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A flexibilização das normas trabalhistas frente à globalização

A flexibilização das normas trabalhistas frente à globalização

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Sumário: I – Introdução. II – Histórico da idéia de "globalização". III - Análise do conceito de "globalização" em suas variadas acepções. IV- O incremento da taxa de desemprego como resultado da globalização. V – A flexibilização das normas trabalhistas. VI – O contrato de trabalho por tempo determinado. VII – Propostas para combater o desemprego. VIII – Conclusão. IX – Fontes consultadas.


I – Introdução

O Direito precisa ser encontrado no meio social, de maneira a garantir a menor distância possível entre a norma jurídica e a realidade. O Direito, aliás, forma-se antes de ser posto em norma jurídica. O que se espera do legislador, portanto, é que procure produzir leis que acompanhem as necessidades da sociedade e que se adaptem às suas exigências.

2. Podem ser citados três exemplos recentes que refletem a necessidade de adequação do Direito às novas realidades: o reconhecimento da união estável entre homem e mulher - no Direito de Família(i); a garantia de mesmos direitos aos filhos, sejam eles naturais, adulterinos, espúrios ou adotivos - no Direito das Sucessões(ii); e a consagração na jurisprudência do princípio da desconsideração da personalidade jurídica para abranger bens de sócio de empresa inadimplente, em caso de fraude manifesta, para efeito de pagamento aos credores - no Direito Comercial. Da mesma forma, também o Direito do Trabalho precisa se adequar às novas situações.

3. O propósito desta monografia é examinar a necessidade de flexibilização das normas trabalhistas, diante da constatação de aumento de competitividade em mercados definidos pelo desenfreado processo de globalização. Na primeira parte, procurar-se-á entender o desenvolvimento, ao longo da história, do fenômeno chamado de "globalização". Em seguida, será delimitado seu conceito. Então, será elaborada a hipótese de que o desemprego seria conseqüência, direta ou indireta, daquele fenômeno. Na quinta e sexta partes, analisar-se-á o princípio da flexibilização quanto às normas trabalhistas para fazer frente ao problema do desemprego, com ênfase na recente Lei que disciplina o contrato de trabalho por tempo determinado. Por fim, serão apresentadas algumas propostas - não só no âmbito jurídico, mas também nos âmbitos econômico, político e social - para resolver o problema central identificado: o desemprego.

4. Para efeito de delimitação do escopo desta monografia, a análise referente à flexibilização das normas trabalhistas será circunscrita à legislação brasileira, não levando em conta as ordens jurídicas de quaisquer outros países, mas apenas aspectos econômicos e sociais.


II - Histórico da idéia de "globalização"

5. Pode-se afirmar que a tão propalada "globalização" é um processo antigo. Teve seu início logo no período dos grandes descobrimentos, no século XV. Com efeito, as expedições lideradas pelo navegante genovês Cristóvão Colombo e financiadas pelo Reino de Castilla y Aragón romperam, em 1492, o isolamento entre o "Velho" e o "Novo Mundo" e implicaram crescente contato entre os países então existentes.

6. No século XIX, a Revolução Industrial, com as inovações técnicas e tecnológicas nas indústrias e nos transportes, permitiu maior integração do mundo - por meio da intensificação das trocas mercantis e do incremento de investimentos no estrangeiro – além de ter ensejado a necessidade de organização sindical, para a defesa de mínimas condições de trabalho em uma época de degradante exploração do operariado.

7. No período pós – IIª Guerra, fenômeno de importância foi a expansão acelerada das empresas multinacionais (ou corporações transnacionais) e conglomerados financeiros (registre-se que o número de transnacionais em 1970 se situava em torno de 7.000; já em 1992, estimava-se em 37.000 (iii)). Com a reconstrução do Japão e da Alemanha, ali modernizaram-se as indústrias e as relações de trabalho. Os novos padrões industriais revelaram os limites dos modelos keynesianos de gestão pública e doutrinas neo-liberais expressaram as novas necessidades apresentadas, convulsionando os modelos de regulação política tradicionais.

8. Nas últimas décadas, a revolução tecnológica seria mais uma etapa do processo em tela. Os principais ajustamentos que estão ocorrendo nas relações internacionais apresentam a marca da competitividade e das rápidas transformações, notadamente na área de Ciência & Tecnologia. De fato, verifica-se a emergência de tecnologias que perpassam todos os setores da atividade econômica, como a microeletrônica e a informática.

9. A competição internacional agora está centrada nos aspectos econômicos e científico-tecnológicos. Capacitação em tecnologia e em

recursos humanos passaram a ser elementos de importância maior do que considerações geopolíticas relacionadas aos fatores tradicionais de poder como, e.g., recursos naturais. Com efeito, a capacitação tecnológica tem sido apontada como elemento cada vez mais determinante na aferição do grau de desenvolvimento de um país. Ademais, torna-se cada vez mais importante a qualificação da mão-de-obra para lidar com novas tecnologias, sob pena de perda de competitividade.


III - Análise do conceito de "globalização" em suas variadas acepções

10. Como se depreende do breve histórico acima delineado, característica dominante do cenário internacional da atualidade está no conceito de "globalização".

11. Muito se fala a propósito desse termo, mas não se procura uma definição precisa, consensual e abrangente. Certo é que a abertura a que vêm se submetendo as economias de praticamente todos os países anuncia o avanço da internacionalização dos circuitos econômicos, financeiros e tecnológicos. Trata-se da globalização vertiginosa da economia mundial, que apresenta várias acepções.

12. Uma primeira acepção é a de encurtamento das distâncias do mundo pela maior acessibilidade proporcionada pelos modernos meios de transportes e de comunicações; uma segunda interpretação reside na força evidente dos mercados sobre os Estados , a partir da rápida expansão das transnacionais desde o pós IIª-Guerra; uma terceira fala do fenômeno da "financeirização".

13. Há, na verdade, vários níveis de internacionalização: a) o comercial – homogeneização das estruturas de demanda e oferta com empresas que estabelecem contratos de terceirização com produtores locais e comercializam os produtos sob suas próprias marcas (ex: Nike, Benetton, Carrefour), o que representa maior circulação de bens e serviços; b) o produtivo – fenômeno da produção internacional de um bem para o qual muitas economias contribuem com diferentes insumos, acarretando a idéia de "indústria global"; c) o financeiro – aumento do fluxo de capitais, decorrente da automação bancária e da desregulamentação dos mercados financeiros mundiais, que atrai volume crescente de recursos da esfera produtiva (desde os anos 80, bancos vêm cedendo espaço para instituições não-bancárias, como fundos de pensão e companhias de seguro); d) o cultural - os mesmos instrumentos que permitem o aumento vertiginoso do fluxo de capitais (redes eletrônicas, televisão, satélites) constituem o atual sistema de comunicação e cultura. Nesse sentido, "a globalização não significa mais intercâmbio e troca entre estados-nações, mas a produção em escala global de uma cultura mundial integrada que aponta tanto para uma hibridização como para uma homogeneização entre o nacional e o global" (iv); e) o tecnológico – incremento quantitativo e qualitativo das redes mundiais de comunicação e informação (INTERNET).

14. De um modo genérico, enfim, pode-se utilizar o termo em tela para designar a crescente e acelerada transnacionalização das relações econômicas, financeiras, comerciais, tecnológicas, culturais e sociais que vêm ocorrendo especialmente nas últimas duas décadas.

15. O fato é que aquilo que se convencionou chamar de "globalização" tornou-se fator de influência nas decisões de governo, dos agentes econômicos aos legisladores.

16. Constata-se, assim, a existência de nova realidade, dinâmica, que, ao apresentar novos problemas, reclama soluções novas. Serão examinadas, adiante, algumas conseqüências desse fenômeno nos âmbitos econômico, político, social, tecnológico e jurídico.


IV - O incremento da taxa de desemprego como resultado da "globalização"

17. À falta da instrumentos sofisticados de análise macroeconômica que levem em consideração os mais variados e dinâmicos fatores, não parece ser possível fazer previsões absolutamente seguras e definitivas acerca dos efeitos da "globalização" sobre o nível de emprego interno. Há mais argumentos meramente especulativos do que cientificamente seguros.

18. De qualquer sorte, parece razoável supor, com relativa margem de segurança e com o respaldo de diversas análises recentes, que esse processo poderá, em tese, gerar aumento no nível geral de desemprego. Entende-se que seria conseqüência direta do aumento da competitividade, com a entrada no país de produtos estrangeiros de melhor qualidade e menor preço. Ademais, a busca da competitividade implicaria a necessidade de diminuição progressiva da força de trabalho empregada - devido à necessidade de redução dos encargos sociais - o que também redundaria em desemprego. Convém ressaltar ainda que as empresas transnacionais procuram instalar suas subsidiárias em países cujas normas reguladoras do sistema de empregos são mais flexíveis. Também não se pode esquecer que o avanço tecnológico parece prenunciar o fim de diversas tarefas, o que implicaria o fim de empregos em setores específicos. Diante desse quadro, cumpre analisar detidamente o problema com vistas a procurar indicar algumas possíveis soluções, ainda que necessariamente incompletas.

19. A Igreja reconhece o trabalho como uma atividade nobre, relacionada à obra criadora do próprio Deus(v). O trabalho, na verdade, é, antes de tudo, um direito, e "a ordem econômica que lhe rejeitar [o trabalho], recusa-lhe o direito a sobreviver." (vi)

20. Lembrando disposições constitucionais, o valor social do trabalho é um dos cinco fundamentos da República Federativa do Brasil, conforme preceitua o art. 1º da Constituição Federal de 88; o trabalho é o maior bem do trabalhador e constitui a base da ordem social (art.193); e a busca do pleno emprego é um dos princípios da ordem econômica (art.170,VIII).

21. A negação do trabalho ao ser humano constitui privação das mais penosas e as conseqüências do desemprego na vida de uma pessoa podem assumir contornos especialmente dramáticos. O desespero e a angústia decorrentes do desemprego criam, muitas vezes, situações insustentáveis, podendo culminar na dissolução familiar e, até mesmo, no aumento da criminalidade – de que são exemplos inúmeros casos constantemente veiculados pela imprensa. Assim, indiretamente ou não, o desemprego pode ter repercussão até em outro ramo do Direito: o Penal. O problema, pois, é seriíssimo.

22. Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) indicam que há cerca de oitocentos milhões de desempregados no mundo, o nível mais alto desde a Grande Depressão, nos anos 30. (vii)

23. Pesquisa do IBGE indica que a taxa de desemprego no Brasil em 1997 (5,66%) foi quase 50% maior do que em 1990 (3,93%) e calcula-se que a taxa crescerá para 7% em 1998. No mês de janeiro último, de acordo com o IBGE, a taxa ficou em 7,25% - o maior índice observado no mês de janeiro desde 1985 e o nono maior em toda a série histórica daquele instituto. O desemprego se alastra e causa ansiedade : de acordo com pesquisa do IBOPE, 63% das pessoas entrevistadas na primeira semana de fevereiro de 98 temem perder o emprego. (viii)

24. Consoante dados da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), o setor industrial brasileiro fechou pelo menos 320 mil postos de trabalho em 1997. Se forem incluídos os trabalhadores informais, i.e., sem carteira assinada, o número chega a 560 mil. (ix)

25. Esses números atestam a gravidade da questão e demonstram que o desemprego, hoje, é um problema mundial, global. Em países como a França e a Itália, constitui preocupação prioritária para seus governos. Na França, a Assembléia Nacional aprovou, em 10.02.98, Projeto de Lei que prevê a redução da duração semanal de trabalho de 39 para 35 horas, em todo o país, a partir do ano 2000. (x) Pretende-se, com essa medida, criar novos postos de trabalho naquele país, cujo taxa de desemprego é da ordem de 12%. A medida tem causado grande polêmica em todos os setores da sociedade francesa. De acordo com pesquisa feita por uma revista local, 64% dos franceses (notadamente simpatizantes de esquerda) são favoráveis à redução da jornada de trabalho. (xi) Mas há divergências até mesmo entre diferentes grupos de empregadores, visto que os pequenos empresários se sentem prejudicados. (xii)

26. Na Itália, as empresas locais acreditam que a redução da duração de trabalho para 35 horas semanais implicará aumento dos custos e diminuição da produção. Assim, 27% das empresas pensam na possibilidade de transferir a produção para o exterior; 54% contratariam outras empresas para a produção de parte do trabalho; e 40% acelerariam o processo de automação. (xiii)

27. Em todos os casos, a única questão em torno da qual parece haver consenso se refere à tendência de que a competitividade internacional oriunda do processo de "globalização" pode estar acarretando um incremento nas taxas de desemprego em praticamente todos os países.

28. Assim, admitindo-se como premissa verdadeira o fato de que o processo denominado "globalização" pode provocar aumento nas taxas de desemprego no Brasil e no mundo, analisar-se-á o que pode ser feito no âmbito do Direito do Trabalho para enfrentar esse problema. Ressalte-se que serão analisados aspectos restritos à legislação nacional, não levando em conta os arcabouços jurídicos de quaisquer outros países.


V – A flexibilização das normas trabalhistas

29. A necessidade de proteção ao trabalhador com vistas a se alcançar "justiça social" vem sendo defendida ao longo da história: desde Robert Owen, autor de "New View of Society"(1812), que implantou reformas sociais em sua própria fábrica; passando pela Primeira Internacional Socialista (1864) em que atuaram Marx e Engels; pela Encíclica Rerum Novarum (1891) do Papa Leão XIII; até a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), constituída em 1919 pelo Tratado de Versalhes - vinte e sete anos antes de se vincular à própria ONU.

30. Sucede que o passar dos anos acabou testemunhando a crescente e excessiva rigidez das normas de proteção ao trabalhador de tal maneira que se chegou à necessidade de se flexibilizarem alguns direitos como mecanismo para tornar possível um controle relativo sobre um dos problemas sociais mais graves deste fim de século, o desemprego.

31. A idéia, doutrina ou princípio da flexibilização surgiu na Europa dos anos 60. Na Itália, a flexibilização das normas trabalhistas evoluiu muito na segunda metade da década de 70, devido à excessiva rigidez da legislação italiana sobre salários. Àquela época, foram negociados diversos acordos tripartites (entre Estado, sindicatos e empregadores), com o objetivo de diminuir o desemprego: "La négociation de ces accords fixa le développement de la flexibilité dans les limites d’un nouvel espace de concertation sociale programmatique. Les politiques d ‘emploi définies... eurent un double objectif: la création de nouvelles normes de régulation du marché du travail et la lutte contre le chômage et l’inflation." (xiv)

32. Alguns estudiosos aduzem que apesar da maior flexibilização aplicada nos países europeus, as taxas de desemprego aumentaram naquele continente e colocam em dúvida se uma maior flexibilidade implicaria maior produtividade. (xv)

33. Por outro lado, observa-se que a Inglaterra e a Holanda, que flexibilizaram sua regulamentação laboral, têm taxas de desemprego bem menores do que a Alemanha, apesar de todos esses três países apresentarem grau similar de globalização e desenvolvimento tecnológico.

34. A flexibilização pode se referir ao mercado de trabalho, ao salário, à jornada de trabalho ou às contribuições sociais. Trata-se de uma adaptabilidade das normas trabalhistas face às mudanças ou às dificuldades econômicas, sob a alegação de que a rigidez traria aumento do desemprego.

35. No caso do Brasil, de acordo com a Constituição de 88, pode haver redução de direitos trabalhistas em três casos, quais sejam: redução do salário (art. 7º, VI); redução da jornada de oito horas diárias (art.7º, XIII) ou da jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento (art.7º, XIV). Constitucionalmente, pois, apenas esses três direitos podem ser flexibilizados, cabendo às partes determinar as normas que passarão a reger suas relações, de acordo com seus interesses, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho – entendida aqui como misto de contrato e lei. Assim, admite-se a redução salarial, ou a diminuição da jornada de trabalho, muitas vezes em troca de garantias que, por força das circunstâncias aferidas, são mais vantajosas para determinada categoria de trabalhadores. São inúmeras as decisões do egrégio Tribunal Superior do Trabalho (TST) nesse sentido(xvi).

36. A flexibilização possibilita que o contrato de trabalho seja disciplinado de forma diversa. Mais ainda, possibilita até a derrogação de normas de ordem pública. A princípio, pode parecer que feriria o princípio tutelar do Direito do Trabalho, deixando de assegurar direitos já conquistados pelos trabalhadores. Contudo, a flexibilização vem, na verdade, reforçar aquele princípio, uma vez que pode significar a continuidade do próprio emprego. (xvii)

37. No que tange à possibilidade de diminuição da jornada de trabalho, verifica-se, de início, que, consoante reza o art.7º,XIII da Constituição Federal, a duração do trabalho no Brasil não pode ser superior a 8 horas diárias e 44 semanais, mas é permitida a redução por acordo ou convenção coletiva de trabalho. A redução da jornada sem diminuição dos encargos é, em princípio, benéfica para o trabalhador. Entretanto, pode ser inconveniente para o empregador se acarretar diminuição do nível de competitividade de sua empresa. Daí a necessidade de acordo entre as partes. A redução ou flexibilização da jornada pode ser encontrada sob variadas formas. Podem-se citar, entre outros exemplos, o horário flexível, o banco de horas (sistema de compensação de horas-extras) e o sistema norte-americano do "lay-off", ocasião em que o empregado descansa em períodos de queda na produção, podendo o empregador pagar parte do salário e menos encargos sociais durante o período.

38. Também pode haver redução do intervalo de trabalho, sempre escorada em convenção coletiva. Em recente decisão do colendo Tribunal Superior do Trabalho, a Seção Especializada em Dissídios Coletivos entendeu que se o interesse das partes na redução do intervalo da jornada

de trabalho está explicitado em convenção coletiva, torna-se inexigível a autorização mediante inspeção prévia da autoridade do trabalho. Na ementa daquela decisão, ressalta-se que "dentro de uma flexibilização imposta também pela ausência de condições do Ministério do Trabalho... de efetuar tais verificações, convém que se defira às partes o direito quando o poder público não pode dar cumprimento à incumbência que a Lei lhe defere". (xviii)

39. Quanto à redução salarial, embora, em princípio, pareça ser prejudicial para o trabalhador, deve-se observar que a mesma negociação que porventura preveja a redução salarial pode admitir, em compensação, a incorporação ou o aumento de outros direitos que, no final, pode trazer mais vantagens ao hipossuficiente. O que se verifica sempre é a importância da negociação. Recentemente, em uma indústria de autopeças de São Paulo, foi negociado um acordo entre sindicatos e empresários que prevê a redução salarial em troca da garantia de emprego. (xix)

40. Conforme explicitado em recente decisão do TST, "os princípios da flexibilização e da autonomia privada consagrados pela Constituição da República ... conferem aos Sindicatos maior liberdade para negociar com as entidades patronais, valorizando, assim, a atuação dos segmentos econômicos e profissionais na elaboração das normas que regerão as respectivas relações, cuja dinâmica torna impossível ao Poder Legislativo editar Leis que atendam à multiplicidade das situações delas decorrentes. Desta forma, não podemos desestimular essas negociações, avaliando as cláusulas de um Acordo de forma individual, com um enfoque sectário, sem considerar a totalidade do instrumento normativo, porquanto as condições mais restritivas para os trabalhadores foram por eles acordadas em prol de outros dispositivos, que instituem vantagens ou benefícios além dos patamares legalmente fixados". (xx) ....Com efeito, uma maior liberdade de negociação trará como conseqüência o fortalecimento dos sindicatos, ainda que a longo prazo.

41. Há, contudo, ferrenhos opositores à idéia de flexibilização. Para eles, o que se pretende é o enfraquecimento dos direitos trabalhistas duramente conquistados. De acordo com Amílton Bueno de Carvalho, arauto do direito alternativo, embora exista semelhança entre o princípio da flexibilização e o direito alternativo (os adeptos de um e de outro repudiam uma visão meramente legalista do Direito), a diferença é fundamental : enquanto o direito alternativo propugna pela ampliação dos direitos trabalhistas, a flexibilização admite a possibilidade de restrição em decorrência de dificuldades econômicas. (xxi) Para Bueno de Carvalho, "flexibilizar ... representa, na ótica alternativa, um retrocesso, posto que busca restringir direitos já conquistados pela classe trabalhadora". (xxii) Insiste em que a doutrina da flexibilização apenas dá suporte técnico à "flexibilização" que sempre existiu, pois mesmo os direitos legalmente conquistados têm sido postergados ou sonegados, a exemplo do salário mínimo.

42. Não é bem assim. Embora pertinente e justificável sua preocupação com a possibilidade de restrição de direitos conquistados, cabe lembrar que, constitucionalmente, só podem ser flexibilizados dois direitos: jornada de trabalho e salário. No que se refere à possibilidade de redução do horário de trabalho, pode ser medida eficaz para frear o ritmo de demissões, sendo, portanto, benéfica ao hipossuficiente. Quanto ao salário, embora a flexibilização autorize o sindicato a acordar sua redução, não haverá prejuízo ao trabalhador se, em negociação coletiva, for estabelecida compensação por meio de garantias quaisquer que, em determinada circunstância, sejam ainda mais vantajosas para a totalidade da categoria. Para ambos os casos apresentados, sempre se deve atentar para que aquilo que for acordado no instrumento coletivo, na sua integralidade, não deve causar prejuízo aos empregados(xxiii). Nessas circunstâncias, não há por que considerar que a flexibilização reduz, simplesmente, direitos conquistados.

43. A questão não é tão simplória. Obviamente, pode haver redução efetiva de direito específico, mas o que se deve perquirir é se, considerando a integralidade dos direitos e garantias, houve ou não redução. Assim, dependendo das circunstâncias do caso concreto, o afastamento de algum direito para, em última instância, beneficiar o trabalhador e o empregador, pode ser conveniente para ambas as partes. Em outras palavras, pode ser justificável e legítima a redução de um direito trabalhista, acordada em convenção coletiva, se for para evitar um mal maior : o desemprego.


VI- O contrato de trabalho por tempo determinado

44. É sabido que o contrato de trabalho, como ato jurídico criador da relação de emprego, é sempre consensual, sinalagmático e, de regra, sucessivo (serviço permanente) e contínuo (por prazo indeterminado). Há, contudo, em caráter excepcional, a figura jurídica do contrato de trabalho por tempo determinado, outrora disciplinado pelos arts. 443, 445, 451, 479 e 480 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e atualmente regido pela Lei nº. 9.601 - publicada no D.O.U em 22.01.98 -, que lhe dá nova disciplina jurídica, com o fito de procurar encontrar soluções jurídicas para o crônico problema do desemprego. Constitui nítido exemplo de flexibilização.

45. Convém ressaltar, desde logo, que, obviamente, cuida-se de modalidade contratual diversa daquela que estipula o contrato por prazo indeterminado. Além disso, o contrato de trabalho por prazo determinado não se confunde com o de trabalho temporário, regido pela Lei 6.019/74.

46. Alguns juristas questionam a constitucionalidade da redução de direito trabalhista em função do caráter temporário do contrato de trabalho, consoante reza o art. 2, II da Lei 9.601 (redução para 2% da alíquota da contribuição para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS). Se, por um lado, a redução da alíquota (de 8% para o contratado de acordo com o art. 443 da CLT para 2% para o contratado de acordo com a Lei 9.601) pode ser justificável se se entende que tenciona facilitar novas contratações, por outro, nem a Constituição nem a Lei 8.306/90 (que disciplina o FGTS) possibilitam expressamente a redução em razão da forma contratual.

47. Ademais, a Lei 9.601 determina que não sejam aplicados os seguintes artigos da CLT : art. 443, parágrafo 2º - para aumentar a abrangência do contrato de trabalho por prazo determinado, transformando a relação contratual de restrita (às hipóteses estabelecidas pela CLT) para genérica, para permitir a contratação de novos trabalhadores; art. 451- para não caracterizá-lo como indeterminado quando prorrogado pela segunda vez; e arts. 479 e 480 - para determinar que, com a nova Lei, caberá aos trabalhadores e empregadores estabelecer, na convenção ou acordo coletivo, a indenização para as hipóteses de rescisão antecipada. Aqui, a Lei 9.601 confere força legiferante às convenções ou acordos coletivos, o que tem sido questionado por eminentes juristas.

48. Discute-se se aquela Lei feriria o princípio da isonomia - basilar no Direito do Trabalho, sob o argumento de que não pode haver distinção entre trabalhadores em razão do prazo do contrato de trabalho. Aponta-se, em princípio, contrariedade ao disposto no art. 5º da CF ("Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza..."). Sucede, contudo, que não se fere tal princípio, eis que não foi instituído regime de trabalho diverso para trabalhadores que desempenham funções idênticas. Não se prevê a substituição. Prevê-se, tão-somente, a possibilidade de contratação por prazo determinado de trabalhadores desvinculados a uma empresa. Se essa situação contraria o art. 5º, então o art. 40 (que estipula tempos diferenciados de aposentadorias para homens e mulheres ) tampouco com ele se coadunaria - o que, na verdade, não ocorre. Destarte, a Lei 9.601 não fere o princípio da isonomia. É uma espécie contratual distinta. O Direito do Trabalho aqui trata situações diversas de maneiras diferenciadas, eis que tratamento eqüitativo implica tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais.

49. Questão fundamental a ser discutida é se a modalidade de contrato temporário de trabalho criará novos empregos ou não. Muitos acreditam que não será significativo o efeito do novo contrato sobre o incremento do nível de emprego. Alguns lembram que na maioria dos países em que foi adotada essa modalidade de contrato de trabalho, não foi constatada redução do desemprego, mas, tão-somente, rotatividade de mão-de-obra. Eminentes juristas afirmam de maneira peremptória que o trabalho temporário não criará um único emprego(xxiv). Por outro lado, de acordo com o Presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG), Stefan Salej, a flexibilização do trabalho, com o contrato temporário, será fundamental para o desenvolvimento do país. Acredita Salej que "a elevação da produção mineira, hoje em 80% da capacidade instalada, pode se traduzir em aumento do número de empregos." (xxv) Além disso, consoante revela estudo da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), a reforma das relações trabalhistas, privilegiando a flexibilização, é um dos fatores condicionantes à geração de empregos. (xxvi) A discussão deve se prolongar muito ainda.

50. Há o temor de que ocorra substituição de trabalhador sob contrato de prazo indeterminado por outro, sob contrato de prazo determinado. Na França, o ali chamado "contrat à durée déterminée" (CDD) vem permitindo abusos da parte dos empregadores, quando empregam trabalhadores sob contratos de menos de um mês de duração como forma de diminuir os encargos sociais. O resultado é a mera rotatividade de mão-de-obra(xxvii). Para não ocorrer o mesmo no Brasil, e considerando que a contratação por prazo determinado traz menores custos, torna-se essencial a contínua vigilância dos sindicatos, do Ministério do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho para evitar a substituição

maciça dos empregos existentes por trabalhos temporários. É aí que se apresenta, nitidamente, a necessidade de proteção sindical e de mecanismos que garantam transparência e confiança nas relações de trabalho.

51. Convém ressaltar que a flexibilização apenas por meio do contrato por tempo determinado pode não ser muito eficaz no combate ao desemprego. Conforme observação do Prof. José Márcio Camargo sobre um cenário de flexibilização fundada unicamente naquele instrumento, quando a economia cresce, o desemprego cai; e quando aparece recessão, a taxa de desemprego sobe(xxviii). Assim, a adoção do novo contrato por tempo determinado, consoante sua avaliação, seria medida meramente paliativa. Daí a importância de se flexibilizarem, por negociação coletiva, todos os direitos trabalhistas. Ele ainda avalia que "se a negociação existe depois que a relação de trabalho foi interrompida, por que não permiti-la enquanto a relação está em andamento?".

51. É claro que o ideal a ser perseguido é o de pleno emprego com a totalidade dos direitos trabalhistas para todos - o que seria excelente do ponto de vista social, embora talvez não seja solução duradoura do ponto de vista estritamente econômico. Não sendo isso possível, em virtude de circunstâncias diversas e adversas, parece ser socialmente preferível a possibilidade de emprego por prazo determinado do que a certeza do desemprego permanente.

52. O novo contrato de trabalho por tempo determinado, regido pela Lei 9.601, não pretende simplesmente reduzir direitos. Cuida-se apenas de uma outra modalidade contratual que torna possível a criação de novos empregos. Deve-se admitir, pois, que referida Lei constitui novo mecanismo que pode servir para minorar o problema de desemprego no país. Ainda que seus resultados venham a ser limitados, a medida é louvável e vem atestar a importância crescente da flexibilização das normas trabalhistas.


VII - Propostas para combater o desemprego

53. O debate acerca do desemprego envolve posições muito divergentes: liberais, social-democratas, revolucionárias etc. Apresentar propostas consensuais para um problema complexo constitui tarefa árdua. Considerações ideológicas à parte, serão listadas a seguir apenas algumas primeiras indicações do que parecem ser pontos de convergência:

a. Revisão da legislação. Facilmente se constata a necessidade de reformulação da CLT, extremamente paternalista, criada em uma época de economia fechada (1943). A CLT se encontra obsoleta em certos tópicos, além de confusa, imprecisa e assistemática. Mais além, conviria ao Poder Legislativo verificar a possibilidade e discutir, com muita cautela, a conveniência de se admitir expressa disposição constitucional que consagre a flexibilização absoluta (de todos os direitos sociais) como mecanismo capaz de modernizar as relações trabalhistas - sempre com o cuidado de se garantir a proteção do trabalhador. Assim, por exemplo, poder-se-ia implementar o horário flexível de trabalho ou a redução da jornada de modo universal e gradual, com redução concomitante de impostos e encargos, mas sem redução de salários, de conformidade com o lema dos sindicatos franceses de "trabalhar menos para que trabalhem todos". Conviria, entretanto, que eventual redução da jornada não viesse acompanhada de previsão de horas-extras, pois poderia, nesse caso, ser ainda mais oneroso para o empregador, podendo promover desemprego. A questão não é simples.

b. Criação de mecanismos para estimular a negociação coletiva. No Brasil, a tutela do trabalhador é fundamentalmente regida pela legislação. Em outros países, como, e.g., os EUA, predomina a vertente negocial, em que a proteção do hipossuficiente é estabelecida por acordos conduzidos pelos sindicatos. No caso brasileiro, poderia ser conveniente ampliar os mecanismos de negociação coletiva, a exemplo do que sucede nos EUA, onde existe um eficiente sistema de queixas e arbitragem dentro da própria empresa, o qual deve ser esgotado antes de se recorrer à Justiça do Trabalho. A propósito, os princípios da flexibilização e da autonomia privada consagrados pela Lei Maior já "conferem aos sindicatos maior liberdade para negociar, valorizando a atuação dos segmentos econômicos e profissionais na elaboração das normas que regerão as respectivas relações..." (xxix). O resultado natural de uma maior liberdade negocial será o fortalecimento dos próprios sindicatos.

c. Qualificação da mão-de-obra. A educação profissional se tornou prioridade absoluta diante da crescente competitividade, donde a

necessidade de aumento de recursos para reciclagem de mão-de-obra, para tornar o trabalhador capaz de lidar com novas tecnologias. Não parece caber ao Estado a função de agenciador de empregos. Cabe, isso sim, criar mecanismos, por meio de políticas públicas , para permitir um melhor aproveitamento da mão-de-obra desqualificada e/ou ociosa.

d. Revisão dos programas governamentais existentes. Não parece conveniente a criação pura e simples de outros programas – o que implicaria maiores gastos do governo federal. Conviria apenas reavaliar os já existentes: o Programa de Geração de Emprego e Renda (PROGER), de eficácia limitada; o Programa Nacional de Qualificação do Trabalhador (PLANFOR); o Programa de Expansão do Emprego e Melhoria da Qualidade de Vida do Trabalhador (PROEMPREGO); além do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC).

          e. Criação de empregos no setor de serviços. Pode-se entender, em grau otimista, que , no Brasil, ainda há muitos setores que necessitam de mão-de-obra, notadamente o setor de serviços (turismo, e.g., é uma área muito citada pelos analistas econômicos como a que mais deve crescer nos próximos anos). Assim, a médio prazo, novas oportunidades de trabalho podem ser criadas em outros setores, que não no industrial. Lembre-se que o setor industrial já não é mais o grande criador de empregos.

f. Redefinição da parceria entre Estado e indústria. Consoante reza o art. 174 da Constituição Federal de 88, "agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado". Assim, a princípio, caberia ao Poder público reger a economia nacional. Como observa Manoel Gonçalves Ferreira Filho, "ao contrário da Constituição anterior, cuja inspiração era neoliberal, embora na prática não o tenha sido, a Constituição vigente é nitidamente estatista no plano econômico". (xxx) De qualquer sorte, sabe-se que é antigo o debate entre defensores do liberalismo econômico e do intervencionismo estatal. A interferência mínima do Estado na economia pode garantir maior prosperidade econômica, mas não se deve esquecer que, historicamente, a intervenção estatal - sob a forma de regras protecionistas – pôde estimular o desenvolvimento do mercado interno. Além disso, se o livre mercado pode melhorar a produção, por meio da livre concorrência, apenas a presença do Estado pode assegurar uma melhor distribuição de renda. Assim, não parece ser impertinente afirmar que a conveniência ou não da intervenção do Estado na economia depende das conjunturas do país e do mundo. A parceria entre o Estado e a indústria no Brasil foi efetivada nos anos 50, começou a se desfazer nos anos 70 - com o esgotamento do modelo de industrialização por substituição de importações - , aumentou na década de 80 e foi praticamente desfeita na de 90.

Precisaria ela ser reconstruída com a participação conjunta e equilibrada dos trabalhadores, partidos políticos, Governo federal e empresários do setor.

g. Crescimento econômico. A principal razão do desemprego, no âmbito nacional, está na desaceleração do nível de atividade da economia, provocada pela desestabilização das contas externas, que, por sua vez, é resultado das altas taxas de juros. Considerando que se trata de fenômeno de caráter nitidamente estrutural, parece claro que respostas eficientes e definitivas ao problema do desemprego pressupõem, de início, estabilidade da economia nacional, controle do déficit público, reforma tributária, aumento da produtividade interna e da competitividade. Na verdade, só o crescimento econômico – decorrente de investimentos - gera empregos. Recorde-se que durante o período de 1968-72 ("milagre econômico"), quando a taxa de crescimento econômico chegou a 10% a.a., a taxa de investimentos era de 25% do PIB; hoje, está em cerca de 17% do PIB. Daí a necessidade de bem engendradas políticas para aumentar a taxa de investimentos, culminando no desenvolvimento econômico. A solução, pois, não será encontrada a curto prazo. O assunto precisa ser debatido em profundidade e não pode ser encarado, no caso do Brasil, como mera oportunidade pré-eleitoral.


VIII - Conclusões

54. A missão da Justiça do Trabalho, frente ao processo de globalização - tal como entendido na presente monografia - reside na busca de conciliação de controvérsias decorrentes da relação de trabalho em face da internacionalização da economia. Para tanto, precisa se adequar à nova realidade que ora se apresenta, pois o Direito, como a sociedade, é dinâmico, dialético. Aliás, não houvesse distância entre a norma jurídica e a realidade, a ordem social seria mais justa.

55. Já que alguns juristas têm apresentado argumentos vários para apontar inconstitucionalidades da Lei 9.601, propugnando pela obediência estrita dos preceitos constitucionais, cumpre ressaltar a prevalência e a auto-aplicabilidade de preceitos como o art.170,VIII (busca do pleno emprego, como princípio da ordem econômica); o art. 3º,II e III (onde se prevê serem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil "garantir o desenvolvimento nacional" e "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais"); e o art.193 ("A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais"). Ora, se estão os direitos sociais estabelecidos na Constituição Federal, que se lhes apliquem. Se se prevê dificuldade em aplicar o Direito, melhor seria se não tivessem sido aqueles direitos explicitados na Lei Maior.

56. Convém cuidar sempre para que não se vincule simplesmente o emprego às condições econômicas vigentes, eis que "a lei da oferta e da procura não é adequada às relações de trabalho, pois o valor do trabalho exige estimativas coerentes com o seu significado social e humano". (xxxi) Com efeito, em matéria trabalhista, o país não pode ser considerado como mero mercado de capitais. Os fatores sociais precisam ser levados em conta ao lado dos fatores econômicos, nunca abaixo destes, nunca relegados a segundo plano.

57. Deve-se atentar para a possibilidade de abuso e má-fé do empregador, quando estipula severas condições de trabalho, aumenta exigências e diminui benefícios a seu bel-prazer com a anuência do empregado, sob pena de ficar este sem emprego. Tendo em vista que a autonomia da vontade pode servir de exploração do hipossuficiente, torna-se necessária a atenta vigilância dos sindicatos, do Ministério do Trabalho, da OAB, do Ministério Público do Trabalho e da sociedade civil. A flexibilização que acarreta redução de direitos conquistados só se justifica quando houver benefícios compensatórios para o trabalhador.

58. Somente com a atuação conjunta do Executivo, do Legislativo e do Judiciário poderão, na implementação de eventuais propostas, ser alcançados os resultados desejados. Cabe ao governante elaborar e implementar eficientes políticas públicas que procurem conferir estímulos para que todos os agentes econômicos criem condições para a queda da taxa de desemprego. Cabe ao legislador entender os anseios, angústias e conflitos da sociedade, sempre dinâmica, em constante movimento e contínua transformação, com o objetivo de encontrar, no meio social, o próprio Direito. Cabe ao juiz procurar fazer uma interpretação social da lei, com o objetivo último de atender ao bem comum, ao bem da coletividade, dos empregados e dos empregadores.

59. Convém lembrar aqui o art. 5º do Código Civil Brasileiro, que reza: "na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum". No mesmo sentido, o art. 8º, in fine, da CLT, o qual ressalta: "nenhum interesse de classe ou particular deve prevalecer sobre o interesse público"

60. Pode-se concluir que, diante dos novos desafios impostos pela "globalização", o princípio da flexibilização das normas trabalhistas brasileiras pode vir a ser ampliado e aplicado com o fito de procurar dar maior liberdade negocial às relações de trabalho - desde que se garanta, por meio do Poder Público, a existência e a eficácia de mecanismos de proteção mínima do hipossuficiente - na busca de soluções criativas e equânimes que melhor atendam às necessidades dos dois lados, empregados e empregadores, sempre com o objetivo último de tornar o Brasil um país economicamente desenvolvido e socialmente justo.


IX – FONTES CONSULTADAS

  1. Doutrina:

    BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de Direito Judiciário do Trabalho. São Paulo, ed. LTr, 1985.

    NASCIMENTO, Amaury Mascaro. Teoria da Norma Jurídica Trabalhista. São Paulo, ed. LTr, 1976.

    NASCIMENTO, Amaury Mascaro. Fundamentos do Direito do Trabalho. São Paulo, ed. LTr, 1970.

    RUSSOMANO, Mozart Victor. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. Rio, Forense, 1986.

    RUSSOMANO, Mozart Victor. Curso de Direito do Trabalho. Curitiba, Juruá Editora, 1997.

    SOUZA JÚNIOR, José Geraldo e AGUIAR, Roberto (org.). Introdução Crítica ao Direito do Trabalho. Brasília, UnB, 1993.

    SUSSEKIND, Arnaldo et alii. Instituições do Direito do Trabalho. Rio, Freitas Bastos, 1984.

  2. Jurisprudência:

    Vide notas xvi, xvii, xviii, xx, xxiii e xxix

  1. Legislação:
  • Constituição da República Federativa do Brasil, 5 de outubro de 1988.
  • Consolidação das Leis do Trabalho (DL nº.5452, de 1º.05.43).
  • Lei nº 6.019 / 74
  • Lei nº 8.880 / 95
  • Lei nº 9.601 / 98
  1. Periódicos:
  • jornais O Globo, Gazeta Mercantil e Correio Braziliense de fevereiro a abril de 98;

  • revistas L’Express e Le nouvel observateur, de dezembro de 97 a março de 98.

  1. Livros diversos:
  1. ARON, Raymond. "Os Estados e a economia internacional". In: Os Últimos Anos do Século. RJ, Guanabara, 1987.
  2. GILPIN, Robert. "Dependence and Economic Development". In: The Cold War International System. Classic Readings of International Relations, Belmont. Cal., Wadsworth, 1993, Section IV.
  3. MARUANI, Margaret et alii. La Flexibilité en Italie – Débats sur l’emploi. Paris, Syros/Alternatives, 1989.
  4. SEYFARTH et alii. Labor Relations and the Law in France and the United States. The University of Michigan, 1972.

Notas

  1. Cf. art.226, # 3º da Constituição Federal de 1988.
  2. Cf. art.227, # 6º da Constituição Federal de 1988.
  3. AGUIAR CUNHA, Paulo Guilherme, "Indústria Nacional e Política Externa". In: Temas de Política Externa Brasileira II, vol.1, p.354-5.
  4. BENTES, Ivana. "Cultura e globalização na América Latina: Globalização Eletrônica". In: Globalização na América Latina: Integração solidária. Seminário Internacional. FUNAG, Brasília, 1997.
  5. CALVEZ E PERRIN, Église et société économique, Paris, 1959, p.295.
  6. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. São Paulo, Saraiva, 1990, p.301.
  7. Apud: GALVÃO, Luís Eduardo. "A bomba que ameaça o mundo". In: Revista Rumos do Desenvolvimento, dez/97, p.25.
  8. Cf. matéria da revista Veja de 11.02.98: "Assombração Nacional", p.68-73.
  9. Cf. Jornal de Brasília, p. 10, 11.02.98.
  10. Cf. reportagem de O Globo, dia 11.02.98, p. 27.
  11. Cf. reportagem à p. 32 da edição de 8-14 janeiro/98 de Le Nouvel Observateur.
  12. Cf. reportagem da revista L’Express, de 14.12.97: "La révolte des petits patrons", p.38-46.
  13. Cf. reportagem da Gazeta Mercantil de 05.02.98, à p. A-18.
  14. MARUANI, Margaret et alii. La flexibilité en Italie / Débats sur l’emploi. Paris, Syros/Alternative, 1989, p.25.
  15. Cf. BRUNO, Sergio. "La flexibilité : un concept contingent". In: MARUANI, op. cit, p.39.
  16. Cf. As seguintes decisões do TST proferidas em Recursos Ordinários em Dissídio Coletivo: Acórdão n. 1373, de 03.11.97, publicado no DJ de 12.12.97, à p. 65847; Acórdão n. 1373, de 03.11.97, publicado no DJ de 12.12.97, à p. 65847; Acórdão n. 923, de 04.08.97, publicado no DJ de 05.09.97, à p. 42134; Acórdão n. 448, de 15.04.97, publicado no DJ de 23.05.97, à p. 22142; Acórdão n. 354 de 31.03.97, publicado no DJ de 02.05.97, à p. 16821; Acórdão n.166, de 24.02.97, publicado no DJ de 04.04.97, à p. 10777; Acórdão n. 704, de 24.06.96, publicado no DJ de 04.10.96, à p.37363; bem como decisões proferidas em Recursos de Revista : Acórdão n.6876, de 23.10.96, publicado no DJ de 23.05.97, à p. 22244; Acórdão n.7451, de 11.12.96, publicado no DJ de 07.03.97, à p.05809; Acórdão n. 4310, de 08.09.97, publicado no DJ de 19.09.97, à p. 45817.
  17. Cf. Acórdão n. 6876, de 23.10.96, proferido pela Segunda Turma do TST em Recurso de Revista. Redator Min. José Luciano da Castilho Pereira. Recorrente: Fertisul S/A. Recorrido: Morency Goulart Gonçalves.
  18. Acórdão n. 1434, de 17.11.97 da Seção Especializada em Dissídios Coletivos do TST, publicado no DJ de 12.12.97, à p.65850. Recorrente: Ministério Público do Trabalho da 4ª Região. Recorridos: Sindicato das Indústrias Químicas no Estado do RS e Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Químicas e Plásticas de Estância Velha.
  19. Cf. reportagem da revista Isto É, de 17.12.97, à p. 108 : "Tudo pelo emprego".
  20. Decisão proferida pela Seção Especializada em Dissídios Coletivos do TST em 15.04.97, Acórdão n. 448, Relator Min. Antônio Ribeiro.
  21. Apud: BUENO DE CARVALHO, Amílton. "Flexibilização x Direito Alternativo". In: SOUZA JÚNIOR, José Geraldo e AGUIAR, Roberto (org.).Introdução crítica ao direito do trabalho. Brasília, UnB, 1993, p.97-102.
  22. BUENO DE CARVALHO, Amílton, op.cit, p.101.
  23. Cf. Acórdão n. 4310 da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do TST, publicado no DJ de 19.09.97, à p. 45817. Embargo em Recurso de Revista. Embargante: Mineração Morro Velho Ltda. Embargados: Valdir Margarido dos Santos e outros. Relator: Min.Rider Nogueira de Brito.
  24. PIMENTEL, Marcelo. Lei do trabalho temporário erra o alvo. In: Caderno "Direito e Justiça" do Correio Braziliense de 30.03.98.
  25. Cf. matéria do jornal "Hoje em Dia", de 13.02.98, à p. 9: "Salej critica o custo estadual".
  26. Apud: ALTENFELDER SILVA, Rui Martins. O novo perfil das relações trabalhistas. In: Correio Braziliense, 20.02.98, p.17.
  27. Cf. reportagem Le travail en miettes, à p. 43 da revista "Le nouvel observateur", de 5-11 / fevereiro de 1998.
  28. CAMARGO, José Márcio. Entrevista ao Jornal de Brasília, 15.03.98, p.11.
  29. Cf. Acórdão n. 448 da Seção Especializada em Dissídios Coletivos do TST, publicado à p. 22142 do DJ de 23.05.97. Relator : Min. Antônio Fábio Ribeiro.
  30. FERREIRA FILHO. Op. cit., p. 306.
  31. NASCIMENTO, Amaury Mascaro. Teoria da Norma Jurídica Trabalhista. São Paulo, Ed. Ltr, 1976, p.21.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GÓIS, Ancelmo César Lins de. A flexibilização das normas trabalhistas frente à globalização. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 45, 1 set. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1145. Acesso em: 25 abr. 2024.