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A CSLL das instituições financeiras.

A validade jurídica da alíquota de 30% instituída pela Emenda Constitucional de Revisão nº 1/94: o Fundo Social de Emergência

A CSLL das instituições financeiras. A validade jurídica da alíquota de 30% instituída pela Emenda Constitucional de Revisão nº 1/94: o Fundo Social de Emergência

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A alíquota diferenciada em relação às instituições financeiras é aceitável e válida sob a perspectiva dos princípios da isonomia e da capacidade contributiva?

Resumo: O presente artigo nasceu de memorial analítico de nossa lavra em face do Recurso Extraordinário n. 525.839, em trâmite no Supremo Tribunal Federal, sob a relatoria do Ministro Gilmar Mendes. A discussão jurídica gira em redor da validade jurídica da alíquota de 30% da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL cobrada das instituições financeiras, instituída pela Emenda Constitucional de Revisão n. 1/94 que criou o Fundo Social de Emergência e estabeleceu esse tratamento tributário no art. 72, III, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT.

Sumário: I. Objeto e objetivos; II. O acórdão recorrido; III. A pretensão das contribuintes; IV. A validade da ECR 1/94: a constitucionalidade da alíquota de 30% da CSLL; V. O princípio da capacidade contributiva na jurisprudência do STF; VI. O princípio da isonomia tributária na jurisprudência do STF; VII. Conclusões.

Palavras-chave: CSLL - Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. Alíquota 30%. Instituições Financeiras. Fundo Social de Emergência - FSE. Emenda Constitucional de Revisão 1/94. Art. 72, III, ADCT. Poder Constituinte Derivado. Validade. Reconhecimento. Emenda Constitucional 20/98. Princípios Constitucionais da Isonomia, da Capacidade Contributiva e da Solidariedade.


I. OBJETO E OBJETIVO

1.O presente texto tem como objeto a validade jurídica da alíquota de 30% da Contribuição Social sobre o Lucro – CSLL incidente sobre as contribuintes (instituições financeiras). A indagação consiste em saber se a mencionada alíquota diferenciada, em relação às instituições financeiras, é aceitável e válida sob a perspectiva constitucional, em particular quanto aos princípios da isonomia e da capacidade contributiva.

2.Com efeito, a Emenda Constitucional de Revisão n. 1, de 01.03.1994, incluiu o art. 72, III, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, que elevou a 30% a alíquota da CSLL exigida das pessoas jurídicas constantes no § 1º do art. 22 da Lei n. 8.212, de 24.07.1991, que são, reitere-se, instituições financeiras.

3.Objetiva-se defender a constitucionalidade da referida exação tributária, com sua alíquota diferenciada para as contribuintes (instituições financeiras).


II. O ACÓRDÃO RECORRIDO

4.O acórdão recorrido da Egrégia Quarta Turma do Tribunal Federal da 3ª Região, sob a relatoria do Juiz Manoel Álvares, negou provimento ao apelo das Empresas em face de sentença prolatada pelo Juiz Roberto da Silva Oliveira, que denegou a segurança pleiteada e reconheceu a plena validade jurídica da objurgada ECR 1/94 e da referida alíquota de 30% da CSLL cobrada das contribuintes (instituições financeiras).

5.A ementa do aludido acórdão está vazada nos seguintes termos:

TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO – CSLL. INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. ALÍQUOTAS DIFERENCIADAS. NÃO VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA.

1. Alíquota diferenciada da contribuição social sobre o lucro para as instituições financeiras não constitui violação ao princípio da isonomia, vez que a distinção se estabelece em função da natureza de sua atividade e da capacidade econômica, o que justifica a discriminação imposta.

2. Precedente no E. STF quanto a diferenciação de alíquotas em decorrência da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte (RE n. 343.446-2).

3. Apelação improvida.

6.O voto-condutor no acórdão recorrido se fiou em precedente do Excelso Supremo Tribunal Federal nos autos do RE n. 343.446 (Relator Ministro Carlos Velloso, J. 20.03.2003, DJ. 04.04.2003) que julgou válida a alíquota diferenciada da contribuição para o seguro de acidente do trabalho – SAT. A ementa desse mencionado acórdão do STF tem o subseqüente conteúdo:

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO: SEGURO DE ACIDENTE DO TRABALHO - SAT. Lei 7.787/89, arts. 3º e 4º; Lei 8.212/91, art. 22, II, redação da Lei 9.732/98. Decretos 612/92, 2.173/97 e 3.048/99. C.F., artigo 195, § 4º; art. 154, II; art. 5º, II; art. 150, I.

I. - Contribuição para o custeio do Seguro de Acidente do Trabalho - SAT: Lei 7.787/89, art. 3º, II; Lei 8.212/91, art. 22, II: alegação no sentido de que são ofensivos ao art. 195, § 4º, c/c art. 154, I, da Constituição Federal: improcedência. Desnecessidade de observância da técnica da competência residual da União, C.F., art. 154, I. Desnecessidade de lei complementar para a instituição da contribuição para o SAT.

II. - O art. 3º, II, da Lei 7.787/89, não é ofensivo ao princípio da igualdade, por isso que o art. 4º da mencionada Lei 7.787/89 cuidou de tratar desigualmente aos desiguais.

III. - As Leis 7.787/89, art. 3º, II, e 8.212/91, art. 22, II, definem, satisfatoriamente, todos os elementos capazes de fazer nascer a obrigação tributária válida. O fato de a lei deixar para o regulamento a complementação dos conceitos de "atividade preponderante" e "grau de risco leve, médio e grave", não implica ofensa ao princípio da legalidade genérica, C.F., art. 5º, II, e da legalidade tributária, C.F., art. 150, I.

IV. - Se o regulamento vai além do conteúdo da lei, a questão não é de inconstitucionalidade, mas de ilegalidade, matéria que não integra o contencioso constitucional.

V. - Recurso extraordinário não conhecido.

7.Além desse cogitado precedente, o voto-condutor buscou apoio em vários outros precedentes jurisprudenciais e no magistério de boa doutrina tributária para negar provimento à pretensão das Contribuintes e reconhecer a ausência de violação aos princípios constitucionais da isonomia e da capacidade contributiva.

8.Em seu voto, o ilustre Juiz Relator Manoel Álvares interpretou sistematicamente o art. 150, II, em harmonia com o art. 145, § 1º, e art. 195, inciso I, c, e § 9º, todos da Constituição Federal, para entender a CSLL cobrada das instituições financeiras em perfeita consonância com a ordem jurídico-constitucional vigente.

9.Os mencionados dispositivos constitucionais têm os seguintes enunciados:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

........

II – instituir tratamento desigual entre os contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer discriminação em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;

Art. 145, § 1º: Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:

...

c) o lucro;

§ 9º. As contribuições sociais previstas no inciso I deste artigo poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica ou da utilização de mão-de-obra.

10.Nessa senda, segundo o Juiz Relator a diferença de alíquota em relação às Contribuintes (instituições financeiras) se justifica pela notória boa capacidade econômico-tributária das instituições financeiras e por que a ECR 1/94 diferenciou um segmento específico da economia (o setor financeiro), bem como pela posterior autorização constitucional contida no art. 195, § 9º, e pela extensão às contribuições sociais do disposto no art. 145, §1º, CF.


III. A PRETENSÃO DAS CONTRIBUINTES

11.Nada obstante o acerto dessa mencionada decisão, as Contribuintes irresignadas aviaram Recurso Extraordinário (n. 525.839, Relatoria Ministro Gilmar Mendes) pleiteando a reforma do acórdão recorrido e a concessão da segurança inicialmente postulada.

12.Com efeito, em 10.05.1995, foi impetrado Mandado de Segurança no qual as Contribuintes formularam, no que interessa, os seguintes pedidos:

"59. Face às razões acima expostas, as Impetrantes requerem a concessão de medida liminar de forma a resguardá-las da exigência da Contribuição ora impugnada, no que se refere aos aumentos de alíquota superiores a 10% (dez por cento), até o julgamento final da segurança, esclarecendo, ainda, que continuarão a recolher tal exação à alíquota constitucional aplicável de 10% (dez por cento).

60. Requerem, outrossim, a concessão em definitivo da segurança, para garantir o direito líquido e certo das Impetrantes em recolherem a Contribuição Social sobre o Lucro, relativa aos fatos geradores ocorridos de janeiro a dezembro de 1995, à alíquota de 10% (dez por cento), afastando-se, via incidental, por inconstitucionais, os aumentos de alíquotas perpetradas.

61. Ou, sucessivamente, nos termos do art. 289 do CPC, na hipótese remota de não entender V. Exa. na forma do pedido acima, que ao menos seja concedida liminar, posteriormente confirmada por sentença de mérito, afastando a elevação de alíquota para 30% (trinta por cento), e permitindo às Impetrantes o seu recolhimento à alíquota de 23% (vinte e três por cento)."

13.As contribuintes fundamentam sua pretensão invocando a necessidade de que os valores recolhidos a título de contribuição social devem guardar uma proporcionalidade com a atividade estatal desenvolvida, sob pena de ofensa ao princípio da igualdade insculpido nos arts. 5º e 150, II, CF.

14.Eis a primeira tese das contribuintes em suas palavras:

"23. Com efeito, ao determinar alíquotas diferenciadas o legislador não atentou para o fato de que o benefício decorrente da contribuição será idêntico e uniforme a todos os contribuintes, independentemente dos mesmos participarem com maior ou menor efetividade para o custeio da seguridade. Na realidade, a desigualdade de tratamento poderia ocorrer se houvesse a necessária correlação entre o encargo gerado ao sistema de Seguridade Social pelo sujeito passivo da exação e o valor devido de contribuição. Assim, lídimo seria exigir maior contribuição de quem efetivamente onerasse com maior encargo a Seguridade Social e vice-versa."(item 23 da petição inicial).

15.Ainda em sede de suposta violação ao magno princípio da isonomia, as contribuintes evocam violação do requisito de pertinência temática a justificar quaisquer diferenciações legislativas. No presente caso, sustentam que a alíquota diferenciada se deveu apenas em relação às instituições financeiras em face das atividades econômicas desenvolvidas, sem qualquer pertinência em virtude das características da seguridade social.

16.Aduzem as contribuintes o fato de elas ou seus empregados (beneficiários indiretos) não receberem tratamento diferenciado da seguridade social em relação aos demais contribuintes da exação, a despeito de seu encargo ser maior, revela a total falta de pertinência lógica entre os efeitos deflagrados pela norma e a exação combatida, posto que nem indiretamente haverá a ocorrência do pressuposto básico das contribuições sociais.

17.As contribuintes desqualificam o fato de que, à época, estarem eximidas do recolhimento da COFINS – contribuição social para o financiamento da seguridade social por expressa determinação do art. 11, parágrafo único, da Lei Complementar n. 70, de 30.12.1991.

18.Segundo as contribuintes, a aludida isenção fiscal relativa à COFINS não teria o condão de legitimar o tratamento diferenciado relativo à CSLL, por dois motivos: a) inexistência de obrigatoriedade de incidência concomitante sobre as três bases imponíveis estipuladas no art. 195, I, CF; b) o fato de que essas três aludidas bases apresentarem características próprias, podendo ou não existir de acordo com a atividade desenvolvida, bem como jamais podendo ser equiparadas.

19.Recordam as contribuintes a decisão do Egrégio Plenário do 17º Simpósio de Direito Tributário no concernente aos critérios diferenciadores segundo os segmentos econômicos:

"É inconstitucional por mais de um fundamento. Primeiro porque é juridicamente impossível a aplicação de alíquotas diferenciadas para diferentes setores da atividade econômica em situações iguais, pois é evidente que a diferença de setor não representa, por si mesma, diferença de capacidade econômica. A discriminação de alíquotas, no caso, arbitrária, decorre de critério subalterno e é, portanto, inconstitucional." (item 41 da petição inicial).

20.As contribuintes procuram infirmar a mencionada diferenciação de alíquota atacando-lhe a razoabilidade, visto que outros setores da economia são tão abastados quanto o segmento financeiro, e estavam sujeitos a uma alíquota de 10% enquanto que as instituições financeiras sujeitavam-se a uma alíquota de 30%, o que, segundo as contribuintes, revela a suposta desproporcionalidade e impertinência da combatida exação.

21.Aduzem as contribuintes que se a alíquota da CSLL fosse diferenciada em função do lucro das pessoas jurídicas, como sucede com o IRPJ, na proporção de que quanto maior o lucro maior o tributo, poder-se-ia assegurar o cumprimento do princípio da igualdade, visto que estaria o mesmo relacionado intrinsecamente à capacidade contributiva.

22.Todavia, continuam as contribuintes, poderia ocorrer de pessoas jurídicas tributadas a uma alíquota de 10% obterem um lucro maior que uma sujeita a 30%, o que, segundo elas, representa o contra-senso da capacidade contributiva.

23.Atacam as contribuintes que a exoneração das instituições financeiras em relação à COFINS não justificaria uma alíquota de 30% da CSLL, porquanto não teria havido o aumento de alíquota da COFINS para as demais pessoas jurídicas, a ensejar o aumento de carga tributária das instituições financeiras, o que violentaria o princípio constitucional da igualdade e da capacidade contributiva, alegam as empresas.

24.As contribuintes também argumentam que a diferenciação de alíquotas a que estão sujeitas é incompatível com a garantia de trabalho e pleno emprego insertos na Constituição Federal.

25.Com efeito, alegam as contribuintes que a manutenção e criação de novos empregos relacionam-se diretamente ao lucro, daí que ao se tributar excessivamente o lucro das impetrantes, elas estariam inviabilizadas de incrementar suas atividades econômicas e amplificar suas obrigações sociais, o que vulneraria esses valores consagrados constitucionalmente e, por conseqüência, o princípio da igualdade.

26.As empresas trazem à baila a fábula da "Galinha dos Ovos de Ouro", cuja autoria é atribuída ao helênico Esopo. Segundo as contribuintes, o Estado ao tributar excessivamente as instituições financeiras, sob o argumento da alta lucratividade desse segmento econômico, levaria à sua "morte" econômica ou "inviabilização" de suas atividades, pois na ânsia de se obter mais recursos estar-se-ia diante de um verdadeiro "confisco tributário".

27.Alfim, na petição inicial do mandado de segurança, as contribuintes indicam a possibilidade de o Judiciário decretar a inconstitucionalidade de Emenda Constitucional, recordando precedentes do STF nesse sentido, em particular a ADI 939 (Relator Ministro Sydney Sanches, J. 15.12.1993, DJ 17.12.1993) que julgou inconstitucional alguns dispositivos da Emenda Constitucional n. 3, de 17.03.1993, instituidora do Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira – IPMF.

28.Na petição de recurso extraordinário, as contribuintes agregam outro fundamento em defesa de suas pretensões. Alegam que à época da edição da ECR 1/94 não havia prévia e expressa determinação constitucional autorizadora da diferenciação de alíquota de contribuição social em razão da atividade econômica da contribuinte. Recordam que somente com a edição da Emenda Constitucional n. 20, de 15.12.1998, esse discrímen foi reconhecido explicitamente com o teor do disposto no art. 195, § 9º, CF.

29.Para as contribuintes, a inclusão do aludido § 9º no art. 195, CF, pela EC 20/98, foi o reconhecimento do legislador constituinte derivado de que a diferenciação de alíquota ocasionada pela ECR 1/94 era inválida, à míngua de expressa autorização constitucional nesse sentido.

30.São esses os principais argumentos esgrimidos pelas contribuintes em defesa de seus interesses.


IV. A VALIDADE DA EMENDA CONSTITUCIONAL DE REVISÃO 1/94: A CONSTITUCIONALIDADE DA ALÍQUOTA DE 30% DA CSLL

31.Principia-se rebatendo o último argumento das contribuintes: a constitucionalidade da ECR 1/94 a partir da edição da EC 20/98.

32.Com efeito, a petição recursal das contribuintes embute uma situação paradoxal. Isso porque alegam que somente com a edição da EC 20/98, ao incluir o § 9º no art. 195, CF, seria possível o Estado tributar, mediante contribuições sociais, com alíquotas diferenciadas em razão da atividade econômica.

33.Nessa linha, segundo as empresas, antes da edição da aludida EC 20/98 não poderia o Estado instituir alíquotas diferenciadas de contribuições sociais em relação a contribuintes que tivessem atividades econômicas distintas. Nem mesmo por meio de Emenda Constitucional. Eis o flagrante paradoxo. A EC 20/98 pode autorizar a instituição de alíquotas diferenciadas nas contribuições sociais, mas a ECR 1/94 não poderia instituir alíquota diferenciada da CSLL (espécie de contribuição social). Argumento frágil demais, venia permissa.

34.Ora, se o legislador constituinte derivado pode, via EC 20/98, modificar o texto constitucional para autorizar explicitamente o Estado a tributar mediante alíquotas diferenciadas de contribuições sociais, sem violentar as cláusulas pétreas materiais (art. 60, § 4º, CF), não havia óbice algum para que o mesmo legislador constituinte derivado, via ECR 1/94, determinasse a cobrança com alíquota diferenciada da CSLL, porquanto não se desrespeitou nenhuma cláusula pétrea.

35.De efeito, a sindicância judicial acerca da constitucionalidade ou inconstitucionalidade dos atos do poder constituinte derivado exige do Judiciário, e do Excelso Tribunal em particular, uma imensa cautela, visto que somente deve ser cerceada a liberdade de conformação do legislador constituinte derivado, no aspecto material, se houver direta e frontal violação de algum dos incisos constantes no § 4º do art. 60, CF.

36.No presente caso, alega-se que houve violação ao inciso IV (direitos e garantias individuais) por parte da ECR 1/94. Nem essa referida Emenda Constitucional de Revisão desrespeitou quaisquer "direitos e garantias individuais", nem a Emenda Constitucional 20/98 aboliu quaisquer "direitos e garantias individuais" ao permitir a diferenciação tributária em relação às contribuições sociais.

37.As contribuintes, concessa venia, confundem a contrariedade aos seus interesses com a violação de seus supostos direitos individuais tributários. A ECR 1/94 contrariou interesses do setor financeiro, mas não aboliu nem amesquinhou qualquer direito fundamental das instituições financeiras, nem desrespeitou o magno princípio da igualdade. O mesmo se diz em relação à EC 20/98 com a inclusão do § 9º no art. 195, CF.

38. Se, por hipótese, se admitisse a inconstitucionalidade da EC 20/98 ao incluir o § 9º do art. 195, CF, dever-se-ia decretar a inconstitucionalidade originária do § 1º do art. 145, CF, visto que ambos têm a mesma fonte principiológica: a isonomia tributária e a capacidade contributiva.

39.Considerando a impossibilidade de declaração de inconstitucionalidade de norma constitucional originária, haja vista que os atos soberanos do poder constituinte originário são insuscetíveis de apreciação judicial, como decidiu a Suprema Corte (ADI 815, Relator Ministro Moreira Alves, J. 28.03.1996, DJ. 10.05.1996), não há que se decretar a inconstitucionalidade de norma constitucional derivada que palmilha o mesmo caminho trilhado pela norma constitucional originária.

40.Ou seja, nem o § 1º do art. 145, CF, é inválido (nem poderia ser decretada a sua invalidade), tampouco o § 9º do art. 195, CF, incluído pela EC 20/98, seja inválido também. Se a EC 20/98 não é inconstitucional, a ECR 1/94 também não é viciada.

41.Em resumo: não só os impostos (art. 145, § 1º, CF) estão contidos no princípio da capacidade contributiva, mas as contribuições sociais também estavam albergadas nesse aludido princípio constitucional, desde antes da explícita enunciação da EC 20/98 (art. 145, § 9º, CF). A ECR 1/94 revela a aplicação desse princípio constitucional tributário da capacidade contributiva na CSLL.

42.Nessa trilha, não é nem nunca foi cláusula pétrea a discriminação tributária nas contribuições sociais que levasse em consideração as diferenças entre os vários setores econômicos da sociedade.

43.A pretensão das contribuintes consiste em imputar de viciada a escolha do legislador constituinte derivado que elegeu um segmento econômico para sofrer uma tributação diferenciada. Com efeito, repita-se, houve contrariedade aos interesses do setor financeiro, mas não houve violação de qualquer direito fundamental individual tributário das contribuintes.

44. Nessa perspectiva, a motivação sócio-econômico-política de edição da ECR 1/94 justificou a eleição do setor financeiro para sofrer um gravame tributário diferenciado.

45.Com efeito, a aludida ECR 1/94 criou o Fundo Social de Emergência – FSE cuja finalidade foi explicitada no caput do art. 71 do ADCT:

"Art. 71. Fica instituído, nos exercícios financeiros de 1994 e 1995, o Fundo Social de Emergência, com o objetivo de saneamento financeiro da Fazenda Pública Federal e de estabilização econômica, cujos recursos serão aplicados no custeio das ações dos sistemas de saúde e educação, benefícios previdenciários e auxílios assistenciais de prestação continuada, inclusive liquidação de passivo previdenciário, e outros programas de relevante interesse econômico e social".

46.Veja-se que a combatida diferenciação de alíquota da CSLL das instituições financeiras está algemada aos objetivos das políticas públicas do FSE. Nessa perspectiva, a interpretação do art. 72, III, do ADCT, deve ser feita em harmonia com o aludido caput do art. 71, do ADCT.

47.Com isso, soçobra a alegação de irrazoabilidade ou de ausência de pertinência temática entre o aumento de alíquota de CSLL das instituições financeiras e os objetivos visados pela norma constitucional. É auto-evidente a vinculação da parcela de arrecadação resultante da objurgada elevação de alíquota com as finalidades públicas almejadas pela Seguridade Social.

48. Ou seja, ainda que entendam prejudicados os fundamentos de validade da ECR 1/94, por força da autonomia do legislador constituinte derivado, em tudo similar à da EC 20/98 (art. 195, § 9º, CF) e ao contido, repise-se, ao art. 145, § 1º, CF, não merecem alcova judicial a tese de irrazoabilidade ou de ausência de pertinência temática entre a exação tributária e as finalidades da norma constitucional.

49.Isso porque, reforce-se, as contribuições sociais destinadas à seguridade social não têm a estrita vinculação à contraprestação estatal. Essa restrita contraprestação estatal é própria dos direitos previdenciários. E ainda assim, sujeita aos indispensáveis "temperos constitucionais".

50.Cuide-se que a seguridade social tem as seguintes disposições gerais:

Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:

I - universalidade da cobertura e do atendimento;

II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;

III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;

IV - irredutibilidade do valor dos benefícios;

V - eqüidade na forma de participação no custeio;

VI - diversidade da base de financiamento;

VII - caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:...

51.Como se vê, além da previdência social de caráter contributivo (art. 201, CF), a seguridade social tem de viabilizar os direitos relativos à saúde (arts. 196 a 200, CF) e à assistência social (arts. 203 e 204, CF). Esses dois últimos direitos de seguridade social (saúde e assistência) não têm caráter contributivo ou contraprestacional a uma atividade específica e imediata do Estado destinada ao contribuinte, direta ou indiretamente.

52.Com efeito, tanto a saúde quanto a assistência social têm como princípio justificador a solidariedade social, independentemente de o contribuinte vir a se beneficiar ou não da atividade estatal. Assim, cai por terra o fundamento das contribuintes no sentido da necessária contraprestação estatal justificadora do aumento de alíquota da CSLL, porque o móvel constitucional foi a solidariedade ínsita nas contribuições sociais financiadoras da saúde e da assistência social.

53.A leitura sistematizada e harmoniosa dos dispositivos constitucionais do FSE (ECR 1/94 – arts. 71, 72 e 73, ADCT), dos enunciados constantes no Sistema Tributário Nacional (arts. 145 a 162, CF) e das prescrições normativas da Seguridade Social (arts. 193 a 204, CF) permite reconhecer a plena validade jurídica da diferenciação de alíquota da CSLL cobrada das instituições financeiras destinadas ao financiamento das políticas públicas da seguridade social, mormente saúde e assistência social.

54.Não há qualquer violação ao magno princípio da igualdade ou da isonomia nessa norma constitucional derivada. Do contrário, o legislador constituinte derivado viabilizou concretamente o mandamento estabelecido pelo legislador originário na busca de financiamentos para a seguridade social. Certamente, essa medida não matará – nem matou - nenhuma "galinha dourada".

55.Ainda em defesa do princípio da igualdade, tenha-se que a alegação das contribuintes de violação do art. 150, II, CF, não resiste a uma singela leitura do enunciado contido no mencionado dispositivo constitucional.

56.Reza o inciso II do art. 150, CF, a vedação de instituição de tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente. Ora, os contribuintes que se encontram em situação equivalente (as instituições financeiras) não sofreram tratamento desigual. Todas tiveram aumento de sua alíquota de CSLL incidente sobre os respectivos lucros.

57.Haveria violação do aludido inciso II, art. 150, CF, se o legislador constituinte derivado tratasse de modo distinto os contribuintes que estivessem – ou estejam – em situação equivalente. Mas não é a hipótese da presente controvérsia.

58.A alegação de que supostamente há pessoas jurídicas de outros segmentos econômicos com maior lucratividade ou pujança econômica não serve para inquinar de viciada a norma constitucional que tratou dos contribuintes do setor financeiro. Essa é a situação equivalente. Isso foi respeitado.

59.Recorde-se o já foi afirmado. As instituições financeiras confundem contrariedade de interesses à violação de direitos constitucionais. Repita-se, à exaustão, a ECR 1/94 não violou nenhum direito fundamental individual tributário das instituições financeiras a ensejar a decretação de sua inconstitucionalidade com esteio no art. 60, § 4º, IV, CF. Houve, isso sim, poderosos interesses econômicos contrariados, mas não violação de direitos fundamentais individuais tributários.

60.Nessa toada, insubsistente o fundamento de que a combatida exação social implicou verdadeiro confisco tributário. Em verdade, as contribuintes alegam a hipotética possibilidade de a carga tributária incidente sobre as instituições financeiras ser confiscatória. Todavia não basta alegar hipoteticamente o confisco, mas deve-se comprovar que a exação tributária inviabiliza ou aniquila o prosseguimento das respectivas atividades empresariais.

61.Em momento algum houve essa comprovação. E não houve porque a inquinada exação tributária não teve o condão de inviabilizar a sobrevivência econômica e empresarial das contribuintes. Assim, não há que se falar em violação ao princípio da proibição do confisco, pois confisco não houve nem tem havido.

62.As demais alegações das contribuintes, inclusive de natureza metajurídica, não serão enfrentadas, visto que o acima argumentado demonstrou, à saciedade, que as pretensões jurídicas das instituições financeiras não têm o indispensável respaldo constitucional, estando indene de máculas a atacada alíquota de 30% da CSLL cobrada das contribuintes.

64.A confirmar a ausência de respaldo jurídico, coleciona-se precedentes da Suprema Corte que sinalizam em sentido contrário ao postulado pelas contribuintes e que interpretam o texto constitucional na perspectiva de um Estado Democrático de Direito que pode eleger, circunstancialmente, pessoas ou atividades que receberão um tratamento fiscal diferenciado em sufrágio do princípio constitucional da igualdade ou da isonomia tributária, objetivando realizar o bem-estar da coletividade e a almejada justiça fiscal, cobrando mais de quem possui maior capacidade econômica, para poder cobrar menos de quem nada ou pouco possui.


V. O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

65.O tema da capacidade contributiva tributária já foi enfrentado em várias decisões do Supremo Tribunal Federal.

66.Um acórdão sempre recordado já foi referido neste texto (item 6) e foi usado como eixo no acórdão recorrido. Cuida-se do citado RE n. 343.446 (Relator Ministro Carlos Velloso, J. 20.03.2003, DJ. 04.04.2003) que julgou válida a alíquota diferenciada da contribuição para o seguro de acidente do trabalho – SAT.

67.Nesse aludido precedente, o STF julgou atendido o mandamento constitucional da isonomia se a norma tributária desiguala quem está em situação desigual. A violência ao princípio da isonomia ocorreria se a norma tributária tratasse diferentemente quem está em situação equivalente. Mas quem não está em situação equivalente, pode ser tributado de modo diferenciado.

68.Esse foi o fio-condutor no julgamento do RE 177.835 (Relator Ministro Carlos Velloso, J. 22.04.1999, DJ. 25.05.2001), no qual se discutiu a constitucionalidade da diferenciação das taxas de fiscalização da Comissão de Valores Mobiliários, em acórdão cuja ementa está vazada no seguinte sentido:

EMENTA: - CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. TAXA DE FISCALIZAÇÃO DOS MERCADOS DE TÍTULOS E VALORES MOBILIÁRIOS - TAXA DA CVM. Lei nº 7.940, de 20.12.89. FATO GERADOR. CONSTITUCIONALIDADE.

I. - A taxa de fiscalização da CVM tem por fato gerador o exercício do poder de polícia atribuído à Comissão de Valores Mobiliários - CVM. Lei 7.940/89, art. 2º. A sua variação, em função do patrimônio líquido da empresa, não significa seja dito patrimônio a sua base de cálculo, mesmo porque tem-se, no caso, um tributo fixo. Sua constitucionalidade.

II. - R.E. não conhecido.

69.No julgamento da aludida exação tributária, o STF reconheceu que o disposto no art. 145, § 1º, CF, cuidava do princípio da capacidade contributiva relacionada aos impostos. Todavia, entendeu o Supremo Tribunal que não há vedação constitucional à possibilidade de extensão desse mencionado princípio (capacidade contributiva) às outras espécies tributárias. Naquele caso, cuidava-se de taxa de poder de polícia.

70.Certeiro o entendimento da Suprema Corte. Malgrado a literal disposição do art. 145, § 1º, CF, no sentido do termo "imposto" como a espécie tributária vocacionada à realização do princípio da capacidade contributiva, inexiste proibição constitucional que impeça à extensão desse princípio às taxas e às contribuições, inclusive às sociais. Daí que o art. 195, § 9º, CF, incluído pela EC 20/98, inovou formalmente a redação do texto constitucional, mas não modificou materialmente o "espírito" das normas constitucionais.

71.Em outras oportunidades, o STF aplicou o "espírito" da norma constitucional em vez de apegar-se à fria literalidade do texto. Recorde-se o julgamento do RE 227.832 (Relator Ministro Carlos Velloso, J. 01.07.1999, DJ. 28.06.2002), no qual se discutiu a incidência da COFINS sobre o faturamento de empresas oriundo de operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais, em acórdão assim ementado:

"CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. COFINS. DISTRIBUIDORAS DE DERIVADOS DE PETRÓLEO, MINERADORAS, DISTRIBUIDORAS DE ENERGIA ELÉTRICA E EXECUTORAS DE SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES. C.F., art. 155, § 3º. Lei Complementar n. 70, de 1991.

I. – Legítima a incidência da COFINS sobre o faturamento da empresa. Inteligência do disposto no § 3º do art. 155, C.F., em harmonia com a disposição do art. 195, caput, da mesma Carta. Precedentes do STF: RE 144.971-DF, Velloso, 2ª T., RTJ 162/1075.

II. – R.E. conhecido e provido.

72.Naquela oportunidade, a discussão girava em redor do disposto na redação coeva do art. 155, § 3º, CF, que rezava: "À exceção dos impostos de que tratam o inciso II do caput deste artigo e o art. 153, I e II, nenhum outro tributo poderá incidir sobre operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País" – negritou-se.

73.A despeito da literalidade do dispositivo que enunciava que nenhum "tributo" poderá incidir sobre as aludidas operações, a Corte fez uma redução interpretativa para dizer que onde se lia "tributo" dever-se-ia ler "imposto", a partir de uma interpretação sistemática e harmoniosa com os demais dispositivos constitucionais. Esse foi o entendimento vencedor naquele julgamento.

74.Ora, se o STF interpretou o termo "tributo" como "imposto", no referido julgamento do RE 227.832, em respeito ao "espírito" da norma constitucional, nada impedia – ou impede – que possa interpretar o termo "imposto" como "tributo", em favor da ampliação do princípio da capacidade contributiva às demais espécies tributárias, como de fato aconteceu no aludido julgamento do RE 177.835.

75.Convém registrar que o STF nunca deu ao princípio da capacidade contributiva (restrita aos impostos) a força de cláusula pétrea constitucional insuscetível de modificação por emenda constitucional, de sorte que nem mesmo emenda constitucional pudesse estender esse aludido princípio às taxas e às contribuições. Como se viu, o STF, "sempre que possível", colocou sob o abrigo desse cogitado princípio da capacidade contributiva, além dos impostos, as taxas e as contribuições, inclusive as sociais.


VI. O PRINCÍPIO DA ISONOMIA TRIBUTÁRIA NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

76.É clássica a noção de que a isonomia (igualdade) não se realiza dispensando-se idêntico tratamento a todas as pessoas, independentemente das circunstâncias ou das peculiaridades pessoais dos envolvidos.

77.A verdadeira isonomia se concretiza na medida em que, respeitando-se as circunstâncias e as peculiaridades das partes (pessoas) envolvidas, dispensa-se um tratamento adequado, razoável e aceitável e, se for possível, justo.

78.Somente se acolhe o mandamento constitucional da igualdade, inclusive da igualdade tributária, se o tratamento jurídico-normativo aplicado leva em consideração esses aludidos parâmetros: adequação, razoabilidade e aceitabilidade. Assim, estar-se-á diante da justiça desejável e possível.

79.Na presente controvérsia, as contribuintes alegam a injustiça da norma constitucional que lhes dispensou um tratamento diferenciado em relação às demais pessoas jurídicas no concernente à alíquota de 30% da CSLL que lhes é cobrada, em comparação com a alíquota exigida das demais contribuintes que não sejam instituições financeiras.

80.Como já manifestado, a combatida alíquota de 30% da CSLL cobrada das instituições financeiras é adequada, razoável e aceitável, sendo, por conseqüência, justa. E se é justa não ofende nem agride – muito ao contrário concretiza – o princípio da isonomia ou da igualdade.

81.Nas vezes em que foi provocado a se manifestar acerca da isonomia tributária, o STF sempre teve como ponto-de-partida aqueles aludidos dogmas (adequação, razoabilidade e aceitabilidade), de sorte a poder ancorar-se, como ponto-de-chegada, na justiça possível (igualdade ou isonomia).

82.Recorde-se o recente julgamento da Medida Cautelar n. 1109 (Redator para o acórdão Ministro Carlos Britto, J. 31.05.2007, DJ. 19.10.2007) na qual o STF, em um primeiro lanço de olhar, não vislumbrou ofensa ao princípio da isonomia no adicional da contribuição social sobre a folha de salários, estabelecida no art. 22, § 1º, da Lei 8.212/91, cobrada das instituições financeiras. A ementa do acórdão tem o subseqüente teor:

MEDIDA CAUTELAR. EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE A FOLHA DE SALÁRIOS. ADICIONAL. § 1º DO ART. 22 DA LEI N. 8.212/91.

A sobrecarga imposta aos bancos comerciais e às entidades financeiras, no tocante à contribuição previdenciária sobre a folha de salários, não fere, à primeira vista, o princípio da isonomia tributária, ante a expressa previsão constitucional (Emenda de Revisão n. 1/94 e Emenda Constitucional n. 20/98, que inseriu o § 9º no art. 195 do Texto permanente). Liminar a que se nega referendo. Processo extinto.

83.Nada obstante não se cuidar do julgamento de mérito da referida controvérsia, essa aludida decisão sinaliza a linha que o Tribunal deve adotar nas causas que discutirem tratamentos tributários diferenciados em relação às instituições financeiras.

84.Tocando expressamente no princípio da isonomia, reconhecendo que houve razoabilidade, aceitabilidade e adequação da norma tributária, tenha-se a decisão do STF no julgamento da constitucionalidade da alíquota da COFINS (art. 8º, da Lei 9.718/98) nos autos do RE 336.134 (Relator Ministro Ilmar Galvão, J. 20.11.2002, DJ. 16.05.2003), acórdão assim ementado:

TRIBUTÁRIO. COFINS. ART. 8.º E § 1.º DA LEI N.º 9.718/98. ALÍQUOTA MAJORADA DE 2% PARA 3%. COMPENSAÇÃO DE ATÉ UM TERÇO COM A CONTRIBUIÇÃO SOBRE O LUCRO LÍQUIDO - CSLL, QUANDO O CONTRIBUINTE REGISTRAR LUCRO NO EXERCÍCIO. ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA.

Por efeito da referida norma, o contribuinte sujeito a ambas as contribuições foi contemplado com uma bonificação representada pelo direito a ver abatido, no pagamento da segunda (COFINS), até um terço do quantum devido, atenuando-se, por esse modo, a carga tributária resultante da dupla tributação. Diversidade entre tal situação e a do contribuinte tributado unicamente pela COFINS, a qual se revela suficiente para justificar o tratamento diferenciado, não havendo que falar, pois, de ofensa ao princípio da isonomia. Não-conhecimento do recurso.

85.Na mesma senda, no sentido de ausência de violação ao princípio da isonomia, a decisão do STF no julgamento da ADI 453 (Relator Ministro Gilmar Mendes, J. 30.08.2006, DJ. 16.03.2007) que cuidava da constitucionalidade do art. 3º da Lei 7.940/89, relativa a exação cobrada dos auditores independentes. Eis a ementa do acórdão:

1. Ação Direta de Inconstitucionalidade.

2. Art. 3o, da Lei no 7.940, de 20.12.1989, que considerou os auditores independentes como contribuintes da taxa de fiscalização dos mercados de títulos e valores mobiliários.

3. Ausência de violação ao princípio da isonomia, haja vista o diploma legal em tela ter estabelecido valores específicos para cada faixa de contribuintes, sendo estes fixados segundo a capacidade contributiva de cada profissional.

4. Taxa que corresponde ao poder de polícia exercido pela Comissão de Valores Mobiliários, nos termos da Lei no 5.172, de 1966 - Código Tributário Nacional.

5. Ação Direta de Inconstitucionalidade que se julga improcedente.

86.Em arremate ao entendimento do STF no sentido de que se faz indispensável a demonstração de desproporcionalidade ou de irrazoabilidade da norma tributária para decretá-la inválida, tenha-se a manifestação vencedora do Relator Ministro Celso de Mello nos autos da ADC 8 (J. 13.10.1999, DJ. 04.04.2003):

A contribuição de seguridade social, como qualquer outro tributo, é passível de majoração, desde que o aumento dessa exação tributária observe padrões de razoabilidade e seja estabelecido em bases moderadas. Não assiste ao contribuinte o direito de opor, ao Poder Público, pretensão que vise a obstar o aumento dos tributos — a cujo conceito se subsumem as contribuições de seguridade social (RTJ 143/684 – RTJ 149/654), desde que respeitadas, pelo Estado, as diretrizes constitucionais que regem, formal e materialmente, o exercício da competência impositiva. Assiste, ao contribuinte, quando transgredidas as limitações constitucionais ao poder de tributar, o direito de contestar, judicialmente, a tributação que tenha sentido discriminatório ou que revele caráter confiscatório. A garantia constitucional da irredutibilidade da remuneração devida aos servidores públicos em atividade não se reveste de caráter absoluto. Expõe-se, por isso mesmo, às derrogações instituídas pela própria Constituição da República, que prevê, relativamente ao subsídio e aos vencimentos ‘dos ocupantes de cargos e empregos públicos’ (CF, art. 37, XV), a incidência de tributos, legitimando-se, desse modo, quanto aos servidores públicos ativos, a exigibilidade da contribuição de seguridade social, mesmo porque, em tema de tributação, há que se ter presente o que dispõe o art. 150, II, da Carta Política. Precedentes: RTJ 83/74 – RTJ 109/244 – RTJ 147/921, 925 – ADI 2.010-MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello."

87.A doutrina especializada já percebeu essa orientação do STF no julgamento de questões envolvendo o tema da isonomia tributária. Com efeito, valioso o magistério de Marciano Seabra de Godoi (Sistema Tributário Nacional na Jurisprudência do STF, Ed. Dialética, São Paulo, 2002, p. 187) ao discorrer sobre decisões do STF sobre essa específica questão da igualdade tributária. Disse o ilustrado jurista:

"Também no julgamento da ADIMC 1.276 (Relator o Ministro Octávio Gallotti, DJ 15.12.95) prevaleceu o entendimento de que a discricionariedade contida na lei tributária em discussão era razoável. Abstraindo-se a problemática relativa ao ICMS que também se questionou na ação, tratava-se na espécie de um programa extrafiscal instituído por lei paulista que beneficiava as empresas daquele Estado que tivessem pelo menos 30% de seus empregados com idade superior a 40 anos. Estas empresas receberiam certificados que poderiam ser utilizados no pagamento do IPVA, limitado o benefício a 15% do imposto devido. Segundo o Governador paulista, autor da ação direta, este programa feria o caput do art. 5º e o art. 150, II, da Constituição Federal, pois criava um trato discriminatório em função da idade, prejudicando os trabalhadores mais jovens.

O Ministro Octávio Gallotti citou em seu voto a clássica doutrina de San Tiago Dantas, que diferencia a igualdade proporcional (verdadeira igualdade jurídica) da igualdade matemática ou paritária. A conclusão do Ministro Gallotti, compartilhada à unanimidade pelo Pleno, foi a de que o programa de benefício fiscal relativo ao IPVA diferenciou razoavelmente entre categorias dessemelhantes. No caso concreto, a eleição do critério da idade teria sido ‘racional e lógica’, não havendo falar-se em discriminação arbitrária. O legislador tributário, em medida extrafiscal, teria levado em consideração, para favorecer o emprego dos cidadãos mais velhos, o seguinte exceto de San Tiago Dantas: ‘a igualdade civil, como a concebem talvez unanimemente os escritores, não é a uniformidade de tratamento jurídico, mas o tratamento proporcional e compensado, de seres vários e desiguais’."

88.Na presente controvérsia, é fora de toda a dúvida a incapacidade de as contribuintes (instituições financeiras) demonstrarem a irrazoabilidade, a inadequação e a inaceitabilidade da norma constitucional-tributária que diferenciou a alíquota da CSLL incidente sobre os seus lucros, que todos sabemos serem robustos.


VII. CONCLUSÕES

89.Alfim e ao cabo, apresentam-se as seguintes conclusões:

1ª. A alíquota de 30% da CSLL incidente sobre as instituições financeiras é válida, pois não violou os princípios constitucionais da isonomia, da capacidade contributiva nem o da solidariedade social;

2ª. O poder constituinte derivado, via emenda constitucional, pode atribuir alíquotas diferenciadas para as contribuições sociais, em face da atividade econômica das contribuintes.

3ª. Não fere cláusula pétrea a possibilidade de o legislador constituinte derivado, na trilha inaugurada pelo legislador constituinte originário, estender o princípio da capacidade contributiva às contribuições sociais.

4ª. A norma tributária diferenciadora somente é inconstitucional se demonstrada e comprovada que é inadequada, irrazoável e inaceitável, sendo, por conseqüência, injusta por ser antiisonômica ou por ferir a igualdade substantiva.


Autor

  • Luís Carlos Martins Alves Jr.

    Luís Carlos Martins Alves Jr.

    Piauiense de Campo Maior; bacharel em Direito, Universidade Federal do Piauí - UFPI; doutor em Direito Constitucional, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG; professor de Direito Constitucional, Centro Universitário do Distrito Federal - UDF; procurador da Fazenda Nacional; e procurador-geral da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico - ANA. Exerceu as seguintes funções públicas: assessor-técnico da procuradora-geral do Estado de Minas Gerais; advogado-geral da União adjunto; assessor especial da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República; chefe-de-gabinete do ministro de Estado dos Direitos Humanos; secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente; e subchefe-adjunto de Assuntos Parlamentares da Presidência da República. Na iniciativa privada foi advogado-chefe do escritório de Brasília da firma Gaia, Silva, Rolim & Associados – Advocacia e Consultoria Jurídica e consultor jurídico da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB. No plano acadêmico, foi professor de direito constitucional do curso de Administração Pública da Escola de Governo do Estado de Minas Gerais na Fundação João Pinheiro e dos cursos de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG, da Universidade Católica de Brasília - UCB do Instituto de Ensino Superior de Brasília - IESB, do Centro Universitário de Anápolis - UNIEVANGÉLICA e do Centro Universitário de Brasília - CEUB. É autor dos livros "O Supremo Tribunal Federal nas Constituições Brasileiras", "Memória Jurisprudencial - Ministro Evandro Lins", "Direitos Constitucionais Fundamentais", "Direito Constitucional Fazendário", "Constituição, Política & Retórica"; "Tributo, Direito & Retórica"; "Lições de Direito Constitucional - Lição 1 A Constituição da República Federativa do Brasil" e "Lições de Direito Constitucional - Lição 2 os princípios fundamentais e os direitos fundamentais" .

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES JR., Luís Carlos Martins. A CSLL das instituições financeiras. A validade jurídica da alíquota de 30% instituída pela Emenda Constitucional de Revisão nº 1/94: o Fundo Social de Emergência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1730, 27 mar. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11085. Acesso em: 19 mar. 2024.