menor de passivo ambiental.

Nessa linha de raciocínio, é oportuno o questionamento: existe alguma possibilidade de conviverem medidas mitigadoras de proteção ambiental, como o Estudo de Impacto Ambiental ou o Zoneamento, e desenvolvimento econômico? Esse será o tom dado ao texto, cujo objetivo será demonstrar que a convivência entre proteção ambiental e desenvolvimento econômico é perfeitamente possível, basta ao homem tomar as decisões adequadas a cada caso concreto, evitando que a predominância de uma medida sobre a outra seja motivo de catástrofes ambientais capazes de gerar problemas ainda maiores, como a extinção de espécies naturais e animais, inclusive do homem.


A humanidade pode convergir para seu próprio fim

Ao invés de tomar a palavra, gostaria de ser envolvido por ela e levado bem além de todo o começo possível. Gostaria de perceber que, no momento de falar, uma voz sem nome me precedia há muito tempo: bastaria, então, que eu encadeasse, prosseguisse a frase, me alojasse, em seus interstícios, como se ela me houvesse dado um sinal, mantendo-se, por um instante, suspensa. (...) Gostaria de ter atrás de mim (tendo tomado a palavra há muito tempo, duplicando de antemão tudo o que vou dizer) uma voz que dissesse: É preciso continuar, eu não posso continuar, é preciso pronunciar palavras enquanto as há, é preciso dizê-las até que elas me encontrem (...) (FOUCAULT, 2000, p. 5-6)

No dia 02 de dezembro de 1970, Michel Foucault ministrou aula inaugural a seus alunos do Collège de France. No pequeno trecho acima exposto, suas palavras exprimiram a mensagem de que a atual sociedade vive momentos de fragilidade e insegurança quanto às idéias que procura apresentar, porque, ao invés de tomar a palavra, ela deseja, apenas, transferi-la, dando continuidade a uma idéia que alguém iniciou há tempos.

A partir da década de 1970, o homem se conscientiza, com maior evidência, de que as conseqüências de suas atitudes não produzem uma obra pronta e acabada, mas, na verdade, são capazes de transformar aquela obra em outra; suas atitudes são, pois, meios de transformação. No entanto, a despeito de todas as transformações sociais e da "lucidez" que abarca a atual mentalidade humana, que recebeu o nome "pós-moderna", a observação dos fatos cotidianos destaca um paradoxo: apesar da aparente "lucidez" da sociedade pós-moderna, as estruturas democráticas nunca se mostraram tão frágeis, a corrupção nunca foi tão evidente, os valores básicos do homem nunca foram tão difíceis de "reconquistar" e o ambiente em que se vive e se desenvolve o ser humano nunca foi tão degradado.

Nesse sentido, a História pode constituir um termômetro importante para mostrar as tendências futuras da sociedade. Um exemplo: observando o comportamento do homem durante sua história, é possível constatar que sempre houve uma busca por aperfeiçoamento. Ao se analisar essa pretensão humana, porém, nota-se que ela parece ser envolvida por certa conotação maniqueísta, uma vez que, para o progresso se torne realidade, é imprescindível que o ambiente forneça elementos que propiciem esse desenvolvimento. BURKE & ORNSTEN (1998, p. 16) alertam que "(...) o fato de o progresso ter trazido em seu rastro um certo grau de devastação não nos deve surpreender, porque à medida que progredíamos, destruíamos".

Burke & Ornsten demonstram em seu texto essa visão maniqueísta, de certa forma derivada de seu sentido original, ou seja, não como sendo um dualismo religioso sincretista, mas considerando que há um embate entre o progresso humano e a devastação provocada por ele; existe, portanto, uma oposição de valores que sempre será inversamente proporcional, pois, segundo os autores, aquela relação entre progresso/devastação parece ser indissociável. Esse binômio, embora esteja sendo amplamente divulgado pela mídia com apelos de eminentes personalidades que perpassam tanto o mundo político como o artístico, não parece preocupar excessivamente a grande massa da população mundial.

Transcorridas quase três décadas desde a realização da Conferência de Estocolmo, em 1972, não seria um exagero afirmar que continuamos a lidar com a crise sócio-ambiental como se ela representasse apenas uma perturbação intempestiva, uma espécie de ruído de fundo a ser tratado de forma reativa e fragmentada, sem implicar a transgressão da lógica profunda que condiciona a organização das sociedades contemporâneas. Apesar do efeito mobilizador exercido pela Rio 92, as ações que vêm sendo empreendidas em nome da gestão ambiental ou do desenvolvimento sustentável (sic) têm se mostrado até o momento ambíguas, fragmentadas e pouco capazes de fazer justiça à complexidade dos desafios criados pela busca de redução das desigualdades no interior de cada país e entre países, de consolidação progressiva de novos arranjos institucionais para um controle democrático-participativo dos riscos da evolução técnica, e de internalização de uma relação de simbiose autêntica e duradoura dos seres humanos com a natureza.

Isto nos leva a admitir que, no plano das mudanças efetivas (sic) de comportamento, a crise sócio-ambiental constitui um item ainda marginal da agenda de preocupações cotidianas da maior parte da população do planeta (LEFF, 2002, p. 09).

Da leitura do texto de Enrique Leff, publicado em sua obra Epistemologia Ambiental, percebe-se que aquele autor propõe um questionamento sobre o que está sendo realizado no planeta para, efetivamente, reduzir a desigualdade no interior dos países e entre os países e por que a questão sócio-ambiental ainda é considerada segundo plano para a população. O próprio texto, porém, apresenta a resposta: não há uma efetiva modificação no comportamento humano, o que sugere a idéia de que o próprio homem parece desconhecer as causas que o levam a sua própria destruição – ou conhecem, mas são incapazes de modificá-las.

Em interessante trabalho intitulado Colapso – como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso, Jared Diamond cita a obra do arqueólogo Joseph Tainter, intitulada The Collapse of Complex Societies [01]; na qual Tainter investiga os possíveis motivos pelos quais as sociedades antigas – como a sociedade da Ilha de Páscoa, os Maias, os Astecas, os Vikings e grande parte dos povos nórdicos, os povos anasazis, que se localizavam a sudoeste dos Estados Unidos da América entre os anos 1130 e 1400 – entraram em colapso. Joseph acredita que o fracasso dessas sociedades não ocorreu em razão da ausência de recursos naturais e, portanto, rechaça a idéia de que existe uma relação entre progresso, caracterizado por ele como a formação de uma sociedade avançada e complexa, e a devastação ambiental.

Uma suposição deste modo de ver as coisas é a de que tais sociedades ficaram imóveis observando o seu crescente enfraquecimento, sem tomarem ações corretivas. Eis aí uma grande dificuldade. As sociedades complexas se caracterizam através da tomada de decisões centralizadas, alto fluxo de informações, grande coordenação das partes, canais de comando formais e compartilhamento de recursos. Muito dessa estrutura parece ter a capacidade, se não o propósito intencional, de superar flutuações e deficiências de produtividade. Com sua estrutura administrativa e capacidade de alocar trabalho e recursos, lidar com condições ambientais adversas deve ser uma das coisas que as sociedades complexas fazem de melhor. (...) É curioso que entrem em colapso quando confrontados precisamente com tais condições para as quais estão equiparadas a superar (...) À medida que se torna evidente para os membros ou administradores de uma sociedade complexa que um recurso básico está se esgotando, parece mais que razoável presumir que alguns passos racionais serão tomados para que se chegue a uma solução. A premissa alternativa – e inércia diante do desastre – exige um crédito de confiança que corretamente hesitamos em dar (DIAMOND, 2005, p. 502).

Conquanto Tainter defenda a idéia de que as sociedades complexas não decaíram em razão da má administração de seus recursos naturais, Jared Diamond propõe, em sua obra, uma teoria diferente. Entende esse autor que progresso e desenvolvimento, quando realizados de forma desordenada, podem resultar em colapsos sociais de grandes magnitudes. Diamond sugere que aquelas sociedades pecaram em seu desenvolvimento em virtude de equívocos no instante em que precisavam tomar decisões importantes. Nesse sentido, o autor expõe a seguinte idéia: entendendo como os grupos decidem de forma errada, é possível usar esse conhecimento como norte para se tomar decisões acertadas.

Jared apresenta quatro fatores que contribuem para o fracasso da tomada de decisões em grupo: em primeiro lugar, o autor investiga os grupos que fazem coisas desastrosas porque não foram capazes de antever o problema antes que este surgisse; em segundo lugar, a análise se volta para o problema que existe, mas o grupo não consegue identificá-lo; num terceiro momento, o estudo converge para o fato de que o problema existe, o grupo consegue identificá-lo, mas não tenta resolvê-lo e, por fim, o autor demonstra a situação na qual o problema existe, o grupo o identifica, tenta resolvê-lo, mas não é bem sucedido.

Com relação ao fato de as sociedades realizarem ações desastrosas em razão de não serem capazes de antever o problema antes que ele apareça, Jared Diamond cita dois argumentos interessantes: um deles se consolida na idéia de que a sociedade simplesmente não teve experiência prévia de tal problema e, portanto, sequer cogitavam a hipótese de que ele poderia surgir; a outra envolve o raciocínio com o que o autor chama de "falsa analogia". A fim de ilustrar sua tese, o autor expõe como exemplo a exploração do marfim pela sociedade nórdica da Groenlândia e a erosão do solo ocorrida em território Maia.

Ao investir pesadamente na caça de morsas para exportar seu marfim para a Europa, a Groenlândia Nórdica não podia prever que os cruzados iriam eliminar o mercado de marfim de morsa ao reabrirem o acesso ao marfim de elefantes da Ásia e da África, ou que o aumento do gelo marinho impediria o trânsito de barcos para a Europa. Do mesmo modo, não sendo cientistas especialistas em solos, os maias de Cópan não podiam prever que o desmatamento das encostas das colinas desencadearia a erosão do solo desde as encostas até o fundo dos vales. (DIAMOND, 2005, p. 504) grifo nosso.

O autor arremata sua argumentação alegando que "(sic) Embora vivamos em uma sociedade letrada, moderna, cuja escrita discute os assuntos além de reis e planetas (...) Também tendemos a esquecer os fatos" (DIAMOND, 2005, p. 505).

Outra característica que embasa a idéia de que as sociedades podem tomar decisões desastrosas pela ausência de previsão do fatos se concentra na falsa analogia. Ela ocorre quando se está diante de uma situação desconhecida e, por essa razão, existe uma tendência em traçar analogias com situações familiares. Conforme expõe o autor, a utilização deste meio "pode ser perigoso quando [as situações] sejam superficialmente similares" (DIAMOND, 2005, p. 505), grifo nosso.

Um famoso e trágico exemplo moderno de raciocínio através de falsa analogia envolve a preparação militar francesa para a Segunda Guerra Mundial. Após o terrível banho de sangue da Primeira Guerra Mundial, a França reconheceu a necessidade vital de se proteger contra outra possível invasão alemã. Infelizmente, o estado-maior francês supôs que a próxima guerra mundial seria travada de modo semelhante à primeira, na qual a frente ocidental entre França e Alemanha ficaria fechada em frentes estáticas de trincheiras durante quatro anos. (...) Assim, a França construiu um sistema de fortificações elaborado e dispendioso, a linha Marinot, para proteger a frente oriental contra a Alemanha. Mas o estado-maior alemão reconheceu a necessidade de uma estratégia diferente. Usou tanques em vez de infantaria ao lançar seus ataques, reuniu os tanques em divisões blindadas separadas, contornou a Linha Marinot através de terreno florestal, anteriormente considerado inadequado para tanques, e derrotou a França em apenas seis semanas. Ao racioncinar por falsa analogia com a Primeira Guerra Mundial, os franceses cometeram um erro comum: freqüentemente, os generais planejam uma guerra iminente imaginando que será igual à anterior, em especial se em tal guerra anterior o seu lado tenho se saído vitorioso. (DIAMOND, 2005, p. 506) grifo nosso.

A segunda hipótese apontada por Diamond se concentra no fato de a sociedade ter consciência de que o problema existe, porém, não ser capaz de identificá-lo. Uma das razões que levaram o autor a alcançar essa conclusão diz respeito àqueles problemas que não se pode perceber, como é o caso dos nutrientes que fornecem o sustento do solo, os quais são invisíveis ao olho humano. Um clássico exemplo se concentra no desmatamento, que ocasiona a lixiviação do solo pela água da chuva, processo que remove tais nutrientes do solo e o tornam pobre para a lavoura. Nas sociedades antigas, não havia tecnologia suficiente para visualizar tais nutrientes e, pois, não era possível identificar tal problema.

Outro motivo apontado por Jared é a administração a distância dos recursos naturais. A distância entre a sede da administração de uma empresa, por exemplo, e sua propriedade pode resultar em graves danos ao meio ambiente e ao patrimônio da empresa, tendo em vista que não será possível agilizar uma ação capaz de evitar a degradação ambiental ou ainda recuperar, rapidamente, o que já fora degradado.

O autor entende que uma das circunstâncias mais problemáticas que impedem a sociedade de diagnosticar problemas ambientais e resolvê-los em tempo hábil consiste num fenômeno oculto, conhecido por "tendência lenta", "normalidade deslizante", ou ainda por "amnésia de paisagem".

Os políticos usam o termo "normalidade deslizante" para se referir a essas tendências ocultas por trás de flutuações confusas. Se a economia, a educação, o trânsito ou qualquer outra coisa estiverem se deteriorando aos poucos, é difícil reconhecer que cada ano sucessivo está em média ligeiramente pior do que o anterior, de modo que o padrão básico daquilo que constitui a "normalidade" muda gradual e imperceptivelmente. (...) Outro termo relacionado à normalidade deslizante é a "amnésia de paisagem": esquecer-se de quão diferente era a paisagem há 50 anos devido às mudanças graduais ano a ano. (DIAMOND, 2005, p. 508-509)

Confirmando a idéia de Diamond acerca da tendência lenta, também conhecida como normalidade deslizante, Burke & Ornsten citam a devastação ocorrida na ilha da Nova Zelândia, no momento em que o povo maori passa a habitar aquele território.

No início, mal se notavam as marcas deixadas por nossos machados em meio às incomensuráveis riquezes do planeta. Por isso demos pouca atenção à destruição, olhamos sempre em frente, na direção de um horizonte inalcançável. Mas podemos ter uma medida do que fazíamos há dezenas de milhares de anos a partir do último e mais bem preservado registro do machado deixado no Éden. O acontecimento em questão se deu há não mais de mil anos, quando os maoris chegaram à Nova Zelândia. Na época, o animal predominante era o moa, um grande pássaro incapaz de voar. Pesava alguma coisa entre 10 e 200 quilos e, não havendo nenhum mamífero ameaçador, ele assumiu o papel comum aos comedores de ervas e frutas. Os moas eram tão numerosos que ocupantes europeus posteriores tinham dificuldade de arar a terra por causa da quantidade de ossos deles deixadas. Mas passados quinhentos anos desde a chegada dos maoris, os moas da Nova Zelândia haviam desaparecido. Evidências arqueológicas mostram que a carne do moa sustentou os primeiros grupos maoris, que chegavam a ter cinqüenta membros, sem necessidade da agricultura. Os maoris se apossaram do moa como um lanche gratuito e só mais tarde descobriram que isso não existia (BURKE; ORNSTEIN, 1998, p. 261-262)

O terceiro fator, e mais comum, segundo o Diamond, concentra-se na idéia de que o problema existe, a sociedade consegue identificá-lo, mas não tenta resolvê-lo. Essa aparente imobilidade se dá em razão do que os cientistas chamam de "comportamento racional".

Muitas das razões para isso [a identificação do problema e a falta de iniciativa para resolvê-lo] recaem sob aquilo que os economistas e outros cientistas sociais chamam de "comportamento racional" que surge de conflitos de interesse. Ou seja, alguns indivíduos avaliam corretamente que podem agir em seu próprio benefício através de comportamento nocivo para outras pessoas. Os cientistas denominam este comportamento de "racional" porque envolve raciocínio correto, embora possa ser moralmente repreensível. (DIAMOND, 2005, p. 510)

Uma peculiaridade que se manifesta por meio do comportamento racional é a chamada "tragédia do bem comum". Por meio desta atitude – que pode ser considerada irracional se analisada com maior profundidade – o grupo social visa à explorar a capacidade máxima de determinado ecossistema, mesmo que isso resulte na destruição do bem comum e, por conseqüência, no prejuízo de todos os consumidores.

Um modo particular de conflito de interesse tornou-se conhecido como "tragédia do bem comum" (...). Considere uma situação na qual muitos indivíduos consumam um recurso comum, como pescadores pescando em um lugar no mar, ou criadores pastoreando suas ovelhas em um pasto comunitário. Se todos superexplorarem os recursos, estes se tornarão escassos devido à sobrepesca ou ao sobrepastejo e assim declinarão ou até mesmo desaparecerão, e todos os consumidores irão sofrer com isso. Portanto, seria de interesse comum de todos os consumidores serem comedidos e não superexplorarem tais recursos. Mas uma vez que não há regulamentação efetiva de quanto cada um pode tirar para si daquele recurso, então cada consumidor pode corretamente pensar: ‘Se eu não pescar esse peixe ou não deixar minhas ovelhas pastarem, outro pescador ou pastor o fará, de modo que não vejo sentido em ser comedido’ (DIAMOND, 2005, p. 512)

Outro conflito apontado por Diamond e que envolve comportamento racional se concentra no fato de a elite tomar decisões que vão de encontro com os interesses sociais. Defende ele que as elites tem uma propensão a "fazer coisas em seu próprio benefício, sem se incomodar que tais ações venham a prejudicar outros" (DIAMOND, 2005, p. 514). Neste sentido, Jared Diamond cita a obra de Barbara Tuchman, chamada A marcha da insensatez, na qual a autora reflete sobre decisões desastrosas e outros atos de sociedades que foram destruídas em razão das más decisões tomadas por seus governantes. Tuchman aponta que

A maior de todas as forças a afetar a insensatez política é a luxúria pelo poder, que Tácito definiu como ‘a mais repreensível de todas as paixões’. Como resultado da luxúria pelo poder, os chefes da ilha de Páscoa e os reis maias agiram para acelerar o desmatamento em vez de evitá-lo: seu prestígio dependia de erguerem estátuas e monumentos cada vez maiores que os de seus rivais. Estavam presos em uma espiral competitiva, de tal forma que qualquer chefe que erguesse estátuas ou monumentos menores para poupar as florestas seria desprezado e perderia o cargo. (TUCHMAN, 1984, apud DIAMOND, 2005, p. 515) grifo nosso

Na linha do comportamento racional, existe ainda o chamado "comportamento irracional", considerado o "comportamento nocivo para todos (...), surge sempre quando cada um de nós, individualmente, está prejudicado pelo conflito de valores (...), ou seja, sentimo-nos relutantes em abandonar políticas nas quais já investimos muito" (DIAMOND, 2005, p. 516).

Como último fator apontado por Jared como causador das catástrofes ambientais e, conseqüentemente, dos fracassos sociais na tomada de decisões converge para o fato de que o problema existe, o grupo obtém êxito em identificá-lo, tenta resolvê-lo, mas, infelizmente, não é bem sucedido. Isso pode ocorrer porque "o problema pode estar além de nossa capacidade de resolvê-lo, pode haver uma solução mas ser proibitivamente dispendiosa, ou nossos esforços podem ser limitados ou tardios" (DIAMOND, 2005, p. 521).

Verifica-se, portanto, que Diamond discorda de Tainter no que tange ao fracasso das sociedades complexas em virtude da ausência dos recursos naturais. Obviamente, toda sociedade moderna é dependente da extração daqueles recursos, sejam eles renováveis ou não renováveis. "Talvez o segredo do sucesso ou do fracasso de uma sociedade seja em saber em quais valores fundamentais se apegar, e quais descartar e substituir por novos quando os tempos mudarem" (Op. cit., 2005, p. 518). Ou seja, é possível constatar que o foco dos problemas ambientais não se concentra no ato de extrair, pura e simplesmente, os recursos naturais de que a sociedade necessita; mas sim na quantidade de recursos a serem extraídos e como esses recursos serão tratados, isto é, onde e como serão armazenados, como será realizada a recuperação da área degradada, visando à geração mínima de passivo ambiental, como impedir que tal extração de recursos naturais agrida determinado ecossistema e seu entorno, dentre outros questionamentos.


Uma questão cultural complexa

Como foi possível identificar no tópico anterior, existia – e continua existindo – um conflito que vigorava entre os seres humanos em virtude de poder, riqueza, política ou ainda em razão da escassa – ou nenhuma – experiência de vida de uma sociedade. A partir da revolução industrial e alcançando o século XX, a preocupação com o meio ambiente toma contornos distintos e abrange questões culturais complexas, de difícil superação: de um lado, a supremacia de uma postura ética de caráter antropocêntrico, individualista e imediatista e, de outro, o problema da relação do ser humano, ciência, tecnologia e mercados capitalistas, caracterizada pela crença na infalibilidade do conhecimento científico e na perpetuidade do progresso tecnológico em virtude do crescimento dos investimentos em todo o planeta.

O que parece estar triunfando, talvez em definitivo, neste processo de imbricação dos mercados que se impõe em todas as regiões do mundo, independentemente das políticas que este ou aquele país venha a seguir, seria – em termos de uma radicalização do ideário clássico do individualismo possessivo (sic) – uma certa concepção de liberdade individual indiferente à percepção de limites (sic), de constrangimentos intransponíveis ao crescimento material e populacional no sistema-mundo (LEFF, 2002, p. 10).

O domínio da ciência e da tecnologia trouxe, por um lado, comodidade, progresso e desenvolvimento em um curto espaço de tempo; por outro lado, o uso inconsciente causou problemas desagradáveis a longo prazo, em razão da maneira como o homem utiliza a ciência e a tecnologia para interagir com o meio ambiente, como ocorreu na chamada "Revolução Verde", em 1950.

Na década de 1950, o atendimento da demanda acarretou inovações nas técnicas de produção de alimentos que vieram a ter efeitos colaterais inesperados e de largo alcance. Milhões de pessoas foram salvas da morte no Terceiro Mundo pelo último milagre especialista, a chamada ‘Revolução Verde’, que introduziu variedades novas e altamente produtivas de cereais e arroz e propiciou saltos espetaculares na produção de alimentos. As novas estirpes solucionaram uma variedade de problemas locais devido à sua relativa insensibilidade às diferenças de solo e clima, extremamente variados em áreas semitropicais.

(...)

O problema com as variedades da Revolução Verde é que esta ignorava a experiência dos agricultores do Terceiro Mundo com seu meio ambiente local e, ao contrário, levava-os a se apoiarem fortemente em fertilizantes oriundos do Primeiro Mundo.

(...)

Entre 1970 e 1973, a armadilha estava montada. Com o grande aumento do preço do petróleo, os preços dos fertilizantes quadruplicaram enquanto o produto da Revolução Verde apenas dobrou. Aconteceu o mesmo em 1980. Enquanto isso, de 1950 a 1975, a área de terra cultivada em todo o mundo cresceu apenas um quinto, enquanto o uso global de fertilizantes caros cresceu sete vezes (BURKE & ORNSTEIN, 1998, p. 264-266).

Embora não se possa atribuir a responsabilidade pelos danos ambientais somente ao capitalismo, é notório, como evidencia Burke & Ornsten, que o investimento em tecnologia com o objetivo de aumentar a produtividade agrícola dos países do chamado Terceiro Mundo, foi resultado de manobras capitalistas dos países do chamado Primeiro Mundo, visando ao lucro. Ou seja, o sistema capitalista é próspero, tendo em vista a infinidade de benefícios que traz ao homem moderno; entretanto, não se pode negar que aquele sistema colabora com o aumento da degradação ambiental, uma vez que a extração de recursos naturais constitui um dos motores que impulsionam o desenvolvimento social.

Essa evidência apenas vem confirmar a idéia inicial deste trabalho: a de que as más decisões tomadas pelo homem, em razão de algum motivo inserido nos quatro fatores apontados por Jared Diamond, são responsáveis pela devastação ambiental, pelo exaurimento dos recursos naturais e pelo aumento exacerbado da temperatura que hoje se constata no planeta.

Nesse sentido, o britânico Bertrand Arthur William Russell, um dos mais influentes matemáticos, filósofos e lógicos do século XX, em sua obra O Elogio ao Ócio, alertou para o fato de que "A idéia de que as atividades desejáveis são aquelas que dão lucro constitui uma completa inversão da ordem das coisas" (RUSSELL, 2002, p. 17). Logo, extrair exageradamente recursos naturais de qualquer região do planeta e apontar tal atitude como sendo a principal atividade para angariar lucro e, por conseqüência, obter desenvolvimento, consistiria em afirmar que o homem substituiu seus valores fundamentais pelo valor expresso numa nota de dólar, ou ainda, por um título cambial.

Um exemplo dessa exploração sem limites de recursos naturais, com esteio no desenvolvimento humano, pode ser encontrado no mau uso da água.

A técnica de irrigação (...) mudou nossas atitudes, há cinco mil anos. Quando os primeiros sistemas de irrigação e suas técnicas de administração foram desenvolvidas na China, Egito, Mesopotâmia e no Vale do Indo, eles alimentaram e organizaram concentrações populacionais cada vez maiores, provocando o início da civilização.

Desde então, os engenheiros têm assegurado suprimentos de água sempre maiores (...) enormes volumes de água estão disponíveis nos reservatórios para a produção hidrelétrica e a irrigação; até mesmo os rios foram desviados para abastecerem países inteiros.

(...)

Mas, no século XX, a demanda de água cresceu a tal ponto que as fontes perenes estão sendo drenadas mais rápido do que a natureza é capaz de repor. O resultado disso é que a água é hoje talvez o recurso mais escasso da Terra (BURKE & ORNSTEIN, 1998, p. 267).

Outro exemplo que pode elucidar ainda mais a idéia aqui defendida se concentra no aumento da densidade demográfica e o conseqüente desmatamento, seja para a produção agrícola, seja para produzir pastagem para a produção pecuária, gerando como resultado a devastação da fauna, da flora e a criação do que Burke & Ornsten chamam de "ilhas" biológicas isoladas.

Em países densamente florestados como o Brasil, o corte-e-queima da expansão agrícola e a apropriação de terras (...) são as causas de grandes desflorestamentos.

(...)

Com o desaparecimento das florestas, ecossistemas inteiros estão sendo transformados em "ilhas" biológicas isoladas. E a danificação de suas ligações vitais com outros ecossistemas estão causando o colapso da fauna e da flora.

(...)

Todas essas causas e efeitos do corte-e-queima descontrolado com as quais fomos indulgentes ao longo da história trouxeram resultados lamentáveis. Mas um fator está sempre presente, tornando as coisas ainda piores: o crescimento populacional. Ironicamente, o aumento da quantidade de seres humanos era até bem pouco tempo considerado como o maior dos grandes sucessos, porque assinalava o surgimento de métodos cada vez mais eficazes no combate contra a morte causada pela fome e pela doença. (BURKE & ORNSTEIN, 1998, p. 273, 274 e 276).

A análise acurada de todos os exemplos aqui elencados retorna à idéia apresentada por Bertrand Russel, já citada acima, de que ter em mente o fato de as atividades que mais se desejam são aquelas que dão lucro constitui plena inversão da ordem das coisas. E essa inversão atinge, principalmente, os valores fundamentais consagrados na Constituição Federal de 1988 e diretamente ligados aos direitos humanos.

Leonardo Zagonel Serafini (in PIOVESAN, 2006, p. 148), defende a idéia de que uma abordagem separada entre a proteção ao meio ambiente e a proteção dos direitos humanos constitui um grave erro de compreensão ao estudioso, pois agindo assim, ele "desconsidera o fato de que a maior parte dos problemas ambientais vivenciados atualmente decorrem de graves violações de direitos humanos".

Celso Antônio Pacheco Fiorillo analisa a questão ambiental sob o ponto de vista do princípio da dignidade humana, visto que uma das condições para se ter uma vida digna consiste na satisfação dos direitos básicos elencados na Constituição Federal, entre eles, o direito ao meio ambiente equilibrado.

Insere-se, pois, neste ponto, a discussão acerca da relação existente entre o direto a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e o direito à vida e à saúde, uma vez que, conforme argumenta Serafini (in PIOVESAN, 2006, p. 147) "o comprometimento de um direito humano pode impedir a fruição de outros", tendo em vista que "a existência de um meio ambiente ecologicamente equilibrado em um contexto onde a população não consegue exercer os direitos básicos do ser humano, tais como: acesso à água, ao alimento, a uma moradia salubre, não tem sentido no atual contexto social global" (in PIOVESAN, 2006, p. 149), o que se fundamenta também no Princípio 1º da Declaração de Estocolmo (1972) e do Rio de Janeiro (1992).

O pensamento de Serafini não destoa da argumentação do embaixador Geraldo Eulálio do Nascimento e Silva, o qual afirma que

(...) do ponto de vista ambiental, a pobreza é fator de poluição e de degradação ambiental. A poluição ocasionada pela pobreza resulta, em grande parte, da falta de instalações sanitárias, de esgotos, de tratamento de rejeitos orgânicos, que acabam atingindo o mar através dos rios.

Neste sentido, segundo o embaixador, há que se considerar que a

(...) pobreza não se limita ao aspecto econômico, pois se estende a todos os aspectos da vida do homem: fraqueza física e enfermidades, falta de acesso aos serviços essenciais, falta de informação, controle limitado sobre os recursos, subordinação, exploração por poderes sociais e econômicos mais fortes, vulnerabilidade a estresse, falta de segurança, marginalização social e cultural. (...)

Dessa forma, destaca Fábio Konder Comparato que "a geração presente tem o dever fundamental de garantir às futuras uma qualidade de vida pelo menos igual à que ela desfruta atualmente. Mas esse poder dever (...) seria despido de sentido se não se cuidasse de superar, desde agora, as atuais condições de degradação ambiental em todo o planeta, degradação essa que acaba por prejudicar mais intensamente as massas miseráveis dos países subdesenvolvidos".

Verifica-se, neste diapasão, a nítida inter-relação entre os direitos humanos e o direito ao meio ambiente equilibrado. Considere-se, contudo, que embates podem eclodir desta interligação, requerendo do estudioso uma apurada compreensão acerca da "inclusão de cada um desses direitos no contexto dos instrumentos legais de proteção da vida" (in PIOVESAN, 2006, p. 152).

Assim, tal como salientado no início deste trabalho, deve-se ressaltar que

(...) No direito positivo brasileiro, (...), a proteção jurídica do meio ambiente é do tipo antropocêntrica alargada, pois nesta verifica-se um direito ao meio ambiente equilibrado, como bem de interesse da coletividade e essencial à sadia qualidade de vida. Além disso, a tutela do meio ambiente está vinculada não à interesses imediatos e, sim, aos citados interesses intrageracionais. Não há como refutar, dessa forma, que no sistema jurídico brasileiro, além da proteção à capacidade de aproveitamento do meio ambiente, simultaneamente, visa-se a tutelar o mesmo, para se manter o equilíbrio ecológico e sua capacidade funcional, como proteção específica e autônoma, independente do benefício direto que se advenha ao homem" (MORATO LEITE & AYALA, 2002, p. 48-49).

Isto implica na concordância com Noam Chomsky, segundo o qual

"Os seres humanos são a única espécie que tem história. Se tem também um futuro não está tão claro. A resposta está na perspectiva de movimentos populares firmemente enraizados em todos os setores da população, dedicados aos valores que foram reprimidos ou postos à margem da ordem social e política existente: comunidade, solidariedade, preocupação com o frágil meio ambiente que deverá sustentar as gerações futuras, trabalho criativo sob controle voluntário, pensamento independente e verdadeira participação popular em todos os aspectos da vida." (apud, BURKE; ORNSTEN, 1998, p. 283)

Ao Direito, portanto, coloca-se, mais uma vez, o desafio de buscar regulamentar a atividade humana, com vistas à manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, única forma de assegurar uma sadia qualidade de vida para as presentes e futuras gerações.


Conhecendo os dois institutos: Zoneamento e EIA

A preocupação com a preservação do meio ambiente constitui, concomitantemente, uma questão local e uma questão global; trata-se de uma questão local pois, conforme explicado no capítulo anterior, uma das maneiras para se obter êxito na preservação ambiental consiste em estar próximo ao ecossistema que se deseja proteger, ou melhor, consiste na proximidade entre o responsável pela preservação e o ecossistema a ser preservado; ao mesmo tempo, constitui uma questão global porque as decisões tomadas em âmbito local repercutem além das fronteiras geopolíticas, influenciando, inclusive, a economia das nações.

Esse ímpeto, neste século XXI, é encontrado em todos os países, justificando a criação de inúmeros organismos internacionais. Entre estas, é possível destacar a agência da Organização das Nações Unidas – ONU – responsável por catalisar a ação internacional e nacional para a proteção do meio ambiente e a promoção do desenvolvimento sustentável – PNUMA [02] – a qual criou, em 1988, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, IPCC na sigla em inglês, cujo objetivo era "avaliar as informações científicas, técnicas e sócio-econômicas existentes acerca das mudanças climáticas, seus potenciais impactos e as possibilidades de adaptação do homem e de diminuição de tais impactos (...) [03]" (online, ONU, 2007).

De acordo com a ONU, o IPCC "será finalizado com o 4° relatório de avaliação das Mudanças Climáticas 2007, também conhecido como AR4. O relatório, que tem origem em três grupos de trabalho, oferece uma ampla e atualizada avaliação sobre as mudanças climáticas" [04] (online, ONU, 2007).

Esse painel, promovido pela ONU, é divido em três Grupos de Trabalho, conhecidos por "GT". O primeiro Grupo de Trabalho (GT-I), é responsável por estudar os aspectos científicos das mudanças climáticas; ao segundo Grupo (GT-II), incumbe avaliar os impactos produzidos por tais alterações no clima, bem como investigar a capacidade do homem de se adaptar a elas; enquanto o terceiro Grupo (GT-III) cuidará de fatores científicos, técnicos, ambientais e sócio-econômicos capazes de auxiliar na mitigação daquelas mudanças.

Cada um dos Grupos de Trabalho ficou incumbido de lançar um relatório de atividades; destes três, resultará um quarto relatório sobre as alterações climáticas, o qual será avaliado no mês de novembro de 2007, na cidade de Valência, na Espanha.

Esse último relatório tem por objetivo expor um amplo quadro acerca das mudanças climáticas ocorridas no planeta. As informações constantes desse documento, certamente, influenciará as atividades humanas no que tange à manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Diante desse novo paradigma, é de responsabilidade de todos os profissionais de todas as áreas do conhecimento, bem como dos cidadãos de todo o planeta, o auxílio à proteção ao meio ambiente, de forma a assegurar o desenvolvimento sustentável e o equilíbrio ecológico para as futuras gerações. Esse auxílio cabe, inclusive "[...] ao Direito, como instrumento regulador da atividade humana, [...] a necessidade de preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado [...]" (IBCCRIM, 2007, p. 01).

Não se espera que as informações contidas no relatório que será apresentado pela ONU revelem situações de equilíbrio ambiental; pelo contrário, as estimativas não são positivas [05]. Espera-se que sejam tomadas medidas repressivas, ou seja, de combate à degradação ao meio ambiente.

No entanto, para aqueles ecossistemas que ainda não foram degradados – ou não foram devastados em sua totalidade – é possível estabelecer políticas de preservação. Nesse sentido, o Direito pode exercer um papel importante, através da efetivação das regras de direito ambiental, notadamente, da implementação do Estudo Prévio de Impacto Ambiental, previsto no art. 225, § 1º, IV da Constituição Federal, bem como do instituto do zoneamento.


Considerações sobre o Estudo de Impacto Ambiental – EIA

- Dependerá de elaboração de estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto ambiental - RIMA, a serem submetidos à aprovação do órgão estadual competente, e do IBAMA, em caráter supletivo, o licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente

(...)

Art. 3º - Dependerá de elaboração de estudo de impacto ambiental e respectivo RIMA, a serem submetidos à aprovação do IBAMA, o licenciamento de atividades que, por lei, seja de competência federal.

O Relatório de Impacto Ambiental – RIMA e o Estudo de Impacto Ambiental – EIA apresentam sensíveis diferenças. A primeira delas é que o EIA é mais abrangente que o RIMA, englobando-o. O EIA compreende o levantamento da literatura científica e legal pertinente, trabalhos de campo e análises de laboratório referentes ao local onde será instalada a obra ou atividade potencialmente poluidora. Já o RIMA trata-se de um relatório que refletirá as conclusões alcançadas pelo EIA, sendo certo, portanto, que o EIA precede o RIMA. Dissociado do EIA, o RIMA perde sua validade, além de ocasionar vícios durante o procedimento de licenciamento ambiental.

Dois anos depois, a Constituição Federal de 1988 – a primeira no mundo a prevê-lo – também deixou insculpida a exigência do Estudo de Impacto Ambiental em seu art. 225, §1º, IV, o qual menciona que:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

Analisando o conteúdo normativo desse dispositivo constitucional, Paulo Affonso Lemes Machado (2002) extrai algumas características essenciais e de grande relevância sobre o tema.

A primeira delas seria o fato de o inciso IV, acima citado, mencionar que o Estudo de Impacto Ambiental – EIA deve ser exigido para a instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de degradação. É notório, portanto, que o Estudo de Impacto Ambiental deverá ser anterior à autorização da obra ou da atividade, não podendo ser concomitante e tampouco posterior a ela.

A segunda característica pode ser encontrada na expressão instalação de obra ou atividade. A Constituição Federal deixa clara a distinção entre instalação de obra e funcionamento de atividade por meio da conjunção disjuntiva "ou", o que leva à conclusão de que o Estudo de Impacto Ambiental pode ser exigido para ambas as hipóteses, desde que haja a possibilidade de degradação significativa do meio ambiente. Neste caso, entende-se por "significativa" a agressão ambiental provável que possa causar dano sensível, ainda que não seja excepcional ou excessivo.

Outra peculiaridade importante a ser ressaltada se concentra no fato de que o Estudo de Impacto Ambiental deve ser público; em outras palavras, deve observar os preceitos estabelecidos pelo princípio da publicidade. Isso não significa dizer que a empresa ou a indústria deverá se expor a ponto de devassar seus segredos industriais e comerciais. Ao contrário, o estudo apenas se tornará público naquilo que não transgredir o segredo industrial, como se infere também da leitura do art. 11 da Resolução CONAMA 001/86.

Art. 11 - Respeitado o sigilo industrial, assim solicitando e demonstrando pelo interessado o RIMA será acessível ao público. Suas cópias permanecerão à disposição dos interessados, nos centros de documentação ou bibliotecas da SEMA e do estadual de controle ambiental correspondente, inclusive o período de análise técnica.

A última característica a ser apontada não está no texto constitucional, mas se encontra na legislação infraconstitucional, notadamente nos arts. 2º e 3º da Resolução CONAMA 001/1986. Da leitura desses dispositivos, é possível perceber que o EIA está condicionado "à aprovação por um órgão estadual competente e, supletivamente, pelo IBAMA". Significa dizer que o EIA está condicionado às entidades autárquicas responsáveis pela proteção ambiental, como o Instituto Ambiental do Paraná – IAP [06] e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, levando à conclusão de que aquele estudo não deve ser exigido pelo particular ou por qualquer outra entidade, mas apenas pelo Poder Público.

Assim, o Estudo de Impacto Ambiental se caracteriza, em síntese, por ser essencialmente de caráter preventivo, que decorre tanto da natureza da proteção ambiental, que implica anterver situações de risco para o meio ambiente e atuar no sentido de evitar o dano, quanto da norma constitucional federal que estabelece incumbência ao Poder Público de exigir, na forma da lei, estudo prévio de impactos ambientais; anterior à autorização da obra ou da atividade potencialmente poluidora, por seguir os ditames do princípio da publicidade e, além disso, por ser exigido exclusivamente por um órgão do Poder Público.

Tais características são extremamente importantes para a compreensão desse instituto jurídico, tendo em vista que as obras e projetos federais – bem como as obras e projetos estaduais ou municipais que tenham recebido ou irão receber verbas federais – serão obrigados a considerar o "efeito ambiental" em seu planejamento, o que leva à conclusão de que o planejamento da obra ou da atividade deverá ser acompanhado, paralelamente, pelo Estudo de Impacto Ambiental, cujos motivos serão explicitados no tópico posterior.


A relação entre o Estudo de Impacto Ambiental e o planejamento ambiental do empreendimento

Segundo Paulo Affonso Leme Machado,

O inconveniente de um estudo sobre um projeto é que freqüentemente não se pode constatar senão uma situação encontrada, sem ser possível proporem-se verdadeiras alternativas. Poder-se-ia discutir o traçado de uma auto-estrada, com a mudança em alguns quilômetros, mas os inconvenientes ecológicos subsistiriam, quando teria sido possível em um estudo mais global em nível do planejamento dos transportes, medir mais adequadamente as influências sobre o ambiente de uma rede de auto-estradas em relação ao desenvolvimento das estradas de ferro ou do aperfeiçoamento da rede rodoviária existente. (2002, p. 197)

O pensamento acima descrito evidencia que a elaboração de um estudo restrito a emitir parecer sobre o projeto do empreendimento não é suficiente quando envolve matéria que diz respeito ao meio ambiente. As verificações realizadas num Estudo de Impacto Ambiental devem oferecer ao Poder Público suporte mais amplo, ou seja, deve proporcionar a possibilidade de formular uma avaliação favorável ou desfavorável sobre a atividade ou a obra a ser desenvolvida em determinada região, e não apenas sobre o projeto.

A função do procedimento de avaliação [leia-se Estudo de Impacto Ambiental] não é influenciar as decisões administrativas a favor das considerações ambientais, em detrimento das vantagens econômicas e sociais suscetíveis de advirem de um projeto. O objetivo é dar às Administrações Públicas uma base séria de informação de modo a poder pesar os interesses em jogo, quando da tomada de decisão, inclusive aqueles do meio ambiente, tendo em vista uma finalidade superior. (MACHADO, op. cit., p. 199) grifo nosso.

Nota-se, pois, a íntima relação existente entre o Estudo de Impacto Ambiental, o planejamento e a obra ou atividade potencialmente causadora de degradação ambiental. Corroborando esse entrelaçamento, o art. 3° da Resolução 237/97 do CONAMA aponta um rol exemplificativo com as diversas atividades que necessitam de Estudo de Impacto Ambiental, deixando clara a obrigatoriedade deste estudo no momento em que ocorrer o requerimento de licenciamento ambiental, quando menciona que

Art. 3º - A licença ambiental para empreendimentos e atividades consideradas efetiva ou potencialmente causadoras de significativa degradação do meio dependerá de prévio estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto sobre o meio ambiente (EIA/RIMA), ao qual dar-se-á publicidade, garantida a realização de audiências públicas, quando couber, de acordo com a regulamentação.

Vale dizer ainda que o EIA não ficará restrito aos limites geográficos transcritos no projeto do empreendimento; a definição da área geográfica a ser estudada ficará dependente do registro dos impactos ambientais significativos. Quer-se dizer que a área de influência do EIA será limitada pela extensão da degradação que a obra ou a atividade poderá causar, podendo abranger apenas um Município ou então um Estado da Federação. Logo, não há uma espécie de listagem capaz de limitar a incidência do EIA a determinada região geográfica; a única exigência que a Resolução 001/86 faz é a indicação da Bacia Hidrográfica em que o empreendimento será instalado.


O procedimento para a realização do Estudo de Impacto Ambiental

Por meio do Estudo de Impacto Ambiental, é possível realizar uma Avaliação de Impacto Ambiental – AIA. Trata-se de um instrumento de decisão prévia, o qual deve levar em consideração todos os impactos negativos e positivos, valorá-los até a tomada de decisão sobre a realização ou não daquilo que está no projeto.

O estudo é requerido pelo proponente do projeto, "que pode ser a pessoa física ou pessoa jurídica pública ou privada", ou seja, "é o titular da obra ou atividade para cuja licença se exige a realização de Estudo de Impacto Ambiental" (SILVA, 2004, p. 290). Posteriormente, entra em cena a equipe multidisciplinar, formada por técnicos de variada formação acadêmica, que realizará o estudo, aturando diretamente ou por meio de representantes. Conforme menciona José Afonso da Silva

A equipe multidisciplinar (sic) responde tecnicamente pelo conteúdo do RIMA [07]. Não pode ser formada por empregados ou subordinados do proponente do projeto, nem do órgão público competente para a avaliação do RIMA. Há de ter independência suficiente para não se deixar influenciar nem por um, nem por outro, pois deverá produzir um relatório que poderá ser a favor ou contra o projeto, com recomendação, se for o caso, de alternativas. (2004, p. 290)

O procedimento se divide em duas fases: a primeira, chamada de "pré-impacto", consiste em estudar se o projeto e, posteriormente, a obra ou atividade, contemplará soluções necessárias para evitar que a poluição gerada resulte em severos atentados ao meio ambiente; a segunda, conhecida como "pós-impacto", trata do monitoramento dos efeitos da obra ou atividade.

Na fase inicial – pré-impacto – são definidos os objetivos do estudo, identificando os impactos potenciais e determinando quais deles podem ser significativos para aquele empreendimento. O passo seguinte é realizar uma simulação dos efeitos das ações e uma primeira análise com o objetivo de avaliar se os resultados indicarão impactos significativos ou não.

Em seguida, por meio de ações alternativas e mitigadoras [08], realiza-se a modificação das ações mal-sucedidas, propostas para evitar a poluição, e faz-se nova avaliação.

Por fim, os resultados são comunicados ao Poder Público e à população e toma-se uma decisão sobre a viabilidade ambiental do projeto e, conseqüentemente, da obra ou da atividade a ser implantada no local.

Terminando a fase pré-impacto, inicia-se a fase pós-impacto, com o monitoramento dos efeitos das ações aprovadas no Estudo de Impacto Ambiental e eventuais modificações e medidas mitigadoras das ações.

O EIA, portanto, é um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente cuja implementação implicará livre acesso às informações sobre o empreendimento, naquilo que não transgredir o segredo industrial e comercial, e participação da comunidade nas decisões governamentais. O grande desafio é tornar o EIA menos custoso. Trata-se de um estudo extremamente dispendioso o que, em muitas situações, inviabiliza a implantação de indústrias em determinada região, como se depreenderá do tópico a seguir estudado.


O Estudo de Impacto Ambiental x Desenvolvimento Industrial e Comercial

A revista EXAME de 29.08.2007 publicou a matéria "O problema virou negócio", na qual relata o crescente mercado de Estudo de Impacto Ambiental.

A legislação ambiental brasileira exige a realização do Estudo de Impacto Ambiental prévio como um dos requisitos para a concessão da Licença Ambiental, ou seja, para a efetivação do ato administrativo pelo qual o órgão ambiental competente, estabelece as condições, restrições e medidas de controle ambiental que deverão ser obedecidas pelo empreendedor, pessoa física ou jurídica, para localizar, instalar, ampliar e operar empreendimentos ou atividades utilizadoras dos recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou aquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental.

Atualmente, no IBAMA existem 980 pedidos de licenciamento ambiental em tramitação. Grandes companhias têm criado departamentos exclusivamente para tratar de assuntos de licenciamentos. Ocorre que o EIA sempre foi um empecilho para os industriais, tendo em vista seu alto custo, que pode ser estimado entre R$ 10 mil e R$ 40 milhões. A matéria da revista EXAME expõe dados de algumas empresas, tais como a Votorantim, que estima ter um gasto num empreendimento que ainda não saiu do papel o equivalente a 20% do investimento total de R$ 500 mil reais. Outro exemplo é o da Odebrecht, a qual afirma ter gasto R$ 35 milhões com o Estudo de Impacto Ambiental e Licenciamento Ambiental das Usinas do Rio Madeira. Além disso, à medida que a escala das obras aumenta, o custo do EIA também cresce.

O art. 17, §2º do Decreto 99.274/90 determina que "ao empreendedor ou proponente do projeto cabem as despesas com a elaboração do EIA/RIMA". Assim sendo, quem tem o ônus de provar que a atividade que pretende exercer não tem a potencialidade de causar dano significativo é o próprio empreendedor e não os órgãos públicos ambientais. Em muitas ocasiões, gastos como os demonstrados acima tornam inviáveis a instalação de empresas em determinadas regiões, atravancando o desenvolvimento do local.

Apesar de o estudo ser exigido pelo Poder Público, unicamente, não é ele quem o faz, como mencionado acima. Aproveitando essa oportunidade, várias empresas especializadas na área da engenharia ambiental tornaram o Estudo de Impacto Ambiental um negócio valoroso, como fez a empresa CNEC, divisão de engenharia consultiva do grupo Camargo Correa, cujo faturamento alcançou a cifra de 22 milhões de reais.

É inegável o alto custo da produção do Estudo de Impacto Ambiental; assim como também é indiscutível a obrigatoriedade de um estudo dessa magnitude, o que pode inviabilizar a instalação de muitas empresas e o desenvolvimento de muitas atividades industrias que podem alavancar o setor econômico de uma determinada região. Esse raciocínio remete a um questionamento: como médias empresas poderão se desenvolver e beneficiar a população de seus arredores ao passo que encontra entraves burocráticos – mesmo sendo tais entraves necessários para manter uma boa qualidade de vida e, inclusive, impedir o aumento da degradação ambiental?

A resposta pode estar num outro instituto já regulamentado pela legislação brasileira: a implantação, nos Municípios, das chamadas "zonas de uso".


Considerações sobre o Zoneamento

O sentido aqui atribuído ao ato de "zonear" é o de separar, dividir, distribuir por zonas, ou seja, indicar onde será localizada determinada coisa nos limites territoriais do Município.

Nas palavras de José Afonso da Silva, zoneamento consiste num "instrumento de ordenação e ocupação do solo" (SILVA, 2004, p. 267). De outro modo, esse instituto é utilizado para "encontrar lugar para todos os usos essenciais do solo e dos edifícios na comunidade e colocar cada coisa em seu lugar adequado, inclusive as atividades incômodas" (Idem, p. 268).

Coaduando ao coerente pensamento de José Afonso da Silva, Paulo Affonso Lemes Machado aponta que

sua finalidade consiste em delimitar geograficamente áreas territoriais, com o objetivo de estabelecer regimes especiais de uso da propriedade e dos recursos naturais nela existentes; contribuir para a realização da função social da propriedade (MACHADO, op. cit., p168).

Nesse sentido, o zoneamento surge como um instrumento para ordenar o uso do solo com o objetivo de realizar a exigência constitucional de garantir o bem-estar dos habitantes de determinada região.


As espécies de Zoneamento

Segundo José Afonso da Silva, existem duas formas de zoneamento: o urbano e o ambiental – do qual fazem parte o zoneamento industrial, o zoneamento destinado às pesquisas ecológicas, às áreas de proteção ambiental, aos parques públicos e ao amortecimento e corredores ecológicos. O foco desse estudo enfatizará as duas espécies acima mencionadas, explorando o zoneamento industrial e relacionando-o com a viabilidade do Estudo de Impacto Ambiental.

A Constituição Federal, em seus artigos. 30, VIII e 182, permite que o Município promova o adequado ordenamento territorial e o desenvolvimento das funções sociais da cidade – com vistas a garantir o bem-estar de seus habitantes – "por meio do planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano" (sic) (SILVA, 2004, p. 269-270). Nessa linha de raciocínio, o zoneamento urbano consiste, pois, na repartição do território municipal, com o objetivo de organizar o espaço urbano para que possam ser desenvolvidas as funções sociais da cidade, quais sejam, finalidade residencial, industrial, comercial, recreativa, institucional, de serviços, entre outras, de modo a garantir o bem estar da sociedade.

O zoneamento ambiental, por sua vez, trata-se de um instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente (art. 9º, II da Lei 6.938/81) e, nas palavras de José Afonso da Silva (2004, p. 271), pode ser considerado como "um procedimento por meio do qual se instituem zonas de atuação especial com vistas à preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental". O autor ainda tece uma consideração interessante: se se comparar os zoneamentos urbano e ambiental, do ponto de vista técnico, não se encontrará diferença alguma, visto que ambos se destinam à repartição do uso do solo. "A diferença é apenas de enfoque, está apenas no fato de que o objetivo do Zoneamento Ambiental é primordialmente a proteção do meio ambiente, de sorte que o uso aí permitido será estritamente limitado" (SILVA, 2004, p. 271-272). A extensão do zoneamento ambiental, porém, é mais ampla, pois sua área de abrangência extrapola o objetivo organizacional do zoneamento urbano.

Resta ainda, a análise de uma última espécie a ser trazida à lume por este estudo. Como mencionado anteriormente, inserto na espécie zoneamento ambiental está o zoneamento industrial. A regulamentação federal sobre o zoneamento industrial tem, atualmente, mais de 27 anos, iniciando com o surgimento da Lei 6.803, em 03.07.1980. A criação desse diploma legal representou avanço significativo no que concerne às questões ambientais, pois as elevou a tema de grande importância, conseguindo atrair, pela a primeira vez, todo o Congresso Nacional para formular pontos de vista e votar um problema ambiental.

Essa preocupação em regulamentar zonas específicas para instalação de indústrias surgiu com o fato de que

a excessiva concentração industrial em certas áreas metropolitanas provocava poluição aguda e significativa nessas áreas, postulando uma política de equilíbrio, de modo a conciliar o desenvolvimento em alta velocidade com um mínimo de efeitos danosos sobre a ecologia. (SILVA, op. cit., p. 272)

Em poucas palavras, José Afonso da Silva sintetiza, de maneira cabal, o objetivo deste trabalho: mostrar que é possível "conciliar o desenvolvimento em alta velocidade com um mínimo de efeitos danosos sobre a ecologia". E o zoneamento pode contribuir para que esse fim se concretize.

Portanto, é possível depreender, de todo o arcabouço de informações anteriormente transcrita, que zoneamento industrial seria uma área de terras, demarcadas previamente, inserida na zona urbana ou dela separado, com topografia, tipo de solo e distância pré-determinada de manancial hídrico. Essa breve conceituação pode facilmente ser corroborada com a leitura dos artigos 2º e 3º da Lei 6.803/80:

Art. 2º - As zonas de uso estritamente industrial destinam-se, preferencialmente, à localização de estabelecimentos industriais cujos resíduos sólidos, líquidos e gasosos, ruídos, vibrações, emanações e radiações possam causar perigo à saúde, ao bem-estar e à segurança das populações, mesmo depois da aplicação de métodos adequados de controle e tratamento de efluentes, nos termos da legislação vigente.

Art. 3º - As zonas de uso predominantemente industrial destinam-se, preferencialmente, à instalação de indústrias cujos processos, submetidos a métodos adequados de controle e tratamento de efluentes, não causem incômodos sensíveis às demais atividades urbanas e nem perturbem o repouso noturno das populações.

Em razão dessas variáveis, esse local seria "pré-preparado" para o recebimento de uma indústria de transformação capaz de emanar de médias a grandes quantidades de resíduos no ambiente em que está instalada.

Discute-se na doutrina sobre a conveniência ou não de se limitar zonas de uso exclusivo. José Afonso da Silva aponta para o fato de que "há uma tendência para propugnar por zonas de usos predominantes (sic), sem exclusão, portanto, de outros usos não prejudiciais àqueles (...)" (2004, p. 270).

Significa dizer que existe uma preferência sobre a implantação de zonas nas quais seja possível a convivência harmônica entre residências, estabelecimentos comerciais ou industriais, a não ser nos casos em que seja necessário salvaguardar o interesse coletivo.

Não desapareceu, contudo, a conveniência, em certos casos, da fixação de zonas de uso exclusivo, quando esse seja o meio adequado de salvaguardar o interesse coletivo. Assim é, essencialmente, em relação às atividades potencial ou efetivamente degradantes do meio ambiente. (SILVA, op. cit, p. 270)

Acerca do estabelecimento das zonas de uso exclusivo, faz-se necessária a análise da realidade existente no Município para, então, fixá-las. Como exemplo, pode existir em uma determinada cidade grande potencial turístico, fato que constituiria forte motivo para se estabelecer zonas residenciais exclusivas. Assim, não seria equivocado dizer que a implantação de zonas predominantes ou de zonas exclusivas dependerá de análise da oportunidade e da conveniência do Município, de acordo com os benefícios que serão proporcionados ao desenvolvimento local.


Competência para o estabelecimento das zonas industriais

Consoante dispõe o art. 11, I da Lei 6.803/80, a competência para a indicação do local da instalação das indústrias e das zonas de reserva ambiental é do Município. Entretanto, Paulo Affonso Leme Machado afirma que "as decisões sobre zoneamento ambiental podem ser tomadas em nível municipal, mas a maioria delas deve operar sobre um território muito mais extenso dentro do qual hão de conjugar-se as correspondentes opções". (2002, p. 164). Nesse sentido também seguiu a Lei 6.803/80, quando, no inciso I do art. 10, estabeleceu que ao Estado cabe a aprovação das áreas estabelecidas pelo Município.

Art. 10. Caberá aos Governos Estaduais, observado o disposto nesta Lei e em outras normas legais em vigor:

I - aprovar a delimitação, a classificação e a implantação de zonas de uso estritamente industrial e predominantemente industrial.

Assim, é oportuno mencionar que a lei acima referida, em seu art. 11, I, determina que o Município é competente para indicar o local onde será implantada a zona industrial; a aprovação desse local, no entanto, é destinada ao Estado ou à União, dependendo da área de abrangência.

O mesmo autor entende, no entanto, que o dispositivo acima exposto é dotado de "duvidosa constitucionalidade", pois "privilegia um dos poderes do Estado – o Executivo do Estado – para intervir com exclusividade" (MACHADO, 2002, p. 183). Ou seja, segundo Machado, a Lei 6.803/80 estabelece que "a estruturação do zoneamento será fruto da decisão do Poder Executivo e do Legislativo" (Idem. p. 182) e, nesse sentido, determinar que apenas o Poder Executivo do Estado tenha competência para a aprovação do local das zonas de uso seria uma afronta àquele diploma legal.

Ainda foram atribuídas ao Estado as incumbências de "instalar e manter, nas zonas de uso estritamente e predominantemente industriais e nas zonas de uso diversificado, serviços permanentes de segurança e prevenção de acidentes danosos ao meio ambiente", bem como de "administrar as zonas industriais de sua responsabilidade direta ou quando esta responsabilidade decorrer de convênios realizados com a União", nos moldes dos incisos III e V do art. 10 da Lei 6.803/80. No que tange ao assunto, é oportuno mencionar que ao Estado caberá a aprovação, apenas, quando se tratar de zonas estritamente industriais, zonas predominantemente industriais ou ainda em zonas de reserva ambiental; a instalação de quaisquer outras zonas de uso do solo não dependerá daquela pessoa jurídica para sua aprovação e instalação.

Outro aspecto relevante consiste no fato de o Estado ter o poder de administrar as zonas industriais. No entanto, a lei 6.803/80 não previu como os Estados alcançariam a administração das zonas industriais ou se desapropriariam áreas para implantarem suas próprias zonas destinadas às indústrias.

Vale dizer ainda que, embora os Estados realizem os licenciamentos das zonas industriais, bem como também o faz a União, no que concerne à instalação de pólos petroquímicos, cloroquímicos, carboquímicos e instalações nucleares, esses entes não podem se sobrepor à decisão do Município, tendo em vista que esta é a pessoa jurídica de Direito Público determinada por lei para dar a última palavra sobre a implantação das zonas industriais e ambientais.


A Viabilidade do Zoneamento x Estudo de Impacto Ambiental

A regra geral é a implantação de indústrias dentro das zonas destinadas a elas. Existem, obviamente, exceções, desde que cumpridas as determinações dos arts. 8º e 10, § 4º da lei 6.803/80.

Art. 8º - A implantação de indústrias que, por suas características, devam ter instalações próximas às fontes de matérias-primas situadas fora dos limites fixados para as zonas de uso industrial obedecerá a critérios a serem estabelecidos pelos Governos Estaduais, observadas as normas contidas nesta Lei e demais dispositivos legais pertinentes.

Art. 10.

(...)

§ 4º - Em casos excepcionais, em que se caracterize o interesse público, o Poder Estadual, mediante a exigência de condições convenientes de controle, e ouvidos a SEMA, o Conselho Deliberativo da Região Metropolitana e, quando for o caso, o Município, poderá autorizar a instalação de unidades industriais fora das zonas de que trata o § 1º do artigo 1º desta Lei.

No que tange à indústria, como já mencionado, a Lei acima citada estipula dois tipos de zoneamento possíveis de ser implantados nos Municípios: a zona de uso estritamente industrial, a zona de uso predominantemente industrial.

As zonas de uso estritamente industrial são destinadas àquelas indústrias capazes de ocasionar graves danos à saúde, à segurança e ao bem-estar da população. As empresas instaladas nessa zona devem implantar métodos adequados para o tratamento dos efluentes líquidos, sólidos e gasosos, com o intuito de combater a poluição. O local para a implantação dessa categoria de zona deve ser capaz de assimilar uma alta capacidade de resíduos e deve favorecer a instalação de infra-estrutura e serviços ao funcionamento seguro da indústria.

As zonas de uso predominantemente industrial são aquelas cujas empresas mantêm adequado controle de sistemas de tratamento de efluentes que não causam perturbações à demais atividades da população.

As zonas industriais, como se pode perceber, podem constituir boas alternativas para os Municípios atraírem investimentos. Trata-se de um recurso extremamente importante, pois, em tese, reduz os custos de instalação da empresa e motiva sua instalação e permanência no local, em contraposição ao Estudo de Impacto Ambiental, que requer altos investimentos.

Não se defende, neste trabalho, a extinção do Estudo de Impacto Ambiental, mesmo porque existe a possibilidade de instalações industriais fora do âmbito de abrangênia das zonas de uso industrial, conforme disposto nos artigos. 8º e 10, § 4º já comentados. Para esses casos, o EIA será necessário para verificar as exigências desses dispositivos legais.

Ocorre que as zonas industriais são áreas planejadas especificamente para receber indústrias, as quais abarcam empresas cujo potencial poluidor pode percorrer variados graus, desde o alto potencial poluidor até baixo potencial degradante.

Assim, para os casos de indústrias que são abarcadas por essas áreas, frise-se, a elas destinadas, o Estudo de Impacto Ambiental poderia ser realizado de forma simplificada. Um exemplo desse estudo simplificado é o que requer o Departamento de Avaliação de Impactos Ambientais do Estado de São Paulo nos casos de empreendimentos de nível poluidor muito pequeno.

No entanto, não seguiria os moldes estritos daquele Departamento, pois o EIA seria implementado para estabelecer qual o potencial poluidor da indústria e em quais zonas industriais a empresa poderia ser instalada, bem como quais seriam os métodos adequados para a implementação de sistemas de tratamento e controle de resíduos sólidos e efluentes a fim de se evitar a disseminação de poluentes à população e aos arredores de suas instalações.

As zonas industriais juntamente com o Estudo de Impacto Ambiental de modo simplificado, portanto, seriam soluções coerentes com a situação econômica dos Municípios e proporcionaria maior desenvolvimento em âmbito local.

O Estado de São Paulo, inclusive, criou a Lei do zoneamento industrial metropolitano (Lei 1.817/80), a qual, em seus artigos. 36 a 41, criou um fundo financeiro para compensar Municípios da região metropolitana pela perde de receitas, caso não sejam passíveis de instalação de mais indústrias. Essa medida poderia perfeitamente ser implantada a todos os Estados da Federação.

Essas medidas protetivas e mitigadoras do avanço da degradação ambiental poderiam ser responsáveis por evitar o que se demonstrou no início desse estudo: o surgimento de fatores que contribuem para o fracasso da tomada de decisões em grupo e que afetam toda uma coletividade, a ponto de extingui-la.

A partir do momento que o homem se deu conta de que pode manipular o seu ambiente e que não está a mercê da natureza, ele avocou a responsabilidade de cuidar de onde vive. Cabe a ele, pois, impedir o avanço da destruição ambiental e manter a qualidade de vida não apenas para a geração atual, como também para as futuras gerações que residirão neste planeta.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tom Cardoso e Roberto Rockman, repórteres do Jornal Valor Econômico, publicaram matéria no caderno EU&, afirmando que "a urbanização torna crítica a disparidade entre o crescimento das cidades e a capacidade de o Poder Público resolver questões de infra-estrutura". Andaram bem, os autores, ao redigirem tal assertiva.

Como já evidenciava Jared Diamond, entre as variáveis capazes de motivar o colapso de sociedades está a incapacidade humana para perceber que as alterações no ambiente podem causar, no futuro, sérios problemas estruturais, fundamentais para a sobrevivência de determinada comunidade.

Este trabalho, por sua vez, investigou algumas dessas variáveis e demonstrou que a mentalidade do homem, além de necessitar de evolução cultural, precisa de "freios". Em muitas ocasiões, a moral ou ainda o bom senso não tem o condão de impor tais "freios", necessitando, pois, da aplicação das regras cogentes do Direito. Assim foi com a implementação do Estudo de Impacto Ambiental pela Resolução 001/86.

Investigou-se, também, os conceitos e as características dos institutos do Estudo de Impacto Ambiental e do Zoneamento Ambiental. Concluiu-se que este instituto consiste numa medida mitigadora de degradação ambiental capaz de satisfazer as necessidades de desenvolvimento econômico e de boa qualidade de vida, uma vez que permite às indústrias de pequeno porte, que, muitas vezes, não detêm recursos financeiros suficientes para custear um completo Estudo de Impacto Ambiental, desenvolverem-se e, por sua vez, contribuírem para o crescimento do local onde estão instaladas.

Nesta pesquisa, as questões ambiental, social e econômica estiveram intimamente ligadas e foram capazes de motivar reflexões constantes entre Poder Público e a sociedade. Este trabalho deixa evidente que a convivência harmônica entre medidas discrepantes deve ser sempre o objetivo do homem, de modo a evitar atitudes voltadas especificamente a uma delas, capaz de causar o fim não apenas de florestas e animais, mas do próprio ser humano.


Notas

01 O Colapso das Sociedades Complexas (tradução livre do autor deste trabalho).

02 Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.

03 The Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) has been established by WMO and UNEP to assess scientific, technical and socio- economic information relevant for the understanding of climate change, its potential impacts and options for adaptation and mitigation. http://www.ipcc.ch/ Acesso em 31 de julho de 2007.

04 It is currently finalizing its Fourth Assessment Report "Climate Change 2007", also referred to as AR4. The reports by the three Working Groups provide a comprehensive and up-to-date assessment of the current state of knowledge on climate change.. http://www.ipcc.ch/ Acesso em 31 de julho de 2007.

05 Ler os Relatórios dos Grupos de Trabalho GT-III, no site http://www.mnp.nl/ipcc/index.html.

06 No caso do Estado do Paraná.

07 Trata-se do Relatório de Impacto Ambiental – RIMA. Consiste num documento que refletirá as conclusões do Estudo de Impacto Ambiental, registrando todas as atividades realizadas no EIA.

08 Medidas mitigadoras e/ou minimizadoras são aquelas capazes de diminuir o impacto negativo, ou mesmo sua gravidade, não compensando danos. Este último seria utilizado em última instância, quando não houvesse forma de minimizar. De maneira simples, pode-se exemplificar esta medida através de ações já adotadas, como reassentamento de uma comunidade afetada por um empreendimento de grande porte. (MEDEIROS, 1989, p. 168-172)


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOUTA, José Victor. Zoneamento: alternativa ao estudo de impacto ambiental e estímulo ao desenvolvimento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1674, 31 jan. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10900. Acesso em: 10 maio 2024.